26 outubro 2011

Maçonaria e Poder (XV)

Estandarte da GLLP/GLRP

Se a GLLP/GLRP não intervém politicamente, então não deve ter no seu seio políticos. Se os tem, não deveria ter - ou então pratica de facto aquilo que nega de palavra. Esta é uma objeção que já ouvi. E que é aplicável aos políticos, como aos magistrados, como aos gestores públicos, por exemplo.

Não tem razão de ser esta objeção. Mas não basta afirmá-lo, há que mostrar porquê.

Elenquemos alguns factos, formulemos algumas hipóteses (não propriamente impossíveis, mas de efetivação muito improvável, refira-se já, para que não haja dúvidas ou suspeitas infundadas) e coloquemos algumas questões.

O JPSetúbal é um empresário com muitos anos de experiência e lançou e manteve vários negócios e empresas. Ainda hoje, semirreformado, gere uma pequena empresa com relevância e repercussão pública no concelho onde reside. Suponhamos que decidia candidatar-se à autarquia onde reside e onde é conhecido e era eleito. Passava automaticamente à condição de político. Deveria, por tal facto, ser excluído da GLLP/GLRP?

O Rui Bandeira exerce há mais de três décadas, a profissão de advogado. É, pois, um jurista e advogado experiente. Suponhamos que decidia, e havia vaga para tal, dedicar os últimos anos da sua vida útil profissional colocando a sua experiência ao serviço da comunidade, no exercício da Magistratura. Seria esta opção razão bastante para dever deixar de integrar a GLLP/GLRP?

O José Ruah é um gestor experiente na área da saúde, tendo aprendido e executado como fazer o mesmo com menos meios e como obter mais com os meios disponíveis. A sua específica competência e capacidade, adquirida e apurada na gestão privada, fá-lo um alvo possível de recrutamento para gestor de unidade pública dessa área. Se isso sucedesse, deveria ele abandonar a GLLP/GLRP?

Parece evidente que, em qualquer dos três casos hipotizados a resposta deve ser negativa. Estes três maçons de muitos anos sempre trabalharam no setor privado e não seria o facto de, nas suas áreas, enveredarem pela causa pública que os faria deixar de serem quem são, os levaria a agir diferentemente da forma como atuaram toda a sua vida.

O político, o magistrado, o gestor público, eram-no, não por serem maçons, mas em resultado, na sequência do seu percurso de vida ao longo de dezenas de anos. E não se vê por que a sua coerência, em termos éticos, cultivada ao longo de dezenas de anos deveria ser afetada pela sua passagem do setor privado para a vida pública. Não é verdadeiro o ditado de que "a ocasião faz o ladrão" - a não ser que se considere que todos são ladrões, só o que faltará a muitos são as ocasiões, o que seria uma paupérrima conceção da Humanidade.

Quem resista à tentação do slogan, da demagogia, do sound bite, nas análises que faz, facilmente conclui que não é o facto de haver políticos, magistrados, gestores públicos numa Obediência Maçónica que é certo ou errado por si só, que gera condenável influência política, ou o que quer que seja.

O que importa não é quem está, o que faz profissionalmente quem integra a Obediência. O que importa é o objetivo com que cada um deles ali está. Se e quando está para se aperfeiçoar, para ser melhor e com isso agir melhor na sua vida profissional, tudo bem, é motivo de satisfação para a Obediência, é bom para ele, é melhor para a Sociedade. Se o objetivo é criar ou obter "sinergias" para alavancar as suas possibilidades na sua vida profissional ou social, para integrar projetos de influência, então tudo mal: o próprio terá a ilusão do Poder, porventura ascendendo mais alto, não por si, mas à sombra de algo exterior a si e, mais tarde ou mais cedo, à falta de valor próprio, cairá - e de quanto mais alto cair, mais doloroso será o trambolhão; a Obediência trai-se a si própria e, a longo prazo, como historicamente se viu, pagará, com juros, o preço de se imiscuir onde não deve; a Sociedade perde por ver a sua natural evolução ser perturbada e torcida.

É tudo uma questão de postura, de objetivo, de respeito pela natureza das instituições, afinal. Não é porque um cão mordeu que se devem abater todos os cães. O que se deve é ensinar os canídeos a refrearem os seus instintos.

