21 março 2008

21 da Março - POESIA (?)


Depois de tanto tempo, para o A-Partir-Pedra foram séculos (!), de ausência conjunta dos "posteiros" domésticos parece-me que seria excessivamente excessivo (!) não termos hoje, aqui, ao menos um cheirinho de poesia, neste dia que se resolveu para recordar os poetas (?) e que é simultâneamente o "Dia da Árvora" e o primeiro da Primavera...
É certamente o dia ideal para comemorar a "Prima Vera"... mas sendo essa uma comemoração demasiadamente terrena e material entenderam os nossos "maiores (?)", salvo sejam, dedicar este dia a algo bem mais espiritual que é a poesia.
Mais espiritual quando é, porque sei de alguns "poetas" que andam por aí e que são tão calhordas que não há poema que os salve.
Depois temos também o dia da árvore. Cá por mim faço o que posso, ou seja, não faço fogo na floresta e ontem plantei duas árvores. Bem, aqui para nós não foram mesmo duas árvores, antes duas plantinhas que, se pegarem, serão trepadeiras.
Mas também este acaso tem a ver com o dia porque também conheço por aí algumas trepadeiras que não interessam a ninguém. Veremos se as minhas pegam e dão algum gozo a quem vier a olhar para elas.

Posto este intróito, aqui Vos deixo algumas pérolas, mais conhecidas umas, certamente menos outras, mas interessantes todas.

A POESIA
I
Correu vales e montes a mentira,
Montada no corcel da fantasia…
Mas ela vai cair, pressente o dia
Em que há-de sucumbir, bufando em ira.
Que lhe teça a mortalha a nossa Lira,
Que seja a sua morte a poesia!...

II
E, em vez de se cantar a formosura
Da mulher elegante e de bom porte;
Cante-se quem motivou a desventura
Daqueles que merecem melhor sorte
- E que, cavando a própria sepultura,
Buscando a vida, só acham a morte!...

(António Aleixo)


OS PÉS AFASTADOS

Os pés afastados,
as coxas em cunha,
joelhos levantados,

a emoção desperta,
a boca entreaberta,

os olhos sem ver,
o corpo a tremer,
a cheia que vem…

… e foi assim,

no início e no fim,

que tu foste mãe!

(Martin Guia)

QUERIA

Queria viver dos teus beijos.
Queria viver do teu ar.
Queria sentir teus desejos.
Queria sentir teu amar.

Queria, queria, ó se queria,
Saber o que sentes por mim.
Para sentir que sentiria,
Que o amor não terá fim.

(Miguel Roza)

De “HANGAR DE SONHOS”

Cheguei há pouco à minha Ilha do Recolhimento. O navio que me trouxe regressa
agora. Já o vejo na busca sem fim do seu novo horizonte. Não aceitei retirar as minhas
malas. Os meus laços com a memória. Não tem valia nem uso a bagagem que trazemos no porão quando aportamos à nossa Ilha do Recolhimento. A pergunta deixou de ser “Quem
sou ? para passar a ser Quem serei? Nem sequer identifico o que sinto. O navio que me
trouxe já não se avista do porto desta ilha onde me encontro. A minha Ilha do Recolhimento.
Sou aqui para sempre!

(Mário Máximo)

AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

(Fernando Pessoa)


Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo que sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

(Forbela Espanca)

SONETO
Meus dias de rapaz, de adolescente,
Abrem a boca a bocejar, sombrios:
Deslizam vagarosos, como os Rios,
Sucedem-se uns aos outros, igualmente.

Nunca desperto de manhã, contente.
Pálido sempre com os lábios frios,
Ora, desfiando os meus rosários pios...
Fora melhor dormir, eternamente!

Mas não ter eu aspirações vivazes,
E não ter como têm os mais rapazes,
Olhos boiados em sol, lábio vermelho!

Quero viver, eu sinto-o, mas não posso:
E não sei, sendo assim enquanto moço,
O que serei, então, depois de velho.

(António Nobre)

BUSQUE AMOR NOVAS ARTES

Busque Amor novas artes, novo engenho
Pera matar-me, e novas esquivanças,
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, enquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê,

Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como e dói não sei porquê.

