02 setembro 2019

Luís Miguel Nogueira Rosa Dias (1/1/1931 - 30/8/2019), admirável maçom


O Dr. Luís Rosa Dias foi um muito competente médico cirurgião vascular. O Luís Miguel Nogueira Rosa Dias era sobrinho de Fernando Pessoa e deu inúmeras conferências sobre o seu tio. O Miguel Roza, pseudónimo que utilizou para as suas lides literárias, foi autor de livros como Encontro Magick: Fernando Pessoa e Aleister Crowley, Salpicando PoesiaDe Médico e Louco de Tudo um Pouco, Fiz das Tripas Coração, os mais recentes O Templário com Duas Vidas e O Espião do Extremo Ocidente, duas novelas que são os dois primeiros tomos de uma trilogia cujo último volume felizmente deixou já escrito e em fase de edição, que será publicado postumamente, sob a direção de uma das suas filhas, e foi ainda o prefaciador e organizador do Trolhamento dos 33 Graus do Rito Escocês Antigo e Aceite. O Companheiro Luís Rosa Dias foi um insigne rotário, designadamente fundador e primeiro presidente do primeiro Rotary Clube  misto em Portugal

Porém, para nós, na Loja Mestre Affonso Domingues, foi simplesmente o Luís Miguel, um Irmão unanimente apreciado e objeto de grande consideração e amizade por parte de todos nós. Juntou-se a nós em 1995, dez anos depois foi Venerável Mestre da Loja (O décimo sexto Venerável Mestre). Em Loja, exerceu todos os ofícios, creio que apenas com exceção do de Mestre da Harmonia. Foi um elemento ativo, acolhedor dos mais novos (O Irmão Rosa Dias e a sua influência sobre os Aprendizes), mas sobretudo dotado de uma notável boa disposição e alegria de viver.

Já octogenário, naturalmente que o Luís Miguel tinha períodos bons e ocasiões em que a sua saúde fraquejava. Aqueles, vivia-os com um sorriso. Estas também! Como todos nós, tinha preocupações, que elegantemente geria com um sorriso nos lábios - o mesmo que os enfeitava quando vivia momentos de descontração, alegria e companheirismo. Era o mais idoso da Loja - mas isso não impedia que alardeasse - com justiça! - ter o espírito mais jovem de entre todos os jovens.

Era assíduo à Loja. Só não comparecia quando a sua saúde lhe pregava partidas e, logo que recuperado (às vezes ainda mal recuperado...), logo regressava. O que fazia que, quando se estava para iniciar qualquer reunião da Loja e o Luís Miguel não estava, logo um, dois, uns quantos inquirissem, preocupados, o que se passava com o Luís Miguel, se estava tudo bem com ele. Quando, de vez em quando, se ausentava, foss à África do Sul da sua infância ou ao Brasil ou qualquer outro destino, para uma das suas conferências sobre o seu tio Fernando Pessoa, a pergunta vinha logo: e quando é que o Luís Miguel volta? Mas por regra estava presente, gostava de estar presente e nós gostávamos muito que ele estivesse connosco.

Quando falava em sessão da Loja era atentamente ouvido por todos, porque só falava a propósito e judiciosamente. Quando falava nos ágapes era atentamente ouvido por todos, porque aí, felizmente, falava muitas vezes e sempre com piada e boa disposição.

Alegre, bem disposto, mas também calmo, paciente, ponderado, tudo foram adjetivos que inúmeras vezes, com toda a justiça, foram associados à pessoa do Luís Miguel..

Toda a Loja apreciava e admirava sobremaneira o Luís Miguel. Foi, durante mais de duas décadas, o nosso pêndulo, o nosso ponto de equilíbrio, a nossa natural referência. Se havia algum desacordo, de uma coisa estávamos certos: o Luís Miguel não era um dos intérpretes do desacordo, era um dos construtores da sua ultrapassagem.

Quando o Luís Miguel entrou na oitava década de vida e começou, com alguma regularidade, a ter pontuais problemas de saúde, nós, na Loja, começámos, cada vez com mais insistência, a recordar-nos que a sua vida, como a de todos nós, era finita, e que devíamos mostrar-lhe o nosso apreço e consideração enquanto ele estava connosco e podia apreciar a expressão da nossa amizade e consideração. Mais vale uma homenagem singela perante o homenageado vivo do que tonitruantes loas e hiperbólicos encómios depois de morto. Começámos assim, em segredo, a interrogarmo-nos sobre a melhor forma de homenagear o Luís Miguel. Não foi fácil: ele estava quase sempre connosco e não queríamos que ele se apercebesse antes de tempo... Mas, conversa daqui, sugestão dacolá, decidimos criar um Galardão da Loja, que designámos de Galardão Mestre Affonso Domingues, com que só muito excecionalmente seria agraciado um obreiro da Loja, sempre por consenso dos demais. Claro que o primeiro agraciado - e, até agora, único, pois a ideia é ser mesmo excecionalmente atribuído - foi o Luís Miguel. A Loja elaborou um diploma e mandou fazer um complemento, uma espécie de coroa de louros ajustável à volta da medalha da Loja, para lhe entregar. Depois de o ter recebido, usou-o sempre na sua medalha de Loja, contente - e nós ainda mais por verificarmos que ele apreciara a homenagem... Mas adianto-me: o Luís Miguel é que foi novelista, mas a novela da homenagem ao Luís Miguel merece ser aqui mencionada.

Já referi que a escolha, planificação e organização da homenagem da Loja ao Luís Miguel decorreu de forma a que ele de nada soubesse, até ao momento, de ela acontecer - e que tal não foi fácil. Mas, aproveitando, se bem me recordo, um dos períodos de ausência por viagem do Luís Miguel, lá conseguimos combinar, encomendar, preparar e organizar a sessão de homenagem e entrega do Galardão Mestre Affonso Domingues. No dia aprazado, a Loja estava, naturalmente, em peso. Os visitantes, incluindo vários Grandes Oficiais, eram também mais que muitos. Sala cheia. Na véspera, como quem não quer a coisa, eu certificara-me que o Luís Miguel iria à reunião, que de nada desconfiava (o que só comprova que os maçons são afinal mesmo bons a guardar segredos...) e a que horas apareceria. Tudo preparado. O único ponto da Ordem de Trabalhos desse dia era a homenagem ao Luís Miguel. Um Mestre, em nome dos Mestres da Loja, tinha preparada uma intervenção de homenagem ao Luís Miguel . Tinham sido preparados textos manifestando o apreço ao Luís Miguel, elaborados pelos Companheiros e pelos Aprendizes. Tudo pronto. Todos, excecionalmente (ocasião excecional é ocasião excecional, mesmo para português que se preze da sua proverbial má relação com a pontualidade...) presentes à hora marcada. Pois só faltou... o Luís Miguel! A pontualidade mandada às urtigas, contacto  in extremis com o Luís Miguel (Então? Quando é que chegas? ) e... o balde de água bem geladinha a entornar-se sobre todos: Olha, afinal hoje não posso ir. A minha irmã não está bem e eu tive que vir a casa dela dar-lhe assistência.

Nada a dizer, a família está primeiro... Olha, improvisou-sae uma apresentação de um  trabalho, para justificar a deslocação de toda aquela gente e... marcou-se encontro para daí a quinze dias. Mas então a marcação ao Luís Miguel foi cerrada: dois ou três dias antes, o Luís Miguel ficou ciente da preocupação que toda a Loja tinha em relação à saúde da sua irmã, tal foi o número de telefonemas que lhe foram feitos sobre o assunto. Arranjou-se um artifício qualquer para um de nós se encontrar com ele durante a tarde e com ele vir ao local da reunião, à hora aprazada, não fosse o diabo tecê-las. E lá se fez finalmente a homenagem...