A GLLP/GLRP, como todas as Obediências Regulares, não exclui políticos, magistrados, gestores públicos, etc., das suas fileiras. Têm o mesmo direito à melhoria, ao aperfeiçoamento, segundo o método maçónico, que todos os outros homens livres e de bons costumes e seria írrito discriminá-los.

Mas o que importa ter sempre presente - contra demagogos e mal-intencionados, mas também contra tentações, por muito vestidas de boas intenções que se apresentem - é que há uma caraterística fundamental na Maçonaria Regular: nela podem entrar políticos, mas não a Política; destina-se a formar todos os seus membros, incluindo os que sejam políticos, mas não forma políticas.

Entendendo-se isto, entende-se como deve ser natural e em que limites é saudável a interação entre a Maçonaria e o Poder!

Rui Bandeira

19 outubro 2011

Maçonaria e Poder (XIV)


Audiência do Presidente da República
a uma delegação da GLLP/GLRP

Este já longo conjunto de textos teve como objetivo mostrar, serenamente e com o máximo de objetividade que me foi possível, como, ao longo do tempo e em diversas latitudes, se processou o relacionamento entre o Poder e a Maçonaria. Espero que os de boa-fé (os outros não me interessam - ladrarão sempre à passagem da caravana...) tenham ficado com um pouco mais de informação que lhes permita enquadrar e ajuizar sempre que um qualquer político demagogo mande umas "bocas" sobre a a "atividade escondida" da Maçonaria ou um periódico sensacionalista decida vender algum papel ou conquistar uns pontos de audiência "desvendando" que A, B ou C é maçom, que D, E ou F se reúnem no local X, Y ou Z ou que G, H ou I pertencem a partidos diferentes e afinal são "Irmãos" da mesma Loja.

Desmontar a demagogia, desdenhar do sensacionalismo, não significa, não passa, não pode passar (sob pena de se trair os princípios que os maçons defendem) pela mentira ou por esconder o que quer que seja. Pode passar, e tem passado, por não se conceder importância às atoardas, demagogias ou simples exposição de verdades, meias-verdades e especulações inverídicas, com objetivos sensacionalistas, não se lhe dando a dignidade de uma resposta, primando pelo silêncio mais ensurdecedor possível. Tem sido esta a postura da Maçonaria, para o bem e para o mal, quase sempre prudentemente bem, aqui e acolá deixando medrar o mal da intriga, da insinuação, da descarada mentira demagógica.

Na minha opinião. a resposta adequada da Maçonaria deve passar também pelo esclarecimento, pela confiança na inteligência das pessoas, pela informação objetiva que permita aos de boa-fé formularem os seus juízos, sem ser apenas com base nas atoardas e nas tiradas demagógicas.

E isso passa por assumir a História da Maçonaria e o seu relacionamento com o Poder, no seu melhor e no seu pior; nos seus bons, como nos seus maus momentos. Foi o que procurei fazer ao longo desta série de textos.

A melhor forma de desmontar a demagogia e de relativizar sensacionalismos é, afinal, mostrar o que a Maçonaria é: uma instituição mais que tricentenária, com propósitos meritórios, com presença tendencialmente global, mas organizada em estruturas nacionais e núcleos independentes locais, que sociologicamente tem mais elementos pertencentes a estratos privilegiados ou relativamente confortáveis da sociedade do que dos estratos que vivem com dificuldades (só depois de se garantir adequadamente a subsistência e um mínimo de conforto, para si e para os seus, é que o homem está verdadeiramente disponível para algo para tantos tão abstrato como preocupar-se com o seu aperfeiçoamento moral e espiritual...) e que, como todas as instituições que atingem algum relevo social, obviamente que interage e influencia os atores do Poder e é influenciada por estes.

As recorrentes referências à pretensa influência escondida da Maçonaria sobre o Poder só podem ser por todos relativizadas se e quando se compreender que a Maçonaria tem precisamente (nem mais, nem menos) a mesma influência sobre o Poder (e que, correlativamente, é por ele influenciada) que têm as outras instituições de relevo na Sociedade.

O múnus de uma Igreja (de qualquer religião) é de natureza espiritual. Mas, assumindo as Igrejas, particularmente a Igreja hegemónica numa qualquer região, indiscutível relevo na sociedade em que se inserem, só por cândida ingenuidade se pode não se dar conta de que as Igrejas (ou, pelo menos, a Igreja hegemónica) exercem influência (que, por alheia ao seu objetivo principal, de natureza espiritual, se pode classificar de "escondida") sobre o Poder.

