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26 julho 2025

Polimento da Pedra - Imigração


A história que vou contar passou-se há muitos anos numa guilda, algures na história do mundo.
Estávamos ainda na construção do 1º templo de Salomão. O Mestre Arquiteto do Templo já não
era Hiram Habiff...

...mas essa história... Bem, fica para outra ocasião.

As guildas eram compostas por pessoas com a mesma profissão que se juntavam para debater
assuntos de variada ordem, laboral e não só. Esta guilda tinha um nome hebraico ”ha-moreh”1 e
era a guilda de Noah, o Aprendiz que estava a estudar os instrumentos da arte da pedraria e que
já se encontrava num estágio avançado da sua formação.

Num certo dia de luz os obreiros juntaram-se para tomar a refeição e discutir alguns dos assuntos
que os preocupavam.

Paulo um dos Oficiais da guilda, conhecido pela sua justiça e imparcialidade, era um dos
elementos que pautava pela união e alegria daquele grupo. Era ele que orientava Noah nos seus
trabalhos.

Pedro, outro oficial da guilda, era reconhecido entre todos como uma pessoa que pautava a sua
conduta pela igualdade. Tinha uma grande força de caráter e era visto como o justo herdeiro das
funções de João.

João era o mestre que, estava à frente de tão responsabilizável obra. Foi eleito por ser um
homem sábio, reto e ponderado.

Noah já tinha um conhecimento bastante avançado acerca das suas funções, dos seus
instrumentos de trabalho e das possibilidades que estes lhe ofereciam no seu estado final. Sentia
cada vez mais que era um membro da guilda e que estava a percorrer um caminho muito positivo
através dos seus trabalhos.





Já no final da refeição um dos irmãos da guilda, um pouco irritado com o facto de Pedro lhe estar
sempre a chamar à razão, afirmou bem alto:

— Mas o que queres tu dizer com isto?! Estamos nós a dar de comer aqueles que não são da
nossa terra? Primeiro nós, e a seguir os outros. Eles nem sequer pensam e agem como nós. A
cultura deles é distinta da nossa. Eles estão todos a destruir o espirito que existia na construção
deste templo. Está tudo muito pior. Temo que isto tudo acabe muito brevemente.

— André, meu irmão — disse Pedro compassadamente e sem irritação— temos de pensar que
eles são seres humanos tal como nós. Têm as mesmas necessidades, têm o direito de ter um
teto para morar e comida para sobreviver. Só porque uma minoria é criminosa, não podemos
colocar todos no mesmo saco. Além disso, se proporcionares a todos os cidadãos boas
condições, ninguém vai sentir necessidade de roubar ou extorquir. É a lei da vida, é a justiça que
temos de fazer aos seres humanos.

— Isso parece tudo bonito Pedro mas quando te assaltarem a ti e á tua família vamos ver como
reages e se continuas a pensar da mesma maneira.

— Claro que penso da mesma maneira. Em momento algum disse que não deveriam obedecer
ás nossas normas. Em nossa casa, as nossas leis. Se cometerem algum crime terão de ser
julgados cá.

— Aos poucos eles vão-nos substituindo. Qualquer dia estaremos em vias de extinção - afirmou
André, triunfante.

Entretanto, Paulo, ao ver que a discussão estava a ganhar certas proporções, resolveu intervir
de forma enérgica, como era seu costume.

— Meus Irmãos, penso que só há uma maneira de resolver este assunto. A verdade é que não
podemos deixar entrar toda a gente pois, não temos capacidade para tal. Por outro lado, estamos
a falar de seres humanos. Não podemos deixar de lhes dar condições sobrevivência. Para
sermos assertivos, devemos criar regras para que possam usufruir das nossas condições. É na
criação de regras de acesso que podemos encontrar todos estes problemas resolvidos.

Paulo foi assertivo. Parecia que aquela face da pedra cubica estava finalmente perpendicular e
bem nivelada. Faltava verificar as outras faces para averiguar se a “pedra deste assunto” estava
realmente perfeita.

Depois da intervenção da Paulo, ficaram todos calados. Parecia que estava o assunto resolvido,
até que Noah resolveu intervir de forma tímida, mas bem ciente do que iria dizer.

— Se me permitirem, — afirmou com cautela, pois não costumava falar quando as discussões
eram assuntos assim tão expansivos — penso que o que disseram até agora está tudo bem,
mas acho que há um pormenor que ninguém se lembrou. Até agora vocês estiveram a tratar do
tema como se fossem pessoas isoladas. Ainda não falámos das famílias. Também não se falou
da necessidade de termos mais mão de obra para trabalhos menores, aqueles que ninguém querfazer. Acho que são duas coisas que é preciso ter em consideração. E, no que diz respeito ao
último aspeto, podemos nós próprios ficar a ganhar na construção do nosso templo.

