14 novembro 2016

Fraternidade


Mas afinal em que consiste a apregoada Fraternidade dos maçons?

Fraternidade é um espaço, uma cultura, uma postura, um sentimento, que junta um conjunto de pessoas numa teia de relações similares às que se criam ente irmãos de sangue. Tal como os irmãos no seio de uma família, brinca-se, exerce-se o mútuo auxílio, colabora-se, ajuda-se o outro a crescer e cresce-se com a ajuda do outro. Mas também tal como os irmãos no seio de uma família, discute-se, amua-se, têm-se zangas e reconciliações, disputas e alianças.

Fraternidade não é um oásis de sol e delícias. Fraternidade é a vida vivida em conjunto, com união mas também com busca de cada um do crescimento da sua individualidade no seio do grupo.

Fraternidade implica que quando um dos nossos é injustamente acusado nos levantemos, com indignação, em defesa da honra de quem sofreu o ataque da injustiça. Mas também implica que, quando um dos nossos erra e acusa injustamente alguém, seja severamente criticado. Porque, afinal, o nosso objetivo comum é que todos e cada um de nós se aperfeiçoe e isso impõe que se mostre o erro quando existe, se exija a sua reparação, se necessário se aplique a devida sanção, se aponte a senda correta, em vez do carreiro da injustiça.

Fraternidade é saber-se que nenhum de nós é perfeito, mas efetivamente prosseguir o compromisso, connosco e para com os demais, de cada um desbastar sua pedra e alisar suas imperfeições. E, quando se erra, reparar o mal, não persistir no erro e tirar a lição para agir e ser melhor no futuro.

Particularmente exigente é a situação em que um dos nossos é injustamente visado por um dos nossos, quando o erro parte de dentro de nós e atinge um de nós. Aí, a Fraternidade não exige - pelo contrário! - que nos abstenhamos de intervir, porque afinal o problema é dentro de casa. Aí há que intervir com particular acuidade, pois o injustiçado sente exponencialmente a injustiça quando vinda de um dos seus e quem erra tem de compreender que o seu erro tem de cessar prontamente e de vez, pois põe em causa o Irmão, o conjunto de Irmãos e, assim, ele próprio, ao colocar em crise a confiança subjacente ao relacionamento fraterno.

Em grupos coesos e fraternos vemos frequentemente ocorrer conflitualidade, A Fraternidade não impede essa existência. Mas os grupos coesos e fraternos aprendem e sabem como gerir os conflitos e torná-los fatores de melhoria e de avanço, individual e coletivo. O que importa é que, acima de tudo, exista respeito, consideração e disposição para a cooperação. 

Fraternidade gera muitas vezes amizade. Mas não necessariamente. Podem-se estabelecer relações fraternas, coesas, gratificantes, eficazes para a melhoria mútua com pessoas com quem não se estabelecem particulares relações de amizade. Porventura os temperamentos serão diferentes, mas os objetivos são comuns e o auxílio mútuo é reconhecido como o melhor caminho.

Mas também a amizade, por si só, não gera a Fraternidade. Porque a amizade pode ser mansa e plácida e agradável, mas não ser fator de crescimento, de melhoria.  Fraternidade implica desafio, emulação, auxílio competitivo mesclado com respeito e confiança mútuos, que cria as condições para que todos avancem.  

Mas quando a Fraternidade gera a amizade e ambas são vividas e praticadas em prol do crescimento dos amigos fraternos, então a eficácia da Fraternidade é exponencial.

Lembrei-me disso ao reler o texto, já antigo de mais de seis anos aqui no blogue, Os dois marretas. Ilustra como dois desconhecidos se encontram, por obra do acaso ou pelos desígnios do Grande Arquiteto do Universo, inseridos numa Fraternidade. Como são diferentes um do outro. Como aprenderam a complementar-se nas suas diferenças. Como souberam potenciar o apoio mútuo no crescimento de ambos. Como nesse processo nasceu, cresceu e se mantém uma singular amizade, não decorrente das semelhanças, mas regada pelo inteligente aproveitamento das diferenças e sempre adubada pela indestrutível confiança mútua.

