28 março 2016

Luís Manuel Douwens Prats, maçom esotérico


Há dois sábados atrás, ao fim da tarde, recebi uma mensagem SMS do José Ruah: Fui informado do falecimento do Luís Prats. O laconismo da mensagem não me impressionou: o José e eu estamos habituados a comunicar da forma mais simples e com o mínimo de palavras. Conhecemo-nos há muito e muito bem, não é preciso muito para cada um de nós entender o que o outro lhe quer transmitir - se for preciso entendemo-nos até por sinais de fumo... 

Aquela curta mensagem, para além da informação objetiva e factual, indicava-me mais coisas: que o texto seguinte que eu escreveria para o blogue seria a evocação do Luís, que tinha partido um amigo e um Irmão que, presentemente, na Loja só nós dois e muito poucos mais recordávamos em pleno o Luís - e que não seria fácil escrever sobre ele!

A dificuldade em escrever sobre o Luís Prats resulta de uma ambivalência que nós (eu e, estou certo, também o José) temos em relação a ele: por um lado, recordamo-lo como um amigo, um amigo com quem tertuliámos agradavelmente durante alguns anos, um amigo que nos ajudou, ao José e a mim, a integrarmo-nos na Loja Mestre Affonso Domingues e a crescermos nela e com ela; por outro, o Luís foi certamente dos Irmãos com uma conceção da Maçonaria mais diferente e mais afastada da nossa. Assim, escrever sobre o Luís é recordar simultaneamente momentos de conversa e cumplicidade e ocasiões em que tivemos que saber gerir os desacordos.

Não é fácil escrever sobre o Luís Prats e a nossa relação com ele! Mas. pensando bem - e a ideia assola-me a mente deixando um rasto de um leve sorriso no meu rosto... -, acho que com o Luís Prats não houve nada de simples e fácil. Afinal, o homem foi psiquiatra!

O Luís foi um médico psiquiatra com uma longa e profícua carreira profissional. Reformou-se como Chefe do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Júlio de Matos. Era um melómano conhecedor. Era um conversador cativante. Mais do que isso, era um conversador hipnotizante: sem nunca elevar a voz e sempre mantendo um laivo de sorriso na expressão, com um tom pausado expunha, argumentava, insistia, explicava, repetia, e não demorava muito para que o seu ouvinte se sentisse como uma serpente a ser embalada pela música do seu encantador, tentado a seguir a argumentação, o caminho, a tese que laboriosa, calma e pausadamente o Luís expunha.

Esta capacidade do Luís tornava difícil, mas desafiante, a expressão da discordância. Sempre que alguém o fazia, retorquia com argumentação que, mais do que afrontar ou discordar diretamente, rodeava a posição exposta, enredava-a numa complexa teia de argumentos. Quando isso sucedia comigo, eu divertia-me a responder aos seus argumentos um a um, para receber nova remessa e dar novas respostas, em tertuliano bate-papo que não raro se prolongava madrugada fora.

O Luís Prats foi o nono Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues. No texto que dediquei ao seu veneralato, escrevi, a dado passo, que tinha uma conceção rigidamente esotérica, quase crística, senão mesmo crística da Maçonaria. Para ele, a Maçonaria é essencialmente um método de desencadeamento e evolução de um processo iniciático, tendente à aproximação do Homem ao Divino - um processo paralelo, por exemplo, ao misticismo monástico cristão. isto é, e se bem interpreto o seu pensamento, o método iniciático maçónico é um dos métodos de aproximação do Homem ao Divino, como o são o dito misticismo monástico ou o budismo. Luís P. privilegiava, assim, o estudo, a teoria, a análise simbólica, tendo porém o cuidado de alertar para os perigos do que costuma designar de "devaneios esotérico-birutas" muito presentes em muita "literatura", principalmente do século XIX.

 O Luís aplicou rígida e convictamente esta sua conceção no governo que fez da Loja, quando a tal tarefa foi chamado. Foi o último Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues a quem a Loja permitiu que a gerisse de forma autocrática, Nesse sentido, pode-se dizer que foi o último de uma era, de uma dinastia, na história da Loja Mestre Affonso Domingues.

Em termos de conceção da Maçonaria, o José e eu dificilmente poderíamos estar mais longe das ideias do Luís. Em termos pessoais, de convívio, de amizade, de consideração, estivemos sempre muito próximos. Se discordámos da orientação do Luís quanto à gestão da Loja, não temos dúvida de que Como pessoa Luís estava sempre pronto a ajudar (assim, e bem, o definiu o José. num texto deste blogue).

Após o seu mandato, a Loja seguiu orientação diferente da preconizada pelo Luís e, discordante, ele veio a afastar-se. Isso não fez, porém, que diminuísse a nossa amizade e consideração por ele. A diferença de conceções existia. A generosidade e disponibilidade do homem sempre continuou a existir. A amizade e a consideração permaneceram.

Não me é fácil escrever sobre o Luís Prats, porque ele foi, indubitavelmente, um homem complexo: generoso e rígido, autoritário, mas paciente, No fundo, relacionarmo-nos com ele ensinou-nos que a amizade implica aceitar o amigo com tudo o que achamos que tem de bom e tudo o que nele encontramos de mau. Implica concordar e discordar. Implica, afinal o conceito que tão prezado é dos maçons: TOLERÂNCIA.

Recordo o Luís como um Mestre que me amparou, me guiou e ensinou - apesar de eu discordar de muito do que ele transmitiu...

A notícia da sua Passagem ao Oriente Eterno faz-me recordar o amigo e relembrar que, com concordâncias ou discordâncias, junto de nós ou afastado, o Luís Prats foi um dos nossos e como um dos nossos passou adiante.  

Até sempre, Luís! Se no Oriente Eterno existe um espaço para tertuliar, guarda-me lá um assento, que, quando a hora chegar, saberei onde te encontrar!

Rui Bandeira

21 março 2016

"Qualidades maçónicas"


Sempre que em maçonês se fala em "qualidades maçónicas", não se está a abordar nenhum adjetivo em concreto mas antes funções e cargos ocupados por membros dos quadros de obreiros das lojas maçónicas.

Para erigir e fazer funcionar uma Loja é necessária uma determinada quantidade Mestres, para fundar uma Loja são necessários 7 mestres e para o seu funcionamento pelo menos 5 mestres, sendo o ideal existir um mínimo de 7 mestres presentes numa sessão maçónica.
Estes mestres ocuparão cargos e funções necessárias ao normal e regular funcionamento de uma Loja. E dado que uma loja maçónica é uma estrutura similar a uma qualquer associação, necessita de ter quem a dirija e de quem se ocupe de outros cargos que são necessários existirem para que esta associação/"Loja" funcione em pleno; ou seja, de forma justa e perfeita.

Normalmente a quantidade  de cargos a serem preenchidos pelos obreiros de uma Loja (designados por Oficiais) depende quase sempre do tipo de Rito executado nas sessões dessa mesma Loja. E digo "quase sempre" porque a ocupação dos cargos de uma Loja devem ser efetuados por Mestres, mas tal nem sempre é possível por vários fatores, sejam o tamanho do "Quadro da Loja" (número de obreiros) seja pela assiduidade dos mesmos.

Existem funções que podem em caso de recurso extremo ser ocupadas e executadas por Companheiros e/ou Aprendizes. Estando vedado a estes membros qualquer cargo de "direção" de Loja ou de certa ritualidade que os impeça de tal fazer.

