11 julho 2025

Como encontrar a Pedra Filosofal

Nos finais do último milénio, um jovem feiticeiro de nome Harry Potter viveu uma aventura que reacendeu o fascínio por um dos maiores mistérios da tradição esotérica, a Pedra Filosofal. Guardada nos subterrâneos da escola de magia de Hogwarts, protegida por encantamentos, dizia-se que essa pedra podia curar qualquer mal, conceder vida eterna e transformar metais comuns em ouro. 



Ao longo dos séculos, alquimistas desde as margens do Nilo até às bibliotecas da Europa medieval dedicaram-se incansavelmente à busca da Pedra Filosofal. Uns diziam que era um pó vermelho, outros um cristal brilhante, mas todos acreditavam que, uma vez descoberta, mudaria o mundo. Se alguém a encontrou, guardou muito bem esse grande segredo. pois o que resistiu ao tempo dos tempos foi a ideia. Um símbolo de algo maior, uma promessa de transformação total, não da matéria, mas do próprio ser humano.

Hoje, há quem a procure noutras oficinas, já não se usam caldeirões, colheres de pau ou retortas de vidro, mas malhetes, esquadros e compassos, não para manipular matéria, mas para trabalhar o espírito. Onde antes se fundiam metais, hoje talha-se o carácter, a pedra a encontrar não está fora, está dentro. É a nossa natureza bruta, imperfeita, que precisa de ser moldada com esforço, consciência e perseverança. E os instrumentos, embora simbólicos, são reais naquilo que exigem, silêncio, reflexão, disciplina e vontade.

Nesse processo, há quem siga um método, um caminho estruturado, transmitido por gerações, onde o simbolismo das ferramentas e dos gestos não serve para construir catedrais de pedra, mas para erguer um templo interior. Cada grau representa uma etapa da sua grande obra, o Aprendiz aprende a calar e a observar, o Companheiro investiga e explora, o Mestre assume a responsabilidade da sua própria transformação. É um processo exigente, mas claro, um mapa espiritual codificado em linguagem de construtores.

O caminho faz-se por etapas. Aprende-se a escutar, a duvidar, a reconhecer o erro. 

Cada avanço é uma pequena transmutação da ignorância em lucidez, do egoísmo em fraternidade, da vaidade em humildade. 

A pedra cúbica, símbolo de equilíbrio e perfeição, é o ideal a alcançar não para brilhar aos olhos dos outros, mas para integrar o edifício interior de quem somos.

A Pedra Filosofal não é algo que se possui, mas sim algo que se procura. É um caminho de aperfeiçoamento constante, onde cada gesto consciente nos aproxima do que podemos ser. Os antigos resumiram essa jornada numa fórmula enigmática: V.I.T.R.I.O.L. Visita Interiora Terrae Rectificando Invenies Occultum Lapidem. Visita o interior da terra, e rectificando encontrarás a pedra oculta, essa Pedra Filosofal é o melhor de nós, ainda por revelar.

João B. M∴M∴


07 julho 2025

O momento antes do último degrau

Conhecemo-nos há mais de trinta anos. Partilhámos colégio, tardes de conversa, viagens longas e silêncios confortáveis. A vida levou-nos por caminhos diferentes, sempre tivemos apetências profissionais diferente, mas a nossa vida mesmo sendo às vezes paralela, outras vezes afastada,  nunca esteve completamente desencontrada. 

Quando nos voltámos a cruzar com mais profundidade, eu já tinha encontrado na Maçonaria um espaço de construção interior, de questionamento e de sentido. E foi com naturalidade, embora com a responsabilidade que o gesto implica, que lhe estendi o convite.

Espantado e em dúvida, aceitou. Sem grandes cerimónias, como quem reconhece um caminho antigo, mas aquela questão de "Mas porquê Eu?". Desde então, não parou.

Vejo-o hoje, aplicado Companheiro já na soleira da porta do Oriente e reconheço nele a mesma dedicação e curiosidade que sempre admirei. Estuda o ritual até aos seus últimos pormenores, não para exibir, mas para honrar, entrega-se com precisão à liturgia, e é no silêncio da Coluna da Harmonia que mais se dá a conhecer. A música que ali brota, não é apenas som, é um traço da sua alma que nos tem embelezado as sessões nos últimos tempos.