A razão de ser das Universidades é a investigação nos mais variados campos do Saber humano e a transmissão desse Saber. Mas alguém duvida que as Universidades, os professores universitários, influenciam decisivamente o Poder (seja em estudos, seja em conversas de gabinete, seja fornecendo pessoal político)? No entanto, o campo de atuação das Universidades é o Saber, não o Poder, pelo que as influências daquelas neste campo podem ser classificadas de "escondidas" ou "ínvias" ou "indevidas".

As instituições de solidariedade social são (e em tempos difíceis ainda mais) indispensáveis no apoio aos menos afortunados. Os Estados não conseguem, não podem (cada vez podem menos...) tudo fazer e, muitas vezes, a diferença entre o caos social e um mínimo de dignidade proporcionado a quem dificilmente sobrevive está na meritória ação das instituições de solidariedade social. Mas alguém que não seja incuravelmente ingénuo tem dúvidas que esse papel indispensável traz consigo alguma força de influência sobre os Estado e os seus atores?

A economia de um país depende de forma não negligenciável dos seus empreendedores, dos seus empresários, das suas estruturas financeiras, e do emprego e do desenvolvimento que possibilitam. Alguém duvida do poder de influência junto dos decisores políticos dos capitães de indústria e dos financeiros e das organizações em que se juntam?

Sem trabalhadores e o seu labor, não há produção, não há riqueza, não há sociedade viável. Alguém duvida que os sindicatos e as centrais sindicais influenciam o Poder? Claro que há épocas e épocas. Períodos em que os ventos sopram mais a favor dos sindicatos e períodos de refluxo. A vida é feita de ciclos e os ciclos a todos atingem.

E poderia continuar a dar exemplos de estruturas que influenciam o Poder, desde o desporto, à escola, aos artistas, às classes profissionais, à comunicação social, e por aí fora.

O Poder - felizmente ! - há muito que deixou de ser absoluto. Mas que ninguém seja ingénuo: mesmo quando o Poder era absoluto não deixava de ser influenciado por quem tinha capacidade e meios para exercer essa influência... Por maioria de razão, nas sociedades modernas, o Poder é exercido em resultado de um complexo sistema de influências cruzadas, opostas, conflituantes. Entre o projeto do governante, a sua convicção do que deve ser feito, e o que efetivamente é concretizado vai a distância do sonho à realidade, concretizando-se o que é possível, em cada momento, em face dos interesses - e respetiva força naquela ocasião - que, normalmente de uma forma surda, se digladiam junto do Poder.

A Maçonaria é uma instituição como as outras. E, como todas as outras, dá o seu contributo para a complexa teia social que influencia o exercício do Poder nas cada vez mais complexas sociedades modernas. Negá-lo seria estúpido. Afirmá-lo não tem nada de mais.

Esgrimir com a influência da Maçonaria (insinuando que nenhuma esta componente social deveria ter) é uma forma de mandar poeira para os olhos dos ingénuos. Todas as instituições sociais influenciam o Poder. E todas as influências são exercidas, por vezes publicamente e muitas mais vezes de forma reservada, resguardada, no silêncio e no conforto dos gabinetes - que ninguém se iluda!

A Maçonaria tem exatamente a quota-pare de influência que deve ter, que naturalmente cada instituição minimamente relevante na Sociedade tem. Nem mais, nem menos. Que influência? Em que sentido? Os valores que a Maçonaria defende, as suas divisas, são conhecidos: Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Sabedoria, Força, Beleza. O nosso "negócio" é do campo da ética. Quem dera que todas as influências sobre o Poder se situassem neste campo...

Rui Bandeira

18 outubro 2011

Solidariedade na escassez



Não é novidade que os tempos que vivemos são duros, e que tempos mais duros se avizinham. Onde ontem se gastava displicentemente uma nota inteira, hoje despende-se parcimoniosamente apenas algumas moedas. Se a diminuição de rendimento disponível é uma contrariedade para uns, para outros é um verdadeiro problema - e para alguns, mesmo, um desastre. Hoje, mais do que nunca, é importante saber gerir, procurar alternativas, e estabelecer prioridades que salvaguardem o essencial.

