Lisboa, 22 de Setembro de 6020
O Equinócio dos tempos que desconhecemos
Meus Queridos Irmãos,
Muito gostaríamos de estar reunidos na Assembleia Maçónica da Grande Loja para comemorar o
Equinócio do Outono, à semelhança do ano passado, ocasião que foi para todos nós muito especial
porquanto estiveram presentes mais de 800 Irmãos, e muitos e ilustres visitantes de 34 delegações
oriundas de 26 países espalhados por todo o mundo.
Há muito que vivemos tempos desafiantes, inquietantes, estranhos e perigosos. Mas a humanidade,
ao longo dos milénios, sempre teve enormes problemas para resolver e agora, não sendo os mesmos,
incumbe-nos a nós estar à altura dessas interrogações, enfrentando esses perigos e receios.
O Equinócio é o evento celeste que ocorre duas vezes no ano, em Março e em Setembro. Nos
equinócios ambos os hemisférios se encontram igualmente iluminados pelo Sol, na sua órbita
aparente vista da terra passa pelo equador celeste, tornando o dia e a noite iguais na sua duração.
Assim, a linha divisória entre o dia e a noite observada do cosmos torna-se vertical, "ligando" os
polos Norte e Sul do nosso planeta. Dá-se o início da mudança das estações.
É nos equinócios que os maçons recebem as bênçãos do equilíbrio, da igualdade e da justiça, sempre
numa contenda para prevenir o desequilíbrio moral, espiritual e social que quotidianamente nos
afectam e prejudicam.
Devemos todos reflectir nisto porque a Maçonaria não vive fora do mundo e das realidades que a
cercam e, por isso mesmo, não poderemos nunca ser indiferentes face ao tão vasto horizonte de
eventos e desafios com que nos confrontamos.
Hoje, dia 22 de Setembro de 2020, assinalamos o Equinócio do Outono e não podíamos deixar de o
celebrar apesar de o mundo todo - e a maçonaria também - estar confrontado com incógnitas, dúvidas
e receios de tamanha dimensão que a todos inquietam e a todos afectam de sobremaneira.
E celebramos a efeméride porque somos fiéis ao nosso passado histórico e aos “landmarks” que nos
impelem a manter viva a chama da maçonaria universal, independentemente dos tempos, devido a esses mesmos constrangimentos que se torna mais premente dizermos presente, e avançarmos para a linha
da frente das carências e daquilo que se impõe fazermos.
Provavelmente, nunca como hoje o planeta Terra, o nosso mundo, se tornou tão próximo de nós.
Evidenciando as suas fragilidades, é certo, mas também dizendo-nos que o mundo é um só e que, se
a todos pertence, igualmente de todos necessita para que a sua sustentabilidade continue a vigorar.
A pandemia trouxe incomensuráveis problemas e brutais malefícios, mas serviu e serve para mostrarnos que a humanidade é uma só e que todos precisamos de nos unir para subsistir, lutando contra o
que desregula a natureza e prejudica a sobrevivência humana e todo o ecossistema planetário, com a
sua incontável e maravilhosa biodiversidade.
É urgente, pois, intervir onde for e como for necessário, visando a recuperação da normalidade da
vida em sociedade, mantendo a economia a funcionar, até para que o essencial, como os alimentos,
nunca faltem.
Todavia, é também preciso equilibrar tal desiderato com as acções de combate à pandemia, fazendo
o que as entidades sanitárias entendem dever ser feito para evitar as infecções na população, e para
diminuir as sobrecargas dos serviços hospitalares.
Nada é ou será fácil neste equilíbrio, até pelos custos económicos que lhe estão associados e sobretudo
quanto aos gastos com a saúde e com os subsídios aos desempregados. Mas torna-se imperioso
prosseguir nesta linha para não colocar em risco a nossa saúde e a nossa sobrevivência colectiva.
É tempo de agir!
E agir é, por exemplo, dar atenção e reflectir sobre temas que já fazem parte das nossas preocupações
e sobre os quais devemos mostrar a nossa inquietação cívica, como as Migrações e as Alterações
Climáticas.
Há um ano realizámos uma Conferência sobre as Migrações, esse enorme problema que continua,
infelizmente, na ordem do dia. As migrações continuam a ser hoje uma questão incontornável a nível
mundial, e como fenómeno social, económico e político assumem um papel central na opinião pública
e no debate político.