Mas o Luís Miguel, espírito arguto, mais tarde lá confessou que, não sabendo de nada, desconfiou que algum,a coisa se preparava, com tanto telefonema e solicitude na sua presença... E que viu aumentadas as suas suspeitas, quando viu a sala cheia e com tantos visitantes... Mas, bom camarada, conseguiu disfarçar e mostrar-se devidamente surpreendido quando a sessão de homegem começou (sobre a abertura da mesma, leia-se Introdução a uma merecida exceção).

Tivemos assim a felicidade de, em devido e oportuno tempo, ter tido a possibilidade de homenagear o Luís Miguel e de vermos como isso o comoveu e lhe agradou.

Tempos mais tarde, já recentemente, também o clube rotário em que se integrava o Luís Miguel decidiu fazer-lhe uma merecida homenagem. E teve a ideia de diligenciar pela comparência, além dos elementos rotários, da família e de colegas médicos, de Irmãos maçons do homenageado. Foi uma boa ideia, a que nós nos associámos de imediato. Mal sabia eu a carga de trabalhos que ia ter com aquilo... O organizador da homenagem rotária contactou-me e combinou comigo a presença de elementos da nossa Loja, informando que, por (compreensíveis) razões de espaço, poderámos ir até cerca de 15 ou 16, inquirindo se iriam tantos. Garanti-lhe que sim. O que não sabia era o que ia acontecer: anunciada na Loja a homenagem... em menos de 24 horas o número máximo reservado a nóa estava preenchido! Lá passei as duas semanas seguintes com o ingrato papel de ter de recusar a várias dezenas de interessados a presença naquela homenagem! Foi também uma oportuna homenagem, a que nos associámos com todo o gosto.

Reparo agora que o texto já vai longo e que será porventura desajustada a evocação de mais episódios dos muitos que nos ligam ao Luís Miguel. Só mais uma referência e (juro!) muito breve: um dos mais apreciados passeios que fizemos na Loja, foi organizado pelo Venerável Mestre Luís Rosa Dias (ver Por terras de Castelo Rodrigo  Por terras de Castelo Rodrigo - 2).

Termino então. Mas termino frisando que este texto in memoriam do Luís Miguel não tem um pingo de luto, uma ponta de saudade, um resquício de desgosto. O Luís Miguel, o nosso Luís Miguel, não o quereria. Sabia bem que, quase nonagerário, não lhe restavam muitos mais dias entre nós. Encarava esse inevitabilidade com naturalidade. Com o seu sorriso nos lábios... Um texto in memoriam  do Luís Miguel não pode, não deve ter, e não tem, sombra de sentimentos negativos. Porque o Luís Miguel, o nosso Luís Miguel, foi precisamente o oposto disso - e a sua boa disposição, a sua bonomia, o seu ar prazenteiro não mereceriam isso. Um texto  in memoriam do Luís Miguel é e só deve, só pode ser um texto de boas, de excelentes recordações, de respeitosa ternura pelo que o Luís Miguel sempre nos deu. Neste texto, portanto, não cabe desgosto, não entram lutos. É um texto de alegria por termos tido o privilégio de sermos amigos e Irmãos do Luís Miguel, de celebração por tudo o que com ele aprendemos, com ele vivemos, com ele rimos, com ele brincámos, mas também com ele trabalhámos.

Evocar o Luís Miguel, só pode ser isto, uma serena e plena manifestação de regozijo pela sua vida e pela nossa participação nela. Muito obrigado por teres sido, por seres nosso amigo, Luís Miguel! Vamos recordar-te com ternura e apreço até chegar, a cada um de nós, a hora de te reencontrar e de te entregar, em nome de todos e de cada um dos que por cá continuarem a permanecer, o nosso Triplo e Fraterno Abraço!

E, entretanto, só cabe acabar com uma frase que - sei-o bem! - todos e cada um de nós de si para si dizem, quando recordam o Luís Miguel, independentemente de ser um jovem ou um sexagenário como eu: QUANDO EU FOR GRANDE, QUERO SER COMO O LUÍS MIGUEL.

Rui Bandeira

20 março 2019

Comunicação do Grão Mestre da GLLP/GLRP por ocasião do equinócio da primavera


Meus Queridos Irmãos,

Estamos aqui hoje reunidos para celebrar a Maçonaria Regular neste período que antecede o Equinócio da Primavera.

Foram hoje aprovadas as contas do exercício de 2018 e foram discutidas e aprovadas alterações ao Regulamento da GLLP/GLRP. Foi, sem dúvida uma manhã muito profícua em que foi possível discutir, num ambiente fraterno, as propostas e contributos que algumas Respeitáveis Lojas, com elevado empenho e sentido de responsabilidade, nos fizeram chegar.

Permitam-me, no entanto, que lembre que o nosso Regulamento não é comparável com os estatutos de uma qualquer Associação e que aquele é também o principal garante da nossa regularidade e do nosso reconhecimento internacional, sendo que a Grande Loja, dentro dos limites dos princípios do reconhecimento, ainda que num quadro de independência e autonomia, deve manter a autoridade sobre a maçonaria de base, ou seja, sem partilhar o poder com qualquer outro órgão maçónico.

Por outro lado, fica para mim claro que, independentemente de quem é o Grão Mestre, não devem ser diminuídos os seus poderes e competências e devemos outrossim assumir com muito orgulho que o Grão Mestre é o chefe Supremo da Obediência, de acordo com a Tradição Maçónica e com os nossos juramentos.

A Grande Loja não pode, nem deve ser reduzida a uma mera Associação de Lojas ou a uma Assembleia de Grande Loja.

A Grande Loja tem presentemente cerca de 3.000 obreiros e isso justifica, por si só, o imenso trabalho que todos temos pela frente.

Realizámos no passado dia 23 de fevereiro o dia da Lembrança, em Condeixa, numa cerimónia de homenagem sentida, que nos remeteu para a saudade dos nossos Irmãos que partiram para o Oriente Eterno.

Esta cerimónia teve uma enorme mobilização, em especial dos Grandes Oficiais, que responderam com uma significativa presença. Agradeço a todos aqueles que foram nomeados para trabalharem com dedicação, lealdade e orgulho em prol da nossa Augusta Ordem.

Presentemente, temos 145 Lojas das quais só cerca de 125 estão ativas, sendo que muitas vivem no limiar do quórum, que se pretende ver reforçado, para que todas possam trabalhar de forma justa e perfeita.

Temos todos o dever de contribuir para o reforço do quadro de obreiros, convidando todos aqueles que, pelas suas reconhecidas qualidades humanas, éticas, intelectuais e solidárias, a integrar a nossa Ordem, num processo de rigorosa seleção.

Exorto-vos, mais uma vez, a inquietarem-se sobre o contributo que cada um pode dar, no dia-a-dia, para engrandecimento das vossas Lojas e da nossa Grande Loja.

Não devemos temer os fundamentalistas, os extremistas, os ignorantes e todos aqueles que, em movimentos mais ou menos organizados, optam por criticar a maçonaria, numa fobia coletiva e antimaçónica, ou seja, a “maçofobia”, como manifestação primária de um profundo sentimento antimaçónico.

Não devemos falar de política, mas quando se trata de violação dos direitos humanos e da liberdade não podemos ficar indiferentes. Manifestemos, pois, o nosso repúdio pelas ações antissemitas em França e pelos atos, como aqueles ocorridos em Itália, na qual o governo deliberou impedir os maçons de integrarem a administração pública e o executivo ou como na Sicília, exigindo aos funcionários que declarem ser ou não maçons. 

Mas a intolerância não reside só na Europa! Também na América do Sul, num país que já foi um exemplo de democracia, a Venezuela, o Governo terá mandado incendiar Lojas e Templos maçónicos e declarou todos os maçons venezuelanos traidores ao serviço de interesses externos.