Há que buscar formas mais eficientes de obter talvez não o mesmo, mas pelo menos algo que se lhe assemelhe. Não se pode ir jantar fora com uns amigos? Convide-se os amigos para a nossa casa. Não se consegue oferecer uma refeição? Ofereça-se um café e umas bolachas - ou então, que cada um traga qualquer coisinha, de preferência feita em casa... Não se consegue manter a conta do ginásio, da gasolina e da explicação do miúdo? Faça-se exercício na rua ou num parque, e salvaguarde-se o que é mais importante a longo prazo. Entre umas férias fora e um curso de valorização profissional, especialmente no contexto atual, mais vale deixar as férias para depois...

São tempos de se ser mais generoso, e de se dar não apenas aquilo que nos sobra, mas mesmo um pouco das comodidades a que nos fomos habituando. Não obstante, também na solidariedade se deve ser mais cuidadoso: dar, sim, mas de forma mais inteligente, mais direcionada, mais eficiente. É que as solicitações de auxílio, já antes inúmeras, cada vez aumentam mais, tornando ainda mais difícil escolher-se a quem ajudar - e saber bem aplicar a ajuda que se pretende prestar.

Com a escassez aumentam as dificuldades de sobrevivência, e as circunstâncias levam a que, tantas vezes, até os mais retos soçobrem ao peso da carência e se socorram de expedientes menos claros para chegar ao dia seguinte. Torna-se mais difícil distinguir o "ladrão" de supermercado que só queria dar de comer aos filhos que não comiam desde a véspera daquele que rouba um telemóvel ou uma roupa de marca... porventura para os vender e acudir, com a receita, às despesas da casa.

Por outro lado, multiplicam-se as mesinhas nos hipermercados e centros comerciais com a maior variedade de brindes a oferecer a quem apoie as mais diversas causas. Se algumas são geridas por voluntários, e 100% das receitas revertem para a causa anunciada, outras retiram uma parte - 10, 20 ou 30 por cento - para cobrir as despesas da campanha; noutros casos, recorre-se mesmo a empresas especializadas que, mediante uma parte da receita - que pode chegar a metade, dois terços ou mesmo mais - tratam de toda a logística, incluindo a publicitação do evento e a contratação do pessoal que faz os peditórios. Por fim, há quem venda um bem, anunciando oferecer uma pequena parte do preço a uma causa anunciada. Antes, quando se dava, sabia-se que se dava e quando; e quando se comprava, sabia-se ser uma compra. Hoje, a este respeito, o mundo está muito mais cinzento e menos "a preto e branco".

É conhecido o gesto de Warren Buffett - um dos homens mais ricos do mundo - quando se inteirou da forma como o dinheiro da Fundação Bill e Melinda Gates era gerido: passou a apoiar a Fundação, e deixou-lhe em testamento mais de 80% da sua fortuna. O dinheiro que metemos na mão de quem o pediu para si mesmo seria, talvez, mais bem gasto, menos desperdiçado e  mais eficazmente distribuído se fosse, antes, entregue a quem sabe geri-lo e o faz de facto em prol daqueles a quem se dedica. A moeda de dois euros pode servir para comprar uma sandes - ou quatro refeições num abrigo de crianças. Pelo preço de um pastel podemos providenciar meia dúzia de pães. Pelo custo de uma refeição de comida rápida podemos alimentar meia dúzia de pessoas numa "sopa dos pobres". E em vez de comprarmos um objeto (de que, ainda por cima, não precisamos) por 5 euros, dos quais se calhar apenas um ou dois euros, quando muito, reverterão para a causa que pretendemos apoiar, mais vale enviarmos os 5 euros diretamente para a instituição em causa.

E, já que estamos neste registo, atenção às instituições a quem fazemos doações. As que são sérias, precisam de dinheiro hoje, para a semana, daqui a um mês, ou daqui a um ano. Não nos pressionam no sentido de darmos "já". Por outro lado, as melhores testemunhas do bom funcionamento de uma instituição de apoio social são aqueles que nela se apoiam. Antes de dar, visite, pergunte, veja, fale com quem dá, com quem recebe, com quem gere. Depois de aferir a sua credibilidade, e a boa gestão que fazem do dinheiro que recebem, "apadrinhe" a instituição, e envie-lhe uma quantia fixa por mês. Melhor do que um donativo generoso mas pontual, é um compromisso de um apoio regular - mesmo que seja pouco, pelo menos é certo.

