16 novembro 2015

Um Maçon e a sua religiosidade (republicação)...

Hoje o texto que republico é da autoria de um Mestre Maçom pertencente ao quadro de obreiros da Respeitável Loja que acolhe este blogue e também ele mesmo, um membro do seu painel de autores, e que tem como confissão religiosa, o Islão.
E dado o que se passou nos últimos dias aqui perto em Paris, será interessante recordar o pensamento de um muçulmano, o Alexandre T..
Até porque não se deve nem se pode confundir a "árvore com a floresta"...


Pode um Maçon ser um Homem crente?
Pode um Maçon ser um Homem praticante de uma fé/crença?

Perguntas que muitos fazem, respostas que poucos as conseguem entender, pois por isso mesmo hoje decidi apresentar-vos a visão de um Maçon, face à sua vivência enquanto Maçon e enquanto Muçulmano.

O que diferencia um Maçon Muçulmano de ou outro qualquer Maçon, seja ele Cristão, Judeu, Deísta, Budista e ou apenas crentes no Grande Arquiteto Do Universo.

Deixo-vos a minha opinião suportada por uma vivência de um momento muito especial no que respeita à pratica Religiosa e a Observância Maçónica daqueles que são os princípios da Maçonaria, falo da Liberdade, da Igualdade, do Direito ao Livre Arbítrio, dos Bons Costumes e da Tolerância e Respeito.

O mês de Ramadão de 1435/2014.

- Um mês de Ramadão terminado!
- O dia de Eid al-Fitr comemorado!

E agora, agora vamos a mais um balanço:

Um mês de reflexão, de observação interior e de avaliação dos limites, limites esses que nem sempre julgamos poderem ser atingidos.

Um mês de auto disciplina física e intelectual, um mês onde acima de tudo a mente esteve, tanto quanto possível, apenas fixada no bem, na família, nos amigos, na partilha, no fazer o bem e deixar de lado todas as intenções e pretensões pessoais, ou seja um mês de trabalho individual para melhorar a minha postura, ação e atitude face ao colectivo e à sociedade.

Pois bem, do ponto de vista pessoal e é isso que interessa, pois cada um deve começar o trabalho por si mesmo e nunca pelos outros, digo-vos que o meu Ramadão foi completado a 100%.

No que respeita à convicção de fé/crença essa sai reforçada, olhando à mesma como um processo de evolução e aperfeiçoamento pessoal, no entanto esclareço que neste tema de fé/crença, cada um tem o direito em optar pelo processo/caminho que bem entender, desde que essa seja a sua vontade e opção feita de forma livre e consciente.

Esta minha escolha é mais um processo, adicionado a outros, com o qual me sinto bem e através do qual tenho vindo a reforçar as minhas convicções, enquanto Homem Livre e de Bons Costumes (assim espero ser reconhecido) o qual me tem ajudado a percorrer esta minha caminhada.

O que me torna diferente dos outros, findo o Ramadão?

Bem na verdade NADA!

Exactamente “NADA”, não consigo encontrar nada que me diferencie de todos os Meus Irmãos Maçons, sejam eles Cristãos, Judeus, Deístas, Budistas e ou apenas crentes no Grande Arquiteto Do Universo.

Em nada e em caso algum tenho o direito, ou posso sentir-me diferente, seja para melhor e ou para pior, apenas porque escolhi este ou aquele caminho, reconheço hoje, tal como sempre fiz, todos os Meus Irmãos de igual forma, sem qualquer diferença originada por qualquer Credo, Estatuto Social, Convicção Ideológica, Clubismo Desportivo e ou Opção Filosófica.

Depois desta caminhada chego à conclusão que na minha fé/crença, bem como todos os rituais e práticas executadas, em nada me tornam diferente e têm apenas os seguintes objetivos:

1 Tornar o Homem mais Humilde e menos Egocêntrico, pois a prática de nos dirigirmos ao Grande Arquiteto Do Universo, tem como principal objectivo tornar-nos mais Humildes aquando lidamos com todas as formas de vida, por Ele criadas.

Tornar o Homem totalmente consciente de que esta Caminhada (Vida) é apenas uma etapa de aprendizagem e que por isso mesmo devemos de olhar muito mais para o que está ao nosso lado e não apenas para o reflexo da nossa própria imagem no Espelho, pois quando a Luz se extingue também o nosso reflexo nos abandona e ai só quem está ao nosso lado e DEUS/YHVH/ALLAH, nos pode dar a mão.

3 Tornar o Homem mais consciente daquilo que são as necessidades de todos aqueles que jejuam permanentemente para lá do Ramadão, os quais jejuam infelizmente porque não tem meios para se poder alimentar, vestir e ou ter uma habitação condigna.

4 Tornar o Homem mais “Homem” e menos “Entidade Divina”, POIS neste período todos são elevados à mesma condição, O Rico, O Pobre, O Doutor, O Ignorante, O Inteligente, O sem Curso Superior, O Sacerdote, O Crente, O Homem e A Mulher, todos, mas mesmo todos, são iguais, todos passam pela mesma privação independentemente daquilo que são perante, ou aparentam ser, independentemente dos Rótulos e Medalhas com que se apresentam, ou se possam vir a apresentar no seu dia-a-dia Profano e ou Sagrado.

Por isso findo este processo apenas quero deixar um registo de desejo:

Que O Grande Arquiteto Do Universo nos proteja a todos das Trevas que vamos encontrando ao Longo desta nossa Caminhada (Vida), que a Luz do Sol, direta e ou na Lua refletida, nos Ilumine até que a Meia Noite do nosso Dia chegue e que lá no Oriente Eterno, onde todos nos voltemos a Reconhecer e a Reencontrar, sejamos o reflexo daquilo que aqui fizemos, pois lá seremos apenas mais uma Luz, junto de todas as outras, sem qualquer distinção, diferença e ou diferenciação.

Disse!

Alexandre T.

09 novembro 2015

Jorge Manuel do Carmo Pereira de Almeida (1958-2015), maçom afável



Para alguns de nós era o Jorge Pereira de Almeida. Outros conheciam-no melhor por Manuel do Carmo, parte do seu nome que utilizava enquanto autor e artista plástico. Ele era ambos e ambos eram um só, ele, um maçom afável, que era estimado por todos os elementos da Loja que com ele privaram.

Foi advogado, autor de quinze livros publicados sobre relações internacionais, arte e filosofia (só para referir três: Um Café pelo Aqueduto (Dinalivro), O Método Alternativo (Guimarães Editores), Caixa para Pensar (Verbo), o seu último trabalho editado), empresário, artista plástico. Foi assessor da Presidência do Conselho de Ministros no VII Governo Constitucional, professor de Relações Internacionais no ISLA, assessor na Fundação Oliveira Martins, Presidente da ONG Latin American Studies Institute, e fundador e Presidente da Manuel do Carmo Foundation, organização sem fins lucrativos sedeada em New York com o objetivo de angariar fundos para promover o diálogo entre as culturas europeia e norte-americana.

Foi tudo isso, teve uma vida cheia e produtiva. Mas foi, para nós acima de tudo o mais, um dos nossos, da Loja Mestre Affonso Domingues. 

Infelizmente, os mais novos não tiveram oportunidade de contactar com ele. Há vários anos lidando com sérios problemas de saúde, não lhe era possível comparecer na Loja. Os contactos com ele eram sobretudo telefónicos, sobretudo para ir sabendo como ia ele lutando com as doenças que o afetavam. Apesar da gravidade das suas doenças, manteve sempre uma inesgotável força, força de viver, de lutar contra a doença, de superar e de se superar. E também um assinalável otimismo. Mesmo ao telefone, sentia-se o sorriso que embalava a sua conversa. Esse otimismo manteve-se até ao limite da impossibilidade, até ao momento em que ficou evidente que não venceria a sua luta. Quando isso sucedeu, a sua fibra continuou a revelar-se e sobreveio a apaziguadora resignação, sempre de mãos dadas com a sua proverbial boa disposição. A forma como lidou com as suas doenças, como encarou com naturalidade a perspetiva da sua mais próxima do que longínqua morte, a serenidade (é a palavra certa) com que encarou o fim, estando já muito próximo dele, foi um exemplo para todos nós.

Aliás, hesitei um pouco em o adjetivar como maçom afável ou como maçom sereno. Teve ambas as qualidades. Optei pela primeira qualificação, quer porque foi qualidade que manteve sempre, na saúde e na doença, nos tempos felizes e nas alturas agrestes, quer porque foi talvez a caraterística mais marcante para todos os que com ele privavam.