(Luís de Camões)


JPSetúbal

17 março 2008

Outra vez "Estados Maçónicos da América"

O canal Infinito, incluído no conjunto de canais da grelha básica da TV Cabo, em Portugal, volta a emitir hoje, 17 de Março, a partir da 21 horas, com repetição a partir das 2,30 horas da madrugada de hoje para amanhã, o documentário "Estados Maçónicos da América", que faz parte de um conjunto de quatro documentários com o título genérico de "Sociedades Secretas".

Este documentário tinha já sido emitido pelo mesmo canal nos passados dias 16 e 17 de Outubro de 2007. Na ocasião, publiquei aqui no A Partir Pedra um comentário sobre ele, que agora reproduzo:

Afinal consegui ver o documentário. E gostei. É um documentário sério, bem feito e, sobretudo, com rigor factual. Com efeito, tanto quanto me pude aperceber, todos os factos ali mencionados são rigorosamente verdadeiros. Quanto à sua interpretação ou aos comentários em relação a eles produzidos, posso concordar ou discordar, achar que está certa ou errada, mas impõe-se reconhecer que a postura dos autores do documentário é equilibrada e sensata.

É certo que lá vieram à baila os símbolos maçónicos da nota de dólar e o projecto urbanístico de Washington e ainda o caso Morgan. Mas tudo isso veio a propósito, foi devidamente enquadrado e inserido num relato cronológico da instauração e evolução da Maçonaria em solo americano, feito com uma louvável objectividade jornalística.

Não lograram fugir à tentação de formular questões sensacionalistas e de verbalizar suspeitas sem fundamento? Não, não lograram. Mas o documentário é feito por quem está de fora da Maçonaria e para quem está de fora da Maçonaria. É natural que, por desconhecimento, tenham sido formuladas. É natural que quem está de fora se interrogue sobre o que realmente é a Maçonaria e sobre a razão da sua fama de secretismo. Se tal não nos agrada, somos nós, maçons, que temos de fazer alguma coisa em relação a isso, não quem está de fora e se interroga a nosso respeito.

É a nós, maçons, que cabe a tarefa de desmistificar a nossa fama de secretismo, elucidando sobre os nossos princípios, os nossos objectivos e sobre o nosso método. E também esclarecendo as razões porque não gostamos de divulgar as poucas coisas que não divulgamos. Há tempos, publiquei, aqui no A Partir Pedra, um texto em que, a propósito da Cerimónia de Iniciação, julgo ter esclarecido, de forma entendível por toda a gente, porque não divulgamos como é essa cerimónia. Qualquer pessoa de boa fé entende a lógica da razão apresentada e, assim, não alimenta suspeitas infundadas. Se assim nós, maçons, procedermos, se colocarmos à disposição do conhecimento público tudo aquilo que não é matéria reservada nossa e se, em relação a esta, dissermos claramente que é reservada e apresentarmos a razão por que o é, de forma clara e compreensível, faremos mais pelo derrubar dos preconceitos contra a Maçonaria do que com mil polémicas com os histéricos das teorias a conspiração...

O documentário em causa apresentou factos objectivamente verdadeiros. Efectuou análises sensatas e especulações compreensíveis. Referenciou, mais do que uma vez, a irrazoabilidade das teorias da conspiração e das posições anti-maçónicas dos fundamentalistas religiosos. Formulou perguntas que é natural que quem está de fora formule. É, em resumo, um trabalho sério e de qualidade. Se e quando o canal Infinito o retransmitir, ou o transmitir noutros pontos do globo, recomendo que seja visto por quem tem interesse pela Maçonaria.

Pois bem, a retransmissão é agora! Quem não viu ainda, aproveite agora para ver. Quem já viu, se tiver tempo e vontade, pode rever.

E agora despeço-me durante uma semana inteirinha, que tiro de férias e vou passear... Volto a escrever aqui, se nada o impedir, a partir de terça-feira, 25 de Março. Boa Páscoa a quem a celebra. Dias felizes para todos!

Rui Bandeira

15 março 2008

Loja Lessing 61 completa 128 anos hoje (13Março)

Ora cá temos os nossos Irmãos (duplamente !) Brasileiros em época de festa.