Depois de o fazer, já pode dizer, com verdade e tranquilidade, se lhe pedirem o seu donativo: "Já dei!"

Paulo M.

12 outubro 2011

Maçonaria e Poder (XIII)

Fernando Teixeira
Grão-Mestre Fundador da GLRP, hoje GLLP/GLRP

Em 25 de abril de 1974, um golpe militar pôs fim ao regime limitativo das liberdades públicas que vigorou em Portugal durante mais de quarenta anos. A proibição da Maçonaria deixou de vigorar. A sede do Grande Oriente Lusitano foi-lhe devolvida. Ficaram criadas as condições para o normal retomar da atividade maçónica em Portugal.

As perto de quatro décadas de proibição, porém, inevitavelmente causaram assinalável mossa. Restavam no país poucas dezenas de maçons, a maior parte de avançada idade. Praticamente, havia que recomeçar muito próximo do zero.

Quem restava para disseminar a Luz da Tradição maçónica era um misto de velhos republicanos e de políticos oposicionistas ao regime político derrubado. Lançaram-se ao trabalho de reimplantação da Maçonaria no país. Iniciações, rejuvenescimento, criação de novas Lojas, foram palavras de ordem essenciais. Em alguns anos, as poucas dezenas passaram a centenas, ultrapassaram o milhar. O GOL renasceu das cinzas!

Naturalmente que, estando na origem deste trabalho os maçons que restavam em 1974, quase todos ligados à atividade política, a base de recrutamento inicial foi constituída por pessoas intervenientes na Causa Pública. O GOL retomava, após o hiato forçado, as suas características de organização com forte influência política e nas políticas propostas para o país.

Mas o rápido crescimento não se circunscreveu a atores políticos. Os meios universitários, o empresariado, as profissões liberais, os meios sindicais, revelaram-se profícuos campos de recrutamento.

A diversidade de interesses e de experiências, aliada ao corte de mais de quarenta anos na vida maçónica normal, veio, a seu tempo, a gerar duas correntes no GOL.

Uma delas era constituída por pessoas com evidente interesse na Política e na sua prática. Representava, digamos, o GOL "tradicional", vindo da I República, com todas as suas qualidades e defeitos. Designadamente, a tendência para a intervenção organizada na atividade política.

Outra corrente, porém, se formou constituída por maçons que ganharam consciência de que, internacionalmente, a Maçonaria não era só - e não era principalmente - constituída pela corrente interventiva politicamente, na esteira do Grande Oriente de França, que a Maçonaria internacionalmente consagrada na maior parte do Mundo era a Maçonaria Regular, crente e não interveniente politicamente em termos coletivos. E esta segunda corrente aspirava à reintegração no seio da Maçonaria Regular internacional, o que implicava uma profunda mudança no GOL, o seu afastamento do GOF, a recusa de admissão de ateus e agnósticos, enfim, o abandono do campo da Maçonaria Liberal, ou Irregular, em favor do campo da Maçonaria Regular.

Na década de oitenta do século passado, esta corrente tinha já uma expressão no interior do GOL com peso suficiente para suportar candidaturas às eleições para Grão-Mestre - mas não maioritária, não suficiente para tornar vencedora uma sua candidatura.

Vistas as coisas com a objetividade que a distância temporal nos permite, a longa tradição de alinhamento pelas teses do GOF, a matriz de intervenção política que, de longa data, era já identitária do GOL, tornavam praticamente impossível a sua mudança de rumo para a Maçonaria Regular.

As clivagens entre as duas correntes foram-se sucedendo, aprofundando e agravando. Fernando Teixeira, que viria a ser o Grão-Mestre Fundador da Grande Loja Regular de Portugal, hoje GLLP/GLRP, referiu várias vezes, o desagrado com que ele e outros que viriam a cindir do GOL assistiam à discussão e tomada de decisões em Loja de assuntos referentes à política do país, deliberações destinadas a serem executadas pelos maçons em posições de governação ou de atividade política. Com particular indignação, várias vezes lhe ouvi dizer que chegou a haver reuniões de Loja dedicadas à elaboração da lista de Secretários de Estado do Governo prestes ou acabado de entrar em funções...