No ano passado um jovem Aprendiz Maçon, Óscar Perez, piloto militar de helicópteros, e mais seis camaradas, foram assassinados sem julgamento, com um tiro. Foram eles os primeiros a revoltarem-se. Hoje é Juan Guaidó, também nosso Irmão, que luta pela reposição da democracia, da liberdade e de eleições gerais.

Ser maçon é pertencer a uma Ordem que utiliza a tradição milenar, e que tem como base ideias como a verdade, a virtude, a igualdade e a justiça. Por isso, a nossa força é enorme, pois temos ao nosso dispor, meios que mais ninguém tem, para influenciar a sociedade de forma muito positiva.

Meus Queridos Irmãos,

No próximo dia 20 de março festejamos o Equinócio da Primavera, que é o que define o instante em que o Sol, na sua órbita aparente, atravessa o equador celeste. Teremos, assim, o primeiro dos quatro grandes momentos de interação astronómica entre o Sol e a Terra.

Há muito que deixamos de ser Maçons Operativos para nos tornarmos em Maçons Especulativos. Deixamos o materialismo e passamos a procurar a Igualdade, a Liberdade e a Fraternidade. Sermos especulativos quer dizer observar, pesquisar, refletir e projetar, fazendo teoria. 

As estações do ano, com suas características, regulam toda a vida da natureza e, também, toda a atividade humana. Estaremos 12 horas sob a égide do Sol e 12 horas sob a égide da Lua, astros que decoram os nossos Templos e que devem inspirar-nos ao estudo dos seus significados simbólicos.

A primavera é a estação das grandes mudanças. A chegada da primavera é um evento sempre muito celebrado em todo o mundo, porque marca o fim do inverno, uma estação sempre associada às noites longas, penumbra, mau tempo, desconforto e em termos históricos à escassez de comida. Para além disso, é a celebração do renascimento da natureza, e historicamente, era a altura em que se celebravam os festivais de fertilidade e abundância.

Os reinos animal e vegetal saem da letargia e tornam-se exuberantes. Para nós, maçons, é tempo de crescer e difundir os nossos princípios na sociedade. Na Primavera, as sementes brotam... e é hora então, da Maçonaria recolher “a boa semente” e plantá-la no campo da nossa Sublime Ordem.

Os Equinócios (Outono e Primavera), explicados cientificamente, são uma coisa, em maçonaria especulativa quer dizer que devemos ver acima das aparências e tentar conhecer com a visão interior e por isso é que os equinócios nos remetem para a equidade, ou seja, igualdade.

Que propósito teria o GADU, em toda a sua glória, para fazer as coisas assim?

É necessário ter em conta que a luta entre a luz e as trevas, nunca termina e que teremos sempre de pelejar para nos libertarmos da matéria e assumirmos a condição do espírito.

A Primavera dá início à vida, à prosperidade, à harmonia e ao equilíbrio e nós, que somos os construtores da sociedade “Justa e Perfeita”, passamos a deixar para trás a hibernação o Inverno escuro e lançamo-nos no erguer das colunas que refletem a Luz do GADU.

Porém, em todos os aspetos, este ritual de luz traz sempre, trabalho com a consciência, a alegria, a esperança, a renovação, a harmonia e o equilíbrio. É o momento de agradecer e celebrar a beleza da vida, da natureza, da mãe-terra e de tudo o que o Grande Arquiteto do Universo nos legou.

Meus Queridos Irmãos
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O universo criado pelo GADU é um vasto e misterioso lugar, abrangendo tudo o que já conhecemos, observamos e ainda o que iremos vir a encontrar. Durante milénios andamos a olhar para o céu, a nossa janela para o cosmos, o que provocava espanto, admiração e uma fascinação para com o desconhecido. 

Graças aos avanços alcançados, entretanto, agora sabemos que os pontos de luz no céu são estrelas, encontradas agrupadas em galáxias que se organizam em escalas maiores e assim sucessivamente.

E nós estamos aqui no nosso planeta, numa pontinha da Via Láctea…

A verdade é que, como maçons, cumpre-nos conhecer a evolução do mundo, o que muitas vezes não sucede.

Este conhecimento é importante para agora, no nosso tempo, intervirmos no mundo em que vivemos e que sabemos estar tão complicado, confuso e perigoso.

Poucos poderão antever o futuro, discorrer sobre as emergências politicas e sociais com que se defronta e defrontará o mundo, seja por questões politicas, económicas, religiosas, militares ou outras, como a sustentabilidade da humanidade enquadrada pelos países, relativamente a problemas como a poluição, a demografia, a produção alimentar, o abastecimento de agua potável, a globalização das pandemias, as alterações climáticas, a militarização das nações, a inteligência artificial, a robotização, etc..

Mas o papel da maçonaria universal é e será sempre o mesmo: defender o homem em todas as suas vertentes dos direitos humanos, da liberdade, da fraternidade, da democracia e do estado de direito.

E neste contexto, embora com as variáveis dos avanços tecnológicos, nunca deveremos ou poderemos fazer cedências. Temos de ser sempre os primeiros, onde estivermos e como estivermos, em sabedoria, nas batalhas dos novos templos de Salomão.

Todavia, hoje como no passado, a maçonaria sempre encontra caminhos para fazer avançar a humanidade e isso assim continuará a ser. 

À maçonaria portuguesa, incumbe em primeiro lugar, olhar para o país e nele cumprir a sua obrigação. Depois, temos de olhar para o mundo da lusofonia, e aí, também, fazer o que lhe compete. Logo a seguir, o nosso espaço europeu, importante por constituir o polo de maior desenvolvimento do planeta. Por último, precisamos de acompanhar o mundo que ajudamos a descobrir desde o século XV - o mundo chamado de novo, onde bem sabemos que apelam pelo nosso contributo.

E o que resta?

Bem, para além da geografia, sobra o ser humano e este não tem fronteiras enquanto ser vivo. Trata-se do nosso irmão, porquanto dúvidas não haverá, que o universo existe e nós nele estamos. Mas para saber que o universo existe, tem de haver uma consciência que dele dê notícias da sua existência. E quem dá esse sinal, somos nós, cada ser humano.

É por isso que a maçonaria é antiga, porque ela é inerente a cada homem desde os primórdios do mundo e é na maçonaria que se consubstancia o progresso da humanidade, pois para que o progresso siga em qualquer direção, torna-se necessário a Luz que a tudo ilumina, o foco que vai adiante.

E se a Luz vem do GADU, fonte de toda a claridade, ela, visa iluminar a mente do homem, se o homem a isso se predispuser.

E só depois o cosmos se alumiará. Afinal, o cosmos só pode ser visto, se for compreendido e para tal nem são precisos os olhos. Para olhar e compreender o cosmos, é necessário apenas que o coração humano seja habitado pelo Grande Arquiteto do Universo.

É isso que peço a todos os Meus Queridos Irmãos: que se deixem visitar pela Luz do GADU.

Obrigado.

Disse.

Armindo Azevedo
Grão Mestre

18 março 2019

A morte (e a vida)


Em Maçonaria, os símbolos e rituais servem para colocar ao dispor do maçom os conhecimentos, os temas, os valores com significado e importância no ideário maçónico. O que cada maçom aprende ou não aprende, reflete ou não reflete, assimila ou não assimila em face desses símbolos ou rituais é com ele. Cada um é como é e livremente aproveita (ou não) da forma que melhor entende o que lhe é proporcionado. 

Ao longo do seu percurso, o maçom é confrontado, simbólica e ritualmente, com a morte. Desse confronto, fará a reflexão que quiser ou for capaz, tirará a lição que conseguir tirar. Mas é importante que esse confronto exista.

A morte - sabemo-lo, embora mutos o procurem esquecer pelo máximo de tempo possível... - é inevitável. A todos chegará, a cada um na sua hora. Normalmente, quanto mais novos somos, mais afastamos esse tema do nosso pensamento. É uma desagradável questão distante com que esperamos não ser confrontados por décadas - se nos detemos a pensar nisso ainda vamos deprimir e mais vale mas é pensarmos no que vamos fazer hoje e amanhã e esta semana e nas próximas férias...

