"Nem todos os Aprendizes chegam a Companheiros. Nem todos os Companheiros ascendem a Mestres. E seguramente que nem todos os Mestres virão a exercer o ofício de Venerável Mestre. É assim a realidade!" Assim escreveu o Rui Bandeira num texto publicado em 2008, ainda não tinha eu recebido o meu avental branco. Na altura, quando o li, achei estranho o tom, a naturalidade, e o que tomei por critérios de seleção apertadíssimos. Recordo-me de ter pensado algo como "Estes tipos não brincam em serviço... Devem ser bestialmente exigentes, e só escolhem os melhores para progredir... Isto devem ser chumbos de três em pipa..."
Estava tão enganado!
Com o tempo vim a perceber que dificilmente a Loja "chumbava" fosse quem fosse, a não ser nas circunstâncias mais excecionais, mas que, não obstante, o Rui tinha razão: havia muitos que ficavam pelo caminho. Mas se a Loja não chumbava ou impedia a progressão, quem o fazia então? Ora... o próprio, quem mais?! Comecei a perceber que por detrás de cada nome que era chamado no início da sessão pelo Secretário e a que se seguia um silêncio em vez de ser anunciada a presença se encontrava um Irmão que não viera. E que os nomes que eu ouvia repetidamente e a que não associava uma cara eram de Irmãos que, de todo, não apareciam.
Uns - já Mestres - haviam-se desencantado, suponho, com a rotina da vida da Loja, e tinham agora outros entreténs - razão por que não punham os pés numa Sessão fazia tempo. Outros tinham, simplesmente, prioridades - frequentemente profissionais ou familiares - que se impunham sobre a presença em Loja, ou não tinham de todo disponibilidade para integrar a Linha de Sucessão assumindo um Ofício. Uns e outros lá iam aparecendo, uns mais e outros menos frequentemente, mas alguns desapareciam completamente de circulação.
A outros - ainda Companheiros - sucedia perderem o estímulo, ou não aguentarem tanto tempo sem poder falar e sem ser exaltados a Mestre. Ao fim de um tempo, também alguns destes começavam a faltar, a envolver-se pouco, e a certa altura eram, também eles, um desses nomes que se ouve e se associa a uma cara, mas que se tem uma certa nostalgia de não ver há meses...
Por fim, alguns Aprendizes eram iniciados, achavam graça à coisa, mas não tinham vida nem disponibilidade para pertencer a uma Loja que se reúne duas vezes por mês em dias e horas certos. Outros, quiçá mal conduzidos ou defeituosamente escrutinados, acabavam por se aperceber que a Maçonaria não lhes fazia vibrar corda nenhuma, e desapareciam.
Alguns interiorizavam que não queriam mais pertencer à Maçonaria, e pediam para sair. Outros, divididos entre o querer e o não poder, não assumiam a impossibilidade de permanecer, e iam ficando sem ficar. A certa altura, já nem as quotas pagavam, nem asseguravam os "mínimos olímpicos" da assiduidade - nós nem somos esquisitos: uma presença por ano basta-nos - e tinha que se lhes chamar a atenção para que cumprissem com os seus deveres.
E de facto confirmei ser precisamente assim, como o Rui tinha dito: há os que ficam pelo caminho, e os que vão progredindo de degrau em degrau, uns mais depressa e outros mais lentamente. Por vezes, alguns metem-se por becos sem saída e, ou adormecem, ou corrigem o percurso. Mas se é sempre triste vermos um irmão sentar-se na beira do caminho, descalçar as botas e adormecer encostado a uma árvore - pois sabemos que a maioria ficará ali para sempre - já nos enche de orgulho ver um irmão subir mais um degrau, assumir mais uma responsabilidade, receber mais um reconhecimento.
Os caminhos são muitos, e o destino é cada um que o escolhe. Não é, portanto, a Loja que é exigente e o "chumba" - pois para isso teria que ser a Loja a determinar os objetivos, e estes pertencem a cada um. É antes o Maçon que é muito ocupado, desiludido, ou simplesmente complacente, e se retira pelo seu pé. E assim deve ser. É que a Maçonaria não é para todos: é só para aqueles que de facto queiram - e façam por isso.
Paulo M.
Caro Paulo M.,
ResponderEliminarMais uma vez adorei o post. Sempre descortinou um pouco mais da vivência Maçónica e sossegou-me a respeito da mesma.Era partidário da sua primeira opinião! No entanto, para passar de Aprendiz para Companheiro e posteriormente para Mestre, não é necessário ser-se aprovado através de uma tese sobre a matéria aprendida? Ou basta a assiduidade e a integração dos valores Maçónicos na nossa vida? Obrigado.