No caso em concreto da Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues nº5, o Rito executado sempre nas suas sessões é o "Rito Escocês Antigo e Aceite", vulgo "REAA", e que conta com sete oficiais "principais"/"obrigatórios"; a saber:
  • Venerável Mestre: o Mestre que dirige a Loja.
  • 1ºVigilante: Auxilia na direção da Loja e é responsável pela formação de Companheiros e "Coluna do Sul".
  • 2ªVigilante: Auxilia na direção da Loja e é responsável pela formação dos Aprendizes e "Coluna do Norte".
  • Secretário: Ocupa-se dos habituais "trabalhos de secretaria" (correspondência, registo de presenças, elaboração de Atas...)
  • Orador: Certifica-se que os trabalhos de Loja decorrem de forma correta e regulamentar.
  • Tesoureiro: Gere as "economias & finanças" da Loja.
  • Mestre de Cerimónias: Cargo Ritual.
Os Ofícios acima designados são os que tornam uma Loja justa e perfeita e que são necessários ao normal funcionamento da Loja, mas existem outros que também têm a sua relevância na estrutura da Loja, a saber:
  • Experto: Cargo Ritual.
  • Hospitaleiro: Cargo Ritual e responsável pela gestão do Tronco da Viúva".
  • Organista: Responsável pelas sonoridades ambientes e rituais da Loja. É o chamado "DJ de serviço".
  • Guarda Interno: Certifica-se da cobertura da Loja; isto é, pela sua "segurança".
  • Arquivista: Responsável pela gestão do Arquivo da Loja.
  • Mestre Instalado: Mestres que ocuparam a direção de Loja no passado.  Pode-se considerar que são "conselheiros" do Venerável Mestre, por assim dizer.
Alguns destes últimos ofícios não são de execução obrigatória por Mestres apesar de preferencialmente serem efetuados por esses membros da Loja.
No entanto, é natural que existam outras "qualidades" na Maçonaria e que são referentes ao Grão-Mestrado (ocupadas pelo governo da Obediência Maçónica), sendo esta uma estrutura do tipo federativo, congregando o Grão-Mestre, os Grandes Oficiais e os seus respetivos Assistentes.

Contudo, algo que não pode nem deve ser confundido entre si são os "Graus" e as "Qualidades", uma vez que executar um cargo/ofício não é o mesmo que deter determinado grau.
Um "grau" é a posição/nível de conhecimento que um maçom tem e que ocupa na "hierarquia" da Maçonaria; a "qualidade" como referi anteriormente, são os cargos que se ocupam. E para ocupar determinados Ofícios é necessário ter sido atingido determinado grau, quase sempre o de Mestre Maçom ou inclusive o de "Venerável Mestre".
Já para obter um Grau, o cargo desempenhado na Loja pouco ou quase nada será relevante, pois o conhecimento ritual obtido e a boa assiduidade geralmente é que são determinantes para tal.


Espero que com esta pequena explicação, escrita de forma simples e ligeira, possa ter retirado algumas das dúvidas que alguns profanos têm acerca do funcionamento de uma Loja Maçónica no que a "qualidades" (cargos) diz respeito.

14 março 2016

Um auspicioso começo

Cardeal Gianfranco Ravasi

No passado dia 14 de fevereiro, na página 29 do jornal italiano Il Sole 24 Ore, o Cardeal Gianfranco Ravasi publicou, sob o título Cari fratelli massoni  (Queridos Irmãos Maçons) um texto no qual convida ao diálogo entre a Igreja Católica e a Maçonaria. O Cardeal Ravasi é o Presidente do Conselho Pontifício para a Cultura, um organismo da Cúria Romana, o que nos deve alertar para o peso institucional que esta iniciativa terá.

No seu texto, o Cardeal Ravasi invoca os valores comuns entre as duas instituições, a dimensão comunitária, a beneficência, a dignidade humana e a luta contra o materialismo, e invoca mesmo a necessidade de "superar a atitude de certos setores integristas católicos que - para atacar alguns representantes hierárquicos da Igreja de que eles não gostam - recorrem à arma da acusação de uma sua apodítica filiação maçónica" (tradução minha).

No primeiro parágrafo, está o atalho para o texto original, em italiano. Pode também ler-se o referido texto numa tradução para castelhano, efetuada por um elemento da Loja espanhola Manuel Iradier,  da cidade de Vitoria - Gasteiz, que aqui fica disponível através do atalho https://logiamanueliradier.wordpress.com/2016/02/24/queridos-hermanos-masones/

Esta posição pública do Cardeal Ravasi certamente terá uma adequada e ponderada resposta por parte dos responsáveis da Maçonaria, no sentido da correspondência ao convite efetuado. Para já, o Grão-Mestre do Grande Oriente de Itália, Irmão Stefano Bisi, logo no dia imediato enviou uma carta ao Il Sole 24 Ore, manifestando o seu apreço pela iniciativa e confirmando a disponibilidade para o diálogo também por parte da Maçonaria.

Designadamente,  refere o Grão-Mestre do Grande Oriente de Itália que ficou "satisfeito ao saber que, sem preconceito e com a ampla visão cultural que o distingue, (o Cardeal Ravasi) falou sem ideias preconcebidas da Maçonaria indo para além dos esclarecimentos e posições oficiais e escritos da Igreja, amplamente conhecidos, e reconhecido que entre as duas instituições existem também valores comuns que as unem, sem que isso anule as visões diversas e a demarcação das claras diferenças" (tradução minha).

A terminar, frisou que "a Maçonaria não é inimiga da Igreja, de nenhuma igreja, e tem sido sempre a casa do diálogo e da tolerância. Não se opõe a qualquer religião e deixa os irmãos livres de seguir a sua fé. Mas os tempos mudam e a Humanidade está ameaçada por grandes perigos, como o terrorismo fundamentalista, a decadência de valores, a globalização desenfreada. A grandeza das instituições seculares, espirituais e religiosas a que o homem adere, procurando vias pessoais de melhoria e elevação, está em saber lidar com estes desafios delicados, participando na e partilhando a resolução das necessidades e dos problemas que surgem. E igualmente em ter a coragem de ir além de "hostilidade, insultos, preconceitos recíprocos", como no caso da Igreja e Maçonaria" (tradução minha).

Pode ler-se o texto original da resposta em http://www.grandeoriente.it/wp-content/uploads/2016/02/Agenparl-22.06.2016.pdf .

Toda a longa viagem começa com um primeiro e, por vezes pequeno, passo. Espero que o passo dado pelo Cardeal Ravasi, e logo acompanhado pelo Grão-Mestre do Grande Oriente de Itália seja efetivamente o início da longa viagem que ponha termo às mencionadas "hostilidade, insultos, preconceitos recíprocos" e permita inaugurar uma era de cooperação entre as duas instituições, não  especialmente em benefício de nenhuma delas, mas a bem da Humanidade.

Rui Bandeira

07 março 2016

"Assombrações maçónicas…"


Começo o título do texto de hoje com a palavra "assombrações" porque de lés-a-lés surgem notícias que assombram o mundo maçónico
Algumas vezes são verídicas e factuais, outras nem tanto, mas a maioria totalmente falsas. Contudo, as notícias que me suscitam alguma preocupação na verdade, são aquelas que são mesmo verdadeiras e que focam algo que foi feito ou envolveu de forma negativa algum membro da Ordem Maçónica.