E é assim, pela conjunção da Fraternidade conjugada com a amizade, ambas habilmente aproveitando o potencial das diferenças, que continua hoje a ser verdade o que já era verdade há anos atrás (e cito daquele texto): quando (o acordo) chega ou quando nunca chegou a haver desacordo, todos sabem que é melhor sair da frente, que estes dois, quando decidem puxar para o mesmo lado, são ossos duros de roer...

E isso também é Fraternidade!

Rui Bandeira

07 novembro 2016

"Palavra Maçónica"


O texto que hoje publico é um texto de minha autoria que viu a luz anteriormente noutro espaço em que debitava umas linhas sobre Maçonaria. Este texto pode ser consultado no seu original aqui.
E como considero que sua atualidade permanece, irei transcrever o mesmo texto nas linhas abaixo para Vosso conhecimento:

"Palavra Maçónica"

A “palavra maçónica” é um compromisso de honra efectuado pelo neófito quando tem contacto com os Mistérios da Arte Real. No qual ele se compromete a honrar e dignificar a Maçonaria, bem como em guardar segredo do que vir ou tomar conhecimento em sessão ritualista maçónica.

E como tal, nada mais é importante para o maçom do que respeitar a sua palavra, a sua palavra dada, a sua palavra de honra.
Sendo por isso, que uma das suas obrigações é a de ser um homem de bons costumes. Alguém que é honrado e vive sob bons preceitos morais.

Quando um maçom se compromete com algo, ele o cumpre ou o faz por cumprir, porque é a sua palavra que fica em questão. Se não o fizer, a sua credibilidade perante os seus irmãos e porventura demais profanos, será posta em causa, correndo o sério risco de ficar descredibilizado, e assim não poder viver da forma honrada como assim o deve fazer.

Essa palavra, vale mais que “mil assinaturas”, pois jamais poderá ser rasurada ou apagada. Quando ela é assumida, ela torna-se um compromisso para a vida do maçom. Tanto que a sua palavra deverá ser “eterna e imutável”. Logo será sempre um dever a ser cumprido!
Por isso, um maçom quando assume um compromisso ou quando opina sobre determinado tema ou matéria, tem de ter o cuidado e a parcimónia necessária. Pois com a sua opinião também pode ele pôr em causa a Maçonaria na sua generalidade.

Normalmente quando alguém opina publicamente, apenas essa opinião o vincula a ele próprio. Mas em Maçonaria isso é diferente. E diferente porque, quando um maçom opina na via pública, as suas afirmações encontram um eco desproporcionado por vezes em relação ao que afirma. E tudo fruto do que a sua imagem enquanto maçom suscitar. 
A curiosidade sobre o que se passa no interior da Maçonaria é tão grande por parte dos profanos, que isso origina um excesso de “ruído” que maioritariamente causa um impacto negativo na Ordem em si. E é por isso que um maçom deve ser reservado quanto ao que opina, como opina e onde exerce a sua opinião. 
Aliás, se existe alguém que falará pela Obediência em si, serão apenas o Grão-Mestre e o Grande Orador, os restantes Irmãos apenas poderão opinar, mas vinculando-se apenas a si próprios nas afirmações proferidas.

Já na vida interna das Obediências Maçónicas, as palavras dos irmãos são muito bem-vindas, isto é, cada um (excepto se em sessão litúrgica, os Aprendizes e Companheiros se abstêm de falar) é livre de opinar sobre o que quiser, respeitando apenas as regras impostas pela Obediência, seja no cumprimento dos Landmarks (no caso de Obediências Regulares) seja no cumprimento do seu Regulamento Geral.

Resumindo, o segredo que existe na palavra de um maçom, encontra-se à vista de todos. É apenas se tomar atenção ao que diz e como o diz.

31 outubro 2016

Os Landmarks da Maçonaria Regular: a Regra em 12 pontos


Em inglês, "Land" significa "terra" e "mark" traduz-se por "marca", "alvo". "Landmark" é, assim, a marca, o sinal, na terra, e, mais especificamente, os sinais colocados nos terrenos para assinalar a sua delimitação em relação aos terrenos vizinhos. Em suma, "landmark" é, em português, o marco, no sentido de marco delimitador de terreno.

Fazendo a transposição para a Ordem Maçónica, Landmarks são, correspondentemente, os princípios delimitadores da Maçonaria, isto é, os princípios que têm em absoluto de ser intransigentemente seguidos para que se possa considerar estar-se perante Maçonaria Regular.