O Jorge estava bem em qualquer lado, com qualquer pessoa. E sobretudo foi um homem que lidou sempre com os outros com uma extrema amabilidade, sempre atencioso, sempre calmo e sorridente, sempre dando a sensação de que ouvia o que lhe diziam com a máxima atenção, sempre fazendo com que cada um se sentisse como o mais importante para ele, ali e naquele momento. O Jorge não se limitava a ser educado, a ser amável, a ser atencioso. O Jorge era tudo isso e transmitia ainda o gosto de estar a falar com o interlocutor. Mesmo quando porventura discordava dele, isso não impedia que o interlocutor sentisse que era um prazer debater com ele, que as concordâncias ou discordâncias eram menos detalhes, que o importante era estarem juntos e conversarem e trocarem pontos de vista.

À medida que a sua saúde se deteriorava, a nossa preocupação aumentava. O Irmão Hospitaleiro foi visitá-lo e encontrou-o já muito enfraquecido, muito frágil. Tinha a noção que o seu fim neste plano de existência estava próximo. Encarava o facto com serenidade, escudado na sua fé de que a morte não era o fim, mas apenas uma passagem. Mesmo frágil, mesmo fraco, mesmo vendo a morte já tendo virado a esquina e aproximando-se, interessou-se em saber dos demais irmãos da Loja. Ao saber que íamos homenagear o nosso decano (em idade), fez questão lhe oferecer um dos seus últimos trabalhos, e um outro à Loja, confiando-os ao Irmão Hospitaleiro para que os entregasse aos destinatários, e solicitou que o irmão decano que ia ser homenageado lhe autografasse um dos seus (dele, decano) livros. Infelizmente, não foi já possível devolver-lhe o livro autografado... 

O Jorge Pereira de Almeida, o Manuel do Carmo, teve uma vida cheia e bem sucedida. Nós recordá-lo-emos sobretudo pela caraterística que mais nos tocou: como um Irmão extremamente afável, com quem foi sempre um prazer privar e que nos deixa saudades. Voltaremos a encontrar-nos quando trilharmos o mesmo caminho em que ele nos precedeu. E de algo estou certo: o nosso reencontro será agradável, como agradável foi sempre o nosso convívio.

Até ao nosso reencontro, Jorge!

Rui Bandeira  

02 novembro 2015

O Silêncio dos Aprendizes (republicação)

O texto que hoje republico é um texto da autoria do A.Jorge e aborda a sua experiência pessoal em relação ao "silêncio" que é imposto aos Aprendizes. Silêncio este que todos os Maçons alguma vez experimentaram... Para uns, algo difícil, para outros, algo necessário... Cada um com a sua experiência própria.

Aqui fica o texto, que pode ser consultado no seu original aqui e cuja "Caixa de Comentários" originou um debate interessante e esclarecedor.

"O Silêncio dos Aprendizes

Ao escolher este tema presto homenagem ao silêncio dos aprendizes em loja e em particular ao seu significado e objectivos, dado considerar que ele contribuiu decisivamente para a minha aprendizagem e para a minha evolução como pessoa e, espero que, como Maçon.

Nas conversas prévias que tive com os Irmãos Mestres J:. R:. e R:. B:., integradas no meu processo de admissão à Maçonaria, houve desde logo algo que me causou alguma apreensão – como iria eu conviver com o silêncio que se impunha aos aprendizes em Loja. Ter uma opinião para transmitir e não o poder fazer, só poderia ser uma forma sofisticada de praxe ou de tortura, para ver se eu me aguentava....

Sendo normalmente uma pessoa interventiva, o ficar calado significava para mim quase que uma prova de fraqueza ou ignorância, e isso era algo que não estava habituado. No mundo profano, nomeadamente nas esferas empresariais, é normalmente preferível dizer alguma coisa, mesmo que inútil, do que não dizer nada, já que isso parece ser apreciado.

As minhas primeiras sessões em loja foram muito conflitivas – se não podia falar e só podia ouvir, o que é que eu estava ali a fazer? Durante este período, passei por várias fases evolutivas: equacionei ir-me embora, já que não queriam ouvir o que eu tinha para dizer e eu tinha muito para dizer; ponderei os inconvenientes de desrespeitar a regra, rompendo o silêncio; efectuei comparações entre os argumentos que eram utilizados e os que eu utilizaria na mesma situação, etc.. Creio que posso afirmar que a minha permanência na Maçonaria se deve a um acto de teimosia, já que decidi não desistir e ir até ao fim.

Gradualmente, fui começando a alterar a minha atitude perante o silêncio, principalmente a partir do momento em que conclui ser inútil preocupar-me em construir uma argumentação que depois não teria continuidade. Já que não podia falar, talvez existissem outras formas de rentabilizar o tempo que ali passava e a forma mais lógica e imediata parecia ser, ouvir e assimilar o que estava a ser dito. Tal “descoberta” fez-me começar a escutar de forma consciente, o que efectivamente se dizia, o que me conduziu a uma nova descoberta acerca de mim próprio: tinha tendência para só escutar os outros em função da resposta que teria de lhes dar e não por aquilo que tinham para me dizer.

Esta constatação levou-me a começar a tentar escutar os outros de forma desinteressada e sem reservas ou intenções. Foi um processo intencional, lento, com avanços e retrocessos mas extremamente agradável - sentir que começava a descobrir os outros e ver que a atitude destes se alterava gradualmente. De forma tímida no inicio, primeiro nos círculos familiares e depois entre amigos e em ambientes profissionais, foi encorajante ouvir frases como “não sei porquê, mas agora é mais agradável conversar contigo”...

No campo estritamente profissional e nomeadamente nos processos negociais, em que cada argumento antecipado pode constituir uma vantagem para os outros, descobri também que o escutar me permitia analisar melhor a situação e sobretudo preparar melhor a argumentação necessária à consecução de estratégias ganhadoras.

E no entanto toda esta simplicidade parece ser fruto de uma sabedoria milenar que já Hiram utilizava quando formava os seus aprendizes e companheiros, para os preparar para a construção do Templo de Salomão.
Quando o recém iniciado é advertido de que não poderá falar em loja, desde a sua iniciação até à sua passagem a mestre, devendo apenas ouvir e observar, está-se simplesmente a dar continuidade a um dos mais antigos costumes das ordens iniciáticas: o silêncio.

Voltado para si mesmo, calado, numa postura de reflexão e recepção, o Aprendiz Maçon deverá evitar resvalar para uma atitude passiva ou desinteressada. Pelo contrário, todos os seus sentidos devem estar atentos para o que se passa em loja. Ver, ouvir, receber, reflectir e guardar, são as palavras chave deste processo de aprendizagem e evolução interior. Juntar e interligar todas as informações que lhe chegam ao cérebro, estranhas e diferentes das que já conhece, formulando hipóteses e conclusões que lhe permitam uma visão cada vez mais elevada das observações que faz. Esta deve ser a maior preocupação do iniciado.

O ainda candidato é exposto pela primeira vez perante a regra de silêncio quando é introduzido na Câmara de Reflexão, permanecendo sozinho e ladeado por símbolos, palavras e frases, estimulado a pensar e a penetrar no fundo do seu interior. No silêncio da meditação, vai ao encontro de si mesmo, examinando minuciosamente o que lhe vai na alma. É então confrontado com a sigla Vitriol (Visita Interiora Terrae, Retificandoque, Invenies Occultum Lapidem), que na sua tradução para português significa: "desce ao interior da terra, e perseverando na rectidão, poderás encontrar a pedra oculta".

Após toda a cerimónia de iniciação, o candidato profano transforma-se em recipiendário silencioso, o recém iniciado assume o papel do hermetista, ou do alquimista na sua busca incessante da Pedra Filosofal, que uma vez descoberta, o transformará no homem perfeito. Este é o sentido que o maçom busca quando luta para transformar a sua Pedra Bruta na Pedra Cúbica, que poderá utilizar e encaixar perfeitamente na construção do seu novo Templo interior.

O conselho "lege, lege, relege, ora, labora et invenies", que significa lê, lê, relê, ora, trabalha e encontrarás, era dado ao eleito para conhecer e assimilar os mistérios da Alquimia. Hoje, continua sendo este o conselho dado ao iniciado. O maçon afasta lentamente todas as suas paixões, os seus vícios, os seus desejos incontroláveis, para vê-los transformarem-se em virtudes, domínio de si mesmo, tolerância e prudência, alcançadas no silêncio e na introspecção. O iniciado reconhece como fundamentais, as palavras "Vigilância e Perseverança" nas metodologias do seu estágio de observação. Quem fala muito pensa pouco, ligeira e superficialmente, e a Maçonaria quer que seus membros sejam melhores pensadores do que faladores.