Quando algum maçom transgride as regras da "civilização", seja através de condutas marginais ou por comportamentos ditos desviantes, e por isso mesmo passiveis de críticas por ultrapassarem qualquer tipo de razoabilidade, não será apenas o maçom em questão que sofre as consequências, mas a Maçonaria na generalidade; até porque a opinião pública irá sempre condenar a Maçonaria no seu todo e não apenas quem foi o causador da notícia ou situação em apreço.

Quando ocorrem esse tipo de situações, por norma, são sempre desenvolvidas novas teorias face às existentes bem como outras são usualmente relembradas, sejam elas verdadeiras ou falsas -para o comum dos mortais o que importa é falar, mesmo que não saiba do quê!- e são sempre lançados para a "fogueira" nomes de eventuais maçons, tenham essas pessoas ligações à Maçonaria ou não, acarretando sérios prejuízos para essas personalidades.

Naturalmente que todos os maçons condenam quem não sabe viver em sociedade, principalmente aqueles que se assumem como sendo "pessoas livres e de boa conduta", porque esses devem ter sempre algum cuidado e parcimónia nas suas ações, uma vez que estão sempre debaixo do escrutínio permanente do mundo profano.

Algo que os maçons deverão ter atenção é que devem nas suas práticas mundanas ter os mesmos comportamentos que  terão na sua vida privada, ou seja, " fazer à vista de todos o que fariam se ninguém os estivesse a observar". E ter tal noção é uma forma de limitar acontecimentos onde poderão "derrapar" ou que sejam propícias situações impróprias para os maçons, seja a nível pessoal como coletivo.

O "segredo" que é análogo à Maçonaria também fomenta tais situações, porque pode levar a pensar que a coberto de um certo tipo de secreticidade tudo se possa fazer; o que na realidade é completamente falso!
A ignorância profana sobre o que se passa no seio das Lojas Maçónicas leva à efabulação sobre o que por lá é tratado. E essa é quiçá uma das condicionantes a que todos os maçons estão sujeitos.

Normalmente quando a Maçonaria é falada nos círculos mais mundanos é quase sempre referente a teorias que pululam por aí, sobre os rituais possíveis de serem praticados ou pela eventual identificação dos membros de alguma Obediência. Mas quando algum maçom se mete a jeito, tanto pior... A mediatização que envolva um caso que envolva um maçom ou algum alegado maçom é amplamente exponenciada, mesmo que o indivíduo seja inocente ou não. A fome pela obtenção de informação sobre qualquer coisa que envolva ou toque a Maçonaria é sempre enorme.

Mas quando é tornado público situações que envolvem conflitos de egos, usurpações de poder, ambições desmedidas, projetos pessoais e afins, obviamente que a crítica é forte e incisiva, pois se a Maçonaria se assume como uma Ordem de carácter espiritual, como podem ter lugar tais comportamentos!?
Mas a verdade é que eles existem e temos de viver com eles, tentando solucioná-los da melhor forma possível e caso a caso. E estes "fantasmas" que vão aparecendo de tempos a tempos e que alimentam o descrédito que a população tem sobre a Maçonaria é sempre alvo de repúdio, inclusive interno no seio das várias Obediências. 

-Os problemas entre" egos e malhetes" acabam sempre por prejudicar o "esquadro e o compasso"...-

O que me remete em jeito de conclusão para a seguinte reflexão:
Farão estas individualidades tanta falta à Maçonaria que ela não subsista sem eles ou eles é que sentem que fazem falta à Maçonaria para que esta Instituição possa progredir?!"

29 fevereiro 2016

"Será a Maçonaria para ricos?!"

Esta questão que usei como título deste post reflete uma questão e afirmação que ouço amíude em alguns círculos profanos. Uns questionam na sua ignorância se a Maçonaria é para "ricos", outros afirmam de forma contudente que ela é feita para "ricos".

Posso afirmar que nem é uma coisa nem a outra!

Primeiro porque a Maçonaria é uma Ordem universal. Logo encontrando-se ela em qualquer parte do globo terrestre, seja nos países ditos de "primeira linha" como nos países classificados (injustamente!) como "terceiro-mundistas", a Maçonaria é o espelho da sociedade onde se encontra implantada. O que levará a que nos seus quadros de obreiros se encontrem gente de múltiplas origens, profissões ou de níveis académicos díspares. O que será sintomático da sua heterogeneidade e universalidade.

Mas apesar disso, é costume se afirmar que a Maçonaria é feita de uma elite de pessoas, mas "elite" essa que nada tem a haver com economia e finanças, mas apenas  uma elite moral e social de pessoas que procuram evoluir e crescer espiritualmente através de uma via iniciática e que também procuram promover o progresso da sociedade, e apenas isso.

Nas Lojas Maçónicas encontramos gente de todas as idades (maiores de idade), logo pessoas que ainda estudam ou já trabalham ou ambas as situações, e dada a diferença e multitude de profissões que se podem encontrar numa Loja, será natural que se encontre gente mais "abonada" que outras, mas nada que não exista também no mundo profano, o que é natural!

Mas como é possível encontrar este "tipo" de gente, naturalmente se poderia confundir a Maçonaria com um clube de cavalheiros ou apenas como uma associação benfeitora e nada mais, o que é totalmente errado e que subverte os princípios que consagram a Ordem Maçónica. Evidentemente que a Filantropia, a Caridade e a Solidariedade Social existem, mas são apenas uma consequência da elevada moral que os maçons possam ter e nada mais. Para exercer essas qualidades em exclusivo existem outro tipo de associações com essas preocupações prementes, sejam os Rotários, os Lions ou outras similares.

Todavia e como este texto versa sobre "metais" (vulgo, dinheiro), posso reafirmar que apesar da Maçonaria não ser exclusiva de gente rica, ela não é uma Ordem barata, ou seja, existem sempre custos associados para quem faça parte dela.

Existem os custos com a adesão na Ordem, as quotas mensais, as "subidas de grau", os materiais e demais parafernália maçónica, isto é,  os aventais, luvas, colares, livros e outros acessórios e adereços que um maçom necessite para o seu dia-a-dia na Loja da qual que fará parte integrante. E aqui sim, é que se pode dizer profanamente "que a porca torce o rabo", porque regra geral, não são baratos tais materiais.
Mas também não serão mais caros do que outros relacionados com outras Ordens similares, ou associações civis ou clubes desportivos. - Nada na vida é borla! -

E aqui retorno à questão original, " Será a Maçonaria para ricos?!", claramente que não o é!

Mas não deixa de dar jeito ter algum dinheiro no bolso, nem que seja para auxiliar quem dele necessitar...

22 fevereiro 2016

O trabalho fora de Loja



Em Maçonaria, é essencial o trabalho realizado em Loja: a execução do ritual de abertura, através do qual todos os presentes se concentram no espaço, tempo, lugar e trabalho que vão efetuar, desligando-se das vicissitudes do mundo exterior (o mundo profano), o despachar de toda a parte burocrática e administrativa inerente ao funcionamento da Loja, a participação na ordem do dia e o ritual de encerramento, pelo qual os presentes se preparam para a saída do espaço, tempo, lugar e trabalho comuns e conjuntos e para o regresso ao mundo exterior (o mundo profano).