Ou seja, os Landmarks são o conjunto de princípios definidores do que é Maçonaria. Só se pode verdadeiramente considerar maçom quem, tendo sido regularmente iniciado, seja reconhecido como tal pelos outros maçons e observe os princípios definidores da Maçonaria constantes dos Landmarks.

Porque definidores do que é Maçonaria Regular, os Landmarks fixados são imutáveis.

Porém, existe um problema: não existe uma lista “oficial” de Landmarks comum a todo o mundo maçónico! São conhecidas várias listas de Landmarks, elaboradas por maçons estudiosos e ilustres, mas… por muito estudiosos e ilustres que foram, nenhum tinha mandato específico para fazer essa definição!

Há listas de Landmarks elaboradas por Albert G. Mackey (25) , George Oliver (31), J. G. Findel (9), Albert Pike (5), H. G. Grant (54), A. S. Mac Bride (12), Robert Morris (17), John W. Simons (15), Luke A. Lockwood (19), Henrique Lecerff (29).

Estas listas de Landmarks, repito, não vinculam senão os seus autores e espelham, além dos seus conhecimentos, também os seus preconceitos e os das suas épocas. É célebre, por exemplo, o Landmark 18 de Mackey que, além de afirmar a masculinidade da Maçonaria, impõe que nem escravo nem aleijado possa ser admitido maçom. Perante o evidente preconceito de Mackey, fruto da época e ambiente em que vivia, modernamente faz-se uma interpretação “habilidosa” do Landmark e postula-se que o maçom deve ser “livre de vícios” e não deve ser “aleijado de caráter”. Mas, meus caros, não foi isso que Mackey quis dizer e disse: Mackey escreveu que “os candidatos à Iniciação devem ser “isentos de defeitos ou mutilações, livres de nascimento e maiores”. Manifestamente que se referia a defeitos e mutilações físicas, não morais. Evidentemente que, para ele, ser “livre de nascimento” não tinha nada a ver com ser nascido livre de vícios (pois todos nascemos sem vícios – quem os tem, adquire-os mais tarde), antes se referia a não ter nascido escravo. Repare-se que nem sequer os escravos libertos, segundo Mackey, podiam ser maçons… Percebe-se talvez assim porque é que algumas Grandes Lojas do Sul dos EUA, ainda eivadas de muito racismo, continuam a defender que Prince Hall não foi validamente iniciado maçom, pois o homem foi escravo liberto…

Nos tempos de hoje, com a evolução de mentalidade que (felizmente) houve no último século, esta postura preconceituosa não pode ser admitida. Daí a interpretação “habilidosa” a que me referi. Mas, se os Landmarks são imutáveis, então tem igualmente de o ser a sua interpretação! Logo, não há que interpretar habilidosamente o Landmark 18 de Mackey. Há que, pura e simplesmente afirmar, alto e bom som e de cabeça levantada, que aquilo não é Landmark nenhum, e ponto final!

Algumas Grandes Lojas optaram por criar listas de Landmarks próprias. É o caso, por exemplo, das Grandes Lojas de New Jersey (10), do Tennessee (os 15 de John W. Simons), do Connecticut (os 19 de Luke A. Lockwood), do Minnesota (26), do Massachussets (8), do Kentucky (os 54 de H. G. Grant) e a Grande Loja Ocidental de Colômbia (20).

Na Europa, a Grande Loja Nacional Francesa codificou o que designou de “Regra em 12 pontos”, pela qual definiu o que se contém dentro do conceito de Maçonaria Regular – ou seja, definiu os seus Landmarks da Maçonaria Regular (http://www.glnf.fr/fr/Regle-en-douze-points-franc-maconnerie-238).

Que tem isso de diferente ou especial, uma vez que, como acima referi, várias outras Grandes Lojas fizeram o mesmo? A diferença – de que o tempo se encarregará de nos mostrar a sua real relevância – é que, enquanto cada uma das Grandes Lojas da América que fixaram Landmarks o fizeram por si e sem preocupações de alinhamento ou partilha com as demais, a iniciativa da GLNF tem conduzido a um movimento de expansão da Regra dos 12 Pontos, de aceitação desta codificação de Landmarks por outras Obediências.