O GADU, e também os mestres desta respeitável loja, decidiram que na próxima quarta-feira será elevado ao Grau de Mestre. Sei que está pronto, embora seguramente ele o duvide. Mesmo os mais fiéis podem ser provados, e é precisamente por manter-se firme, sem ceder ao que é fácil ou imediato, que poderá um dia reencontrar o que parece ter sido perdido.

Mas essa dúvida é necessária, porque o último degrau não se sobe com certezas, sobe-se com entrega. O ritual que o espera não é apenas uma cerimónia, é uma travessia. E nesse caminho entre sombras e símbolos, entre a perda e a luz reencontrada, cada gesto será mais verdadeiro quanto mais for sentido, e não apenas compreendido.

É um momento solene mas também íntimo, morre-se em silêncio, e renasce-se no olhar dos que nos reconhecem. O que se passa dentro daquela Loja, quando as luzes se apagam não se explica: vive-se, transforma.

Para mim, como seu padrinho, este momento tem um significado que as palavras não abarcam. É um círculo que se fecha, ou talvez uma espiral que se eleva. Espero que ele leve consigo não apenas os sinais, mas o sentido, que veja para além do véu, não com os olhos da razão que sempre cultivou, mas com a lucidez de quem aceita que há verdades que não se provam, apenas se vivem.

Que não te falte a coragem de acreditar no que ainda não entendes por inteiro e se continuares a duvidar, que te lembres, os degraus não nos são dados para subir, são nos dados para crescer.

João B. M∴M∴

30 junho 2025

IA e Maçonaria: uma nova ferramenta ou um atalho perigoso?

 “O que chamas de prompt engineering, eu chamo de preguiça mental.”

“Se usares isso para fazer pranchas, deixas de pensar por ti.”

“Isso do chatgpt, não é trabalho”

“Vai dar cabo do espírito iniciático.”

Ouvi tudo isto, e mais alguma coisa, de Irmãos que respeito e admiro e percebo o seu ponto de vista. A Maçonaria é, acima de tudo, um caminho pessoal, é natural que, quando se introduz algo novo, especialmente algo que parece vir do mundo da superficialidade, surjam resistências. É humano e os Maçons, mesmo que super Humanos, não deixam de ser Humanos.

Mas também é humano evoluir.

Depois de algumas discussões em conversas, àgapes ou até em Loja, de trocas de ideias mais acesas, outras mais serenas, decidi partilhar o meu ponto de vista sobre o papão que é a Inteligência Artificial, principalmente na "pessoa" do Sr ChatGPT. Não tenho certezas, nem quero ter razão, mas talvez o meu percurso com a Inteligência Artificial, ajude a desmontar alguns receios e a abrir espaço para um debate mais honesto.

Comecei com desconfiança, como qualquer um, mesmo usando-a profissionalmente nunca imaginei passar a fronteira para a vida pessoal profana e para os caminhos que percorro no templo. A primeira vez que pedi ajuda ao ChatGPT para uma prancha, o que recebi foi muito fraco, lixo, um texto genérico, sem sal, sem ponta por onde se lhe pegue, foi directamente para o arquivo morto. Mas a experiência ensinou-me que a IA não substitui o esforço, só responde à pergunta. E se a pergunta for mal feita, a resposta também o será.

Com o tempo, aprendi a usá-la para aquilo em que é realmente boa, pesquisar referências, estruturar ideias, encontrar pontes entre temas improváveis. Um dos casos mais curiosos foi um texto neste blog que escrevi sobre o que une o futebol e a Maçonaria, sem IA, talvez nunca tivesse avançado com ele. Com IA, penso que consegui fazer uma travessia de conceitos, símbolos e vivências que me surpreendeu a mim próprio. A "prompt" (o texto que se dá à IA para gerar algo) foi mais longa que a prancha final, mas valeu a pena.

Com o uso percebi que não se pede à IA que escreva por nós,  pedimos-lhe que penso conosco.

E tal como um Maçom usa o cinzel para desbastar a pedra bruta, eu uso a IA como ferramenta, não me tira o trabalho, mas ajuda-me a ver melhor onde cortar, onde polir, onde aprofundar.