Poder-se-á porventura duvidar do que Fernando Teixeira disse, considerá-lo um exagero. Mas, em abono da sua informação e da efetiva utilização das reuniões de Loja para discutir e deliberar em matéria política, posso citar a seguinte passagem de uma entrevista dada ao Jornal do Centro e publicada em 23 de setembro de 2011 pelo anterior Grão-Mestre do GOL, António Reis (os destaques são meus):

Pergunta: Se, como defendem, os grandes desenvolvimentos da humanidade estão ligados aos maçons, de que forma têm a marca da maçonaria os desenvolvimentos de Portugal do pós 25 de Abril?
Resposta: Dou um exemplo concreto que tem a ver com a zona onde estamos, a região Centro do país. É o caso da Lei do Serviço Nacional de Saúde. É uma extraordinária Lei, que mudou completamente o panorama da Saúde em Portugal, principalmente no acesso que a ela tem a população. É da autoria de um grande maçon que me antecedeu no cargo de Grão-Mestre: António Arnaut, um homem de Coimbra. A Lei do Serviço Nacional de Saúde foi discutida na loja maçónica à qual pertencia António Arnaut e recebeu contributos dos irmãos daquela loja antes de ter sido apresentada e aprovada na Assembleia da República em 1979. O mesmo tinha acontecido 60 ou 70 anos antes com a famosa Lei de Separação entre a Igreja e o Estado, apresentada por Afonso Costa na Loja do Futuro, em Lisboa. Estes são casos concretos em que a Maçonaria interveio na vida política e na legislação do país.

Não está em causa a bondade da decisão (concordo em absoluto com o Serviço Nacional de Saúde, como concordo com a separação das Igrejas e do Estado, indispensável a uma sã e vera Liberdade Religiosa para todos). A clivagem havida teve e tem a ver com a prática, a forma, o meio utilizado: enquanto, para a Maçonaria Liberal, ou Irregular, é benéfico que a Maçonaria prepare, no seu seio, uma reforma política e diligencie pela sua aprovação e execução pelos órgãos de soberania, a Maçonaria Regular entende que os locais próprios para debater e preparar propostas políticas são os partidos, as associações cívicas, os fora políticos, não as Lojas maçónicas. Podem os maçons, se assim o entenderem, intervir politicamente, a título individual, nos fora, nos partidos, nas associações cívicas, que entenderem. O que não é admissível é que a própria instituição maçónica se transforme, ela própria, num espaço de intervenção e decisão política.

Esta clivagem veio a originar, na década de oitenta do século passado, a saída do GOL dos maçons que aspiravam à reintrodução da Maçonaria Regular em Portugal e subsequente constituição, em 29 de junho de 1991, da Grande Loja Regular de Portugal, hoje Grande Loja Legal de Portugal/GLRP.

Rui Bandeira

11 outubro 2011

O mistério dos veneráveis desaparecidos



É saudável e desejável que uma loja maçónica seja composta por obreiros de diversas idades, maturidades e experiências; quando tal sucede, alarga-se o leque de crescimento potencial de cada um. Na Mestre Affonso Domingues temos desde aprendizes com vinte e tal anos de vida a mestres octogenários com mais de quarenta anos de maçonaria, e o contacto entre uns e outros é muito enriquecedor.

No ano maçónico que recentemente teminou (o ano maçónico começa em Setembro, pelo equinócio de Outono) tive a honra de ser Secretário da Mestre Affonso Domingues. Para além de estar incumbido de redigir e distribuir as convocatórias, bem como redigir e apresentar as atas das sessões, é dever do secretário anotar as presenças, ausências e justificações. As novas tecnologias tornam extremamente fácil fazer-se uns "bonecos" com os números em bruto; de uma simples folha de cálculo com os mapas da assiduidade ao longo das sessões pode extrair-se vários números interessantes.

A Loja Mestre Affonso Domingues tem uma vintena de anos, e uma meia centena de obreiros. Cada sessão do ano transato teve, em média, cerca de 18 presenças. Há perfis de assiduidade de todos os tipos, desde os que não perdem uma aos que, ao longo de um ano, não conseguiram ir a uma única sessão. Há os que aparecem quase sempre; os que faltam quase sempre; e há os assim-assim, em vários gradientes.