Todo este processo pretende, na sua essência, preparar e induzir ao Aprendiz a necessidade da reflexão como método de transformação interna. Embora indirectamente, é possível estabelecer vários paralelismos e interacções com o Catecismo do 1º grau, nomeadamente:
  • Quando o Aprendiz afirma vir “vencer as suas paixões, submeter a sua vontade e realizar novos progressos na Maçonaria”, logo seguido de “Porque um Maçon deve desafiar-se a si próprio e evitar juízos de valor antes de consultar a sabedoria dos irmãos”. O silencio proporciona-lhe um método de progressão e impõe-lhe uma prática de reflexão que o levará a ponderar os seus juízos de valor em função de conhecimentos que deve reconhecer como mais profundos.
  • Na resposta “Antes queria ter a garganta cortada do que revelar os segredos que me foram confiados”, que pressupõe não só dedicação e respeito pela Ordem, mas também a capacidade de responder ou reagir após um processo de interiorização e valoração, que a pratica do silencio poderá ajudar a tornar inconsciente e natural.
  • Na resposta “Porque todas as forças destinadas a desenvolverem-se utilmente no exterior devem primeiro concentrar-se em si mesmas”, em que claramente transparece a necessidade de um trabalho interior prévio em que o silencio pode e deve ser uma peça fundamental.
Se mais não houvesse para aprender na Maçonaria, o ter conhecido o valor do silencio e tudo aquilo que este me proporcionou, já teria valido a pena.
Partindo de um silencio imposto, cujas motivações se fundamentam na sabedoria milenar do grupo e que constitui como que um tirocínio para o recém iniciado, passa-se para uma fase de utilização em termos interiores do silencio, evoluindo finalmente para um estadio de admiração pelo silencio em que a imposição se transforma em voluntariado que assim se transforma em sabedoria, fechando o círculo e preparando o iniciado para novas fases da sua evolução e do seu crescimento interior.

A. Jorge em 27.04.6000"

26 outubro 2015

O Vigésimo Quinto Venerável Mestre


Com a renúncia do Vigésimo Quarto Venerável Mestre, a Loja deparou-se com uma situação inédita para resolver. Já anteriormente ocorrera uma renúncia do Venerável Mestre a meio do mandato, a do Sétimo Venerável Mestre, José Ruah. Então, a Loja designou para lhe suceder o Primeiro Vigilante, que completou o mandato e foi reeleito para exercer um mandato completo. Mas agora esta solução não era possível, pois o Primeiro Vigilante em funções informou que ou completaria o mandato interrompido, ou exerceria o mandato completo que se iniciasse em setembro seguinte, mas não estava disponível para exercer o ofício de Venerável Mestre durante ano e meio.

Analisado o problema e as várias propostas de solução que foram sendo apresentadas, a solução - como frequentemente sucede quando se debate em conjunto, com lealdade, seriedade e espírito de compromisso - acabou por ser uma que ninguém vira à partida, um verdadeiro "ovo de Colombo", uma solução tão evidente, tão lógica, tão à vista que, com alguma perplexidade, alguns de nós se interrogaram como não tinham pensado nisso antes.

Um dos Mestres fundadores da Loja, constando na carta-patente original da Loja como o seu primeiro Primeiro Vigilante, Hélder V., muito pouco tempo depois da fundação da Loja tivera que a abandonar, cumprindo missão, determinada pelo Grão-Mestre Fundador, de trabalhar em outra Loja. Durante mais de duas décadas, trabalhou em várias Lojas, auxiliando-as com a sua experiência e capacidade organizativa. Ao longo desse tempo, por várias vezes visitara a Mestre Affonso Domingues e ia mantendo contacto connosco. Cerca de um ano antes - talvez um pouco menos - regressara formalmente à Loja e reintegrara o seu Quadro de Obreiros. Exercera, por várias vezes e sob a direção de vários Grão-Mestres, diversas funções como Grande Oficial. Possuía a qualidade de Mestre Instalado. Detinha, assim, as condições regulamentarmente exigidas para poder, de imediato, ser eleito Venerável Mestre da Loja. Não se incomodava rigorosamente nada em exercer o ofício por um tempo mais curto do que a normal duração do mandato. Disponibilizou-se para completar o tempo do mandato do Venerável Mestre que renunciara mantendo em funções todo o o Quadro de Oficiais em exercício. Era o elemento ideal para assegurar a condução dos destinos da Loja pelo cerca de um semestre que faltava até a altura normal para um novo Venerável ser eleito e instalado.

Parecia impossível como nenhum de nós se lembrara antes de que tínhamos ali à mão de semear um Venerável Mestre "chave na mão", pronto e disponível para resolver o problema! Corrijo: acho que pelo menos um de nós se lembrou disso - e foi quem lhe deu a cotovelada (virtual) incitando-o a que se chegasse à frente...

Foi assim que, num abrir e fechar de olhos, de repente, todos se aperceberam que aquela era a solução melhor do que todas as outras que estávamos a analisar e, sem prévia combinação, com um consenso imediata e facilmente estabelecido (como nós, na Mestre Affonso Domingues, nos orgulhamos de frequente e quase rotineiramente conseguir) o Hélder, o nosso muito querido amigo e Irmão Hélder foi, por unanimidade, eleito Vigésimo Quinto Venerável Mestre.

O tempo de exercício do seu mandato foi curto - cerca de metade do normal - e não deu para muito fazer. Mas deu para atalhar ao que estava a perfilar-se como o maior problema da Loja: a recuperação do seu equilíbrio financeiro. As tarefas administrativas e financeiras são sempre as primeiras a sofrer em períodos excecionais e a Loja, num período de crise económica que implicava alguma mobilização dos fundos reservados para solidariedade, após um ano em que efetuara diversas iniciativas, mas também gastara algum dinheiro com elas, e meio ano com o Venerável Mestre ausente e com o Primeiro Vigilante a assegurar a gestão corrente estava a necessitar de dar atenção à sua situação financeira.

Hélder V., conhecido de todos pela sua bonomia e boa-disposição, fez questão de demonstrar que "conhaque é conhaque e serviço é serviço" e exerceu o ofício não hesitando em pôr de lado, quando tal entendeu necessário, essa sua bonomia e exercer a sua função com autoridade e exigência.

Foi o Venerável Mestre adequado para repor a Loja e os seus trabalhos no trilho da rotina, após um período de quase "autogestão" que, embora agradável e incentivador da união entre todos os obreiros da Loja, não deixou de ser um período de anormalidade.

Findo o seu breve mandato, a Loja estava de novo em velocidade de cruzeiro e pronta para seguir o seu caminho sob a orientação do seu sucessor.

Sem dúvida que Hélder V. prestou um bom serviço à Loja, corrigindo, na ocasião certa, os desequilíbrios que detetou e repondo o equilíbrio e o rumo da Loja. Indubitavelmente que cumpriu a sua obrigação de a deixar melhor do que a recebera. Com ele, acabou na normalidade um ano que começara em gestão excecional.

Rui Bandeira

19 outubro 2015

“Valerá a pena ser Maçom no século XXI ?”


Aqui há alguns tempos atrás o Paulo M. elaborou através da sua pena dois textos em formato de “mini-seriado” que me motivaram a reflexão que partilho convosco hoje e cuja questão central figurava na seguinte pergunta “No século XXI fará sentido ser-se Maçom?” e que é uma questão bastante pertinente para todos os Maçons, independentemente do seu Grau ou Qualidade, ou seja, independentemente do grau que detenham na sua caminhada maçónica e do cargo que ocupem nas estruturas maçónicas (Respeitáveis Lojas ou na Obediência Maçónica em si).

Esta pergunta que serve de tema para o texto de hoje é uma reflexão e questionamento que faço a mim próprio diariamente.

Será que valerá a pena nos dias de hoje, que em pleno século XXI, num tempo tão avançado tecnologicamente, mediaticamente etc etc etc… continuar a existir uma instituição como a Maçonaria e mesmo assim existir quem queira fazer parte integrante dela, nomeadamente eu inclusive?!

Será que existe qualquer mais valia para a Sociedade existirem pessoas que integrem Ordens de cariz iniciático e fraternal como a Maçonaria?

Com que interesse essas pessoas, nos tempos que correm, ambicionam entrar numa Obediência Maçónica?

Estas questões com que me deparo no meu dia-a-dia encerram elas próprias as suas respostas, a meu ver.

Poderá aparentar alguma estranheza responder a uma única questão (tema central) com outras três dúvidas/questões. Mas de facto elas fazem todo e qualquer sentido!

À primeira questão que se me apresenta, posso afirmar que sim!