Abraços
Caro Paulo M.;
ResponderEliminarLembro-me perfeitamente desse texto do Rui Bandeira. Pela tua descrição depreendo que eras na altura um leitor assíduo do blogue, ou talvez já Aprendiz.
Lembro-me também de ler "se não me engano" um comentário do J.P.Setubal, onde dizia que a Loja na Sua Coluna Norte tinha uma colheita que lhe parecia vir a dar um vinho de qualidade Vintage.
Parece que não se enganou.
Parabéns Paulo M. Continua.
Aquele abraço
JPA
@Vendado: A cada passagem de grau se apresenta um trabalho - uma "prancha", como nós dizemos - que demonstre os conhecimentos apreendidos, a evolução verificada, a pedra desbastada das suas asperezas e rugosidades. Mas não é, de modo algum, uma tese no sentido académico do termo; não há como ler umas quantas para perceber o que é uma prancha. Mas o Vendado tocou no ponto: se a Maçonaria não tiver reflexo no dia-a-dia e na vida de quem a vive, então é pura perda de tempo.
ResponderEliminarUm abraço,
Paulo M.
@JPA: O texto de que te recordas deve ser este, da autoria do Rui Bandeira. Curioso é ler os comentários, e o zelo do José Ruah a certificar-se de que os piropos do Rui não subiam à cabeça de ninguém... De facto, eu era na altura aprendiz havia pouco tempo, mas havia já muitos meses que era leitor assíduo e participante empenhado no blogue, onde assinava com outro nome.
ResponderEliminarÉ com grande satisfação que escrevo agora onde antes só comentava e, ao mesmo tempo que vou escrevendo para quem gosta me de ler, alivio um pouco o "fardo" do Rui Bandeira. Ele, sim, é que é "vintage", do alto dos seus mais de 20 anos de maçonaria... A mim ainda me faltam muitos para lá chegar!!!
Um abraço,
Paulo M.
Paulo M.
ResponderEliminarFico tão satisfeito por ver onde o Simple está a chegar.
Aquele Abraço
JPA
@JPA: Era assim tão evidente? :)
ResponderEliminarO Simple cumpriu o seu propósito.
Parabéns, Sherlock!
Um abraço,
Paulo M.
É de certo que o espírito humano, em determinada fase de seu caminhar, possua limitações. Como a loja auxilia os reticentes? Os que perdem (momentaneamente) os referenciais pessoais a ponto de duvidar de suas próprias capacidades, e por tal danosa atitude esmoreçam diante dos desafios? Relega-se ao alumnus a própria (in) suficiência para que este, mesmo perdendo calhaus, compreenda por si as oportunidades, mesmo que este sinta-se em profundo desamparo? Auxilia-o com conselhos? Diretrizes?
ResponderEliminarps. Emociona-me ver o resultado da vindima a qual a sensibilidade (razão/emoção) do mestre Rui Bandeira anteveu. É estímulo para os que, como eu, almejam similar possibilidade. A de pertencer a plena Construção. Parabéns Paulo M. Força, Sabedoria e Beleza. Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A Glória do Grande Arquiteto!
Abraços Fraternos!
BoAS Paulo...
ResponderEliminarEra para dizer que muita falta fazia o @simple a este blog.
Mas em boa verdade não o posso fazer.
Tú, Paulo M. fazes mais falta.
Se já o fazias antes de boa vontade, partilhando dúvidas, agora partilhas conhecimento. :)
abr...prof...
Nao quero retirar meritos ao Rui Bandeira mas a autoria dessa frase salvo melhor opiniao é minha em prancha apresentada em 2006 em Loja.
ResponderEliminarPrancha essa que pode ser lida em
ResponderEliminarhttp://www.rlmad.net/rlmad-main/mmenu-pranchas/73-carg-oficiais.html
@ José Ruah:
ResponderEliminarEfetivamente, a frase, tal como está citada no início do texto, foi escrita por mim, no 12.º parágrafo do texto "A Passagem" (http://a-partir-pedra.blogspot.com/2008/02/passagem.html).
É também certo que tu tinhas dito algo de parecido (mais concretamente: "Nem todos os Aprendizes chegam a Companheiro, destes nem todos chegarão a Mestre Maçon. Seguramente que apenas alguns dos Mestres chegarão a Venerável Mestre.") na prancha que referes.
É normal: pensamos o mesmo e referimo-nos à mesma realidade!