— Tens toda a razão, meu jovem aprendiz – disse André com a sua preeminência habitual e
cofiando a sua farta barba — a par da criminalidade e da nossa extinção, ainda temos de levar
com o desemprego criado pela vinda deles e com as famílias numerosas que nos vão substituir
a todos.

— Não me referia ao desemprego gerado pela vinda das pessoas, até porque os lugares que
vão ocupar normalmente são de profissões que nós normalmente rejeitamos. Aquelas que, pela
nossa arrogância nos recusamos a executar. Se forem eles a ocupar esses lugares estaremos a
ajudá-los, desde que não lhes tiremos a dignidade enquanto pessoas.

— Noah, Noah — disse André com desdém — não aprendeste nada desde que aqui chegaste.
Infelizmente, se calhar vais ter de passar mais uns tempos a conhecer os desígnios desta guilda.
Ao verem esta arrogância por parte de André, Paulo interveio com a força de um martelo:
— André, não podes falar assim com Noah, já te esqueceste de como eras? Vamos lá a ter tento
na língua.

Pedro prevendo a intensificação do cenário, tentou controlar a contundência de Paulo, intervindo
com a sabedoria do cinzel, controlando a sua agressividade e sem deixar de os tratar com
igualdade.

— Vamos ter ponderação nas palavras. André, tens de pedir desculpa a Noah. Estamos a dar
as nossas opiniões e todas são válidas, independentemente de tu as aceitares ou não...
Entretanto João, ao ouvir toda esta argumentação interveio, no sentido de terminar aquela
discussão que já se estava a tornar infrutífera.

— Meus irmãos — começou por dizer interrompendo Pedro de forma fraterna, calma,
descontraída e brincalhona — vamos acalmar os ânimos. Afinal ainda estamos cá todos. André
só está à espera que lhe encham o copo para ficar mais calmo. Temos de conversar com os
nossos novos irmãos, ser mais fraternos, independentemente da sua proveniência. Só assim
eles se vão sentir bem ao pé de nós.

Ao dizer isto, as caras dos obreiros, que eram de zanga, passaram a envergar um sorriso. André
percebeu que se excedeu e que tinha de mudar a sua atitude. João continuou, agora mais sério:

— Todos vós deram parte da solução. André mostrou que haviam alguns problemas com estas
taxas de aceitação excessivas e que elas podiam interferir na construção do templo. Pedro
mostrou o lado humano que não deveremos descurar. Paulo referiu que temos de criar regras
para colmatar os problemas descritos por André, e Noah mostrou o lado mais realista da questão.

Portanto, todos foram importantes para a solução do problema. Estamos todos de parabéns.
Vamos brindar e ter com as nossas famílias. Amanhã veremos como colocar em prática o que
discutimos hoje. Vamos aceitá-los fraternalmente, agora só falta discutir como.João mostrou ser um bom líder. Com a sua forma descontraída terminou uma discussão que se
estava a mostrar cada vez mais acesa e que poderia terminar com o afastamento de obreiros da
sua guilda. Mostrou a importância que todos têm para a resolução de um problema. E mostrou,
também que não são as atitudes e pensamentos extremistas que levam a boas soluções. O que
levou à solução foi a discussão bem conduzida.

Por sua vez Noah aprendeu muito com este episódio. Em primeiro lugar que todos os seres
humanos são colocados no mesmo nível, pois são todos iguais enquanto Homens. Também
aprendeu que um líder, como demonstrou ser João, deve agregar e não dividir, dando a
importância que todos têm para a tomada das decisões. Por fim, que o conhecimento das ideias
extremistas são necessárias para chegar a conclusões moderadas e válidas. Essas conclusões
devem ser moderadas pelo uso correto dos instrumentos. Com isto Noah sentiu que os seus
valores já mais desbastados. Só lhe falta polir a sua pedra para chegar mais perto da perfeição.

Nota: O texto aqui lido foi integralmente escrito pelo autor, D∴ G ∴
. Não foi utilizada a Inteligência Artificial.

D∴ G∴ 

23 julho 2025

Caminhos que se Cruzam: A Liberdade de Discordar na Maçonaria

A Maçonaria constrói-se no encontro de pedras brutas. 

No silêncio do Templo, mas também na fricção de ideias, no debate fraterno, na busca sincera de sentido. Quando dois Mestres discordam sobre o modo certo de acompanhar os Aprendizes, a discussão que nasce não é um problema. É um sinal de vitalidade.