Não há muitas lojas maçónicas no mundo que se possam dar ao luxo de comemorar 128 anos, razão mais do que suficiente para enviarmos um TAF intercontinental a estes nossos irmãos, de parabéns pela data maravilhosa que comemoram.
Vão igualmente os votos de que o GADU proporcione a estes nossos Irmãos muitos mais anos de muito e bom trabalho maçónico.

Que a pedra trabalhada por Vós permita a edificação do templo que o Homem anseia e precisa.


Templo próprio começou a ser construído
em 1895 e é onde as reuniões ocorrem até hoje
Uma das lojas maçônicas mais antigas do Rio Grande do Sul completa hoje 128 anos: a Loja Lessing 61, de Santa Cruz do Sul. A história da maçonaria em Santa Cruz teve início bem antes da expedição do Brevê Constitutivo, documento que representa a Carta Constitutiva vinda do Poder Central – o Supremo Conselho do Grande Oriente do Brasil. Os membros já se reuniam através de triângulos maçônicos. De posse da carta, datada de 13 de março de 1880, fundou-se a Loja Lessing. Mesmo não possuindo templo, os integrantes trabalhavam nas dependências do Clube União. Seu primeiro mestre foi Friederich Wilhelm Bartholomay. Hoje a loja está subordinada às Grandes Lojas, cuja potência foi fundada em 1928. Em julho de 1895 começou a construção do templo próprio, onde até hoje os maçons se reúnem para suas reuniões, na Rua Tenente Coronel Brito. A inauguração do prédio ocorreu em junho de 1897. No ano seguinte foi fundada a Sociedade Beneficente Lessing, com o objetivo de administrar a sede da loja. O primeiro presidente foi Carlos Trein Filho. O nome Lessing veio do maçon alemão Gotthold
Lessing, nascido em 1729, na cidade de Kamenz. Foi dramaturgo, poeta e crítico, de família evangélica-luterana. Estudou Teologia e escreveu sua primeira obra literária, O Jovem Sábio, em 1748. Ele viveu até 1781.

JPSetúbal

14 março 2008

O Filho


Mais uma história edificante que recebi por correio electrónico e que adapto para este espaço:

Um homem muito rico e o seu filho tinham uma grande paixão pelas artes. Possuíam uma valiosíssima e variada colecção de pintura, onde quase todos os grandes mestres, de Rafael a Picasso, de Leonardo a Dali, de Rembrandt a Warhol estavam representados. E passavam juntos horas e horas a admirar as fantásticas obras de arte.

Por desgraça do destino e loucura dos homens, o filho foi para a guerra. Numa batalha, enquanto tentava resgatar um outro soldado ferido, foi atingido e morreu. O pai sofreu profundamente a morte do seu único filho.

Um mês mais tarde, alguém bateu à sua porta. Era um jovem, que trazia uma grande tela nas mãos e que disse ao lutuoso pai:

- O senhor não me conhece, mas eu sou o soldado por quem o seu filho deu a vida. Nesse dia terrível, ele salvou muitas vidas. Estava a abrigar-me num local seguro, quando uma bala lhe atravessou o peito. Morreu instantaneamente. Ele falava muito de si e do seu amor pelas artes.

E, entregando ao aturdido pai a tela que levava, acrescentou:

- Sei que não é grande coisa. Eu não sou grande artista. Mas sei que o seu filho gostaria que eu lhe desse isto.

O homem abriu a tela e viu que era um retrato do seu filho, pintado pelo jovem soldado. Admirou a forma como a personalidade do seu filho fora captada na tela pelo jovem soldado. Quis pagá-la ao seu autor. Mas este recusou. Era um presente, o mínimo que poderia fazer em reconhecimento de quem lhe salvara a vida.

O pai mandou emoldurar a tela e colocou o quadro, de forma bem visível, junto da sua extraordinária colecção de pintura. Sempre que alguém visitava a sua casa, ele mostrava, orgulhoso, o quadro que retratava o filho, antes de mostrar a sua rica colecção de pinturas de famosíssimos pintores.

Algum tempo depois, o homem morreu. O seu testamenteiro anunciou um leilão, onde seria vendida a sua valiosa colecção de pintura. No dia marcado, muita gente e gente muito importante compareceu no local do leilão, muitos antecipando a possibilidade de adquirirem obras de arte de artistas famosos.