Mas mal andará qualquer Loja em que apenas se dê atenção ao trabalho em sessão! Este não é possível, ou, pelo menos, não é profícuo, nem sustentável, sem o trabalho que, desejavelmente, todos os maçons efetuam, em si e perante os que os rodeiam, no mundo e tempo profanos e particularmente sem o trabalho, o esforço e a dedicação dos Oficiais da Loja entre as sessões desta.

Para que os trabalhos de uma Loja decorram de forma harmoniosa e profícua, muito tem de ser preparado, estudado, trabalhado e concretizado fora de Loja. Desde as obrigações legais que a Loja tem de assegurar, ao enquadramento burocrático, passando pela aquisição, conservação e guarda dos bens e materiais da Loja, não esquecendo a execução do que se deliberou em sessão e a preparação dos assuntos a serem postos à discussão e deliberação nas sessões subsequentes, atendendo à deteção, prevenção e resolução de problemas, diferentes entendimentos ou divergentes interpretações e conflitos, reais ou potenciais, tudo tem de ser assegurado e trabalhado pelos Oficiais do Quadro da Loja entre as sessões desta. 

Sem esse trabalho de triagem e preparação, tudo viria a recair na Loja, transformando as sessões desta numa sucessão de resolução de problemas, sem dar tempo, espaço e lugar ao mais importante: a criação, fortalecimento e manutenção da Cadeia de União entre os obreiros da Loja, pela qual e com a qual cada um recolhe do grupo a energia, o incentivo, a experiência, os conselhos, a solidariedade e a cooperação que lhe são úteis para o seu próprio trabalho de aperfeiçoamento e, por sua vez, dá ao grupo e a cada um dos seus integrantes a sua contribuição.  

É por isso que a eleição ou designação para Oficial do Quadro de uma Loja maçónica deve ser por todos encarada antes do mais como um encargo e só depois como uma honra ou o reconhecimento de qualidades ou esforço do eleito ou designado. O Oficial de uma Loja maçónica não é um "graduado" que exerce autoridade sobre elementos de patente inferior, os soldados ou praças. O Oficial de uma Loja maçónica é assim designado porque lhe é confiado o exercício de um ofício, de uma tarefa. O Oficial do Quadro da Loja serve esta e os seus obreiros, através do cumprimento das obrigações do seu ofício.

Todos os maçons com um mínimo de assiduidade às sessões da sua Loja sabem quais são os deveres dos Oficiais durante as respetivas sessões - porque participam nelas e assistem ao respetivo exercício ou efetuam o exercício de um ofício. Mas o conhecimento das tarefas que os vários Oficiais do Quadro de uma Loja maçónica devem assegurar no intervalo das sessões não é tão evidente assim. No entanto, essas tarefas fora de sessão são indispensáveis para a administração da Loja, a preparação e decurso das sessões desta, o cumprimento dos objetivos de todos.

É, por isso indispensável que cada um, quando chegar a sua vez de assumir funções de Oficial do Quadro da sua Loja, tenha bem presente que as suas obrigações no exercício do seu ofício vão muito para além do desempenho ritual em Loja, pesam muitíssimo mais do que o o colar de função que cada Oficial coloca no início de cada sessão da Loja.

Basta que um ofício seja mal ou incompletamente exercido, fora de Loja, para que o equilíbrio de todo o Quadro de Oficiais seja afetado, para que a sessão da Loja seja menos produtiva ou menos agradável do que poderia e deveria ser. O desempenho do ofício fora de Loja é tão ou mais importante do que é executado em sessão. Este é só mais visível...

Rui Bandeira

15 fevereiro 2016

"Dilemas...maçónicos"


Ao longo da vida de um maçom, ele irá ser confrontado com vários tipos de dilemas e situações em que terá de refletir sobre as decisões a tomar e a responsabilizar-se pelo que decidir e optar.

Neste texto em concreto, irei abordar apenas alguns dos potenciais "dilemas" que serão possíveis de aparecerem ao longo do percurso de uma "vida maçónica".

Naturalmente que não irei responder a nenhuma das questões ou dilemas que irei apresentar porque a ideia é levar à reflexão sobre as mesmas e as ditas respostas apenas poderão ser dadas e concretizadas por quem por estes dilemas passar. E portanto, tal poderá diferenciar de pessoa para pessoa como de situação para situação.
E como tal ação "reflexão/execução" é do foro privado de cada um, considero apenas que tal deve ser feito da melhor forma que considerem que lhes serve e com a qual se sintam melhor, por forma a não se prejudicarem nem a prejudicar terceiros.

Deste modo passarei a citar potenciais dilemas que existem ou poderão vir a surgir durante a caminhada maçónica a que se proporá um maçom a fazer:

* Encontrando-se um maçom há tempo considerado suficiente para progredir (subir de Grau) e tal ainda não ter sucedido, por questões que lhe sejam alheias...

* Pertencer ao quadro de obreiros de uma Respeitável Loja e já não se identificar com a generalidade dos seus membros...

* Estar numa Obediência, mas sentir que deve prosseguir o seu caminho noutra que não a original...

* Auxiliar na fundação de uma nova Respeitável Loja e consequentemente não ter a certeza em qual ficar a pertencer em "exclusividade"...

* Se sentir desapoiado ou desintegrado da Respeitável Loja que o acolheu, mas pretender continuar a seguir uma vida na Maçonaria...

* Ter atingido o grau de Mestre e não saber decidir se deve optar pela continuação dos seus "estudos maçónicos" nos designados "Altos Graus" ou "Graus Filosóficos"...

* Ter entrado numa Ordem Maçónica e ter afinal chegado à conclusão que não se identifica com a sua substância, mas que se sente integrado e gosta de conviver com os seus "Irmãos"...

Estas questões que acima apresentei são, por certo, dilemas que um maçom poderá vir-se a debater, seja na sua totalidade ou em parte. E saber o que fazer é que será o busílis da questão.

Não será fácil decidir sobre tal, mas também não poderá tal ser feito de uma forma intempestiva dadas as consequências que por norma advêm de tais decisões.
Estas decisões ou escolhas deverão ser feitas após uma reflexão extensiva e ponderada, por forma a que nada nem ninguém saia beliscado com a decisão final a ser tomada.

-Não existe ação sem reação, já o afirmava Newton...-

 E gerir este tipo de situações, enquadrá-las como deverão ser feitas, sem melindres ou condicionantes, será difícil o fazer, apesar de não ser impossível tal. Respeito e Amor Fraterno serão essenciais para levar a bom porto qualquer decisão que venha a ser tomada e executada!

O melhor conselho que posso dar a quem passa ou puder vir a passar por alguma das situações que abordei é que um processo refletivo aprofundado e debatido com quem nos tiver mais próximo e também que nos possa elucidar sobre o tema é sempre bem-vindo, pois trará alguma "luz" à situação. 
Mas, importa ter em atenção que a decisão a ser tomada deve impreterivelmente ser confortável para quem a toma. Uma vez que é fundamental  que quem decide deve estar de bem consigo e com o seu "espelho", e não obstante, se sentir integrado e apoiado na decisão que vier a tomar, seja ela qual for. 
Isto é deveras importante, pois é normal sempre surgirem opiniões adversas que colidam com o interesse de quem tem de decidir o que fazer e/ou o caminho a tomar. Pois a vida é feita de ações/atitudes, tanto que as palavras são usualmente levadas pelo vento.

É preciso sentir, refletir e por fim, decidir. 