No entanto, os maçons são confrontados com a morte e assisado é que reflitam sobre esse tema. Desde logo, porque fazendo-o quando a morte não lhes está iminente, tal lhes permite racionalmente fazerem a sua análise e, sem urgências, ficarem em paz com a certeza de que um dia ela os atingirá.

A morte faz parte da vida. O ciclo natural do nascimento, crescimento, maturidade, declínio, morte está presente em todos os seres vivos, é ínsito à Vida. Quanto mais cedo e melhor aceitarmos isso, mais cedo e melhor estaremos em condições de aproveitar e viver plenamente a vida.

Para o crente, a morte não é o fim, mas uma Passagem. Mas, deste lado da mesma, forçoso é reconhecer que é uma Passagem para o Desconhecido...

A morte, o reconhecimento da sua inevitabilidade e, portanto, a sua aceitação, é, desde logo um importante fator de consciência da fundamental Igualdade entre todos nós.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama, logo no seu art. 1.º, que todos os seres humanos nascem livre e iguais em dignidade e em direitos. Mas, ao contrário do que possa parecer, a parte final desta proclamação ("em dignidade e em direitos") restringe o alcance da primeira parte da frase. E fá-lo bem, porque, em bom rigor todos os seres humanos, sendo essencialmente iguais, são individualmente diferentes. Uns nascem em berço de ouro, outros em pobres enxergas. Uns são geneticamente dotados de saúde, outros têm a infelicidade de virem a este mundo com doenças congénitas. Uns são inteligentes, outros nem tanto assim. Uns são belos, outros nem por isso. Pese embora a proclamada igualdade "em dignidade e em direitos", temos que reconhecer que, parafraseando George Orwell em O Triunfo dos Porcos, "uns são mais iguais do que outros". Uns, bafejados pela genética, mas também condições sociais, partem para a jornada da vida com vantagem. Outros terão de superar deficiências, insuficiências, simples acasos como o lugar de nascimento ou de colocação social dos seus genitores para lograrem atingir os mesmos objetivos e patamares muito mais facilmente atingidos pelos bafejados pela sorte na sua conceção e nascimento.

Quer queiramos, quer não, apesar da fundamental Igualdade entre os seres humanos, a verdadeira, a completa, a material Igualdade só existe na morte! A morte é o encerrar do ciclo neste plano de existência para o milionário e para o indigente, para o belo e para o feio, para o inteligente e para o menos dotado. A morte é a Grande Igualizadora!

Entender a nosa finitude e aceitá-la, mas também entender a fundamental Igualdade que a todos junta na morte é essencial para entendermos e fruirmos completamente a Vida.

A essencial Igualdade da morte é que todos, rigorosamente todos, quando chega esse momento tudo deixam para trás: riquezas, estatuto, honras, mas também dívidas, condenações e opróbrios.

Acumular riquezas, obter estatuto, receber honras implicam esforços, escolhas, renúncias. Ter suficientes bens materiais para poder proporcionar a si e aos seus uma vida segura e confortável e fazer sacrifícios para isso é entendível. Prescindir de fruir plenamente a vida só para acumular riquezas muito para além dessa medida e que, chegada a hora da morte, para trás ficarão, não será, para muitos, uma prioridade. O mesmo quanto ao estatuto, que inexoravelmente termina com a morte física, e com as honras, que gradualmente se desvanecem nas memórias dos que ficam até inevitavelmente desaparecerem, ou, quando muito, e em reduzido número de casos, se limitarem a referências nos livros de história ou de uma qualquer especialidade. Mesmo os grandes, celebrados e recordados artistas, heróis e criadores desconhecem, após a sua morte, que permanecem celebrados e recordados...

Portanto, a consciência e a aceitação de que a nossa vida é finita e que, chegada a morte, tudo deixamos para trás, em bom rigor não são pungentes, não são atemorizadora, são libertadoras, porque essa consciência e aceitação nos permitem viver e fruir plenamente a Vida.

A vida á para ser vivida da forma mais livre, mais pujante, mais compensadora, que nos for possível.

A VIDA É BELA! Mas só temos total consciência disso e a plena capacidade de a fruir depois de termos encarado a nossa finitude e de estarmos em paz com a nossa morte.

Rui Bandeira

11 março 2019

O caminho, o erro e a lição


Há alguns anos, fazia uma viagem por automóvel entre Dubrovnik, na Croácia, e Mostar, na Bósnia-Herzegovina. Receoso do alcance das redes móveis de dados, naquela região, tinha-me preparado, baixando para o meu telemóvel uma aplicação de GPS que funciona com mapas pré-instalados e que, assim, dispensava a necessidade de recurso a redes de dados móveis.

Cruzada a fronteira entre a Croácia e a Bósnia-Herzegovina, o GPS deu indicação para abandonar a estrada principal e tomar uma estrada secundária. Estou habituado a confiar nas indicações do GPS, que muitas vezes nos apontam insuspeitos caminhos mais curtos ou mais rápidos. Assim, não hesitei e abandonei a estrada principal e enveredei pela secundária.

Alguns quilómetros adiante, a estrada cruzou uma aldeia, com ar de semi-abandonada. Gente, muito pouca - e só idosos. Mas o que mais chamava a atenção era a visão de muitos edifícios semidestruídos. Não por algum abalo de terra, mas evidenciando marcas de terem sido atingidos por projéteis de artilharia. A guerra nos Balcãs terminara há já mais de vinte anos, em 1995. Mas aquela meio deserta povoação ainda exibia abundantes e expressivas cicatrizes do que então sofrera com o conflito.

Um pouco mais à frente dessa povoação, a estrada encontrava-se visivelmente deteriorada, esburacada e invadida por vegetação. Mas - pior! - de ambos os lados da vereda (já não era uma estrada...), viam-se, a intervalos regulares, uns "simpáticos" sinais ostentando o conhecido ssímbolo da caveira entre duas tíbias, acompanhado do aviso de "cuidado - minas". Foi a altura de reanalisar a decisão de seguir o caminho indicado pelo GPS! Ter-me-ia enganado a colocar o destino? Haveria alguma outra Mostar que não aquela a que me pretendia dirigir? Reintroduzi o destino no GPS, assegurei-me de que só havia uma Mostar no mapa da aplicação. O GPS continuou, imperturbável (como as máquinas são...), a indicar que o melhor percurso era prosseguir em frente. Refleti um pouco. Os locais onde haveria ainda minas estavam devidamente assinalados e situavam-se fora da estrada. Desde que me mantivesse nesta, não deveria haver problema. O caminho estava visivelmente deteriorado, mas, afinal eu já verificara que atravessava uma zona que sofrera uma guerra e ainda não estava recuperada dos estragos. E, afinal, já por várias vezes o GPS me indicara caminhos com troços em mau estado, mas que depois voltavam a ser boas ou razoáveis estradas. Decidi prosseguir.

Porém, trezentos ou quatrocentos metros adiante, subitamente... deixou de haver estrada. Um matagal obstruía completamente o caminho. Sai do carro e fui ver mais de perto. Logo atrás do matagal, e encoberto por este, vi um novo aviso de "cuidado - minas". Só que agora não estava do lado da estrada. Daí para a frente, a estarada, a vereda, já não era mais do que... um campo de minas!

Clar que fiz inversão de marcha, refiz de volta toda a estrada secundária e, ignorando o GPS, retomei a estrada principal! Uns quilómetros mais à frente, no alto de uma elevação, parei para apreciar a paisagem e tirar umas fotos. Foi então que vi um letreiro, em madeira, virado para o território de onde vinha, escrito em língua local, mas percebendo-se bem que o seu significado era qualquer coisa como: "Está a entrar na Republika Srpska". Tinha atravessado o território dos independistas sérvios da Bósnia, uma das zonas de maior ferocidade da guerra civil decorrente do desmantelamento da antiga Jugoslávia! A tal estrada secundária que acabou obstruída por um campo de minas atravessava o cerne dessa zona de guerra. Os sérvios da Bósnia foram vencidos nesse conflito e, vinte anos depois, a zona estava abandonada, ou quase, e sem preocupação da sua recuperação - e limpeza de minas! - por parte dos vencedores. Ai dos vencidos...