Iniciado o leilão, a primeira obra a ser exposta para ser licitado foi o quadro do retrato do filho, que o jovem soldado pintara.

O leiloeiro começou:

- A primeira obra a ser leiloada é este quadro intitulado "O Filho". Não tem base de licitação fixada. Quem dá o primeiro lance?

Silêncio na sala!

O leiloeiro insistiu:

- Quem faz uma oferta por este quadro?

Do fundo da sala, alguém gritou:

- Ninguém se interessa por isso, pintado por quem ninguém conhece! Retire-o do leilão e passe às verdadeiras obras dos artistas famosos! É por essas que todos aguardamos!

O leiloeiro, no entanto, persistiu:

- Quem oferece algo por esta pintura? Duzentos euros? Cem euros?

A sala explodiu em protestos:

- Não viemos cá por essa coisa! Viemos pelas obras de arte a sério: os Van Gogh, os Picasso, os Renoir...

Imperturbável, o leiloeiro continuava a deixar a pergunta, qual ladainha:

- Quem oferece um lance pelo quadro "O Filho"?

Finalmente, de um canto da sala, uma voz tímida disse:

- Eu ofereço dez euros pelo quadro.

Era o jardineiro da propriedade. Era um homem pobre, não podia dar mais. E não se teria atrevido a fazer qualquer oferta, se alguém se tivesse interessado pelo quadro.

O leiloeiro prosseguiu no seu trabalho:

- Há uma oferta de dez euros. Alguém dá vinte?

Mas ninguém fez mais qualquer lance. Aliás, todos pareciam aliviados por finalmente o quadro pintado por um desconhecido ter sido licitado e poder-se finalmente prosseguir o leilão, com as obras de arte a sério!

O leiloeiro, profissional, prosseguiu:

_ Há uma oferta de dez euros. Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três, vendido por dez euros.

E bateu o martelo, assinalando o fim da licitação pelo quadro "O Filho".

Um rumor agitou a sala. Enfim, ia começar o leilão a sério!

Porém, o leiloeiro, largando o martelo, anunciou:

- Senhoras e senhores, muito obrigado pela vossa comparência, o leilão terminou!

Um coro de vozes indignadas fez-se ouvir:

Terminou?!!? Então as pinturas célebres? O Miró? O Modigliani? O Grão Vasco? O...?

O tumulto crescia. Toda aquela importante gente e gente de importância manifestava um indignado ultraje e irada decepção.

Então, vindo de um discreto canto da sala, onde sempre estivera, o testamenteiro tomou a palavra e esclareceu:

- O testamento do dono da fabulosa colecção de pintura por que aqui estais continha uma cláusula, com instruções para ser mantida rigorosamente em segredo até este preciso momento. Embora eu devesse anunciar o leilão de toda a colecção, só o quadro "O Filho" seria posto a licitação. Quem o arrematasse, ficaria com toda a colecção e herdaria todas as demais propriedades e meios de fortuna do falecido. O senhor que arrematou "O Filho" fica com tudo!

Nem sempre as coisas famosas e consideradas são as mais importantes. Todos os trabalhos, ainda que modestos, ainda que executados por desconhecidos, devem ser valorados e apreciados. Esta história é isso mesmo, uma história. Mas tem o mérito de chamar a atenção para a vacuidade muitas vezes inerente à fama, à glória, ao reconhecimento público. O famoso deve a sua fama a um misto de acaso com trabalho e valor. Outros também trabalharão tanto como ele e terão uma valia equivalente à dele, mas o acaso promoveu um e não o outro. O acaso de uma melhor aparência ou de um encontro certo, na hora certa, com a pessoa adequada. Admiremos o famoso. Normalmente, essa fama tem alguma valia subjacente. Mas não ignoremos o desconhecido, não desdenhemos de sua valia, só porque as luzes dos holofotes não caem sobre ele. Afinal de contas, todo o famoso começou por ser um desconhecido!

E, sobretudo, na nossa actividade, trabalhemos, trabalhemos sempre o melhor possível, demos sempre o melhor de nós, façamos o melhor que formos capazes. Devemos a nós próprios executar o melhor possível o nosso trabalho e dar o melhor uso que conseguirmos ao nosso valor. O resto, se vier, vem por acréscimo - e talvez por acaso...