Se bem, se mal, apenas o tempo o poderá demonstrar, mas queira o Grande Arquiteto do Universo iluminar com a sua sapiência quem passa por estas situações, pois de facto não são fáceis por quem por elas passa ou tem de passar. O apoio dos seus Irmãos será crucial nesse processo refletivo e consequente ação.

Mais que tudo, o importante é se estar confortável (como já afirmei) com a decisão e que nos sintamos bem no local onde estivermos ou no sítio onde viermos a estar a pertencer. Nada será mais relevante que isso.

Por isso meus queridos e estimados Irmãos, se passarem por alguma destas situações que abordei, pensem, repensem, clarifiquem e somente depois façam!
O resto virá por si…


08 fevereiro 2016

Contradição fundamental


A Maçonaria regular só admite no seu seio crentes. Deixa, porém, ao critério de cada um a crença concreta que cada um professa, nada lhe importando a forma como cada um vive a sua crença. as obrigações que respeita (ou infringe...), a forma como se organiza (ou não) a estrutura que porventura enquadre a prática da religião professada, nem sequer a designação que cada um atribui à divindade que concebe e em que crê. Por isso, adotou uma forma de se referir à Divindade por cada um venerada, que é independente da designação utilizada em qualquer religião e que pretende seja reconhecida por cada crente como referindo-se à Divindade da crença que professa: Grande Arquiteto do Universo.

Assim, para a Maçonaria, um maçom pode perfeitamente, sem problemas ou reservas, ser católico, batista, anabatista, mórmon, pentecostal, evangélico, luterano, calvinista, testemunha de Jeová, muçulmano, judeu, hindu, ou o que quer que seja. A sua crença é do seu foro íntimo e é com ela que se junta aos demais maçons para que, em auxílio mútuo, cada um se aperfeiçoe pessoal, ética, moral e espiritualmente.

No sentido inverso, no entanto, as coisas não se processam de forma tão simples e clara. 

No âmbito da religião católica, é conhecido que repetidas vezes vários Papas emitiram documentos de condenação da Maçonaria, tendo mesmo, durante largo tempo, o Código de Direito Canónico punido com a excomunhão o católico que a ela aderisse. Hoje, não é já assim, mas o último documento proveniente da Cúria Romana continua a não ser particularmente simpático para a Maçonaria: 

Permanece portanto imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçónicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e por isso permanece proibida a inscrição nelas.  Os fiéis que pertencem às associações maçónicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão.

(excerto da Declaração sobre a Maçonaria de 26 de novembro de 1983 do então Prefeito da Congregação Para a Doutrina da Fé, Cardeal Ratzinger).

No âmbito da religião islâmica, também se conhecem posições de responsáveis nada lisonjeiras para a Maçonaria:

Dado que a Maçonaria se envolve em atividades perigosas e é um grande perigo, com objetivos perversos, o Sínodo Jurisdicional determina que a Maçonaria é uma organização perigosa e destrutiva. Todo o muçulmano, que se filiar nela, conhecendo a verdade dos seus objetivos, é um infiel ao Islão.

(excerto final do parecer de 15 de julho de 1978 do Colégio Islâmico Jurisdicional).

No campo das crenças cristãs resultantes da Reforma, também não é difícil encontrar posições contrárias à maçonaria:

A COMISSÃO FAZ A SEGUINTE PROPOSTA:
1) - QUE SEJA REAFIRMADA A POSIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO CONTRÁRIA A MAÇONARIA E OUTRAS SOCIEDADES SECRETAS;
(...)
4) - QUE A AIBRB FAÇA UM APELO COM BASE NO AMOR CRISTÃO, AOS CRENTES FILIADOS À MAÇONARIA, PARA QUE, POR AMOR A CRISTO E AO TRABALHO DE DEUS QUE NOS FOI CONFIADO, AFASTEM-SE DE TAL SOCIEDADE.

(excertos de proposta aprovada na 12.ª Assembleia da Associação das Igrejas Batistas Regulares do Brasil).

Não é de estranhar que existam posições antimaçónicas em vários setores ou hierarquias - normalmente os mais integristas, ortodoxos ou fundamentalistas - de várias confissões religiosas, se tivermos em atenção a contradição fundamental entre a Maçonaria e as religiões.

Cada religião, e particularmente nas religiões monoteístas, considera que o seu caminho, a sua doutrina, a observância dos seus preceitos é que conduz à Salvação. Portanto todos os que se posicionam no exterior do seu caminho, da sua doutrina, dos seus preceitos, estão destinados à Perdição.  

Já para a Maçonaria, a questão não se põe nestes termos. Cada um é livre de seguir o seu caminho, de professar a sua religião, de seguir os preceitos dela e todos são considerados iguais e aptos para serem bons e se tornarem melhores. A Maçonaria (o maçom) não concebe que o mesmo Criador, chame-se-Lhe Deus, Allah, Jeovah, Krishna, Manitu, ou o que se Lhe chamar, conceba, admita, queira, que os que O veneram por um nome sejam salvos e os que O conhecem por outro se percam, que os que seguem preceitos de uma Tradição religiosa recebam eterna recompensa e os que tiveram a desdita de nascer e viver num ambiente com diversa Tradição religiosa eternamente sejam punidos. 

Para a Maçonaria, o que importa é o comportamento, a postura ética, o reconhecimento do Transcendente e do Divino, não o cumprimento específico de normas, de práticas, de posturas, quantas vezes decorrentes de diversos ambientes, de diferentes culturas, de separações feitas pelos homens daquilo que o Criador fez igual.

Para a Maçonaria não há caminhos certos nem errados. O caminho de cada um é o certo para ele, se estiver de boa-fé e for perseverante nos seus propósitos.

A contradição fundamental entre a Maçonaria e as diferentes hierarquias religiosas está na Tolerância, que é inerente à Maçonaria e que os integristas, os ortodoxos e os fundamentalistas não aceitam. Tão simples como isto!

Rui Bandeira

01 fevereiro 2016

O maçon, a vida e a morte (republicação)

Hoje republico um texto do Rui Bandeira que para mim é uma reflexão a ter em conta dada a profundidade da mesma bem como da simplicidade pela forma de como foi escrita e no qual ele aborda conceitos tão importantes como a Vida e a Morte.
Pouco poderia acrescentar, e em nada iria melhorar, o que foi por ele escrito e refletido e, muito bem, partilhado connosco.
Assim deixo-Vos transcrito o texto que foi publicado originalmente aqui.

"O maçon, a vida e a morte

Só pode ser admitido maçom regular quem seja crente num Criador, qualquer que seja a sua conceção Dele, e creia na vida para além desta vida. Só assim faz sentido o processo iniciático maçónico, só assim é profícuo o labor de análise, interpretação e aprofundamento da simbologia maçónica, alguma dela diretamente baseada em elementos extraídos de textos de natureza religiosa.


No seu processo de construção de si mesmo segundo o método maçónico, o estudo, a meditação, a associação livre, a descoberta de significados dos significantes que são, afinal, os símbolos, o maçom, se bem fizer o seu trabalho, inevitavelmente que nalgum momento se confrontará com a busca do significado da Vida, do seu lugar no Mundo e na Vida, com a Vida ela mesma e com a morte do seu corpo físico.