Faz todo o sentido existir uma Ordem como a Maçonaria, uma vez que a Maçonaria é uma Ordem iniciática e ritualística, universal e fraterna, filosófica e progressista, firmada no livre-pensamento e na tolerância entre as pessoas, tendo por objectivo o desenvolvimento espiritual do homem com vista à construção de uma sociedade mais livre, justa e igualitária. Ordem esta que se preocupa em formar os seus membros para além de lhes propiciar as “ferramentas filosóficas e inteletuais” de forma a que possam potenciar as suas melhores qualidades pessoais, polindo o seu comportamento, de maneira a evitar a prática de atitudes desviantes ou  consideradas como erráticas ou indignas pela sociedade vigente.

Com esta última afirmação, posso eu responder também à minha segunda dúvida.

Não obstante o desenvolvimento intelectual e tecnológico da sociedade atual, a Maçonaria terá sempre lugar no tempo e na história, ou não fosse ela também uma instituição secular. As instituições vivem de pessoas e da sua comunhão e contato entre si, partilhando o que se sabe, aprendendo e obtendo conhecimentos que não se detinham, por forma a formar-se uma cadeia de partilha que se funcionando em pleno poderá fomentar o progresso da Sociedade no geral e das pessoas no singular. E existe algo que nem a própria tecnologia nem o mediatismo e consumismo atual poderá fazer.
Esse “algo” apenas poderá ser encontrado na vivência e prática espiritual de cada um de nós. E poderá ser aí que residirá a importância da existência de instituições que se interessem por esse “lado”.

A espiritualidade de cada um depende da sua cultura, educação e da sua experiência de vida. Uma prática espiritual pessoal dependerá sempre do que se ambiciona e se pretende da vida e do que já se obteve até então. E a maioria das vezes o problema será no que já se obteve ou não, e o que se fazer para se obter tal. Alguns sentem que necessitam de muito para viver, outros nem tanto assim… O que poderá levar a comportamentos e práticas incorretas na procura e obtenção daquilo que se poderá considerar como aquilo que fará falta para completar ou complementar a sua vida.

Se na sua vivência mundana, alguém denotar em si mesmo uma atitude ou comportamento errado, se decidir retornar ao “caminho certo”, com certeza tal será benéfico para todos; mas para o próprio será o reconhecimento das suas falhas e um sinal de humildade em querer mudar para “melhor”. Para os restantes, que o acompanham na sua vida, será a demonstração de um altruísmo e nobreza que o ajudarão, por certo, no futuro, a ter uma prática social que será digna de alguém que se considera livre, mas principalmente de bons costumes. E isso será reconhecido por quem o tiver que o fazer!

Saber o que está correto, certo ou errado e escolher sabiamente o caminho a seguir não está ao alcance de todos, e é gente assim que, por norma, interessa à Maçonaria. Gente que não é perfeita no sentido estrito da palavra, mas que procura aperfeiçoar-se a si mesmo, através do trabalho, do estudo, do relacionamento fraternal com os restantes membros, mas fundamentalmente através de um processo de auto-conhecimento, ou seja, do “conhecer-se a si próprio”. Isto tudo (é) feito através de uma via espiritual.

No entanto, a observação da boa conduta e boas práticas de maçons reconhecidos na sociedade poderá também a suscitar a vontade de profanos a entrar na Maçonaria, uma vez que tal poderá despontar o interesse destes em elevarem também a sua conduta e forma de estar na vida pela simples observação da ação da Maçonaria e dos seus membros na sociedade de que fazem parte integral.

Todavia, certamente que quem deseja fazer bem, “praticar o Bem”, não necessita de ser maçom para o fazer. Tal depende exclusivamente da vontade de cada um! Mas sendo maçom, tal não é excepção, mas sim uma das regras que o deverão nortear nas suas práticas e condutas sociais.

A Maçonaria não é um clube social, benemerente ou filantrópico em exclusivo.  - Não é apenas isso e é muito mais!-

Se alguém desejar entrar na Maçonaria para socializar, exercer a sua caridade ou filantropia, aumentar a sua lista de contatos pessoais e/ou fazer amigos, para isso já existem outras instituições para tal. Instituições que cuidam em exclusivo desses assuntos. Quem vier ou desejar entrar para a Maçonaria para isso somente, irá perder o seu tempo e fará perder tempo à Ordem e aos seus membros.

A Maçonaria apesar de ter estas preocupações – que tem!- tem também outras que estão para além do que é mensurável e visível. E tal encontrar-se-à na componente espiritual e iniciática que a Ordem encerra em si e que propicia aos seus filiados. E isto apenas estará ao alcance daqueles que compreenderem a Ordem, percebam os seus fins e desígnios. Ou não fosse por isso também que a formação é gradual e exponencial, para que o conhecimento seja obtido integralmente, mas passo a passo…

Concluindo, ao efetuar o somatório de toda estas reflexões que fiz, chego à conclusão que sim, vale a pena ser Maçom no século XXI e possivelmente também nos séculos vindouros...

12 outubro 2015

O quinto Grão-Mestre


O quinto Grão-Mestre da GLLP/GLRP foi Mário Martin Guia. Foi eleito em 16 de dezembro de 2006 e instalado em 24 de março de 2007 para o exercício do seu primeiro mandato. Foi reeleito para um segundo mandato em 7 de março de 2009 e reinstalado em 28 do mesmo mês. Não veio, por opção própria, a completar esse segundo mandato, encurtando-o em cerca de seis meses, de forma a programar a instalação do seu sucessor para uma altura propícia a que essa instalação decorresse com a presença de muitas e importantes delegações estrangeiras.

Este detalhe demonstra bem como Mário Martin Guia dedicou especial preocupação e cuidado às relações internacionais. No decorrer dos seus mandatos, efetuou várias - e algumas prolongadas e esgotantes - viagens dedicadas ao estreitamento dos laços entre a GLLP/GLRP e as Potências Maçónicas Regulares da Europa, de África, dos Estados Unidos e da América do Sul. Foi com ele que a GLLP/GLRP assumiu papel de relevo na Confederação Maçónica Iberoamericana, onde integra a sua Zona VI, conjuntamente com o Grande Oriente do Brasil e as Grandes Lojas de Espanha, Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai. 

Dedicou grande atenção às relações com as Obediências Maçónicas africanas. Foi no decorrer do seu mandato que a GLLP/GLRP apadrinhou a constituição da Grande Loja de Moçambique, tendo Martin Guia sido o Grão-Mestre Consagrante da referida Grande Loja e o Grão-Mestre Instalador do seu primeiro Grão-Mestre, dirigindo uma cerimónia em que também intervieram mais três Grão-Mestres em exercício: o Grão-Mestre da Costa do Marfim, que foi o Primeiro Grande Vigilante Consagrante e Instalador, o das Maurícias, que interveio como Segundo Grande Vigilante Consagrante e Instalador, e o da Rússia, que impôs o avental de Grão-Mestre ao recém-instalado líder da nova Obediência.

Reforçou também os laços de amizade e cooperação com as Obediências europeias. 

Em todas as ocasiões e cerimónias solenes em que participou, Martin Guia usava, não um ricamente bordado a dourados avental de Grão-Mestre, mas um simples avental branco, com um discreto bordado na mesma cor nas suas orlas (que fora executado por uma sua familiar). Resultado: dava mais nas vistas o discreto e singelo avental branco do Grão-Mestre português do que toda a rica parafernália dos dirigentes das maiores potências maçónicas! 

Internamente, soube rodear-se de uma equipa mista de maçons experientes, de que era exemplo o seu muito eficiente Grande Secretário, e de alguns elementos que introduziu nas lides da Grande Loja. Dirigiu os destinos da Grande Loja delegando nos seus colaboradores, mas sempre deixando bem claro  o que pretendia fosse feito. Nesse aspeto, o tio Mário (como nós, os irreverentes novos Grandes Oficiais carinhosa e nem sequer muito secretamente lhe chamávamos) era implacável: sempre com um sorrio nos lábios, um brando tom de voz e uma postura simpática, dava as suas instruções, pedia (ele nunca mandava, pedia; mas os seus pedidos eram sempre satisfeitos - ou então ele voltava a pedir, a lembrar, a insistir, sempre com toda a calma e sorriso prazenteiro, vencendo com a sua persistente brandura a mais empedernida das resistências...) e fazia com que as suas instruções fossem cumpridas.

Como Grão-Mestre, Martin Guia foi um conservador inteligente: soube chamar a si os espíritos jovens, os que mostravam mais irreverência, os mais predispostos a experimentarem coisas novas (e a correr riscos...), integrando-os nas lides da Grande Loja, aconselhando-os, dando-lhes responsabilidades, mas "mantendo-lhes as rédeas curtas", para que os generosos entusiasmos não fossem demasiado imprudentes e não causassem estragos irremediáveis. Os mais antigos foram contactando com e enquadrando o entusiasmo dos mais novos. Estes foram aprendendo e matizando com a sensatez da realidade a irreverência da sua inexperiência inicial.