Sem dúvida que outros escreveram ou escreverão frases de semelhante significado, mais ou menos parecidas com esta - estarão a fazer a mesma constatação de facto que nós fizemos!
TAF.
O que se desvendou aqui é de uma beleza extraordinária.
ResponderEliminarDemos conta de um leitor curioso, ávido de informação sobre Maçonaria, leitor esse de nome "Simple", que a partir de um certo momento deixou de aparecer.
Confesso que fiquei triste com esse desaparecimento, o "Simple" fazia falta.
O blogue deixou de ter a frequente participação dos mestres A.Jorge, José Ruah, J.P. Setubal,que efectivamente também sinto a falta. E eis que surge o Mestre Paulo M, que tal como os anteriores, deslumbra com os seus textos, onde por mero acaso se note uma pequena falta de experiência, esta é colmatada com a quantidade de textos postados, vindos evidentemente de alguém que está a viver a Maçonaria a 100%.
Esta metamorfose que se deu com o profano "Simple" e o levou ao mestre que é hoje, deve-se muito aos Mestres Maçons e á Loja que o trouxe ao mundo.
Este exemplo do caso que vou chamar "Simple" é o corolário do que é a essência da Maçonaria: Transformar um Homem Bom em um Homem Melhor.
Sem dúvida que a parra era boa, mas a qualidade deste "Vinho" deve-se muito aos Mestres Maçons atráz mencionados.
Para eles o muito obrigado por este blogue e pelo que têm feito pela Maçonaria.
É para eles e para a RLMAD este agradecimento.
Queria também deixar um desafio ao Paulo M. Um texto que descreva a tua metamorfose.
Um grande abraço a todos
JPA
Aguardo ansiosamente o resultado do "Desafio". E, se possível, resposta(s) para os questionamentos que empreendi.
ResponderEliminarAbraços Fraternos!
@Jocelino Neto: A Maçonaria Regular entende-se como sendo de ação individual, ou seja, deixa para cada um dos Obreiros o ónus de intervir. Na situação que expõe não entendo que deva ser diferente; perante um Irmão em dificuldades cabe ao Hospitaleiro da loja acompanhá-lo e aferir em que medida pode a loja auxiliá-lo e disso informar o Venerável Mestre que fará saber, caso essim o entenda, ao resto da loja qualquer necessidade que se comprove. Caberá, então, a cada um dos Irmãos a iniciativa de, na medida da sua vontade, competências e possibilidades, auxiliar o Irmão em necessidades, na certeza de que a fraternidade e o auxílio mútuo são princípios transversais e estruturantes da Maçonaria.
ResponderEliminarUm abraço,
Paulo M.
@Nuno: O Simple não desapareceu; metamorfoseou-se, como bem disse o JPA. Se bem que saiba, agora, um pouco mais do que há três anos, continuo a partilhar dúvidas. Quantas vezes não tenho que ir ler, investigar, documentar-me antes de escrever um texto? Aprendo mais eu ao escrever do que todos quantos lêem o que escrevo, e por isso vos agradeço.
ResponderEliminar@José Ruah e Rui Bandeira: A minha transcrição foi do texto do Rui que li no blogue; em 2006 ainda eu não andava por cá, e por isso não tinha lido o texto do Ruah. Atribuída a autoria original da coisa, junto-me aos que subscrevem a ideia. Onde se assina?
@JPA: Obrigado pelas tuas palavras. De facto, devo em grande parte à Loja e a cada um dos Irmãos que me acompanhou nestes anos a ventura de estar aqui hoje. Quanto à "verdura" dos textos, é um defeito de que me irei corrigindo a cada dia que passa... E sim, escreverei um texto sobre o meu percurso. Deixa só que ganhe a inspiração necessária!
Um abraço,
Paulo M.
Paulo M.
ResponderEliminarTens todo o tempo do mundo.
Um grande abraço, bom fim de semana. E não se esqueçam de votar.
JPA
@Paulo M: Tal sutileza de atitude – “entende-se como sendo de ação individual” - não descaracteriza as bases (como bem citas o auxílio mútuo), mas lhe fornece abordagem própria ao exemplo do qual me fiz uso. Afinal, para se operar a pedra necessita-se além de boas ferramentas, um espírito responsável, consciente, de suas limitações e fortalezas. E diante das asperezas (inevitáveis), ver que ao seu lado, há confiança mútua para o progresso.
ResponderEliminar“Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união”
Agradeço sinceramente a resposta.
Abraços Fraternos.
À Glória do Grande Arquiteto!