Se bem faz o seu trabalho, o confronto com a morte física, à luz da sua crença na vida para além da vida e dos elementos colhidos nos seus estudos simbólicos, algo de muito positivo lhe traz: a perda do medo da morte! Pausada, calma e profundamente analisada a questão, quase que intuitiva é a conclusão de que a morte é simplesmente parte da vida, do percurso que efetua a centelha primordial que nos anima e que é o melhor de nós, que é, afinal o essencial de nós, a Vida em nós, que permanece para além da deterioração, desativação e destruição do invólucro meramente físico a que chamamos corpo. Porventura adquirirá mesmo a noção de que essa morte física é indispensável ao processo vital, à essência da vida, que é feita de energia e transformação e mudança.

A perda do medo da morte é uma imensa benesse conferida àquele que dela beneficia, por isso que o liberta para apreciar plenamente a Vida, vivê-la em pleno, colocando nos seus justos limites tudo o que de bom e tudo o que de mau se lhe depara.

A perda do medo da morte propicia enfim a Sabedoria para apreciar a Vida da melhor forma que se tem para tal: vivendo-a, sem constrangimentos, sem medos, sem dúvidas, sem interrogações sobre quanto durará o bem de que se desfruta, quanto se terá de suportar até superar o mal que se atravessa. É a perda do medo da morte que nos ilumina para o essencial significado da Vida: ela existe para ser vivida, para ser utilizada e modificada (na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma, disse-o, há muito, Lavoisier...), força perene essencial que existe e prossegue existindo através da sua contínua transformação.

A perda do medo da morte assegura-nos a Força para continuamente persistirmos na nossa melhoria, na nossa purificação, não porque interesse ao nosso corpo físico, mas porque disso beneficia a nossa centelha vital, que melhor evoluirá quanto mais beneficiar do que aprendemos, do que acrescentarmos eticamente a nós próprios e portanto a ela. A nossa melhoria, o nosso aperfeiçoamento ético liberta a nossa consciência para alturas que as grilhetas do egoísmo, da materialidade, dos vícios e paixões impedem que atinja. É a nossa Força nesse combate que constitui o cais de partida da nossa identidade para a viagem possibilitada pela purificação da nossa essência, que terá lugar após a libertação do peso do nosso corpo físico (será isto o Paraíso, a Salvação?). Pelo contrário, a insuficiente libertação da nossa essência do peso do vício e das paixões, do Mal enfim, inibirá essa nossa essência de subir tão alto e ir tão longe como poderia ir se liberta, quiçá limitando o valor futuro da nossa vida que permanece, quiçá impondo a continuação de esforços de purificação e transformação (será isso o Inferno, a Perdição?)

A perda do medo da Morte permite-nos enfim desfrutar plenamente da Beleza da Vida - sem constrangimentos, sem temores, sem interrogações. Como diz a canção, o amor poderá não ser eterno, mas que seja imenso enquanto dure. Apreciar a Beleza da Vida sem temer ou lamentar a mudança, que algum dia inevitavelmente ocorrerá, permite a suprema satisfação de sentir realmente toda a beleza que existe na Beleza, toda a vida que há na Vida. Verdadeiramente. Um segundo que seja que se consiga ter deste clímax vale por toda uma vida...

Encarar a morte à luz da Vida e, portanto, deixar de a temer, liberta o nosso Ser para além dos constrangimentos da materialidade, reduz o Ter à sua real insignificância, dá-nos finalmente condições para, se tivermos atenção no momento preciso e irrepetível que antecipadamente desconhecemos quando surgirá, podermos entrever a Luz - a Luz da compreensão do significado da Vida e da Criação, da sua existência e da direção e objetivo do seu Caminho. Poucos, muito poucos, ainda que tendo trabalhado bem, ainda que persistentemente tendo polido sua Pedra, têm a atenção focada na direção certa quando esse inefável e intemporal momento passa. Esses são os afortunados que de tudo se despojaram e afinal tudo ganham ainda neste plano da existência. Esses passam verdadeiramente pelo buraco da agulha, porque o peso das suas paixões é inferior ao de uma pena e nada os distraiu. Esses aproveitam a Vida tão plenamente que o comum de nós nem sequer suspeita da possibilidade de existência desse aproveitamento. Esses, sim, são templos vivos onde se acolhe o mais essencial do essencial: tão só e simplesmente, a essência da Vida (será isto afinal o elo ao divino?).

O maçom que faz bem o seu trabalho perde o medo da morte e pode viver plenamente a Vida. Mais não lhe é exigível. O resto que porventura venha, se vier, vem por acréscimo...         

Rui Bandeira "

25 janeiro 2016

Penso, logo...


É do conhecimento comum a frase de Descartes

Cogito ergo sum

Também é comum que esta frase apareça traduzida para português como

Penso, logo existo

Porém, como diz um também muito citado provérbio italiano, "traduttore, traditore"... Traduzir sum por existo é gramaticalmente correto, mas não é a única opção. Talvez mesmo não seja a melhor. Com efeito, uma pedra não pensa, mas existe. Indubitavelmente que existe. Podemos vê-la, pegar-lhe, arremessá-la, trabalhá-la ou simplesmente ignorá-la. Mas existe - não pensando. Logo, existir não é consequência de pensar.

No meu entendimento, a melhor tradução para português da célebre frase é a mais simples e direta:

Penso, logo sou

Com esta tradução, o significado da frase enriquece-se em vários sentidos. Se, ao contrário de existir, ser é uma consequência de pensar, então ser é bem mais do que meramente existir. Logo, eu, que penso, não me limito a existir (como qualquer pedra...), mas realmente sou. Por outro lado, se sou na medida em que penso, quanto mais penso, mais sou. e quanto melhor penso, melhor sou.

(A contrario sensu, aquelas cabecinhas loucas que não pensam, ou melhor, mal pensam e pensam mal e pouco, naturalmente  podem ser pouco, apesar de - como a pedra... - indubitavelmente existirem...).

Ser é bem mais do que meramente existir. Uma pedra existe. Um animal existe. Mas só o ser dotado de pensamento racional realmente é. Logo, se sou porque penso, também sou o que penso. O que eu sou não é o que mostro, o que faço, o que digo. Tudo isso integra apenas a imagem que os demais têm de mim. Realmente, o que sou é o que penso, não o que mostro, ou digo, ou faço.

Sendo assim, se o que mostro, digo e faço é diferente do que penso, ou sou dissimulado, ou sou mentiroso, ou sou hipócrita, ou sou tudo isso junto. Hipócrita, se finjo ser diferente do que sou. Mentiroso se digo, faço ou mostro algo diverso ao que realmente sou (penso). Dissimulado se não mostro, faço e digo tudo o que penso. Enfim, ninguém é perfeito...

A hipocrisia é sempre um mal, algo de errado. O hipócrita tem o propósito de enganar os demais, de mostrar uma imagem propositadamente diferente do que realmente é (pensa).

A mentira é normalmente um mal, mas pode pontualmente ser bem-intencionada (a mentira piedosa...) e, afinal, um bem. Pode mentir-se de forma bem-intencionada e com isso atingir-se um bem, que não se atingiria com a verdade, ou mesmo a verdade causar um mal que é evitado com a bem-intencionada mentira.

Já a dissimulação tem uma medida que é inevitável - medida em que é socialmente aceite -, que se pode designar por reserva. A vida em sociedade implica uma certa reserva, um setor de nós que é só nosso, que não expomos aos demais. É até socialmente imprescindível que esse setor de reserva individual exista, porque condição de salvaguarda do relacionamento saudável entre indivíduos. 