Mais tarde, procurei apurar o que causara aquela informação errada da aplicação de GPS. Tinha baixado dois mapas diferentes da aplicação: o da Croácia e o da Bósnia-Herzegovina. Como é habitual, cada um dos mapas não se limite às fronteiras do respetivo país e tem ainda alguns quilómetros do território do país vizinho. Só que o mapa da Croácia, na parte do outro lado da fronteira, estava desatualizado mais de vinte anos e indicava ainda os percursos de antes da guerra!. Como só quando terminasse o alcance do mapa da Croácia é que a aplicação passaria a utulizar o (atualizado) mapa da Bósnia-Herzegovina, eu, vindo de Dubrovnik, fui, logo a seguir à fronteira direcionado para uma estrada que, antes da guerra, era o caminho mais curto e mais rápido, mas que já não o era e, em rigor, já não conduzia a nada mais do que a um campo de minas. No sentido inverso (de Mostar para Dubrovnik) não teria recebido essa falsa indicação, pois o mapa deste último país estava atualizado e  indicar-me-ia a atual, segura e bem conservada estrada principal...

Este episódio simboliza as opções que temos de tomar na vida. Temos constantemente de escolher o caminho a seguir. Fazêmo-lo em função das informações de que dispomos. Mas nem sempre acertamos. Porque, por mais ponderada que seja a nossa decisão, a informação em que se baseou não estava correta. Quando tal sucede, ainda que não desistamos à primeira dificuldade e perseveremos na nossa convicção, deveremos estar sempre atentos e não cair na obstinação. Quando os dados que formos recolhendo contrariarem inequivocamente os que fundamentaram a decisão, é tempo de arrepiar caminho!

Quando se verifica que se errou, não vale a pena chorar sobre leite derramado. Inverte-se a direção, toma-se outro caminho, e pronto.

Também é escusado - e contraproducente - recriminarmo-nos pelo erro cometido. Ao longo da nossa vida, tomamos centenas de milhar ou milhões de decisões. Não podem ser todas certas, todos temos o nosso quinhão de decisões que se revelam erradas.

Mas o que vale a pena, sempre que concluímos que tomámos uma decisão errada é analisarmos o que causou o nosso erro, o que nos levou à decisão que seria melhor não termos tomado. Só assim conseguimos evitar repetir sucessivamente o mesmo erro ou erros de idêntica natureza. Só assim nos aperfeiçoamos no nosso processo de tomadas de decisão. Por vezes, verificaremos que o erro é de nossa responsabilidade, que não atentámos devidamente nos dados da situação, que errámos no processo lógico de apreciação da mesma. Nalgumas ocasiões, porém, concluiremos que o erro não decorreu de culpa nossa, que resultou de circunstâncias que razoavelmente não poderíamos prever. Nesse caso, deveremos conformar-nos e entender que, por muito cuidadosos que sejamos, não conseguimos prever nem antever tudo. Devemos assim, aceitar humildemente as nossas limitações e aprender que é aconselhável, no nosso processo de tomada de decisão, dar um desconto para a imprevisibilidade, para a nossa incapacidade de tudo prever - aquilo a que um engenheiro meu conhecido dizia que incorporava no cálculo da capacidade das estruturas suportarem forças e tensões e a que chamava "coeficiente de cagaço"...

Somos humanos e, logo, imperfeitos. Aspiramos à perfeição, devemos esforçar-nos por nos aproximar dela o mais possível, mas sabemos que, por mais que nos aproximemos, nunca a alcançaremos.

Constantemente temos de escolher caminhos. Façamos sempre as nossas escolhas com ponderação de todos os elementos disponíveis, para errarmos menos vezes. Mas aceitemos que nos será sempre impossível acertar sempre. Porque, por muito cuidado que tenhamos, há sempre a possibilidade de algo nos escapar, de algo não conseguirmos prever. Por isso, embora nunca devamos desistir à primeira dificuldade, embora devamos persistir perante os obstáculos, nunca devemos ser obstinados, para que possamos reconhecer quando errámos a tempo de arrepiar caminho, remediar o erro e tomar nova direção.

A vida vive-se de muitos caminhos. Às vezes mais rápidos e diretos. De outras mais sinuosos e difíceis. De vez em quando conduzindo a becos sem saída ou levando-nos a desvios indesejados. Nunca nos esqueçamos que embora costumemos dizer que "para a frente é que é o caminho", também temos de saber rodear obstáculos e, quando necessário, dar meia-volta e procurar outra solução. Mas - sempre! - procurando aprender algo com o que fazemos, sempre buscando tirar algo de bom do que de mau fazemos ou nos sucede. Afinal de contas, ao ter eu decidido seguir por aquela estrada secundária que me acabou por obrigar a voltar para trás, se é certo que perdi algum tempo na minha viagem, também pude viver um pouco de algo que felizmente nunca vivi e que espero nunca viver: estar numa zona que foi de guerra e verificar, ao vivo e a cores, com estes dois que a terra há de comer, a destruição que ela traz. Essa noção não a teria adquirido se não tivesse percorrido aquele caminho...

Rui Bandeira

25 janeiro 2019

Exortação do Grão-Mestre da GLLP/GLRP aos Grandes Oficiais


Muito Respeitáveis e Respeitáveis Irmãos,

Meus Queridos Irmãos e Amigos,

Começo por agradecer a vossa presença, neste momento de fraterno convívio, passados pouco mais  de 100 dias, desde a minha instalação.

Não pretendo fazer um balanço, mas quero que aproveitem este momento para se conhecerem melhor, para partilharem opiniões e experiências e para que se sintam mais próximos uns dos outros.

Aproveito ainda este encontro para definir estratégias e promover o início de um debate importante sobre o nosso verdadeiro papel enquanto maçons:

- Será que o que fazemos enquanto maçons é aquilo que a sociedade espera de nós?

- Será que aquilo que fazemos como maçons nos ajuda a crescer e a ser homens melhores?

- Podemos vencer o imobilismo e ser pró-ativos e interventivos em prol de causas que preencham vazios e necessidades concretas de pessoas que todos conhecem e já identificaram?

Estas são algumas das questões que devem estar sempre presentes e para as quais devemos procurar incessantemente respostas. 

A Grande Loja tem, presentemente, cerca de 3.000 obreiros e isso justifica por si só o imenso trabalho que todos temos pela frente.

As Lojas são e devem ser a base do nosso trabalho e o foco principal da Grande Loja.

A Grande Loja só existe porque existem Lojas, o Grão-Mestre só existe porque existe Grande Loja e os Grandes Oficiais só existem porque foram nomeados. 

A todos os Grandes Oficiais quero agradecer a disponibilidade para trabalharem em prol deste projeto comum que eu assumi encabeçar. Foram nomeados para trabalharem com dedicação, lealdade e zelo em prol da nossa Augusta Ordem.

Deixemo-nos, pois, de vaidades, de egos inflamados. Inquietem-se e questionem-se sobre o contributo que cada um pode dar, em cada uma das vossas funções, no dia-a-dia à Grande Loja, ao vosso Grão-mestre e às Lojas.

Exige-se que sejamos uma verdadeira equipa, que façamos parte de um “governo” responsável,  somando todas as nossas energias de forma positiva.

Visitem as Lojas, contribuindo dessa forma para uma maior aproximação entre estas e a Grande Loja. Aproeitem para passar as nossas mensagens, os nossos anseios, em paz e Harmonia. Assumam-se como verdadeiros representantes do Grão Mestre, sem vaidades e sem prepotências.