Os mais assíduos são, na maioria, Aprendizes e Companheiros. É natural; ainda entusiasmados - diria: ainda apaixonados - não perdem uma oportunidade, sequiosos de aprender, de conhecer, de avançar. E estranho é - e mau sinal! - que assim não seja. Se um Aprendiz começa a faltar muito, quase sempre se acaba por vê-lo sair, desmotivado ou ciente de que a Maçonaria pouco ou nada lhe diz. Um Companheiro raramente fica pelo caminho; já que fez metade do caminho, acaba por fazer a outra metade. O pior é depois: chegados a Mestre, muitos ficam-se por aí e, desmotivados, acabam por desaparecer - ou ir desaparecendo, caindo na rank da assiduidade.

Fruto desta experiência, é costume, na Mestre Affonso Domingues, ocupar-se desde cedo os novos Mestres com ofícios que lhes permitam manter-se motivados, aprender novas valências, e ser úteis à Loja. O percurso costuma, mais coisa menos coisa, começar pelo cargo de Tesoureiro, passando a Secretário, depois a Mestre de Cerimónias, a Segundo Vigilante, a Primeiro Vigilante, e por fim a Venerável Mestre, seguindo-se um ano como Ex-Venerável, e terminando como Guarda Interno. Leram bem: 8 anos, dos quais os últimos dois são bastante mais calmos do que os anteriores. Os ofícios de Orador, Experto, Hospitaleiro e Organista não fazem, normalmente, parte desta sucessão - que, note-se, não é rígida e, com exceção do Tesoureiro (que é eleito) pode ser alterada pelo Venerável Mestre, pois é este quem nomeia os "seus" oficiais.

Um ano como Aprendiz, outro como Companheiro, eventualmente um ano de interregno (ou não...) e depois seis a oito anos de ofícios sucessivos. Uma década de atividades diferentes. Será de estranhar que, do terço dos obreiros da Loja que já foi instalado na Cadeira de Salomão, apenas um terço seja assíduo às sessões? De facto, é corolário frequentemente repetido entre nós que, depois de descer da cadeira, o ex-venerável desaparece para raramente voltar a ser visto. Muitos perguntam-se o que falhou, o que leva esses irmãos a deixar de aparecer, o que é que a Loja pode fazer para os cativar de novo.

Acho que nada pode ser feito; e que é, mesmo, normal que assim suceda.

Em certa medida, uma loja é como uma universidade: entra-se com um objetivo - aprender - e sai-se com a autonomia que permite continuar a aprender sozinho. A maioria fica-se pelo ciclo inicial de conhecimento, pega no canudo e faz-se à vida. Alguns - poucos! - continuam a querer aprender sempre mais. Destes, uns tantos ganham o gosto de ajudar outros a seguir os seus próprios percursos. Tal como uma universidade é feita de muitos alunos, e de uns tantos professores que marcam o centro e os limites da estrada, alertam para os precipícios e partilham da experiência de muitas caminhadas, assim é uma Loja com muitos Aprendizes e Companheiros, e uns quantos Mestres Instalados.

Os Mestres Instalados que insistem em continuar a aparecer são o maior tesouro de uma Loja. Entre nós, são poucos mas bons: um terço de um terço. São eles a nossa fração de antiguidade, as nossas "âncoras no passado", a nossa memória não escrita.

Paulo M.

06 outubro 2011

Maçonaria e Poder (XII)


Sebastião de Magalhães Lima
Grão-Mestre do GOL entre 1907 e 1928
Membro do Diretório do Partido Republicano


Em 1877, consuma-se o cisma maçónico entre a Grande Loja Unida de Inglaterra e o Grande Oriente de França. O GOLU (Grande Oriente Lusitano Unido) já estava então claramente na órbita do Grande Oriente de França, com ele partilhando, quer em resultado das vicissitudes nacionais no século XIX, quer por via da influência da instituição francesa na portuguesa, as caraterísticas que demarcaram a postura do GOF e que este herdou dos valores saídos da Revolução Francesa: a laicidade, o anticlericalismo, o igualitarismo, o republicanismo.