Foi precisamente isso que aconteceu numa troca de ideias recente entre dois Irmãos, dois Mestre Maçons e eternos Aprendizes. Um confronto respeitoso entre duas formas de entender o papel do Mestre na formação dos mais novos, um diálogo intenso que revelou, mais do que certezas, dois caminhos possíveis dentro da mesma Tradição.


Presença Activa

Para um dos mestres, acompanhar significa estar presente, literalmente. Um Mestre deve sair do templo com os Aprendizes quando estes necessitam de sair, por a loja subir de grau, por exemplo. Deve dirigir os seus trabalhos, orientar os seus raciocínios, corrigir os seus erros logo à nascença. A ideia é simples, se queremos formar bons Maçons, temos de estar próximos. 

O abandono é o inimigo silencioso da Iniciação, quem defende esta posição acredita que muitos dos desvios que vemos em alguns Irmãos mais avançados talvez tenham começado precisamente aí, na ausência de quem os orientasse no momento certo.

Este modelo, mais próximo da pedagogia clássica, propõe que o erro deve ser evitado na origem e que a primeira abordagem a um conceito deve ser guiada, para que o entendimento não fique enviesado. Há aqui um zelo, até nobre, que parte da convicção de que se deve cuidar do Aprendiz como quem planta uma árvore.  É preciso tutorá-la, protegê-la do vento, guiá-la na direcção certa.

Após o aprendiz ter as suas raízes estáveis, pode partir para um caminho solitário e de autoaprendizagem pois, a profundidade das raízes não vai permitir que ele saia do terreno em que se encontra.

Confiança na Jornada

Mas há outra forma de ver a mesma floresta. A Maçonaria é, por natureza, um caminho individual, cada um trilha o seu percurso de aperfeiçoamento com as ferramentas que lhe são dadas e claro também com as que for buscar por si próprio. A presença dos Irmãos é essencial, mas não para orientar os raciocínios, corrigir erros ou dirigir os trabalhos. É para inspirar, esclarecer quando solicitado, abrir portas e respeitar o ritmo de cada um.

Nesta visão, o erro faz parte do processo iniciático, não deve ser evitado a todo o custo, mas sim integrado, compreendido e ultrapassado. Não há crescimento sem tentativa e não há liberdade sem responsabilidade. 

Os Aprendizes são buscadores, com intuições próprias, dúvidas legítimas e formas únicas de interpretar os símbolos. A instrução existe. e é crucial, mas nem toda se dá com um Mestre ao lado. Ela acontece nas suas buscas, em Loja, entre colunas, no exemplo dos outros, nas leituras, na repetição do ritual, nas pranchas, na reflexão individual. 

O Mestre pode orientar, provocar, lançar desafios. Mas se precisar de estar sempre presente para que algo aconteça, talvez esteja a impedir mais do que a ajudar.

O Que Está em Causa

No fundo, o desacordo não é sobre a importância da instrução, nisso concordam. A questão é o método, e, acima de tudo, o limite entre orientar e condicionar.

A posição da Presença Activa parte de uma boa intenção, evitar os desvios e erros precoces de forma que o caminho se faça sem percalços. Mas corre o risco de transformar o processo iniciático numa tutoria constante, que restringe o leque de ideias ao essencial e direcciona a forma de pensar. 

Da mesma forma que o erro pode ser aceite, também existem exemplos de erros que saíram caros tanto à maçonaria como às lojas e, individualmente, aos próprios maçons. Assim, uma Presença Activa ajuda a que o erro seja evitado desde o início.

A posição da Confiança na Jornada defende que o verdadeiro Mestre é aquele que aponta o norte e depois confia que o Aprendiz saberá, a seu tempo, lá chegar, mesmo que se possa perder algumas vezes no caminho.

Pode errar? Claro. Mas também pode surpreender. A Maçonaria precisa, talvez mais do que nunca, de aprendizes que surpreendam, não que repitam, que errem, mas que aprendam.  

Discordar Também é Construir

No fim deste diálogo, ninguém perdeu, só a Maçonaria ganhou. Ambos têm razão na sua visão. Um vê os perigos do abandono; o outro, os riscos do excesso de tutela. Do mesmo ritual surgiram duas interpretações diferentes.

Ambos protegem o que mais importa, o processo de crescimento. A discordância é sobre a distância certa a manter e sobre o que significa, afinal, "acompanhar".

Talvez, como em quase tudo na Maçonaria, a resposta esteja no equilíbrio. Entre presença e ausência. Entre direcção e liberdade. Entre o malhete que guia e o silêncio que permite descobrir. Porque cada caminho é único, mas nenhum se faz sozinho. 

Mais vale discordar e debater, do que afirmar a embirrar. 

João B. M∴M∴ /  D∴ G∴ M∴M∴