(Ah! E não se enganem: a imagem que ilustra este texto não é o retrato do Filho, pintado por um desconhecido. Esse não consegui localizar... Portanto, optei por uma reprodução de... um auto-retrato de Picasso!).

Rui Bandeira

13 março 2008

O avental do Companheiro


Ao contrário do que sucede com o ritual de Aprendiz do Rito Escocês Antigo e Aceite, o ritual de Companheiro não faz qualquer referência ao avental usado pelos obreiros da oficina do segundo grau.

Os Companheiros podem - como todos os maçons, quaisquer que sejam os seus graus ou qualidades - usar o avental todo branco de Aprendiz maçon. Simplesmente, enquanto os Aprendizes o usam com a aba levantada, pelas razões que aqui expliquei, os Companheiros usam-no com a aba deitada sobre o corpo rectangular do artefacto. A necessidade de protecção do Companheiro é já menor, o seu progresso na Arte Real já lhe permite dispensar uma alargada área de protecção. O seu trabalho na moldagem do seu carácter, no aperfeiçoamento de suas qualidades, na luta contra seus defeitos, já lhe permitiu determinar a forma como a sua pedra se integrará no grande templo projectado pelo Grande Arquitecto do Universo, laboriosa e demoradamente edificado pela Humanidade, desde os alvores da Criação. Agora o tempo é de limar as arestas que ainda subsistem, de polir a pedra, de a aparelhar para que cumpra a sua função, não apenas bem, mas de forma bela e agradável, contribuindo não só para a edificação, mas também para a decoração do Templo Colectivo Supremo.

Tenho para mim que, originariamente, a única distinção que, a nível do avental, existia entre Aprendizes e Companheiros era a forma como era posicionada a aba. O avental, em ambos os graus, era o mesmo.

Modernamente, o avental de Companheiro, continuando a ser confeccionado em pele ou tecido de cor branca, de forma rectangular e cortado em ângulos rectos nas quatro extremidades, apresenta um debruado estreito, na cor do rito, ao longo das suas extremidades (as quatro linhas delimitadoras da sua forma rectangular, mais as duas linhas delimitadoras da aba, formando, em conjunto com a linha superior do avental, um triângulo.

A cor do rito é a vermelha, no Rito Escocês Antigo e Aceite e a azul clara, no rito de York e na sua variante (rito de Webb) em uso nos Estados Unidos. A Maçonaria irlandesa usa a cor verde.

A fina linha colorida delimitadora das extremidades do avental simboliza o estado dos trabalhos do maçon: a sua pedra já tem forma, já é cúbica, o seu trabalho agora é alisá-la, aperfeiçoá-la, desde logo limando as suas arestas.

Na Maçonaria Continental Europeia, o avental de Companheiro acaba por ser o menos usado, apenas durante o tempo em que o maçon permanece no segundo grau.

Um pequeno detalhe importa ter em atenção, para evitar a possibilidade de confusões. Os aventais comummente em uso nas lojas americanas pelos Mestres que não sejam Oficiais da Loja ou Grandes Oficiais é muito semelhante ao avental de Companheiro europeu. Assim, se porventura algum visitante americano comparecer numa loja europeia envergando um avental com linhas de cor estreitas, delimitando as suas extremidades, atenção que, em princípio, não é um Companheiro, é um Mestre Maçon, só que sem ser Oficial de Loja ou Grande Oficial.

Para finalizar, e a título de mera curiosidade: o M do logótipo do Gmail não tem nada a ver com o avental de Companheiro Maçon. É apenas a dita letra desenhada a vermelho num sobrescrito. Não vale a pena imaginar teorias da conspiração...

Rui Bandeira

12 março 2008

Enrique Fugasot, masón caballero


Enrique Mario Fugasot Corbi. Uruguaio. Diplomata. Esteve dois anos e tal servindo o seu País na sua Embaixada em Lisboa. Maçon de muitos anos. Um senhor!

O Enrique juntou-se à Loja Mestre Affonso Domingues na infância desta, na primeira metade da década de noventa do século passado. Todos éramos então muito inexperientes, quase todos maçons de safras recentes, tacteando o caminho, aprendendo a aprender. O Enrique tinha já muitos anos de Maçonaria. E tinha a experiência da vida e o treino de diplomata. Obviamente que se apercebeu da inexperiência de quase todos. Certamente que viu serem cometidos erros que já não cometia há dezenas de anos. Evidentemente que reconheceu as dúvidas e as dificuldades de quem começa e ainda não está seguro do que faz e do que deve fazer.