Sim, há quem diga que isto tira autenticidade. Mas o que é mais autêntico? Um texto vazio, mas “feito à mão”, ou uma prancha onde cada frase foi revista, debatida, ajustada até que fizesse sentido, mesmo que com ajuda digital?

A diferença está na intenção, e a IA, como qualquer ferramenta, pode tanto ser usada para empobrecer como para enriquecer. O problema não está nela. Está em nós, ou como se diz corriqueiramente o problema está sempre entre a cadeira e o teclado.

Usar o ChatGPT sem contexto ou reflexão é como chegar ao gabinete de um arquitecto e dizer “quero uma casa”. Qual seria o resultado? A IA, tal como o arquitecto, devolve algo verdadeiramente alinhado com a visão do autor/dono da casa. A casa continua a ser nossa, mesmo que tenha sido desenhada com apoio especializado do arquitecto, o mesmo se aplica a um texto, uma ideia ou uma prancha, a autoria reside na clareza da vontade e na qualidade da orientação, não apenas no instrumento usado. 

Também já ouvi que “isto vai matar o espírito iniciático” e a verdade é que a IA não tem espírito nenhum, o espírito vem de quem a usa. E, até ver, nenhum Maçom deixou de ser Maçom só por ter usado uma nova forma de estruturar pensamentos.

Aliás, talvez o maior valor desta nova tecnologia esteja precisamente aí. Ensinar-nos a fazer melhores perguntas e a estruturar melhor as nossas ideias. A Maçonaria, mais do que dar respostas, sempre foi a Arte de perguntar bem.

Como dizia Einstein:
“The important thing is not to stop questioning. Curiosity has its own reason for existence.”

No fundo, a IA pode ser mais um espelho. Tal como cada um vê algo diferente diante da pedra bruta, cada Maçom verá nesta nova ferramenta aquilo que traz dentro de si. Há que abraçar a mudança e a evolução com vontade. 

"The greatest enemy of change is the illusion of security.",  John C. Maxwell



João B. M∴M∴ e também o Sr ChatGPT


26 junho 2025

Carta ao meu afilhado


Tenho apenas um afilhado na maçonaria. Lamento muito que quando da sua iniciação, não tinha a experiência e a maturidade maçónica que tenho agora. Fiz e faço meu melhor por ele, mesmo a distância. Entretanto, se pudesse voltar no tempo, gostava de ter-lhe escrito a seguinte carta:


Meu querido afilhado e agora irmão,

É com profunda satisfação e responsabilidade que me dirijo a ti, nesta nova jornada em que te encontras, como teu padrinho maçónico. Hoje, desejo partilhar contigo algumas reflexões e conselhos que acumulei ao longo dos anos, na esperança de que te proporcionem algum conforto e orientação nesta senda de aprendizado e descoberta.


"Tudo podes, mas nem tudo te convém." Ao refletires sobre estas palavras, verás que se trata de um convite à consciência sobre as escolhas que irás fazer. Na maçonaria, encontrarás um horizonte vasto, repleto de oportunidades para expandires teu entendimento e tua prática. No entanto, escolher o melhor caminho às vezes requer que sejamos prudentes em nossas ações e ponderemos os impactos que possam gerar.


Muitas vezes vais questionar-te sobre teu papel e propósitos aqui. Estes momentos de dúvida são preciosos, uma vez que estimulam o pensamento crítico e te incentivam a buscar respostas dentro e fora de ti. Nunca hesite em explorar esses questionamentos, pois eles serão alicerces para teu aprimoramento.


"O silêncio será teu maior amigo durante o teu tempo de aprendiz." Cultiva a prática de observar e escutar atentamente, pois no silêncio reside uma poderosa capacidade de compreensão. Nele, poderás encontrar o espaço necessário para introspeção e para o verdadeiro entendimento dos símbolos e das lições que te são apresentadas. 


Por vezes, serás corrigido, chamar-te-ão a atenção, nem sempre de maneira cuidadosa. Ficarás frustrado. Mas garanto-te que um dia entenderás os motivos. É simples: nossos irmãos querem o nosso bem.