A Grande Loja Legal de Portugal/GLRP adotou também a Regra em 12 Pontos (https://www.gllp.pt/index.php/as-doze-regras-da-maconaria-regular). A Grande Loja de Espanha assim o fez também (http://gle.org/la-regla-en-12-puntos/). Mas o movimento não é só europeu. Várias Grandes Lojas africanas de países de expressão francesa também adotaram a Regra em 12 pontos, designadamente a Grande Loja Nacional Togolesa (http://glnt.tg/ e aí ir a Les principes fondamentaux/ La règle en 12 points). Também a Grande Loja de Moçambique adotou a Regra em 12 pontos (a GL de Moçambique não tem ainda sítio na Internet; têm de acreditar na minha palavra…).

A Regra em 12 pontos, verdadeiros Landmarks da Maçonaria Regular, vai sendo progressivamente adotada por Obediências Regulares da Europa e de África. É tempo de a divulgar junto dos Irmãos da América Latina – talvez no âmbito da Confederação Maçónica Interamericana.

Rui Bandeira 

24 outubro 2016

"O lugar do Aprendiz" (republicação)

O texto de hoje, da autoria do Rui Bandeira,  versa sobre a localização do sítio no interior de um templo maçónico onde deve se sentar o Aprendiz.
O Aprendiz, em qualquer Rito maçónico, ocupará um lugar na Coluna do Norte, e isso é algo que aprende logo no dia da sua Iniciação. Mas deixo para o Rui, que explica muito bem -como é hábito - esta questão.

Este texto foi publicado na sua versão original em Novembro de 2007 e pode ser consultado aqui também e nas seguintes linhas transcritas :

"O lugar do Aprendiz"

O local onde uma Loja maçónica se reúne é pelos maçons designado de Templo. Dentro do Templo, e no decorrer de uma reunião de Loja, tudo existe segundo uma ordem determinada e todos têm assento em locais definidos. O sentido de ordem, a segurança que psicologicamente é transmitida a quem se encontra num local ordenado, onde tudo e todos estão no seu lugar, ajudam à criação de uma atmosfera de confiança, descontracção e concentração que é preciosa, quer para o bom desenrolar da sessão, quer para o conforto de todos, quer para a predisposição para atender aos assuntos do espírito, deixando-se efectivamente os metais à porta do Templo.

Como todos os outros obreiros, o Aprendiz tem o seu lugar determinado. Ou, melhor dizendo, uma zona da sala destinada a que ele ali se coloque e assista a tudo o que se passa. Esse lugar, essa zona, situa-se nas cadeiras traseiras do lado Norte da sala.

O lado Norte aqui em causa é, como quase tudo em Maçonaria, simbólico. Pode, portanto, corresponder ou não ao Norte geográfico. Normalmente, as salas onde decorrem as reuniões de Lojas têm a forma rectangular, com a entrada colocada num dos lados mais pequenos. E quando não tem essa forma, utilizam-se os adereços necessários para que o local onde decorre a reunião tenha essa disposição. O lado onde se situa a entrada é, por convenção, designado de Ocidente. Logo, o lado oposto, onde se coloca a Cadeira de Salomão, é o Oriente. A generalidade dos obreiros toma assento nos lados direito e esquerdo da entrada. Convencionado que está que a entrada se situa no Ocidente, o lado direito de quem entra é, portanto, o Sul e o lado esquerdo de quem entra é o Norte.

Portanto, o Aprendiz toma assento na segunda fila do lado esquerdo de quem entra. Como sempre, esta disposição tem um significado simbólico. Para ser entendido, há que ter presente que a Maçonaria nasceu no hemisfério Norte. Neste hemisfério, o que está situado a Norte é menos ensolarado, menos iluminado. Em termos de Maçonaria, o Aprendiz ainda está na fase de transição da vida profana para a vivência maçónica. Está em processo de aprendizagem dos símbolos, dos princípios, da vivência, da Maçonaria. Está no início do percurso que todos os maçons procuram fazer, do seu aperfeiçoamento, da busca do Conhecimento do significado da Vida e da Morte, da Criação, do Universo, do Material e do Imaterial. Está, como os maçons dizem, no início do caminho para a Luz. O Sol nasce a Oriente. Simbolicamente a Luz que o maçon busca encontra-se a Oriente. Daí que seja no lado que simboliza o Oriente que se encontra a Cadeira de Salomão, onde toma assento o Venerável Mestre, que conduz a Loja e os seus Obreiros na busca, individual e colectiva, do aperfeiçoamento e do Conhecimento, na busca da Luz. O Conhecimento, para quem não está preparado, pode ser nefasto, pode ser incompreendido ou mal compreendido e, logo, recusado, afastado, distorcido. Portanto, o acesso à Luz deve ser gradual, em função da capacidade, da preparação, do Caminhante. Consequentemente, aquele que está ainda menos preparado, aquele que está ainda na fase inicial da sua Jornada, deve ser protegido do excesso de Luz, para que nele se não torne nefasto o que deve ser benfazejo. Assim, deve tomar assento na zona mais protegida da Luz, ou seja, no Norte.