O Enrique, porém, nunca deixou escapar um qualquer assomo de superioridade, um sinal de enfado, um resquício de impaciência. Integrou-se no grupo e deu-lhe a sua experiência de Irmão mais velho, sem nunca se impor. Quando se cometia um erro, brandamente, na primeira oportunidade, conduzia a conversa de modo a vir a dizer que, lá no Uruguai, se fazia assim e não como aqui fora feito. E, obtida a atenção de todos, explicava, sempre com um sorriso, o porquê de qualquer coisa se fazer assim e não assado e motivava o grupo para fazer bem, sem nunca o ter criticado por ter feito mal. Quando o grupo hesitava sobre o caminho a seguir, o rumo a tomar, a decisão mais adequada, calmamente recordava uma qualquer situação similar que se lhe deparara anos atrás e aconselhava, sem nunca procurar impor, o que lhe parecia o melhor a fazer. Se o sangue fervente da juventude parecia impelir para algum conflito ou desacordo mais áspero, pacientemente recordava a ética que imperava entre nós e que sempre deveria ser respeitada, por muito quente que estivesse a cabeça - e instantaneamente arrefecia todas as cabeças quentes, mostrava o valor da concórdia, a riqueza das diversidades de opiniões, a mais-valia do encontro dos planos de entendimento e das soluções de compromisso.

O Enrique foi um maçon antigo e experiente que, na hora certa, esteve junto de nós para nos transmitir a sua sabedoria, a sua experiência, os seus conhecimentos rituais e filosóficos e os seus estritos princípios éticos. Foi o Enrique que ensinou à Loja o que era e como se exercia o ofício de Orador. Em que consistia ritualmente, mas também substancialmente. Hoje, a Loja tem vários elementos capazes de bem exercerem este ofício. Todos, directa ou indirectamente, aprenderam com o Enrique ou com quem com ele aprendeu. Ainda hoje - e temos presentemente um excepcional Orador! -, se me pedissem para definir o arquétipo de Orador de Loja, seria o Enrique Fugasot que surgiria no meu espírito! Sei do que falo! Fui Orador da Loja Mestre Affonso Domingues. Foi dos ofícios que mais gosto me deu assegurar. Em relação a este ofício, quase tudo aprendi com o Enrique!

Ser maçon é dar e receber do grupo, da Loja. O Enrique deu à Loja Mestre Affonso Domingues a sua grande experiência, a sua confortante simpatia, o seu inexcedível saber fazer. Da Loja Mestre Affonso Domingues recebeu o que necessitava: o apoio de um grupo de amigos, que o acompanhou a si e à sua família enquanto estiveram em Portugal, o calor humano que ajuda a superar a ausência do país natal, o auxílio nas pequenas coisas em que nós portugueses, somos às vezes tão denodadamente complicados e complicativos e que tanto desesperam os estrangeiros, até que se acostumem com essas nossas recorrentes manias da complicação e aprendam a desfrutar o muito de bom que, apesar disso, sabemos apreciar da vida...

O Enrique esteve connosco, fez parte do quadro de obreiros da Loja Mestre Affonso Domingues dois anos e tal, talvez um pouco mais. Depois, chegou a hora de ser recolocado - é a sina dos diplomatas, nunca podem fixar-se demasiado tempo num mesmo posto... - e foi para outro posto. Em 1998, era cônsul do Uruguai no Rio de Janeiro - a imagem que ilustra este texto é de uma carta que ele escreveu nessa qualidade em 16 de Novembro desse ano. Despedimo-nos dele e ele despediu-se de nós com o mútuo sentimento de um tempo bem passado, de uma amizade bem conseguida. Depois, como é comum nestas circunstâncias em que as distâncias e as vidas separam os amigos, primeiro houve contactos e notícias com alguma frequência, depois os contactos e as notícias foram rareando, ao fim de alguns anos, o Enrique era já apenas uma memória agradável para os mais antigos, um nome que os mais novos ouviam, de vez em quando, invocado por aqueles, enfim uma imagem que mansamente vai ganhando a cor sépia das fotografias antigas. Até que, há dois dias, o José Ruah - que está de pousio quanto à escrita aqui no blogue mas, como ele diz, não anda longe e anda sempre atento - me mandou uma mensagem de correio electrónico. Encontrara, nas suas navegações pela Internet, uma referência ao Enrique: a notícia da sua passagem ao Oriente Eterno, lá no seu Uruguai, em 22 de Setembro de 2005. A notícia que explica a ausência de notícias.