Respeitar as tradições é uma das formas mais nobres de honrar o legado maçónico. Cada ritual, cada palavra proferida e cada símbolo carregam séculos de história e sabedoria, cuidadosamente preservados para que possamos deles aprender. Ao envolver-te nestas práticas, lembra-te de que não se trata apenas de repetição, mas de uma conexão viva com os irmãos que vieram antes de nós.


Verás que a compreensão dessas tradições exige tanto humildade quanto dedicação, pois elas não são meras formalidades, mas sim pilares que sustentam a identidade e a unidade da nossa ordem. Valoriza-as, pois nelas reside a essência do que significa ser maçom.


Compreenda que "a caminhada é individual, mas não solitária." Esta jornada envolve crescimento pessoal, mas és parte de uma fraternidade que compartilha valores e aspirações comuns. Existe uma rede de irmãos sempre pronta a apoiar-te, a ser motivação e a oferecer o ombro quando dele necessitares. Aproveita essa comunhão para partilhar o melhor de ti e acolher o que os outros têm a oferecer. Contudo, estará entre pessoas com diferentes níveis de empenho; será importante manter foco nos que realmente compartilham o compromisso com os ideais maçónicos.


A simbologia que permeia a maçonaria é a linguagem mais antiga para transmitir conhecimento e tradições. Estes símbolos são como chaves que abrem portas para um entendimento mais profundo. No entanto, para que a simbologia tenha sentido, é essencial tua presença em loja e teu empenho no estudo. A vivência dos rituais e o estudo cuidadoso dos símbolos permitir-te-ão desvendar um pouco mais os mistérios e beleza da ordem maçónica. E lembre-te sempre: o segredo da maçonaria é a própria maçonaria.


Posso mostrar-te o caminho, mas a escolha de segui-lo é apenas tua. Cada etapa demanda um compromisso pessoal, e cabe a ti decidir como trilharás tua trajetória. Esculpe tua jornada de acordo com teus valores e princípios. Lembra-te de que "o tempo é teu. Não estamos em uma corrida." Aprende a saborear cada aprendizado, cada ritual e cada convivência, pois cada elemento tem sua importância e potencial para transformar-te.


Farei meu melhor para ser um bom exemplo para ti, mas lembra-te de que também sou falho. A beleza da maçonaria está em seu ideal; seus irmãos, por outro lado, são humanos e suscetíveis a erros. É essencial que mantenhas em mente que todos estamos aqui para aprender e evoluir juntos. Vê isso como um encorajamento para que sejas indulgente com os outros e contigo mesmo.


Conforme cresces na maçonaria, crescem tuas responsabilidades. Ao passares de grau, muitos olharão para ti como um guia. Que tua presença seja uma reflexão de justiça, integridade e sabedoria. E lembra-te, cada grau é tanto um privilégio quanto uma obrigação de promover a harmonia, o bem e o crescimento coletivo.


Não deixe que o teu ego atrapalhe tua caminhada. Será tentador mostrar o quanto sabes, o quanto cresceste, os progressos que fizeste. Mas antes de deixar que o teu ego assuma tuas atitudes, pergunta-te: “O que agregarei à minha loja com isto?”. Se a resposta não vier, cala-te.


Finalmente, acolhe cada ensinamento com o coração aberto e a mente curiosa. Permite que eles te guiem em direção a um sentido maior de propósito, e lembra-te que meu apoio é constante.


Com sinceridade e carinho, um abraço fraterno

Teu Padrinho”

 

Fábio Serrano, MM

Junho de 6025



25 junho 2025

Como entrar na Maçonaria?

Este é um tema já por várias vezes falado neste blog, mas que continuará sempre a sê-lo, porque a pergunta volta e meia aparece: como se entra na Maçonaria?

A resposta, na verdade, é simples: há dois caminhos possíveis.

  1. Ser convidado por um maçom. Aqui convém desfazer um mito, o convite não costuma surgir do nada, é quase sempre dirigido a alguém que já se conhece, em quem se confia, e cujo carácter foi sendo naturalmente observado nas relações do dia-a-dia.

  2. Autopropor-se. Para tal, contactar uma Loja ou GLLP/GLRP, há quem pense que possa ser visto como falta de educação ou atrevimento, mas não o é. É um tão válido como se um convite se tratasse.