Quanto ao facto de tomar assento nas cadeiras traseiras, e não na primeira fila, tal deve-se, quer ao facto de, quanto mais ao Norte estiver, mais protegido estar da Luz em excesso, quer, muito mais prosaicamente, ao facto de o Aprendiz ainda ter uma reduzida intervenção nos trabalhos e ser conveniente deixar a primeira fila ser ocupada por quem pode intervir ou necessita de circular pela sala...

Esta regra só tem uma excepção: no dia da Iniciação, finda a respectiva cerimónia, o nóvel Aprendiz toma assento, até ao final da sessão (e só nessa sessão), na primeira fila do Norte. Também por uma razão muito prática: não faz sentido ser colocado mais atrás, porventura obrigando outros obreiros a desviarem-se para lhe dar passagem, para o que resta da sessão. Dá muito mais jeito manter reservado um lugar na primeira fila que, a seu tempo, será então ocupado pelorecém-iniciado. Afinal, depois do turbilhão de emoções que constitui a Iniciação, sabe bem sentar-se pertinho, pertinho, no primeiro lugar disponível e facilmente acessível...

A partir da´sessão seguinte, e durante todo o tempo em que for Aprendiz, tomará, então assento na zona que lhe está destinada, os assentos traseiros do lado Norte. Protegido na sua zona, subtraído a movimentações, o Aprendiz está sossegado, em plenas condições de se concentrar, de tudo observar, de tudo apreender. Em Maçonaria, o Aprendiz é um Homem do Norte...

Rui Bandeira"

17 outubro 2016

O outro Afonso Domingues


O patrono da Loja Mestre Affonso Domingues foi um dos arquitetos do Mosteiro da Batalha, imortalizado no conto de Alexandre Herculano A abóbada. O JPSetúbal publicou neste blogue um texto evocativo do patrono da Loja, com o título Sobre o nosso patrono MESTRE AFFONSO DOMINGUES.

Mas talvez o leitor não saiba que, na Maçonaria portuguesa, houve um outro Afonso Domingues. Se assim for, vai ficar a saber!

Em algumas Obediências maçónicas há o hábito da utilização de nomes simbólicos, afinal verdadeiros pseudónimos escolhidos pelos maçons para protegerem as suas identidades. A escolha do nome simbólico por um maçom traduz, muitas vezes, para além de uma homenagem, uma identificação do maçom que o escolhe com aquele cujo nome foi escolhido. Uma das Obediências em que detetamos a prática da utilização do nome simbólico é o Grande Oriente Lusitano.

Em 1908, foi iniciado na Loja Fiat Lux, de Lisboa e do GOL, o arquiteto, escultor, pintor e autarca republicano Arnaldo Redondo Adães Bernudes. Escolheu o nome simbólico de Afonso Domingues, evocando assim o arquiteto da Batalha que veio a ser o patrono da nossa Loja. Para nós, Adães Bermudes é, assim, o outro Afonso Domigues...

Adães Bermudes nasceu no Porto em 1 de outubro de 1864, cidade em que se diplomou em arquitetura. Foi o autor dos projetos da Câmara Municipal de Sintra, de sedes do Banco de Portugal em Coimbra, Évora, Faro, Bragança, Vila Real e Viseu, do Instituto Superior de Agronomia, das Igrejas de Espinho e de Amorim (Póvoa de Varzim), do Pavilhão de Desportos de Lisboa e do Hotel Astória, em Coimbra, além de outros. Em conjunto com António Couto e Francisco dos Santos, foi coautor do projeto do monumento ao Marquês de Pombal, em Lisboa. Foi Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e da Sociedade dos Arquitetos Portugueses. Recebeu vários prémios nacionais e internacionais, designadamente o Prémio Valmor de 1908, com o projeto do edifício de esquina entre o Intendente e a Avenida Almirante Reis, no n.º 2 desta avenida, em Lisboa.