Com base na Carta das Nações Unidas para os Direitos do Homem, documento tão nobre e respeitado
por todos aqueles que reconhecem nos valores da maçonaria o melhor quadro genético para a
sociedade atingir a felicidade desejada, devemos encarar o problema das migrações como um desafio
à própria afirmação do Homem como Ser Justo e Solidário.
Cientes dos problemas decorrentes de semelhante fenómeno e das suas naturais reacções locais, não
deixaremos que nesta reflexão se esqueça a dimensão humana de um problema, que a todos afecta, e
perante o qual ninguém pode ficar indiferente.
O Governo português transmitiu recentemente à Comissão Europeia a sua disponibilidade para
participar no esforço europeu de solidariedade para o acolhimento de pessoas que se encontravam no
campo de refugiados de Moria. O Secretário-geral da ONU, António Guterres, pede solidariedade
europeia para com os Refugiados de Lesbos. Em Lesbos mais de 10.000 pessoas (quase 1.000 são
crianças) dormem ao relento e estão a passar fome, situação perante a qual ninguém deve ficar de
braços caídos.
Está na hora de passarmos das palavras aos actos e demonstrarmos a nossa solidariedade.
Solidariedade essa que não deve reduzir-se a simples ajuda ou assistência, dando-lhe apenas um
significado económico ou material. Não há Solidariedade sem Caridade, sendo esta a principal fonte
de todo o valor moral que impregna cada um de nós, no nosso coração. A solidariedade significa a
dimensão social da caridade. Na verdade, não há futuro sem solidariedade.
Citando Dionigi Tettamanzi: “Há muitas etnias e povos diferentes, mas todas as etnias têm a sua raiz
e o seu desenvolvimento na única etnia humana, de modo que todos os povos se encontram num
mesmo tecido vivo e unitário da família humana”.
É preciso olhar para os migrantes numa óptica global, como pessoas, portadoras de direitos e deveres,
merecedoras do nosso respeito e de igual dignidade pessoal, que é devida a cada ser humano.
No discurso do “Estado da União” Úrsula von der Leyen pediu uma gestão conjunta de todos os
países da EU na questão dos Refugiados.
A crise sanitária é agora, segundo von der Leyen, outro meio para afirmar a Europa como potência à
escala global. A crise pandémica mostrou “quão frágil é a nossa comunidade de valores”, afirmou ela
defendendo que a União tem de “liderar a resposta global” à covid-19. Criticou ainda os
“nacionalismos” na busca de uma vacina, e defendeu a cooperação no desenvolvimento de uma
vacina disponível para todos, e não apenas para aqueles que tenham capacidade para as adquirir.
von der Leyen assegurou ainda que “a Comissão atribui a maior das importâncias ao Estado de
direito” e que o respeito pelas regras democráticas “não é negociável”. E revelou também estar em
preparação um plano para combater discursos racistas e de ódio.
Nós, Maçons, temos o dever de olhar para as questões climáticas. O Secretário-geral da ONU
defendeu que os Estados "devem agir juntos face à ameaça climática", a qual é "muito mais grave do
que a pandemia em si". "É uma ameaça existencial para o planeta e para as nossas próprias vidas",
referiu. "Ou estamos unidos ou estamos perdidos", avisou o secretário-geral da ONU, apelando, em
particular, à adopção de "verdadeiras medidas de transformação nos domínios da energia, transportes,
agricultura, indústria, e no nosso modo de vida, sem as quais estaremos perdidos".
Por causa da pandemia do novo coronavírus, várias reuniões internacionais sobre questões ambientais
agendadas para este ano tiveram de ser adiadas, suscitando receios de novos atrasos na luta contra as
alterações climáticas.
A 26.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP26), que pretendia
relançar o Acordo de Paris (após o anúncio da retirada dos Estados Unidos em 2017), estava prevista
para este ano em Glasgow (Escócia, Reino Unido) e foi adiada para Novembro de 2021.
Apesar do confinamento em massa, registado a nível mundial por causa da pandemia ter
desencadeado uma quebra nas emissões (até 8% a nível mundial, de acordo com algumas
estimativas), os cientistas já salientaram que o desenvolvimento global não irá abrandar sem
mudanças sistémicas, particularmente nas áreas da energia e da alimentação.
De acordo com os especialistas da área do ambiente da ONU, a emissão de gases com efeito estufa
teria de diminuir 7,6% por ano durante a próxima década.
A transformação a partir do Green Deal tem na prossecução da neutralidade carbónica da UE até
2050 o “coração da nossa missão”, disse a presidente da Comissão Europeia, von der Leyen.