Agora, seja por uma via ou por outra, há sempre requisitos base para que uma candidatura possa ser considerada:

  1. Ser crente (não importa a confissão religiosa, mas é necessário acreditar num princípio superior).

  2. Ser um homem livre e de bons costumes.

  3. Estar de boa fé.

  4. Ter a vida organizada e poder assumir as despesas inerentes à condição de maçom (joia, quotas), sem que tal cause prejuízo à família ou às responsabilidades civis.

  5. Não ter antecedentes criminais (é preciso o registo criminal).

Depois disso, segue-se um processo normal e transparente. Alguns Irmãos conhecem o candidato, conversam, compreendem as suas motivações, esclarecem dúvidas, e levam as suas conclusões para validação da Loja, só após validação da Loja se procederá à Iniciação.

Este é explicação simples do nosso processo, mas naturalmente os métodos variam consoante as Lojas,  Obediências e os países.

Em Inglaterra, por exemplo, a entrada faz-se quase sempre por convite, e o percurso passa habitualmente por uma série de jantares e encontros informais, que permitem que ambas as partes se conheçam. Nos Estados Unidos, pelo contrário, é habitual que seja o próprio interessado a tomar a iniciativa, aliás, há até o conhecido lema "to be one, ask one", muitas Lojas promovem sessões de esclarecimento abertas a quem deseje saber mais.

Por cá, em Portugal, pode encontrar-se um pouco de ambos os estilos, consoante a Loja e as circunstâncias, no fim, porém, o que conta é o mesmo. Um caminho pessoal, feito com autenticidade e seriedade, por quem tem vontade de se transformar e de contribuir para transformar.

Como alguém escreveu uma vez: “entrar na Maçonaria não é como entrar para um clube, é entrar para um caminho.”

E já sabes, se vens por bem, não te acanhes, bate à porta, que serás muito bem-vindo.

Se tiveres dúvidas ou curiosidade sobre este caminho, podes sempre usar o email que está no meu perfil.

João B. MM



19 junho 2025

Quando é que uma piada deixa de ser piada?

Vivemos tempos curiosos, humoristas em tribunal por piadas que geram processos. Juízes a decidir o que se pode ou não dizer em palco, um comediante condenado porque, dizem, as suas piadas passaram do riso à ofensa. Não estou dentro dos assuntos destes casos actuais em concreto, o que me interessa é o dilema que fica no ar. Até onde vai, ou deve ir, a liberdade de expressão? Quando é que uma piada deixa de ser apenas isso?

Sou alentejano, cresci a ouvir anedotas sobre alentejanos, umas com graça, outras nem tanto. Nunca me passou pela cabeça meter alguém em tribunal por causa disso, talvez devesse ter feito e enriquecido à base de indemnizações. Mas imagine-se, se alguém me disser “João, seu alentejano preguiçoso”, o que é isto? Uma piada? Uma provocação? Uma ofensa? Depende de quem diz? Depende do tom? Do contexto? Se for num jantar entre amigos? Se for num espectáculo de stand-up? Ou se for em resposta a este post? Deduzo que a linha exista, mas alguém sabe exactamente onde?



E os humoristas, devem ter mais liberdade do que os outros? Mas não deveriam ter também mais responsabilidade? Não é o humor, por natureza, um exercício arriscado, que vive no fio da navalha entre o que faz rir e o que pode magoar? E, se assim é, não convém que quem o faz tenha noção do risco? E não seria também desejável que quem vive a provocar saiba, por vezes, aguentar o troco?

Depois, claro, há o humor negro. Uma piada sobre um tema duro: doença, tragédia, morte. Está-se a exorcizar um medo, a aliviar um peso colectivo? Ou a gozar com quem já sofre? E se quem ouve não percebe a intenção? Culpa de quem disse? Culpa de quem ouviu? Culpa do mundo em que vivemos?

E aqui chegamos ao que talvez seja o mais delicado. Será que o problema é apenas dos “ofendidos”? Ou também há humoristas que confundem liberdade com impunidade? Que esquecem que o direito de dizer não é o mesmo que o direito de não ouvir respostas? Porque uma piada, mesmo sendo uma piada, não acontece no vazio. Tem contexto, tem consequências e ninguém está acima disso.