Não alimentem querelas estéreis, sejam exemplares nas vossas funções e intervenções.

Sejam ainda arautos de boas notícias, de projetos que toquem cada um de nós e envolvam todas as Lojas. 

Temos cerca de 144 Lojas. É verdade, que só cerca de 127 estão ativas e que muitas vivem no limiar de um quórum, que se pretende ver reforçado, para que todas possam trabalhar o Rito, de forma, a que no final, tudo esteja justo e perfeito.

Todos nós temos o dever de ajudar as Lojas a reforçar o quadro de obreiros, convidando todos aqueles que, pelas suas reconhecidas qualidades humanas, intelectuais e solidárias, a integrar a nossa Ordem, num processo de rigorosa seleção.

Temos ainda, Meus Queridos Irmãos um longo caminho a percorrer em termos esotéricos, espirituais e filosóficos, na constante busca da perfeição, quer pessoal quer coletiva.

Ajudem-me a criar um novo clima de harmonia, de paz e de alegria. Nós maçons, temos ao nosso dispor, meios que mais ninguém tem, para influenciar a sociedade de forma muito positiva.

É verdade que vivemos tempos de incertezas, de ausência de valores, em que vale quase tudo: são as redes sociais que, presentemente, ocupam uma parte significativa do nosso tempo; são as “fake news” e o populismo que levam a comportamentos inaceitáveis numa sociedade moderna, justa e democrática; são tantas e constantes as solicitações que enfraquecem a natural disponibilidade para causas solidárias e fraternas.

Temos assim que, enquanto, principais representantes do Grão Mestre e da Grande Loja ser um exemplo de rigor, de disponibilidade, de conhecimento e de partilha da verdadeira amizade fraterna.

Aqueles que foram nomeados e instalados aceitaram “de livre vontade desempenhar as funções do cargo para os quais foram nomeados” e “desempenhar com zelo e lealdade todas essas funções e “juraram e renovaram a promessa solene de amar todos os Irmãos e socorrê-los e ir em seu auxilio, sempre que for necessário”, e “juraram e prometeram cumprir fielmente e com zelo as missões confiadas pelo Grão-Mestre”.

É isso que eu espero de todos vós. É isso que todos esperam de nós.

Dois projetos devem merecer a nossa especial atenção: a REM e a Academia Maçónica. Destaco estes dois, como podia destacar outros, mas temos que começar por algum lado.

Peço pois, o vosso apoio ao RI Paulo Caetano e ao RI Armando Anacleto, a quem devemos apoiar de forma incondicional e sem regatear esforços. O trabalho por eles desenvolvido e a desenvolver, visa exclusivamente o benefício coletivo e não o individual.

Confio em todos sem exceção. Sozinho não conseguirei passar do plano das boas intenções.

Temos muito trabalho pela frente, mas sei que com a ajuda de todos, o nosso trabalho será no final, coroado de sucesso.

No próximo dia 23 de Fevereiro de 2019 realiza-se a Cerimónia da Lembrança, na qual vamos honrar e recordar todos os Irmãos que partiram para o Oriente Eterno. Conto com a vossa presença!

Recordo com saudade todos aqueles que partiram, mas permitam-me que, de forma muito especial, recorde o R.I. Luís Cardoso, que foi um grande exemplo como Homem, como Maçom e como Grande Correio Mor. Ele, verdadeiramente, não partiu, porque contínua presente nos corações de todos nós.

Por último, renovo o meu agradecimento a todos pela vossa presença e peço-vos que aproveitem este momento para se conhecerem melhor, para uma sã partilha de ideias e de “sonhos” para, no final, tornar a nossa Augusta Ordem mais forte e em que todos sintam um enorme orgulho em serem maçons.

À G.D.G.A.D.U.

Armindo Azevedo
Grão-Mestre

15 novembro 2018

O Vigésimo Oitavo Venerável Mestre


O elemento que a Loja unanimemente - como é habitual na Loja Mestre Affonso Domingues - escolheu para assegurar a responsabilidade de a dirigir no ano maçónico de 2016/2017 foi António M..

António M. era um veterano da Loja que a tinha deixado há alguns anos atrás, para colaborar no lançamento de uma nova Loja e que, estabilizada a mesma, regressara a casa, à sua Loja-Mãe, à Mestre Affonso Domingues.

A sua antiguidade, a sua qualidade, mas também a sua disponibilidade para ajudar a dar vida a um novo projeto e, quando esse já estava apto a dele não necessitar, retornar à sua Loja, faziam dele o homem certo no momento certo para dirigir a Loja, no consensual juízo desta. Com efeito, no ano anterior houvera alguma turbulência e desencontro de opiniões, que se esperava que a experiência de António M. ajudasse a ultrapassar. Após um período de debates acesos e persistentes, a Loja ansiava por algum sossego e concórdia. Mas, mais uma vez, a perceção que se tinha da realidade era incompleta e, logo, errada.

O que sucedera no ano anterior não fora conjuntural, antes - só mais tarde se percebeu - fora o afloramento de uma divergência de conceções de que ainda nos não apercebêramos, ao menos na sua completa extensão.Não bastaria tratar, disfarçar ou adiar a eclosão dos sintomas.Viria a ser necessário identificar e encarar de frente o problema - e resolvê-lo.

Ao contrário do que esperávamos, o ano de António M. não iria ser de acalmia. Pelo contrário, foi o ano em que a crise se iria manifestar com toda a força sobre a Loja, qual alterosa onda que se abatia sobre a linha de costa, com fragor e fúria.

Um pequeno incidente, logo no início do mandato de António M., desencadeou uma sucessão de eventos e de reações, que rapidamente se tornou desproporcionada, com diferentes formas, de difícil controlo e - teríamos de o aceitar, ainda durante esse ano - com consequências inevitáveis. 

 Habitualmente, no início do mandato de um novo Venerável apresentam-se os relatórios da atividade do ano anterior. Um desses relaórios foi elaborado por um dos Oficiais que não se conformara com uma decisão do Venerável anterior - e que expressou isso mesmo no seu relatório. Gerou-se uma imediata reação por parte de vários elementos da Loja, que declararam a sua discordância com tal relatório, não só porque tomada decisão pelo Venerável Mestre fica o assunto encerrado, não cabendo continuar alguém a insistir em pôr em causa a decisão tomada, como porque, no caso concreto, a decião que se persistia em contestar fora ratificada e assumida pela Loja. O relatório em causa foi retirado e não foi sequer submetido a votação.

Mas um antigo e influente elemento da Loja achou que António M. tinha também direta responsabilidade na apresentação do relatório rejeitado, pois certamente dele tivera conhecimento prévio à sua proposta à Loja e, se não instruíra o autor da proposta de relatório para a alterar era porque concordava com a mesma e com a acesa crítica ao seu antecessor. E decidiu que, a partir daí, iria opor-se ativamente ao Venerável. De nada serviu argumentar com ele que, com essa atitude, estava a ter exatamente a mesma postura que recriminara aos que tinham expressado a sua discordância em relação ao Venerável anterior.

Agora em novos moldes, reeditava-se o cenário de dois grupos internos da Loja se oporem quanto ao apoio ou desapoio ao Venerável Mestre em exercício! Mas o que, no ano anterior, pudera, apesar de tudo, ser tratado como um incidente infeliz, mas isolado, agora perfilava-se com uma gravidade maior. Agora verificava-se que um peso pesado da Loja direta e persistentemente afrontava o Venerável Mestre e fazia-o em praticamente todas as reuniões da Loja, a propósito de tudo e de nada. A lógica era que o Venerável Mestre integrava um grupo e outro grupo tinha que se lhe opor, se necessário fosse até que os outros saíssem da Loja... Efetivamente, num primeiro momento, havia quem visse com bons olhos o desafio ao Venerável Mestre e quem optava pelo suporte ao Venerável Mestre que por todos fora eleito. Durante um bom par de meses, o debate foi constante, a argumentação intensa, o cenário de uma luta fraticida apresentava-se. Mas um observador atento poderia verificar que, se era verdade que havia dois pequenos grupos a digladiarem-se, se havia  pesos pesados de um e de outro lado, havia também uma maioria da Loja que assistia silenciosa e com um crescente desagrado ao deplorável espetáculo.