Defendeu, assim, que é preciso acelerar o passo para atingir esse objectivo, e anunciou que iria propor
que a meta de redução de emissões até 2030 suba de 40% para 55%.
Ao nível das temperaturas, o ano de 2019 foi o segundo mais quente desde 1880, altura em que
começaram os registos modernos de temperaturas.
Temos de nos mobilizar em torno destes objectivos e procurar influenciar todos para as causas que,
pela sua dimensão humana e solidária, nos tocam, enquanto maçons, de forma especial.
Recuperar e trazer para o tempo presente aquilo que de bom e útil nós maçons fizemos no passado,
deve estar sempre na base do nosso pensamento e acção.
Neste equinócio do Outono quero agradecer e saudar todos os Veneráveis Mestres, e a todos aqueles
maçons, que ousaram contrariar esse imobilismo resultante da pandemia, realizando Sessões virtuais,
e mantendo dessa forma viva a egrégora da Loja, para satisfação intelectual, filosófica e espiritual de
todos os Irmãos.
É verdade que todos sentimos a falta dos Templos e do Ritual. Os Rituais são acções simbólicas, cuja
encenação e participação têm um efeito poderoso na nossa mente e espírito ao ensinar-nos
importantes lições e, no limite, e ao ajudar-nos a moldar o nosso carácter e a pautar a nossa vida,
através de cerimónias iniciáticas de celebração e passagem.
Os rituais, como actos simbólicos, representam os valores que produzem uma comunidade coesa, que
é capaz de harmonia e de um ritmo comum, sem os quais cada um de nós se sente isolado. A repetição,
e portanto a sua prática, é uma característica essencial dos rituais.
Nós não nascemos maçons, tornamo-nos maçons. E por isso impõe-se também uma palavra especial
para todos os Irmãos Aprendizes. Do Aprendiz espera-se trabalho, conhecimento e construção
permanente. Não basta a cerimónia de iniciação, nem os juramentos. É preciso o trabalho no Templo,
numa busca permanente pela separação entre a luz e as trevas. A maçonaria pretende fazer de um
homem bom um homem melhor.
Há, no entanto, Irmãos Aprendizes que, por força da pandemia, desde o dia da sua iniciação não
voltaram a reunir em Templo. Mas não devem esmorecer! Eu estarei convosco, estaremos todos
convosco, neste nosso caminho na busca incessante de mais luz e, portanto, de mais conhecimento.
Assim, fruto da nossa experiência adquirida iremos a partir de Outubro, salvo se a situação pandémica
e a DGS não o permitirem, realizar Sessões, em regime experimental, gradual e transitório, com um
número máximo de 10 Irmãos em Templo e cujas regras estão em fase final de conclusão, e que
oportunamente serão divulgadas.
Esta solução resulta, por um lado, do trabalho e reflexão no seio da nossa Grande Loja e, por outro,
de reuniões virtuais, realizadas com outras Obediências Regulares como a UGLE e a GLNF.
Todos temos a firme convicção que alguma coisa tem de ser feito, sem riscos desnecessários,
preservando a nossa segurança, na estrita observância das regras sanitárias, que nos permita de forma
gradual retomar a nossa tão desejada e necessária actividade maçónica, para nossa alegria e felicidade.
O que move o mundo é a busca constante da felicidade e isso é sobretudo um caminho, um percurso
individual e colectivo que nunca tem fim pois se tivesse, a obra estaria concluída e tal resultado, bem
sabemos, nunca poderá estar terminado, a não ser quando o GADU nos chamar para junto Dele,
fechando-se, então, para cada um de nós, a magnifica Abóbada Celeste.
Durante estes novos tempos de pandemia, que nos têm mantido afastados dos nossos afectosfraternais
e contactos pessoais e sociais, realizámos diversas iniciativas. Pela sua importância e mérito destaco
duas iniciativas, ambas com a “chancela” da Academia Maçónica: a Revista “O Aprendiz” que hoje
publica o n.º 1, desta nova fase editorial; e a Academia de Verão - que contribuiu, seguramente, para
ampliar o conhecimento e sabedoria de todos os Irmãos.
Vamos continuar a demonstrar, por palavras e pelo nosso trabalho e obras, que a Maçonaria e os
Maçons, estejam onde estiverem e sejam quais forem as condições, continuam a ser, como sempre
foram, obreiros da liberdade, da paz, da harmonia, da justiça, da tolerância e do amor. Mas também
motivadores de progresso, de desenvolvimento, de ciência, de educação e de solidariedade.
Fraternalmente,
Armindo Azevedo
Grão Mestre