Martin Guia efetuou, assim, uma tranquila transição de gerações na direção da Grande Loja. Sem perturbações. Paulatinamente. Com o saber-fazer que só a experiência de uma vida bem vivida permite adquirir.

Ao terminar os seus dois mandatos, tinha feito o que queria e deixou uma Obediência unida, organizada, bem enquadrada e bem relacionada externamente, com uma renovação gradualmente feita dos seus quadros dirigentes, enfim, uma Obediência pronta para evoluir a evolução que as condições lhe propiciassem.

Martin Guia, de uma forma muito lúcida, dizia - muitas vezes lho ouvi dizer, sobretudo no seu segundo mandato - que sabia bem que o seu sucessor ia ser diferente dele, ia fazer diferente dele, ia tomar decisões que seriam diferentes das que ele tomaria. Mas acrescentava sempre que assim é que deveria ser: cada um partia do caminho aberto pelo seu antecessor para desbravar o seu próprio caminho.

A evolução tranquila conservadoramente efetuada por Martin Guia deixou a Grande Loja preparada para a evolução futura. 

O quinto Grão-Mestre, Mário Martin Guia, foi um excelente Grão-Mestre, cujo mandato é grato recordar.

Obrigado, tio Mário!

Rui Bandeira   

05 outubro 2015

5 de Outubro, revolução e maçonaria (republicação)

O texto que hoje  republico para Vossa leitura celebra hoje 5 anos e foi escrito pelo Paulo M. e pode ser consultado no seu original aqui;  sendo que  na data da sua publicação teve um agradável debate de ideias na sua "caixa de comentários".

Assim, aqui fica o respetivo texto:

"5 de Outubro, revolução e maçonaria

Não pode deixar-se passar a data de 5 de Outubro - aniversário da implantação da República em Portugal - sem se falar na Maçonaria. É público e conhecido o papel que a maçonaria teve neste evento. De facto, a revolução não só terá sido promovida, arquitetada e executada - pelo menos em parte - por maçons, como a maçonaria terá na mesma participado ativamente de forma institucional.

O que poucos saberão é que tal modo de atuação é daqueles que distingue a Maçonaria Regular da Maçonaria Liberal. Não se questiona o mérito da causa, mas a forma e os meios utilizados. De facto, as razões invocadas para a revolução - o despotismo político-religioso, a ausência de liberdade de culto e da liberdade de consciência que se viviam no regime de então - são válidas e meritórias, e pode mesmo dizer-se que pertencem ao ideário maçónico. Todavia, algumas questões de fundo separam inexoravelmente as duas correntes da Maçonaria - Regular e Liberal - e podem ser apreciadas neste contexto.

Por um lado, tomemos a questão da discussão de política e religião em loja. Pelo que se sabe, esta revolução - como outras - foi preparada durante sessões de loja. Forçosamente se discutiu o mérito desta política sobre aquela e - sabendo-se que havia maçons quer na fação republicana quer na monárquica - certamente houve vozes minoritárias que viram os seus Irmãos, a sua Loja, e mesmo a sua Obediência, agirem como um corpo na prossecução de objetivos e de ideias contrários aos seus. Por fazer prevalecer, na escala dos valores, a harmonia fraterna, é que a maçonaria regular proíbe essas discussões, para que não se estabeleçam partidos opostos dentro das lojas, para que estas não escolham lados, e para que as grandes lojas não manifestem preferências que poriam, em qualquer dos casos, uns "de dentro" e outros "de fora".

Por outro lado, atente-se a que a maçonaria regular exige dos seus membros que sejam cidadãos cumpridores das leis do país. Ora, esta questão tem duas consequências. Por um lado, de forma mais imediata, implica que caso um maçon seja condenado pelo sistema judicial civil por um crime que tenha cometido, sofrerá quase que por certo uma sanção disciplinar no seio da sua Obediência, sanção essa que poderá mesmo constituir a sua expulsão (mas, evidentemente, ninguém é expulso por algo como uma multa de estacionamento). Por outro lado, esta exigência reflete-se nas Obediências, não sendo reconhecidas a nível internacional aquelas que, para existirem, impliquem que os seus membros cometam alguma ilegalidade; por exemplo, se as leis do país passarem a proibir a Maçonaria, e mesmo assim uma Grande Loja continue a existir - cometendo uma ilegalidade - ser-lhe-á retirado o reconhecimento internacional por parte das outras Grandes Lojas regulares. 

Tais condicionantes - a proibição de discussão política e religiosa, e a obrigação de cumprimento da lei do Estado - não se verificam na Maçonaria Liberal. Cada maçon que pertença a uma Obediência da Maçonaria Regular é livre de agir como a sua consciência lhe dite e continuar a ser maçon - desde que não cometa nenhum crime. Participar de  - e, especialmente, promover - uma revolução, atentando contra os órgãos do Estado, é um crime contra o mesmo Estado, e não é considerado pela Maçonaria Regular uma forma aceitável de se agir. Entendimento diametralmente oposto tem a Maçonaria Liberal, que argumenta que uma lei injusta não tem legitimidade, que crime seria observá-la, e que promove o seu derrube.

Dois pontos de vista.
Duas formas de agir.
Duas Maçonarias."

Paulo M.

28 setembro 2015

Comunicação do Grão-Mestre da GLLP/GLRP à Assembleia de Grande Loja no Equinócio de Outono


Da Regularidade:

Enquanto Grão Mestre da Grande Loja Regular de Portugal, encerro nesta Grande Loja de hoje, um ciclo completo: dois solstícios: dois equinócios: um ano solar, fecho com o compasso maçónico um círculo justo e perfeito.

Antes de mais, agradecer a todos: as horas felizes, os sorrisos, a força, as ajudas, a lealdade, a harmonia, o companheirismo fiel e fraterno.

Dizer ainda que crescemos em Obreiros e em Lojas, que nos fortalecemos, que nos consolidamos, que aumentamos a nossa estruturação e eficácia, o nosso rigor, e através de uma sede de Grande Loja renovada e mais fina e ritualmente adornada, damos corpo a uma melhor imagem de nós, mais bela, espaço repositório da história e memória da nossa Obediência, mais condizente, mais justa e perfeita.

Sendo a nossa sede local onde trabalham 21 Lojas nos dois templos ali consagrados, é no entanto o espaço de todos os Mações e de todas as Lojas da GLLP/GLRP, visitável por Irmãos, Famílias e profanos em horários pré-determinados.

Mantivemos e reforçamos os nossos relacionamentos internacionais credibilizando ainda mais a nossa Grande Loja e demos corpo ao reforço estratégico dos laços da lusofonia.

E por fim conversar convosco sobre Regularidade. E falar-vos deste tema, porque somos uma grande Obediência Maçónica que se filia com total plenitude na Regularidade Maçónica, a maior família maçónica do planeta, que conta já com muitos séculos de tradição.

Por vezes somos levados a não valorizar suficientemente a real importância da nossa Regularidade, porque nos esquecemos que funcionamos tal uma orquestra sinfónica, totalmente afinada: embora o maestro seja fundamental para marcar o tempo, cada músico tem que cuidar do seu instrumento, da sua partitura, da sua melodia, manter-se a si próprio aprumado e ensaiado, estar atento e seguir escrupulosamente o tempo que a batuta do maestro dita, para se poder atingir a coesão e a coerência, para se poder realizar uma execução com unidade interpretativa, em plena harmonia.

E embora o maestro conte imenso, cada um dos restantes elementos conta igualmente imenso. Obrigado a todos por mantermos esta contínua harmonia, obrigado a cada um pelo papel fundamental que tem sido capaz de interpretar e desempenhar.

A regularidade maçónica é filiação que se conquista arduamente, é realidade que se merece depois de conseguida a harmonia, mas é também realidade que se mede ininterruptamente, e que por isso se pode perder a cada nova sinfonia que a nossa orquestra queira interpretar, porque a maléfica tentação da cacofonia espreita insistentemente, o individualismo desintegrador ameaça todos os dias, mas eu garanto-vos que serei sempre um devorador de desunião, um comedor de egocentrismos, um maestro da união e da harmonia.

Não queiramos apenas acreditar nas nuvens de algodão que descobrimos pelas janelas dos aviões, porque elas já foram beber a todas as gotas de orvalho, a todos os rios, a todos os lagos, a todos os mares, a todos os oceanos! Também assim se forma a regularidade maçónica universal, tal uma cadeia que se irmana através de elos que são cada Irmão, cada Loja, cada Grande Loja, cada confederação de Grandes Lojas, continuamente escrutinadas pela Grande Loja Unida de Inglaterra: tal uma romã, a tal meligrana que em várias ocasiões já vos falei.