O Enrique Fugasot tinha já a sua idade. Nos tempos de hoje, em que a longevidade aumenta, não admiraria que nos acompanhasse mais alguns anos. Mas também não nos surpreende que a sua caminhada por aqui tenha chegado ao fim. É a lei da vida, a lei que a todos se impõe.

Tenho pena, claro, de não ter a possibilidade de voltar a encontrar-me com o Enrique, de conversarmos mansamente, de voltar a desfrutar da sua companhia. Mas sei que o Enrique teve uma vida cheia, produtiva e, sobretudo, vivida segundo os princípios éticos que sempre o nortearam e que a todos devem nortear. Foi uma vida que valeu a pena ser vivida. Foi um cavalheiro maçon que tive muita honra em conhecer, muito gosto em com ele privar e um enorme privilégio em com ele aprender. Foi mais um Irmão que deixou a sua marca na Loja Mestre Affonso Domingues, que contribuiu - e muito! - para ela ser o que hoje ela é. Foi um Mestre que a todos ensinou. Agora é uma recordação serena e agradável. Continuará a ser uma inspiração benfazeja!

ENRIQUE, MI HERMANO, HASTA SIEMPRE!

Rui Bandeira

11 março 2008

Serei crente?

aqui fiz referência ao excelente blogue Grémio Estrela d'Alva. É um blogue que continuo a visitar regularmente, sempre com com gosto e proveito. Deparei há dias com um notável texto intitulado Serei ateu?, que me inspira o texto de hoje. Não é uma resposta, nem uma manifestação de desacordo - pelo contrário! O meu propósito é tão somente complementar as ideias expressas naquele texto com o meu, de algum modo simétrico, entendimento. Daí, aliás, a escolha do titulo deste meu escrito...

Mas, para bem entender ao que aqui venho, faça o leitor, antes de mais, a fineza de aproveitar o atalho que acima coloquei e ler o dito texto Serei ateu?, da autoria de Carl Sagan. Vale a pena!

Já está? Prossigamos, então!

Ao ler o referenciado texto de Carl Sagan, a minha primeira reacção foi de admiração por ser possível uma tão grande comunhão de pensamento entre duas pessoas que, de alguma forma, estruturaram a sua forma de ver o mundo a partir de pressupostos opostos: noventa e muitos por cento daquilo que Carl Sagan naquele texto escreveu poderia ter sido escrito por mim - se, para tanto, tivesse tido engenho e arte... No entanto, enquanto Carl Sagan se define como ateu (embora colocando na devida perspectiva a sua posição), eu defino-me como crente. E, parafraseando o que Carl Sagan escreveu, também eu julgo adequado colocar um ponto de interrogação à frente da minha afirmação, porquanto também eu, na mesma linha, me considero crente até que alguém me prove racional e definitivamente que não existe um Criador.

Concordo plenamente com o entendimento de Carl Sagan sobre a racionalidade, o método científico, o cepticismo, a invenção de seres sobrenaturais pelo Homem, a inocuidade moral do ateísmo, as religiões, os fundamentalismos e os princípios que nos unem na Augusta Ordem Maçónica, independentemente das suas variantes!

No entanto, com essa tão grande, tão extensa, concordância, definimo-nos simetricamente: ele ateu, eu crente; ambos cum granum salis, o que vale por dizer, salvo melhor opinião e com reserva de mudança de opinião, se sobrevierem elementos que levem ao convencimento da necessidade dessa mudança.

Como é isso possível? Como é possível que tão similar forma de pensar conduza a conclusões diversas e, não diria opostas, mas simétricas? Será que a um se sobrepõe a Fé à Razão, ao contrário do outro? A tentação primária é afirmá-lo. Mas creio que seguir tal tentação seria um erro!