Portanto, sou o que penso, e devo mostrar, fazer e dizer o que sou, exceto na restrita matéria da reserva da minha privacidade que é socialmente aceite (até mesmo imprescindível) que eu guarde.

A reserva de privacidade é uma defesa, mas também é um ónus, um fardo. Aquilo que guardo para mim pesa-me a mim e, não podendo partilhá-lo, também não posso partilhar o  fardo. 

É por isso que, sendo socialmente aceite (e necessário) que eu mantenha um certo nível de reserva em relação ao que penso, ao que sou, também é natural e socialmente pacífico que o nível de reserva que eu mantenho seja diferenciado. Assim, é normal que eu mostre menos de mim aos estranhos do que aos meus conhecidos, menos aos meus conhecidos do que aos meus amigos, menos aos meus amigos do que aos meus familiares próximos e finalmente que mesmo estes não tenham acesso à totalidade de mim, 

A extensão variável da reserva sobre mim é por mim determinada, em função do nível de intimidade e, assim, de confiança do laço que me une a alguém. 

(É por isso que a traição à confiança depositada por parte dos mais próximos é bem mais dolorosa - e quiçá acarreta mais graves consequências - do que idêntica ação levada a cabo por quem nos é mais distante).

Em resumo: sou o que penso, não o que mostro, faço ou digo. Mas devo mostrar, fazer e dizer em consonância com o que penso em tudo o que não contenda com a reserva sobre mim que é socialmente aceite (e útil) que guarde. E essa reserva é tanto menor quanto mais próximos de mim estiverem aqueles a quem mostro, digo ou faço.

Rui Bandeira  

18 janeiro 2016

Almoço-Convívio de Solstício de Inverno 6015...

Teve lugar durante este fim-de-semana o habitual almoço/convívio de obreiros do quadro da Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues e seus familiares referente ao Solstício de Inverno, numa localidade a oriente de Palmela.

Num dia frio de inverno, mas bastante ensolarado (a Luz "fazia-se notar" e bem!) sentiu-se o calor humano que desponta e emana das relações fraternais e de amizade que se existe entre os convivas.

Maçonaria também é isto, confraternizar, consolidar relacionamentos e afetos.

Quem participou neste ágape fraternal e familiar saiu dele, talvez, mais "rico", mais "experiente" e quiçá mais "sabedor", só os participantes o saberão. Mas é certo e sabido que certamente saíram de lá contentes e satisfeitos tal a harmonia e a felicidade que pairava no ar, mas principalmente pela amizade que se fazia questão em sentir.
Caras que não se viam há algum tempo e abraços que já não se davam por os seus intervenientes não se cruzarem por diversos motivos, foram possíveis serem finalmente trocados, conversas adiadas foram efetuadas, a saudade de uns e a presença de outros foi amplamente reforçada neste encontro.

Enfim, apenas posso afirmar, em jeito de conclusão, que tudo decorreu de forma justa e perfeita e que melhor este evento não poderia ter sido, ficando aqui expresso o meu agradecimento aos manos encarregados pela organização do evento. 
Só posso questionar: Para quando outro?!

Os maçons e os filhos (atualização)


Como recordou o Nuno, corria o "longínquo" ano de 2007 quando o profano Simple, já na altura candidato à admissão na Loja Mestre Affonso Domingues, teve esta dúvida de como e quando revelar às suas filhas a sua condição de maçom. Ao longo desses anos, as filhas foram crescendo, e estando presentes em alguns almoços com uma data de "tios" que só viam de vez em quando.

Como bem disse o Rui Bandeira, preocupavam-se mais com a presença dos "primos" de idades parecidas com as delas - se bem que, ao longo do tempo, tivessem conhecido melhor um ou outro "tio", e mesmo manifestado saudades de o rever.

Foram-se também apercebendo de que em certas quartas-feiras o pai saía antes da hora do jantar, e quando voltava já tudo dormia. E faziam perguntas: "Onde é que vai a esta hora? A algum sítio chique?" - pois ia de fato... que entretanto já não usava diariamente. Lá lhes respondia que ia trabalhar, doutras vezes que tinha uma reunião - as perguntas tinham respostas preparadas havia anos.

A mais velha quis, a certa altura, saber mais, e vendo que estava preparada para perceber alguma coisa, lá expliquei - teria ela uns 11 ou 12 anos - que o Iluminismo (que ela estava a estudar na escola) ainda tinha seguidores, e que havia uma antiga organização de pessoas que perpetuavam ainda hoje os seus princípios.

Contei-lhe dos construtores de catedrais e dos "engenheiros" da altura. Contei-lhe das guerras religiosas. Contei-lhe que uns quantos acharam que podiam fazer a diferença e promover uma sociedade mais fraterna e mais tolerante. E que o pai pertencia a essa organização, e como se chamava. Ficou fascinada, foi procurar mais coisas à Internet, e fizemos disso um nosso pequeno segredo.

Ao longo do tempo fui-lhes explicando - a ambas - porque ajo desta ou daquela forma, e como é que isso encaixa nestes ou naqueles princípios. A mais velha "encaixa", claramente, o que ouve nos princípios que ouviu antes. A mais nova apreende, mas ainda não sabe o contexto todo. Coisas de ser a mais nova!!!

Então deixei-a crescer até que atingisse a maturidade necessária. Há tempos, estava eu a sair, e lá perguntou: "Reunião do quê?" "Reunião de uma associação de que o pai faz parte", respondi. "Um destes dias explico-te o que é." A mais velha piscou-me o olho, e assim ficámos. Um dia destes - ou talvez antes num destes serões de inverno, ao fim de semana - vou sentar-me com a mais nova. Tenho uma história de coisas antigas para lhe contar...

Paulo M.

11 janeiro 2016

Os maçons e os filhos (republicação)

O texto que é republicado hoje é datado do "longínquo"  ano de 2007 e foi escrito pelo Rui Bandeira e teve como principal motivador uma questão colocada por um leitor de blogue e que pode ser consultado no seu original aqui.

Este texto é de alguma forma relevante porque aborda um assunto pelo qual todos os maçons passam, a sua relação com os seus filhos e com a sua própria condição maçónica.
Esta é sem dúvida algo com que muitos se debatem internamente e que também se aconselham com os seus irmãos que vivem a mesma situação. Naturalmente que cada um vive a sua vida à sua maneira, mas neste ponto, quase todos o sentem mais ou menos da mesma forma.

Como e quando se deve informar um filho ou familiar sobre a vida maçónica de alguém?

O Rui emite a sua opinião, com a qual eu concordo também, e que abaixo transcrevo:

"O simple colocou a questão que se segue: 


Contaram-me o caso de um maçom que toda a vida ocultou a sua condição à família, e de quem só durante o velório os filhos e os netos souberam, por uns senhores que nunca tinham visto mas que mostraram conhecer muito bem o falecido, que o pai de uns e avô de outros fora maçom a vida toda...
A minha questão - que não é, certamente, nem nova nem original - é esta: como consegue um maçom manter oculta dos profanos a sua condição, e ao mesmo tempo envolver a família nesses eventos, se tiver filhos ainda pequenos - e naturalmente pouco sensibilizados para a discrição? Recorre-se à grande Instituição que são as baby-sitters?!