Por fim, o ambiente em que vivemos., não só no humor há problemas de limites de expressão, mas no dia a dia também, cada vez mais pessoas já não dizem o que pensam. Não por respeito, mas por medo. Medo de ser rotuladas, atacadas, ou como se diz agora "canceladas". Quantos alinham no discurso do politicamente correcto, ou nas modas da chamada agenda woke, porque é isso que a empresa espera? É mais seguro “ir com a maré” do que arriscar um comentário desalinhado? 

Quantos preferem calar-se em vez de dizer, que querem contractar a melhor pessoa para função? Não o melhor homem, ou melhor mulher, ou melhor que se identifique com algo diferente, mas sim quem for realmente o mais competente para a função e não por necessidade de cumprir quotas inclusivas. 

E em política? Quantos têm hoje coragem para dizer em quem votam, ou que partido apoiam, sabendo que ao fazê-lo correm o risco de ser de imediato rotulados de radicais ou extremistas? Não estará aí um novo tipo de censura, mais subtil, mas nem por isso menos real?

Enquanto maçom, não posso deixar de pensar nisto com preocupação. A liberdade de expressão sempre foi um dos valores maiores que defendemos. Mas não há liberdade sem responsabilidade, nem humor sem limites e nem vida em sociedade sem algum equilíbrio entre o que se diz e o que se ouve.

Não tenho respostas, nem é esse o objectivo deste post, apenas deixo perguntas: 

  • O que é, hoje, uma piada? O que é uma ofensa? Quem decide? 
  • Queremos mesmo viver num mundo onde a fronteira entre uma e outra seja traçada pelos tribunais? 
  • Ou pelos tribunais da opinião pública? 
Talvez valha a pena pensarmos nisto. Se não for a rir, que seja pelo menos com um pouco mais de liberdade.


João B. MM

16 junho 2025

O Futebol e o Espírito da Maçonaria

 

Diz-se, e com razão, que em Loja não se discute futebol. Tal como a política ou a religião, o futebol desperta paixões intensas. As paixões, quando desgovernadas, nunca ou raramente constroem.

Mas há um lado luminoso nessas mesmas paixões, a capacidade de juntar milhares em torno de uma ideia, de um símbolo, de um propósito comum. E quando essa energia é canalizada com elevação, pode erguer verdadeiras catedrais humanas, dentro e fora do Templo.

Há poucas coisas no mundo profano que consigam unir tantas pessoas, de tantos cantos do mundo, como o futebol. Línguas diferentes, culturas opostas, crenças divergentes, e ainda assim, num estádio, ou diante de um ecrã, milhares erguem-se ao mesmo tempo, pelo mesmo motivo.
É um fenómeno de comunhão., de pertença, do símbolo.

E, curiosamente, não está assim tão longe do espírito da Maçonaria.



Também nós, Maçons, vestimos aventais, às vezes, de cores diferentes mas trabalhamos para o mesmo fim. Também nos reunimos em assembleias silenciosas, vindos de mundos tão distintos, para construir em conjunto, também nós acreditamos que, no meio do caos, pode haver harmonia se houver propósito, vontade e elevação.

Ver um clube como o Benfica (peço desculpa aos nãos Benfiquistas, mas a verdade é para ser dita), que tantos Portugueses une, até mesmo entre a diáspora entrar em campo num torneio global como o Mundial de Clubes, faz lembrar-nos que os símbolos têm força. Que a identidade não é apenas um dado biográfico, é um farol.
As Casas do Benfica espalhadas pelo mundo, tal como as Lojas Maçónicas, são pontos de contacto entre mundos, entre tempos, entre memórias. São espaços onde se fala a língua do coração, mesmo quando longe de casa.

Na Maçonaria não se joga para ganhar., joga-se para construir., mas o espírito é semelhante: vencer o ego, ultrapassar o ruído, afinar o compasso colectivo, para que da diversidade surja uma obra comum.

Que este Mundial de Clubes, e os que nele participam, nos recordem que é possível sonhar em conjunto, sem perder o que nos distingue e que no mundo profano, como no Templo, a verdadeira vitória é conseguirmos permanecer fiéis àquilo que nos faz levantar e seguir em frente.

João B. MM