Foi também ele o autor da conceção de um bairro de casas económicas, que veio a ser o Bairro do Arco do Cego.

Teve um estilo de arquitetura próprio, aliando traços do revivalismo com influências do Manuelino e do Barroco e elementos decorativos contemporâneos, em versão simplificada do estilo Arte Nova.

Projetou e dirigiu diversas intervenões de conservação e restauro em monumentos nacionais, designadamente o Palácio Nacional de Sintra, o Convento de Mafra, o Palácio de Queluz, a Igreja do Mosteiro dos Jerónimos e o restauro e ampliação dos Museus Nacionais de Arte Antiga e de Belas Artes, em Lisboa.

Um traço significativo da referência biográfica que lhe é feita na Wikipédia é o de que, por ser maçom, nunca aceirou condecorações!

Passou ao Oriente Eterno em Sintra em 18 de fevereiro de 1948, aos 83 anos de idade.

Fontes:

Daniel Madeira de Castro, Livro das Efemérides - Históricas, Políticas Maçónicas e Sociais, Lisboa, 2016 (efemérides de 1 de outubro lidas em JB News, n.º  2191)


Rui Bandeira

10 outubro 2016

Léxico maçónico: Ágape (republicação)

Este texto que hoje é republicado e que pode ser acessado no seu original aqui é da autoria do Rui Bandeira e já foi alvo de uma consideração póstuma que foi publicada uns anos mais tarde neste mesmo blogue e que também pode ser consultada aqui .

O Ágape ritual é uma das componentes mais belas do próprio ritual maçónico. Nele se vive e prolonga a fraternidade vivida na Cadeia de União.
Ele é um prologo da vivência em Loja e onde todos, também ao mesmo nível, podem falar, sem estarem a violar qualquer preceito maçónico ou até mesmo por estarem subscritos ao "silêncio" referente ao grau a que alguns dos elementos da Loja possam estar remetidos durante a execução de uma sessão maçónica e ao mesmo tempo para aproveitar para tomar uma refeição em conjunto.
Assim, depois desta pequena introdução ao tema de hoje, deixo-Vos com o texto na íntegra:

"Léxico Maçónico: Ágape

Nos vários textos anteriores, foi várias vezes mencionado o termo "ágape", aliás num deles definido como refeição tomada em conjunto por maçons, em regra depois, ou imediatamente antes, das reuniões de Loja.
Em circunstâncias ideais, as instalações onde decorrem reuniões de Lojas devem estar preparadas para ter uma sala, de tamanho adequado e devidamente mobilada, onde possa ser servida e consumida a refeição, e ainda local para a confecção desta.
Durante um ágape, são efectuados pelo menos sete brindes, dedicados ao Presidente da República, a todos os Chefes de Estado que protegem a Maçonaria, ao Grão-Mestre, ao Venerável Mestre da Loja, aos demais Oficiais da Loja, aos Visitantes (ou, nos ágapes brancos, às senhoras presentes) e a todos os Maçons, onde quer que se encontrem.
O ágape branco é um ágape em que estão presentes não maçons, em regra familiares e amigos. No ágape branco, o cerimonial é aligeirado ao mínimo, mantendo-se apenas os brindes.
O ágape ritual é considerado o prolongamento dos trabalhos em Loja. Nele, os Aprendizes e Companheiros têm oportunidade de exprimir as suas opiniões, relativamente aos assuntos debatidos em Loja (já que, em sessão de Loja, os Aprendizes e Companheiros devem observar a regra do silêncio, para mais concentradamente poderem dedicar a sua atenção ao que vêm e ouvem) ou colocados em discussão no próprio ágape.
Quando existem condições de privacidade que o permitam, o Venerável Mestre, no início do ágape, informa qual o tema sobre o qual todos os elementos presentes devem emitir as suas considerações, pela forma que entenderem. Seguidamente, cada um dos elementos presentes deve, à vez, levantar-se, apresentar-se e proferir uma alocução breve sobre o tema indicado. Esta rotina possibilita o melhor conhecimento mútuo de todos os membros de uma Loja (pois cada um expõe, em plena liberdade e perante a atenção silenciosa dos demais os seus pontos de vista), facilita a integração dos membros mais recentes (que verificam a prática da igualdade entre maçons e a aceitação das diferenças de opinião entre eles) e contribui para a superação do receio de falar em público de que sofrem algumas pessoas.
Quando existem condições para a refeição ser preparada e consumida nas instalações da Loja, por regra é nomeado um elemento da Loja, que fica com a responsabilidade de dirigir a preparação da refeição e do local onde a mesma vai ser consumida.
Quando não existem as condições de privacidade entendidas necessárias, o ritual do ágape reduz-se aos brindes ou é, mesmo, eliminado, servindo a refeição apenas (e já é bom!) para possibilitar a sã convivência entre os elementos da Loja.
Os ágapes em muito contribuem para a criação e o fortalecimento dos laços de amizade e solidariedade entre os maçons.