A partir de que idade é comum revelar-se à respectiva prole a condição de maçon - especialmente quando se preveja um anátema por parte da família alargada caso tal fosse conhecido?
Ah, e não vale responder "cada pai sabe dos seus"... até aí já eu discorri. :)

Nos termos e condições que o simple coloca, a questão é irrespondível, precisamente porque a única resposta correta é a que ele não quer que lhe seja dada: "cada pai sabe dos seus"...

Mas o desafio foi feito e, mal ou bem, merece resposta. Como todos os problemas de difícil resolução, a melhor abordagem é a sua divisão em pequenas questões, de resposta mais acessível. No final, teremos a resposta possível.

O ponto de partida é o caso - hipotético, lendário ou real - de um maçom que escondeu de sua família chegada essa condição, a ponto de seus filhos e netos só no seu velório virem a ter conhecimento dessa faceta do seu parente, através, retira-se do texto, de maçons que ao velório compareceram.

A situação de partida, nos termos em que está colocada, se bem que não impossível, afigura-se-me de difícil verificação, a não ser que se refira a um indivíduo com um núcleo familiar atípico e com um relacionamento atípico com esse núcleo familiar. Só por notável ausência de intimidade ou por presença de inesperada distância entre ascendente e descendentes se pode entender o absoluto desconhecimento, ao ponto da surpresa, de que o ascendente "fora maçom a vida toda". Porque ser maçom é ter e viver e transmitir princípios. Se um maçom não vive segundo os princípios inerentes à condição de maçom, só de nome poderá sê-lo - mas seguramente não será "maçom a vida toda", pela simples razão de que nem a vida como maçom viveu! Se um maçom não educa os seus filhos nesses princípios, ou é mau maçom ou péssimo educador! Se os filhos de um maçom não são capazes de reconhecer no comportamento de seu pai a aplicação dos princípios de um maçom, ou estavam muito distantes do seu progenitor ao ponto de não o conhecerem verdadeiramente, ou não foram educados por um verdadeiro maçom. Este deve distinguir-se perante os que o rodeiam pelo seu comportamento. E, mesmo que não diga que é maçom, se e quando os que o rodeiam vierem a saber que o é ou o foi, mau será se esse conhecimento não vier a confirmar o juízo que fazem da pessoa - seria sinal de que não fora digno de usar o avental que um dia lhe foi imposto...

A situação descrita, a não ser assim, só podia ocorrer num quadro de - para mim - impensável distância entre um homem e sua família mais chegada. Teria implicado a vivência em dois mundos estanques e absolutamente sem pontos de contacto. Isso não é vida real, é argumento de filme da guerra fria... Aliás, pelo menos um ponto de contacto entre esses dois mundos, um dos quais ignorava o outro, necessariamente tinha que haver: um amigo ou conhecido da família (a quem esta informou do óbito...) teria de ser maçom não menos discreto que o falecido, pois só assim poderia dar conhecimento aos maçons que compareceram no velório do passamento do Irmão...

E, das duas, uma: ou esse amigo ou conhecido levou a sua discrição ao ponto de não comparecer ao velório ou de aí comparecer separado dos maçons que se identificaram como tal, anónimo e secreto, ou, ao fim de tantos anos quebrou abrupta e incompreensivelmente a sua discrição...

Tal como a questão foi contada ao simple, parece-me, pois, mais um mito urbano, no caso, o mito do secretismo absoluto da Maçonaria, que só os anti-maçons alimentam. Contra este mito, em ambiente democrático, no século XXI, devemos combater, mostrando que discrição não é secretismo, esclarecendo e divulgando os nossos princípios.

Com este ponto de partida, pergunta simple como consegue um maçom manter oculta dos profanos a sua condição, e ao mesmo tempo envolver a família nesses eventos. Estando assente que "profano" é todo aquele que não é maçom e que, portanto, a família do maçom necessariamente que inclui profanos, a resposta a esta questão é simples: NÃO CONSEGUE. Ou mantém oculta da sua família a sua condição de maçom, ou não envolve a família nos eventos da Maçonaria... Ser e não ser não pode ser, já na Antiguidade dizia Sócrates, o filósofo...

Comer o bolo e continuar com o bolo não é possível, digo na atualidade eu, despretensioso escrevinhador... Com filhos pequenos ou grandes, discretos ou indiscretos, a dualidade secretismo/envolvimento simplesmente não é possível e, portanto, não é um problema.

Pergunta ainda o simple a partir de que idade é comum revelar-se à respectiva prole a condição de maçom. A resposta depende, a meu ver, mais do pai do que dos filhos... Depende essencialmente de como o pai vive a sua condição de maçom, do seu grau de envolvimento com a Ordem, do seu relacionamento mais próximo ou mais distante com a sua prole, da sua forma de educar, do seu conceito de transmissão dos seus valores - e também das circunstâncias e das oportunidades.

Eu diria que, mais do que cada um sabe dos seus, a resposta correcta é cada um sabe de si... Porque a resposta a essa questão só pode ser dada a cada um por si mesmo, o melhor que posso fazer é contar como é que eu fiz. Sempre eduquei as minhas filhas segundo dois princípios: os valores passam-se primeiro pelo exemplo e só depois pela palavra; as informações devem ser dadas quando quem as recebe está preparado para as receber.

Assim sendo, sempre me comportei como eu próprio, com os meus valores, os meus amigos, os meus Irmãos. A minha filha mais nova nasceu já eu era Mestre Maçom. Desde o berço que conhece os meus Irmãos, e de entre estes, que lida mais assiduamente com aqueles com quem estabeleci mais apertados laços da amizade, que me acompanha nas viagens que a Loja organiza para serem efetuadas pelos maçons e suas famílias, que me acompanha aos jantares brancos. Em toda a sua vida viu, com naturalidade, que havia dias em que o seu pai não estava em casa, porque "ia à reunião". E, durante vários anos, a bebé cresceu, a menininha medrou, sem se preocupar em catalogar os amigos do pai, sem estranhar almoços e jantares em grupo, mais interessada em saber que outras crianças estariam presentes.

Muitas vezes me viu sair e me perguntou "vais à reunião?" e eu confirmei que sim, sem que houvesse a necessidade de acrescentar que reunião era aquela onde eu ia. Um dia, finalmente, perguntou de que era a reunião a que eu ia. E eu respondi que era da Loja. E, não muito tempo depois, tendo percebido que a Loja de que eu falava, não era uma loja de se ir comprar coisas, um belo dia lá me perguntou de que era essa Loja. E eu respondi que era da Maçonaria. E passaram mais uns tempos até que perguntou o que é que se fazia na Maçonaria - e eu respondi e esclareci...

No fundo, educar é transmitir aos nossos filhos os nossos Valores. e isso não se faz escondendo esses valores deles, ou dando a noção de que esses Valores são para ser vividos clandestinamente. Pelo menos, quando se vive em Liberdade! Mas também temos que ter a noção de quando é que a criança está preparada para receber e processar uma determinada informação. Não faz sentido dar uma conferência sobre "Simbolismo, Esoterismo, Moralidade e Axiologia da Visão Imanente ao Entendimento do Universo, Criação, Criador e Criaturas na Maçonaria Contemporânea" a uma criança (nem sequer a certos adultos, diga-se de passagem)... Convém antes responder ao que é perguntado, certificando-nos do que é efetivamente perguntado, não vendo nós complexos problemas em questões, por vezes muito simples e básicas, que são o objeto, naquele momento, do interesse da criança.

Rui Bandeira"