Sem complexos, servilismos ou perda de soberania da nossa Obediência, a Grande Loja Unida de Inglaterra é uma autoridade indisputável no que a questões de Regularidade dizem respeito, não só porque é a Grande Loja fundadora da Maçonaria tal como a conhecemos mas porque ao longo dos anos emitiu e produziu doutrina sobre a Regularidade constituindo-se assim um referencial incontornável.

E se perdermos a regularidade o que seremos? Pura e total insignificância! Um grupo de homens livres que quer muito ser maçon, mas a quem mais ninguém no mundo lhe reconhece essa qualidade, porque deixamos de emanar luz, para ser apenas reflexo de passageiras venturas, olvidado que já foi o farol primordial que nos alicerça na nascente, que através da distância e do tempo se purificou, sem que qualquer ilusão ou miragem o venha reinventar, amortalhando assim a resplandecência da pureza inicial: e nada mais que grandes ilusões permanecerão, grandes vazios, grandes dissidências e desuniões, paraísos falsos totalmente perdidos.

Pode haver a tentação de deixarmos subir através de nós a vontade de noite, trazida por um ímpeto silêncio que acaricia a pele dos nossos egoísmos, enquanto se estende um imenso lençol de pesada sombra aniquiladora, tão serena que até dá tempo à concretização de todas as grandes destruições, que nos precipitarão em plena garganta de todos os precipícios.

Mas nós preferimos antes sonhar o rio da união como quieta lagoa que não tem que suportar o arrepio, nem tolerar saltos incertos e ousados de contrabandistas que navegam no fio da navalha dos abismos, porque a eternidade Regular, nunca acabará de passar, por isso seguiremos em justo e harmonioso silêncio, o silêncio justo da tradição e da universalidade, para não sermos esmagados pelas desilusões!

E vou continuar a falar-vos do tema da regularidade, mas agora de uma outra regularidade, a regularidade democrática em que o nosso País, o nosso querido Portugal, já se mantem há mais de quarenta anos. E falar desta regularidade democrática, porque se vão mais uma vez desenrolar eleições livres no próximo dia 4 de Outubro, o ato popular e universal que consubstancia a regularidade democrática de cada estado e que a Maçonaria tanto lutou. E não me atrevendo a opinar sobre os partidos políticos que a elas concorrem, creio constituir elemento relevante, o Grão Mestre alertar todos os maçons da sua Augusta Ordem, para que sejam cidadãos intervenientes mas inteiros, agentes plenos de cidadania, que nunca deixarão o seu país derivar para obscurantismos e outros regimes totalitários, por isso serão agentes valorizadores da democracia plena e portanto do ato popular mais sagrado das democracias modernas: as eleições livres.

Dizer ainda que durante estas últimas quatro décadas vividas em democracia, Portugal mudou radicalmente para melhor, tendo sido capaz de responder cabalmente a vários grandes desígnios e causas nacionais tal: a liberdade, a democracia, a descolonização, a infra-estruturação básica, a Europa, o desenvolvimento.

Mas ficam-nos ainda vários grandes desígnios nacionais por resolver, e dentro dos mais prementes, penso ser muito importante frisar três fundamentais: a coesão e justiça social, a coesão e justiça territorial, o respeito e defesa do ambiente.

Coesão e justiça Social para que sejamos realmente capazes de amenizar os sofrimentos dos mais desprotegidos e frágeis, não os deixando em sofrimento à beira da estrada.

Coesão e justiça territorial, de forma a esbatermos o fosso que se cavou entre o litoral mais povoado, mais rico e desenvolvido e o interior em contínuo e total abandono, caminhando a passos largos para o total despovoamento, muito mais pobre, profundamente deprimido e muito menos desenvolvido que a finíssima faixa litoral.

E por fim o respeito e defesa do ambiente, porque apenas temos este país e este planeta para viver, e temos o dever de os deixar aos nossos vindouros, pelo menos em tão bom estado de saúde, como aquele que recebemos dos nossos ascendentes.

É ainda importante frisar, que foi apenas no mês passado, que pela primeira vez um presidente em exercício nos EUA, o nosso Irmão Barack Obama, pisou o Ártico americano, para enfatizar a necessidade do combate drástico ao aquecimento global: e nós por cá não queremos nada que o nosso litoral se afunde, nem o nosso interior se erme!

E neste tempo de equinócio, a União da grande família dos maçons regulares, é de rigor: façamos o mundo mais feliz, e por contágio, sejamos todos mais felizes.

E era esta a mensagem simples que hoje vos queria comunicar, e dela imbuídos, continuaremos o nosso caminho, humildemente, harmoniosamente, assumindo a plenitude universal da nossa Regularidade Maçónica, como a regularidade democrática para Portugal, para continuar a consolidação e edificação da nossa Augusta Ordem, a bem da Humanidade, à Glória do Grande Arquiteto do Universo.

Júlio Meirinhos
Grão Mestre

21 setembro 2015

O Silêncio dos Aprendizes (republicação)

O texto que hoje remeto para Vossa leitura é um texto do já "longínquo" ano de 2009 e saiu da pena do A.Jorge e retrata a sua experiência enquanto Aprendiz e o que ele sentiu durante esse período em relação ao silêncio que lhe era imposto pela Loja.
 - Silêncio este que é imposto a todos os Aprendizes e Companheiros durante o seu tempo de frequência nesses graus -.

Aqui fica o seu testemunho:

"Ao escolher este tema presto homenagem ao silêncio dos aprendizes em loja e em particular ao seu significado e objectivos, dado considerar que ele contribuiu decisivamente para a minha aprendizagem e para a minha evolução como pessoa e, espero que, como Maçon.

Nas conversas prévias que tive com os Irmãos Mestres J:. R:. e R:. B:., integradas no meu processo de admissão à Maçonaria, houve desde logo algo que me causou alguma apreensão – como iria eu conviver com o silêncio que se impunha aos aprendizes em Loja. Ter uma opinião para transmitir e não o poder fazer, só poderia ser uma forma sofisticada de praxe ou de tortura, para ver se eu me aguentava....

Sendo normalmente uma pessoa interventiva, o ficar calado significava para mim quase que uma prova de fraqueza ou ignorância, e isso era algo que não estava habituado. No mundo profano, nomeadamente nas esferas empresariais, é normalmente preferível dizer alguma coisa, mesmo que inútil, do que não dizer nada, já que isso parece ser apreciado.

As minhas primeiras sessões em loja foram muito conflitivas – se não podia falar e só podia ouvir, o que é que eu estava ali a fazer? Durante este período, passei por várias fases evolutivas: equacionei ir-me embora, já que não queriam ouvir o que eu tinha para dizer e eu tinha muito para dizer; ponderei os inconvenientes de desrespeitar a regra, rompendo o silêncio; efectuei comparações entre os argumentos que eram utilizados e os que eu utilizaria na mesma situação, etc.. Creio que posso afirmar que a minha permanência na Maçonaria se deve a um acto de teimosia, já que decidi não desistir e ir até ao fim.

Gradualmente, fui começando a alterar a minha atitude perante o silêncio, principalmente a partir do momento em que conclui ser inútil preocupar-me em construir uma argumentação que depois não teria continuidade. Já que não podia falar, talvez existissem outras formas de rentabilizar o tempo que ali passava e a forma mais lógica e imediata parecia ser, ouvir e assimilar o que estava a ser dito. Tal “descoberta” fez-me começar a escutar de forma consciente, o que efectivamente se dizia, o que me conduziu a uma nova descoberta acerca de mim próprio: tinha tendência para só escutar os outros em função da resposta que teria de lhes dar e não por aquilo que tinham para me dizer.

Esta constatação levou-me a começar a tentar escutar os outros de forma desinteressada e sem reservas ou intenções. Foi um processo intencional, lento, com avanços e retrocessos mas extremamente agradável - sentir que começava a descobrir os outros e ver que a atitude destes se alterava gradualmente. De forma tímida no inicio, primeiro nos círculos familiares e depois entre amigos e em ambientes profissionais, foi encorajante ouvir frases como “não sei porquê, mas agora é mais agradável conversar contigo”...

No campo estritamente profissional e nomeadamente nos processos negociais, em que cada argumento antecipado pode constituir uma vantagem para os outros, descobri também que o escutar me permitia analisar melhor a situação e sobretudo preparar melhor a argumentação necessária à consecução de estratégias ganhadoras.

E no entanto toda esta simplicidade parece ser fruto de uma sabedoria milenar que já Hiram utilizava quando formava os seus aprendizes e companheiros, para os preparar para a construção do Templo de Salomão.