Pelo contrário, julgo ser asado concluir que ambos baseamos a nossa postura não só em postulados racionais, como até no mesmo postulado essencial: pese embora todo o Conhecimento Científico, toda a Especulação Racional, todos os Postulados de todas as Crenças, há duas afirmações opostas que, até agora, são racional e cientificamente indemonstráveis e racional e cientificamente irrefutáveis em absoluto: Deus existe; Deus não existe!

Para cada argumento que se possa aduzir em abono de que Deus existe, existe um argumento com igual força que o refuta; para cada argumento que se apresente demonstrando que Deus não existe, existe um outro, de igual fortaleza que defende essa existência.

Para não alongar muito este texto, apresento uma sumaríssima demonstração desta realidade, a um nível propositadamente primário: à pergunta quem criou o Mundo?, respondem os crentes que foi Deus; mas de imediato surge então a irrespondível pergunta de quem criou Deus?; similarmente, a tese da Ciência contemporânea de que o Universo teve origem num Big Bang é reduzida à sua dimensão de nada realmente explicar se se pergunta o que (ou quem...) criou, originou esse Big Bang, como e de onde surgiu essa tão fenomenal e extraordinária Força que do Nada fez surgir o Tudo. E, sendo postulado da Ciência que tudo o que existe pode ser reproduzido (e nisso se baseia a Ciência Experimental), como se explica que, desde há biliões e biliões de anos, só haja conhecimento de UM Big Bang, quando seria de esperar uma repetição do fenómeno?

E por aí fora se poderia, horas e dias e meses e anos, argumentar, especular, refutar, insistir. Bem o pontua Carl Sagan: não é possível, à luz dos nossos conhecimentos e da nossa razão, nem provar, nem refutar a existência de Deus.

Carl Sagan, legitimamente, acolhe-se ao seu cepticismo científico para concluir (se bem ajuízo): porque não está provado que exista Deus, não creio que exista e portanto classifico-me como ateu; não posso, no entanto, excluir que se possa vir a provar que existe e, se assim vier a suceder, mudarei de posição.

Com igual legitimidade, a minha posição é a de que se não pode provar e se não provou que Deus não exista e a única explicação que encontro para o Universo e para o sentido da Vida é essa existência e portanto classifico-me como crente; não posso, no entanto, excluir que outras prova e explicação possam vir a surgir e, logo, mantenho a minha mente aberta e atenta...

Quando olho, numa noite sem nuvens, o Firmamento e vejo milhares e milhares de pontos de luz, maravilho-me com a grandeza, o rigor, a precisão, do Universo e concluo que só uma Vontade Superior e uma Capacidade inentendível ao nível humano pode ter criado toda aquela incomensurável maravilha e mais a Vida que alberga e mais o Homem e a sua capacidade de abstracção, de ética, de razão... Penso que, se tudo isto fosse tentado explicar como um mero fenómeno natural, então ficava por explicar como e porque foi único, e assim, e de onde veio a força, e a matéria, e...

É exactamente pelo mesmo uso da Razão que sou crente. É por ter o mesmo cepticismo que Carl Sagan que, como ele, acrescento um ponto de interrogação ao meu postulado.

Temos a mesma ética, os mesmos princípios. Olhamos ambos para a mesma cerca - só que cada um do seu lado. O que não é nenhuma tragédia... O que nos diferencia não é a Razão, que ambos partilhamos, nem a Fé, que, penso, ambos admitimos apenas como possível consequência, nunca fundamento. O que nos diferencia, creio, é algo intermédio: a Convicção. A Convicção que se funda na Razão e que, quando a Razão não sabe, não pode, dar resposta, parte dela para ir além dela. A Convicção que parte da Razão para, de braço dado com a Intuição, procurar descortinar para além do ponto de partida e do horizonte que nele é visível.

É por isso que dois homens habituados a ser racionais e cépticos podem, sem desdouro nem problema, ter diferentes convicções. Até ao horizonte, vêem o mesmo e de igual forma; para além do horizonte, cada um interpreta os elementos que tem e intui o que pensa que para lá estará.

Um triplo e fraterno abraço ao Carl Sagan, deste seu leitor que muito admira o que escreve,

Rui Bandeira