Rui Bandeira"

03 outubro 2016

Pompa e circunstância


Mês de equinócio é mês de sessões de Grande Loja (ou Grande Oriente). Em Portugal, no Brasil ou, genericamente em qualquer parte do mundo onde esteja implantada a Maçonaria, sessão de Grande Loja ou Grande Oriente é, normalmente, sinónimo de pompa e circunstância. 

Desde que a Maçonaria especulativa surgiu, muito rapidamente a Primeira Grande Loja passou a ter como dirigente máximo um elemento da nobreza. Ora, como sabemos, nobreza britânica e pompa e circunstância são termos inseparáveis... 

Não há mal nenhum na pompa e circunstância - desde que cada maçom tenha sempre presente que o que verdadeiraente importa não tem nada a ver com isso.

Maçonaria pode ter brilho, pode ter dourados, pode ter aventais ricamente bordados, colares vistosos e toda a série de penduricalhos que se quiser. Mas, em Maçonaria o que verdadeiramente importa é a construção que cada um faz de si e em si mesmo. Esse é que é o princípio e o fim.

A pompa, a circunstância, os penduricalhos, os profusos elogios, saudações e outras intervenções fazem parte, mas não são mais do que mundanidades, afinal concessões que nós, maçons, fazemos ao que de nós menos importa, à imperfeição que reside em nós. Se nós, maçons, não nos reconhecêssemos imperfeitos, não buscaríamos aperfeiçoarmo-nos... E é esse nosso lado imperfeito que atende a todas essas mundanidades. Mas o maçom deve ter sempre presente que essas mundanidades não são mais do que a ganga, a roupa, o cenário, que acompanha e simultaneamente cobre o que realmente interessa: o discreto mas incessante trabalho que cada um deve fazer em si para procurar sempre ser um pouco melhor, um pouco mais digno da centelha divina ínsita na Vida que o anima e que é verdadeiramente o essencial de si, o que permanecerá depois de tudo o resto se desintegrar.

Não há mal nenhum que o maçom aprecie a pompa e circunstância, ache bonitos os dourados e penduricalhos - desde que não se esqueça nunca de que tudo isso pouco significa em face do que verdadeiramente importa: o seu esforço constante e solitário no burilar de si próprio, na procura da libertação da Luz que busca e que afinal traz em si e só precisa descobri-la e desvelá-la. Só assim as mundanidades permanecem confinadas onde é saudável que permaneçam relegadas - e não se transformam em profanidades.

Pompa, circunstância, penduricalhos, títulos, honrarias não passam de, porventura necessárias, concessões que o maçom faz a si próprio, na parte de si que menos importa. Mas integram apenas o ponto de partida, nunca constarão do ansiado porto de chegada... À medida que se vai construindo, o maçom vai vendo diminuir o "valor" de tudo isso.

Porque o que todos os maçons sabem e não devem nunca esquecer é que há uma igualdade essencial entre todos eles, desde o Aprendiz de alvo avental, ao Companheiro, ao Mestre, ao Oficial de Loja, ao Venerável Mestre, ao Grande Oficial e ao Grão-Mestre: com mais ou menos atavios nos seus aventais, com mais ou menos brilhos, com mais ou menos louvores ou elogios, com mais ou menos "importância", todos não passam de Operários em Construção!

Rui Bandeira