Quando o recém iniciado é advertido de que não poderá falar em loja, desde a sua iniciação até à sua passagem a mestre, devendo apenas ouvir e observar, está-se simplesmente a dar continuidade a um dos mais antigos costumes das ordens iniciáticas: o silêncio.

Voltado para si mesmo, calado, numa postura de reflexão e recepção, o Aprendiz Maçon deverá evitar resvalar para uma atitude passiva ou desinteressada. Pelo contrário, todos os seus sentidos devem estar atentos para o que se passa em loja. Ver, ouvir, receber, reflectir e guardar, são as palavras chave deste processo de aprendizagem e evolução interior. Juntar e interligar todas as informações que lhe chegam ao cérebro, estranhas e diferentes das que já conhece, formulando hipóteses e conclusões que lhe permitam uma visão cada vez mais elevada das observações que faz. Esta deve ser a maior preocupação do iniciado.

O ainda candidato é exposto pela primeira vez perante a regra de silêncio quando é introduzido na Câmara de Reflexão, permanecendo sozinho e ladeado por símbolos, palavras e frases, estimulado a pensar e a penetrar no fundo do seu interior. No silêncio da meditação, vai ao encontro de si mesmo, examinando minuciosamente o que lhe vai na alma. É então confrontado com a sigla Vitriol (Visita Interiora Terrae, Retificandoque, Invenies Occultum Lapidem), que na sua tradução para português significa: "desce ao interior da terra, e perseverando na rectidão, poderás encontrar a pedra oculta".

Após toda a cerimónia de iniciação, o candidato profano transforma-se em recipiendário silencioso, o recém iniciado assume o papel do hermetista, ou do alquimista na sua busca incessante da Pedra Filosofal, que uma vez descoberta, o transformará no homem perfeito. Este é o sentido que o maçom busca quando luta para transformar a sua Pedra Bruta na Pedra Cúbica, que poderá utilizar e encaixar perfeitamente na construção do seu novo Templo interior.

O conselho "lege, lege, relege, ora, labora et invenies", que significa lê, lê, relê, ora, trabalha e encontrarás, era dado ao eleito para conhecer e assimilar os mistérios da Alquimia. Hoje, continua sendo este o conselho dado ao iniciado. O maçon afasta lentamente todas as suas paixões, os seus vícios, os seus desejos incontroláveis, para vê-los transformarem-se em virtudes, domínio de si mesmo, tolerância e prudência, alcançadas no silêncio e na introspecção. O iniciado reconhece como fundamentais, as palavras "Vigilância e Perseverança" nas metodologias do seu estágio de observação. Quem fala muito pensa pouco, ligeira e superficialmente, e a Maçonaria quer que seus membros sejam melhores pensadores do que faladores.

Todo este processo pretende, na sua essência, preparar e induzir ao Aprendiz a necessidade da reflexão como método de transformação interna. Embora indirectamente, é possível estabelecer vários paralelismos e interacções com o Catecismo do 1º grau, nomeadamente:
  • Quando o Aprendiz afirma vir “vencer as suas paixões, submeter a sua vontade e realizar novos progressos na Maçonaria”, logo seguido de “Porque um Maçon deve desafiar-se a si próprio e evitar juízos de valor antes de consultar a sabedoria dos irmãos”. O silencio proporciona-lhe um método de progressão e impõe-lhe uma prática de reflexão que o levará a ponderar os seus juízos de valor em função de conhecimentos que deve reconhecer como mais profundos.
  • Na resposta “Antes queria ter a garganta cortada do que revelar os segredos que me foram confiados”, que pressupõe não só dedicação e respeito pela Ordem, mas também a capacidade de responder ou reagir após um processo de interiorização e valoração, que a pratica do silencio poderá ajudar a tornar inconsciente e natural.
  • Na resposta “Porque todas as forças destinadas a desenvolverem-se utilmente no exterior devem primeiro concentrar-se em si mesmas”, em que claramente transparece a necessidade de um trabalho interior prévio em que o silencio pode e deve ser uma peça fundamental.
Se mais não houvesse para aprender na Maçonaria, o ter conhecido o valor do silencio e tudo aquilo que este me proporcionou, já teria valido a pena.

Partindo de um silencio imposto, cujas motivações se fundamentam na sabedoria milenar do grupo e que constitui como que um tirocínio para o recém iniciado, passa-se para uma fase de utilização em termos interiores do silencio, evoluindo finalmente para um estadio de admiração pelo silencio em que a imposição se transforma em voluntariado que assim se transforma em sabedoria, fechando o círculo e preparando o iniciado para novas fases da sua evolução e do seu crescimento interior."

A. Jorge em 27.04.6000

14 setembro 2015

Igualdade, Diversidade, Tolerância (republicação)

O texto que hoje é "reciclado" é um texto que o Rui Bandeira escreveu à cerca de 2 anos e que pode ser consultadoaqui , mas cuja atualidade persistirá durante muitos mais...
Assim deixo-Vos o texto abaixo publicado para a Vossa leitura:

"Igualdade, Diversidade, Tolerância

Os maçons prezam a Igualdade. Esta está na matriz genética do que é a Maçonaria. Na Loja, todos são essencialmente iguais, mesmo que alguém dirija, alguém assista quem dirige, alguém ensine e alguém aprenda. Porque todos foram e potencialmente serão tudo, todos fizeram e potencialmente farão tudo em Loja. A dignidade da condição humana é exatamente igual em todos e cada um, quaisquer que sejam as suas habilitações, as suas aptidões, as suas realizações. Cada maçom está entre iguais quando está entre os seus Irmãos. Mais: cada maçom reconhece e preza a essencial Igualdade entre todos os membros da  espécie humana, independentemente de cores de pele, de nacionalidades, de crenças, de lugares ou de estilos de vida.

Os maçons prezam, também, e em igual medida, a Diversidade e o corolário desta, a diferença. Em Loja, é patente a riqueza advinda do confronto e da cooperação de diferentes experiências, capacidades, opiniões, formações. Por isso, não tiveram nem têm normalmente êxito avulsas experiências de criação de Lojas "monocolores", de médicos ou de músicos ou do que quer que seja, acumulação de experiências semelhantes que, por regra mais cedo do que tarde, se revela entediante e pouco apelativa. Os maçons aprendem e praticam o inestimável valor da diversidade, aprofundam o estimulante potencial da diferença. Cada um contribui com as suas valências, os seus saberes, os seus gostos, as suas experiências, em suma, com a sua individualidade, para enriquecer o grupo e os demais. E cada uzm aprende, enriquece-se, com o que depara de diferente, com diversos pontos de vista que lhe aguçam e estimulam o intelecto e o espírito crítico.

A  Igualdade não pressupõe, não se faz, de similitude. A Igualdade aceita, resulta, da multitude de diferenças que existem na Diversidade.

A Tolerância é a ferramenta que harmoniza a Igualdade e a Diversidade. Entender que os nossos iguais não deixam de o ser porque pensam diferente de nós, aceitar que as diferenças de aspeto, de cor de pele, de experiências, de culturas, não afetam a essencial Igualdade da natureza humana, expressa na individualidade de cada um, é a natural postura que permite, mais do que possibilitar, mais do que meramente compatibilizar, efetivamente rentabilizar a Diversidade existente na Igualdade. Por isso a Tolerância não emerge de qualquer sentimento de pretensa superioridade do que tolera em relação ao tolerado; pelo contrário, a Tolerância pressupõe, enraíza-se, cresce a partir da noção de que o outro é essencialmente igual a mim e acessória e inevitavelmente apresenta diferenças em relação a mim. Diferenças que é estulto julgar, catalogar ou, pior, ridicularizar ou ostracizar; pelo contrário, diferenças que me enriquecem na medida em que as considerar, com elas aprender, integrar nos meus saberes, nas minhas posturas, na minha individualidade - que, por natureza, é diferente de todas as demais... 

A Igualdade é o campo que cada ser humano tem em comum, o solo que todos pisamos, a terra que a todos nós molda. A Diversidade são as diferentes culturas que sobre essa terra comum se semeiam, granjeiam  e, a seu tempo, se colhem, todas diferentes, todas importantes, apesar das suas diferenças, afinal devido às suas diferenças. A mesma terra dá o cereal de que se faz o pão, cria o fruto de que se fabrica o vinho, desenvolve o algodão de que se faz tecido. A Tolerância é a alfaia que trabalha a terra e semeia, granjeia e colhe as culturas.