Pouco a pouco, o sentimento de desencanto com a situação de confronto na Loja foi aumentando. Mesmo alguns que inicialmente trocavam argumentos se foram apercebendo que o caminho que se trilhava não levava a nada de bom, que se podia ganhar discussões, mas que se perdia a coesão da Loja. Vária alertas foram sendo lançados. Uma Loja maçónica não deveria ser encarada como uma assmbleia onde se usa a oratória para fazer vencer a sua posição. Havia que estancar a obsessão pelo debate pelo debate, pela discussão sem fim, pela cegueira de ganhar discussões. O facto de porventura alguma vez se conseguir convencer uma maioria ou fazer calar uma oposição não dava qualquer garantia de que se estivesse a ter a posição e a atitude corretas. Pouco a pouco, vários dos elementos mais antigos a Loja foram dando conta do seu crescente desconforto, do seu entendimento de que havia, de uma vez por todas, que entender que  processo de decisão, a troca de ideias, o confronto delas, numa Loja maçónica se faz em plano diverso - para melhor! - do que o que ocorre numa vulgar assembleia de condomínio. Pouco a pouco, um a um, todos foram evoluindo para uma postura de evitar o conflito , de não fomentar discussão.

Infelizmente, o tal  antigo e influente elemento da Loja, por obstinação ou por erradamente ter tomado o crescente silêncio dos demais em relação aos seus ataques ao Venerável Mestre por concordância com eles, só se apercebeu da fadiga da Loja em relação à sua postura de ataque e confronto, quando estava praticamente só prosseguindo uma luta que parecia só ele querer prosseguir. Ao verificar que praticamente todos, mesmo antigos companheiros de muitos anos de Loja, discordavam do seu combate, não se limitou apenas a cessá-lo. Entendeu por bem sair da Loja, transferido-se para outra.

Foi a primeira baixa de peso que a Loja sofreu no meio e em virtude da sua crise. Lamentavelmente. Mas, mais impressivo ainda, o sentimento que a Loja teve com aquela saída foi, na altura, de alívio, de esperança que tal desfecho permitisse finalmente o restabelecimento da paz e da harmonia na Loja.

Muitos anos de amizade e de cumplicidade foram abalados com esta saída e as circunstâncias dela. Felizmente, sem problemas de maior e que não fossem remediados com a simples passagem do tempo, grane nivelador que a todos ajuda a perspetivar o que a certa altura parecia altaneiro penhasco como afinal a minúscula e natural elevação de terreno que apenas era. Hoje, e na tradição da Loja Mestre Affonso Domingues, esse antigo e influente elementos, agora noutro projeto, continua e continuará a ser pela Loja visto como um dos nossos e, quando necessário, já deu, continua a dar e não regateia a sua preciosa colaboração à Loja. Nisso, a Loja não mudou - e espera-se que nunca mude: Um vez um de nós, sempre um dos nossos!

Mas o período de turbulência na Loja, afinal já com mais de um ano de vigència e sucedendo a três ou quatro anos de instabilidades casuisticamente remediadas veio ainda a cobrar à Loja mais um alto preço. Um grupo de obreiros da Loja, desagradados com o que se estava passando, fartos de controvérsias, desiludidos nos seus andeios, decidiu sair em conjunto da Loja e iniciar um outro projeto. De nada valeu  o tempo de acalmia que finalmente se lograra atingir. O período de instabilidade fora longo e fizera nascer e amadurecer o seu projeto de formação de nova Loja. Para a Loja Mestre Affonso Domingues, o golpe era rude: tratava-se de um grupo de obreiros que, entrados quase todos ao mesmo tempo, a Loja formara em conjunto, em conjunto fomentara o seu espírito de corpo e, jovens Mestres, neles depositava a esperança de lhes transmitir, a muito curto prazo, as rédeas da administração da Loja. Mas nada havia a fazer, a decisão fora tomada - afinal, a Loja fizera um bom trabalho na criação do espírito de corpo  desses elementos...

Tendo tomado conhecimento do propósito de saída de alguns elementos para formarem outro projeto, a Loja Mestre Affonso Domingues, não obstante o golpe que para si isso constituia, teve a lucidez de compreender que a sua melhor atitude era nenhum obstáculo colocar a esse projeto, afinal a livre expressão da livre vontade de vários elementos. Pelo contrário, viabilizou e facilitou institucionalmente o nascimento da nova Loja, afinal, mais uma nascida sob os auspícios da Mestre Affonso Domingues.

A Loja ficou mais pequena e, sobretudo, perdeu alguns elementos valiosos. Mas estes dois acontecimentos consolidaram na mente de todos os que permaneceram que havia que rever processos, que mudar posturas, que redefinir prioridades na Loja. E, rápida e consensualmente, assim se fez. O final do mandato de António M. foi pacífico e, sobretudo, im tempo de produtivo trabalho da Loja. Os princípios e valores da Maçonaria foram relembrados, o trabalho de aperfeiçoamento individual dos obreiros da Loja retomado. A doença aguda foi vencida, o processo de convalescença iniciou-se.

António M. apanhou em cheio com a crise da Loja. Mas teve a lucidez, o sangue-frio e a calma de segurar firmemente o seu leme. Posto forte e repetidamente em causa, não vacilou e manteve-se firme no cumprimento do mandato que lhe foi confado. Fez o que tinha a fazer, quando tinha que o fazer. Não exacerbou conflitos, apelou sempre à fraternidade. Suportou o temporal e, quando ele passou, guiou a barca da Loja com imperturbável serenidade. Navegou à vista e, nos momentos de maior perigo, em que muitos viam escolhos que poderiam conduzir a Loja a infausto naufrágio, soube escolher o rumo certo, apoiar-se na experiência de muitos dos que, como ele, queriam preservar o projeto da Loja Mestre Affonso Domingues e conduzir a Loja para mar calmo, sem rombos irremediáveis, e soube propiciar o início da reparação dos inevitáveis estragos.

António M. recebeu uma Loja alvoroçada e passou ao seu sucessor uma Loja apaziguada Só por isso, merece lugar de destaque na Memória da Loja Mestre Affonso Domingues!

Rui Bandeira

05 novembro 2018

O Vigésimo Sétimo Venerável Mestre


Com a eleição de  Paulo M. - um dos que escrevem neste blogue -, a Loja continuou a trilhar o caminho da transição de gerações, que então pensava ser o maior problema que tinha de enfrentar. Com efeito, Paulo M. entrara na Loja já depois do início deste blogue, de que. mais tarde, viria a ser um dos animadores. Ter na direção da Loja "um dos novos" afigurava-se ser a receita certa para prosseguir e concretizar a transição de gerações.

A realidade, porém, no mandato de Paulo M. e no do seu sucessor, veio a revelar-se mais complexa. Foi no mandato de Paulo M. que se começaram a tornar evidentes sinais de crise. O que a Loja fazia, a forma como a Loja atuava, estava já desfasada do sentimento da maioria dos elementos que a constituíam. Até então, os desequilíbrios eram apenas pressentidos. No mandato de Paulo M. tornaram-se visíveis.

Paulo M. era e é um homem meticuloso, pormenorizado, que, detetando um problema, analisa-o em profundidade e estabelece uma via para a sua superação. No caso, Paulo M. tinha como problema mais evidente a questão das quotas por pagar por parte de um significativo número de obreiros da Loja. As contas da Loja ressentiam-se deste facto. Havia que resolver esse problema com alguma urgência, sob pena de, a curto prazo, a Loja ficar sem fundos para pagar as capitações à Grande Loja e assegurar o seu normal funcionamento.