A essencial Igualdade de todos os seres humanos é uma indispensável base com um inestimável potencial, concretizado numa miríade de diferenças que constituem a formidável riqueza da Diversidade. A Tolerância é o meio pelo qual se aproveita o potencial e se cria a riqueza, a forma como, assumindo a comum base de partida, se propicia a inestimável infinidade de caminhos que podem ser traçados, cruzados, percorridos por iguais com diferentes anseios e diversas caraterísticas, sementes diversas lançadas à mesma terra produzindo inumerável variedade de frutos.

Compreender que todos somos essencialmente iguais, valorizar as diferenças inerentes à nossa individualidade, articular o que é comum com o que é diverso com a harmonia da Tolerância, são caraterísticas imanentes da Maçonaria, presentes desde sempre na sua matriz formadora. Para os maçons, reconhecer a Igualdade e Tolerar, isto é, aceitar, valorizar e aproveitar a Diferença, é pura rotina, algo tão natural como respirar.

No dia em que todos em toda a Humanidade conseguirem compreender e praticar que o ser humano, sendo essencialmente Igual aos seus semelhantes só se valoriza. se potencia, se realiza pelo exercício e aproveitamento das suas diferenças, constituindo o conjunto de todas elas a enriquecedora Diversidade da espécie humana, tão mais enriquecedora e propiciadora do progresso e do bem comum quanto mais bem Tolerada, aceite, fomentada for por todos e cada um, nesse dia finalmente as trevas do obscurantismo serão vencidas pela Luz da razão.

Para que esse dia chegue trabalham, dia a dia, incansáveis formiguinhas obreiras, os maçons. Esta a Grande Conspiração Maçónica! Esta a Nova Ordem Mundial por que anseiam! Os maçons e todas as pessoas de bem e livres de preconceitos!"

Rui Bandeira

07 setembro 2015

O Vigésimo Quarto Venerável Mestre


Para o ano maçónico de 2013/2014, o obreiro consensual para assegurar o exercício do ofício de Venerável Mestre e, consequentemente, candidato único proposto por todos os Mestres presentes na sessão para o efeito destinada, foi J. D..

J. D. era um dos mais antigos obreiros da Loja, sempre muito participativo nela. Aquando da crise da cisão, desgostou-se e afastou-se. Anos depois, ainda bem antes da reunificação, voltou. Com a naturalidade dos nossos, reintegrou-se. A seu tempo, assegurou a função de Segundo Vigilante, um Segundo Vigilante exigente, que muito bem formou os seus Aprendizes. Na altura própria assegurou a função de Primeiro Vigilante e ultimou a formação de toda uma geração de obreiros da Loja Mestre Affonso Domingues. Era chegado o tempo de mais um dos históricos obreiros da Loja a dirigir e a sua eleição - como sempre na Loja Mestre Affonso Domingues - foi consensual.

Duas semanas passadas sobre a eleição, ainda em pelo período de exercício de funções do seu antecessor, J. D. faz saber aos mais antigos que, provavelmente, o melhor era ele renunciar a exercer o mandato para que fora eleito, pois era possível que as circunstâncias da sua vida privada o obrigassem a ausentar-se do país precisamente no ano do seu Veneralato.

Os mais antigos falam uns com os outros, consultam-se, pesam prós e contras, avaliam riscos, procuram superar as perplexidades de uma situação inédita. Em mais de vinte anos de Loja, nunca sucedera, efetivamente, situação semelhante, nunca um Venerável Mestre eleito comunicara, ainda antes da sua instalação, a possibilidade de poder ocorrer situação altamente prejudicial para o exercício do seu mandato.

Não obstante a perplexidade, o consenso não foi difícil. Desde logo, estava em causa um antigo e muito considerado obreiro, que há muito já provara merecer a confiança da Loja para a dirigir e não apetecia a ninguém que afinal não viesse a exercer o ofício para que justamente fora eleito. Aliás, estava-se perante uma possibilidade, não uma certeza... E, afinal, se o problema viesse a surgir, a Loja haveria de o resolver, como anteriormente resolvera todos os problemas com que se deparara...

O sentimento unânime foi, assim, que J. D. não deveria renunciar, deveria ser instalado e exercer o seu mandato e, se se concretizassem as circunstâncias que o levassem a ter de se ausentar do país, então se resolveria o problema.

J. D. foi, assim, instalado, escolheu o seu Quadro de Oficiais, anunciou o seu programa, começou a exercer funções e... pouco tempo passado, a possibilidade mostrou-se inevitabilidade: os mais antigos e o Quadro de Oficiais foram por ele informados que ia ter de estar vários meses fora do país.   

O facto de o pior cenário se concretizar não abalou, porém, a Loja. O alerta que, ainda antes de iniciar funções, J. D. formulara já tinha permitido que se pensasse como se iria resolver o problema  que porventura se viesse a colocar: bastava cumprir o que estava regulamentado! E o que está, na GLLP/GLRP, regulamentado é que, ocorrendo impedimento temporário do Venerável Mestre em funções, a administração transitória da Loja será assegurada pelo Primeiro Vigilante e a direção das sessões pelo Ex-Venerável. 

Todavia, um outro problema havia ainda que superar: a Loja não tinha  ex-Venerável, pois que o Venerável Mestre anterior - como aliás tinha, em devido tempo, informado a Loja, saira do seu Quadro de Obreiros, encontrando-se a dirigir uma outra Loja. Nada que tolhesse a Loja Mestre Affonso Domingues! Recorrer-se-ia ao Venerável anterior a esse e, se necessário, ao anterior a esse... Mas, aqui chegados, a Loja resolveu cumprir o espírito da solução mas inovar na sua execução: nada obrigava a que, na ausência simultânea do Venerável Mestre em funções e do seu ex-Venerável, as sessões da Loja fossem sempre dirigidas pelo mesmo antigo Venerável...

Ficou então resolvido que, enquanto durasse o impedimento de J. D., as sessões da Loja seriam sucessivamente dirigidas por cada um dos antigos Veneráveis que permaneciam no quadro de obreiros da Loja. 

E foi assim que, mais de quinze anos passados, o José Ruah voltou a dirigir uma sessão da Loja - agora sem  o espetro de cisão a assombrar o seu desempenho... -, quase tantos anos passados eu voltei a sentar-me na Cadeira de Salomão, e o Nuno L. e o A. Jorge e o João F. e ..., e... e... (é melhor não prosseguir na lista, senão ainda me esqueço de algum e é injustiça que não quero cometer...). 

Em resumo, se não todos, quase todos os antigos Veneráveis ainda integrando o quadro da Loja foram assegurando a direção das sessões, sempre por convocação do Primeiro Vigilante, que, entretanto e contactando à distância com o Venerável Mestre em exercício, ia "segurando as pontas" administrativas da Loja.

Foi a situação ideal? Não foi, claro! Foi uma solução de recurso, que o ideal é ser o VM em funções a poder assegurá-las.

A administração da Loja processou-se com normalidade? Claro que não! Uma administração de substituição, ainda que temporária, é sempre um "governo de gestão" que só assegura o dia-a-dia e houve problemas de fundo cujo tratamento teve de ser postergado.

Foi uma má situação ou uma situação desconfortável? Foi, claramente, uma situação que gostaríamos que não tivesse ocorrido, mas... verdade, verdadinha, acabou por nos dar muito gozo ultrapassar! Foi uma espécie de "ó tempo, volta para trás",  de relembranças dos mais antigos, de os mais novos verem os mais antigos, "ao vivo e a cores" a dirigir sessões, enfim, o espírito de entreajuda da Mestre Affonso Domingues no seu melhor!

Sobretudo, como muito bem pontuou o José Ruah no seu texto"Do problema que não foi, à solução pelo desafio", "de repente Irmãos que andavam um pouco afastados chegaram-se mais para perto. Vieram para ajudar, com a sua presença mas não só, com as suas ideias, com as suas formas de ver e de fazer. 
E tiramos mais uma lição, a da disponibilidade".

Sobretudo, confirmámos a nós próprios que, juntos e cooperando uns com os outros, haverá muitos poucos problemas resolúveis que a Loja Mestre Affonso Domigues não consiga resolver a contento!

O J. D. acabou por vir a concluir que o seu impedimento não lhe permitia reassumir com utilidade o efetivo exercício do ofício e, lealmente, renunciou ao mandato, possibilitando a eleição de um novo Venerável, que dirigisse a Loja até ao final do ano maçónico - e assim veio a ser um Venerável Mestre que dirigiu apenas duas ou três sessões.

Mas seguramente que não deixou a Loja pior do que a recebeu. Deixou-a mais unida, mais ciente de que a união do grupo lhe possibilitará sempre descobrir e executar as soluções para todos os problemas que, tendo solução, se lhe deparem. Tem um lugar honroso na galeria dos nossos antigos Veneráveis!

Rui Bandeira