Paulo M. identificou várias diferentes situações que contribuíam para a existência do problema. Este começara na altura da crise económica e da intervenção da troika no país. Alguns obreiros da Loja foram atingidos pelo desemprego. Outros viram significativamente reduzidos os seus rendimentos. Houve vários obreiros que emigraram e outros que se viram na necessidade de ir viver e trabalhar para localidades distantes de Lisboa. À crise e suas repercussões nas finanças da Loja, esta começara por reagir absorvendo os encargos decorrentes de atrasos e omissões no pagamento das quotas por parte de uma parcela significativa dos seus elementos. Contudo, a crise económica no país começava a ser superada, as coisas iam melhorando para muitos dos elementos que tinham sido afetados - mas a rotina do atempado pagamento de quotas não recuperara em igual nível.

Da análise que fez, Paulo M. concluiu que havia quem continuava a não pagar atempadamente porque não podia ainda, mas havia também quem já podia pagar e não o fazia porque perdera o hábito e negligenciava a sua saudável retoma. Havia quem, podendo já pagar de novo a sua quotização mensal, não o estava a fazer porque o peso do atrasado o inibia de tudo regularizar de uma vez, mas também quem não retomava o pagamento porque o parceiro do lado ainda o não fizera e "não havia filhos e enteados". Havia quem, embora tendo quotas em atraso, comparecia assiduamente e participava com regularidade nos trabalhos e nas decisões e nos projetos e havia quem não estava a pagar, mas também não comparecia.

Feita a análise, gizou um plano para resolver ou, pelo menos, minimizar o problema, afinal esquematizando com bom senso as várias e diferentes opções possíveis em face das diferentes situações. Em síntese, quem podia pagar devia pagar; quem podia recomeçar a pagar mas não podia regularizar de uma só vez ou em breve tempo a dívida acumulada, recomeçava a pagar e estabelecia um plano de pagamentos escalonado no tempo  para ir resolvendo o atrasado; quem não estava ainda em condições de poder retomar o pagamento e estava com atraso significativo no pagamento das suas quotas, das duas, uma: ou comparecia regularmente nas sessões ou também primava pela ausência - se comparecia, mantinha a ligação ao grupo e devia beneficiar do apoio do grupo; se não comparecia, então estava a quebrar a sua ligação ao grupo e não fazia sentido que o grupo pagasse para manter no seu seio um elemento que não comparecia e nesse caso, aplicava-se o que estava regulamentarmente previsto: notificava-se o visado para se colocar em dia com as quotas ou para apresentar plano para o fazer e para voltar a comparecer, sob pena de exclusão da Loja - e aplicava-se a exclusão a quem não correspondesse satisfatoriamente.

Paulo M. explicou cuidadosamente em Loja os vários aspetos do que decidira e as razões que suportavam as suas opções. A Loja não se mostrou desfavorável, na essência, às opções expostas, uma vez incorporadas algumas pequenas alterações. Em poucas semanas foi encaminhada a maioria dos casos, restando um pequeno número de elementos - uns três ou quatro - que não tinham ainda, nem se sabia quando teriam, condições para pagar, mas continuavam diligentemente assíduos. Não querendo deixar a sua tarefa incompleta, Paulo M. socorreu-se de uma prerrogativa que o Regulamento da Loja lhe conferia: a de poder dispensar um obreiro do pagamento de quotas, pagando-as a Loja com a verba destinada à beneficência. Deste modo, dispensou de quotas os obreiros em causa pelo período que tinham em falta, obteve destes a promessa de que reporiam o montante dispensado de pagamento se e quando lhes fosse possível e deixou a evolução futura para análise atualizada em relação à evolução das circunstâncias para os seus sucessores.

Algo de inaudito, porém, sucedeu. Alguns elementos da Loja, incluindo dois obreiros que integravam o seu Quadro de Oficiais, manifestaram-se contrários ao que Paulo M. decidira. Paulo M., pacientemente, voltou a explicar pormenorizadamente a sua decisão e as razões dela e colocou a questão em debate e em decisão pela Loja. A Loja ratificou a decisão do seu Venerável Mestre. Mas alguns elementos continuaram a discordar e a remar contra a concretização das decisões do Venerável Mestre.

Paulo M. tinha então duas opções a tomar: ou seguia a via disciplinar e abria processos contra os que diretamente violavam os respetivos compromissos de não contrariar as decisões do Venerável Mestre (ainda por cima ratificadas em Loja) ou, compreendendo que havia estados emocionais e amizades no fundo de algumas das objeções formuladas, preferia evitar o corte a direito e geria a situação de forma a que, paulatinamente, a questão se fosse resolvendo. Tomou - acertadamente, a meu ver - a segunda opção e, paciente e meticulosamente repetiu as vezes que foram necessárias as razões da sua decisão, promoveu a sua execução e tentou sempre minimizar o problema.

Ficou, no entanto, evidente que algo mudara na Loja. Pela primeira vez, desde a sua fundação, um grupo de obreiro da Loja desafiou diretamente a autoridade do Venerável Mestre e persistiu na sua postura mesmo depois de ver ratificada a decisão do Venerável Mestre pela Loja, entendendo ser seu direito democrático exprimir as suas posições e lutar por elas enquanto entendesse útil ou necessário fazê-lo. Esta posição motivou, por outro lado, reação dos que não viam com bons olhos o direto desafio ao Venerável Mestre. Estava gerado o turbilhão que iria envolver a Loja no resto do mandato de Paulo M. e grande parte do mandato do seu sucessor, tornando evidente crise da Loja que não seria ultrapassada sem significativo prejuízo.

Por outro lado, Paulo M. ficou muito ferido pelas atitudes de alguns dos obreiros da Loja. Ainda hoje as cicatrizes se notam...

O mandato de Paulo M. foi, assim, atribulado. Mas - sejamos justos! - não por sua culpa. Paulo M. fez o que devia fazer quando o devia fazer e renunciou a fazer algo que podia fazer, em prol da Loja. A meu ver, esteve na direção da Loja em má altura e apanhou em cheio com uma crise que se desenhava, com uma onda que se vinha insensivelmente formando bem lá de trás e de que só nos apercebemos quando apanhámos com ela em cheio. A clivagem não era, afinal, entre velhos e novos. A clivagem tinha a ver com diferentes conceções de estar e decidir em Loja, diversos entendimentos do que era, como se processava e se vivia a integração do indivíduo no coletivo de uma Loja maçónica. Superar essa clivagem iria ter custos, levar tempo e paciência e implicar o recurso à amizade. Mas, afinal, esse era um processo de evolução natural que tínhamos de vivenciar. Um coletivo nasce, cresce, amadurece e reinventa-se ou morre. Era tempo de nos reinventarmos.

Paulo M., apanhado pela crise, viria a ser um dos elementos que contribuíram para a reinvenção da Loja. Que está para lavar e durar, todos o esperamos, por muitos e bons anos, enfrentando e superando todas as crises que periodicamente surjam e suscitem as mudanças que necessário for. Com a preciosa colaboração do Paulo M., que foi o homem certo no conduzir do barco quando a tempestade começou a levantar ventos fortes. É mais um elemento que contribui para a individualidade específica da Loja Mestre Affonso Domingues. E mais um elemento que ajudará, no futuro, a enfrentar as crisezinhas que vierem. Porque soube enfrentar com acerto e bom senso a crise que lhe coube em sorte. E todos lhe estamos gratos por isso - mesmo os que, na altura, a ele se opuseram! Porque águas passadas não movem moinhos e este moinho da Mestre Affonso Domingues ainda tem muito cereal para moer - e vai fazê-lo, sempre em conjunto!

Rui Bandeira