A Maçonaria portuguesa, que anteriormente interviera em defesa do ideário liberal, a partir do último quartel do século XIX alinhou resolutamente na corrente da Maçonaria dita Irregular, em todas as suas vertentes, incluindo a do republicanismo.

A Monarquia Constitucional já não lhe era bastante. Cada vez mais maçons e cada vez mais a Maçonaria portuguesa, como um todo, se entendiam, laicos, anticlericais, igualitários e republicanos. Certamente que alguns, talvez ainda num número com algum significado, eram maçons sem serem republicanos. Mas seguramente que a muitos destes lhes era indiferente a questão do regime, ou seja, não eram propriamente partidários da República, vivendo sem desagrado em Monarquia, mas também não teriam problemas em viver numa República...

Se as fileiras da Maçonaria se distribuíam entre uma poderosa corrente republicana, uma massa de indiferentes quanto à questão do regime e uma minoria de monárquicos, as fileiras do Partido Republicano eram muito mais homogéneas: seria difícil encontrar um republicano, ou, pelo menos, um político republicano, que não fosse maçom...

Os eventos históricos são conhecidos: em 1908, o Regicídio, perpetrado por dois carbonários (mandando a verdade dizer que a Carbonária, extremista, diríamos hoje mesmo que terrorista, era uma organização diferente e separada e independente da Maçonaria, mas que alguns, e talvez não tão poucos como isso, carbonários eram simultaneamente maçons), dois anos depois a Revolução Republicana do 3-5 de outubro de 1910.

A Revolução Republicana foi levada a cabo por maçons e instaurou o ideário maçónico da época, na sua vertente influenciada pela corrente Irregular: instituições republicanas, com separação e divisão de poderes entre os vários órgãos do Poder, ideário a favor da Igualdade essencial dos cidadãos (partilhado com a corrente maçónica tradicional), um profundo e ativo anticlericalismo e um indefetível laicismo. Não admira, assim, que um dos primeiros atos do novo Poder tivesse sido a publicação da Lei da Separação entre a Igreja e o Estado e a respetiva execução.

Os políticos republicanos eram todos, ou quase, maçons. Não obstante esse traço de união, tal como sucedera com a vitória do Liberalismo, obtida a vitória da República, dividiram-se nos vários grupos políticos e nas várias fações que, desde as mais conservadoras às de tendências mais esquerdistas, conviviam - e se combatiam! - no seio do Partido hegemónico do Regime, o Partido Republicano, ou Democrático.

A Política executava o ideário maçónico dominante, a Maçonaria enquadrava os políticos. Durante o dia, os políticos atarefavam-se nos Ministérios, no Parlamento, nos Diretórios partidários. À noite reviam-se nas reuniões das Lojas! A I República foi o apogeu da Maçonaria - melhor dizendo, de uma certa conceção da Maçonaria - em Portugal. Foi o tempo em que mais intrincada e próxima foi a ligação entre a Maçonaria e o Poder, em Portugal.

De alguns tiques do Poder, da fama de influenciar ou dirigir o Poder, que nesse tempo foi justa, nunca mais, até hoje, a Maçonaria portuguesa se veio a livrar, só agora, lentamente, os mais esclarecidos, e apenas estes, começando a notar as diferenças entre as Maçonarias hoje existentes no País.

Mas a vida é feita de ciclos. O que hoje sobe triunfantemente os degraus do Poder, deles vai tombar amanhã. As ideias pujantes de uma geração são contestadas pela geração seguinte. Os desequilíbrios decorrentes de exercícios voluntaristas do Poder acumulam-se, com eles as tensões sociais e a força apelativa das ideias opostas, ou simplesmente diferentes, mas novas.

Dezasseis curtos anos levou a I República até evidenciar sinais de desgaste dificilmente ultrapassáveis, até os desequilíbrios económicos, as tensões sociais, os conflitos ideológicos e de poder resolvidos nas ruas, de armas na mão, inevitavelmente a conduzirem à sua queda.

O Poder militar interveio, levou à mudança de regime. Outra ideologia, bem mais conservadora, bem menos democrática, bem mais próxima da Igreja, ascendia e acedia ao Poder. Conservá-lo-ia por quase meio século.

Embora alguns dos militares que puseram fim à I República fossem maçons, a Maçonaria viria, inevitavelmente, a pagar - e bem caro pagou! - o preço do seu entrelaçamento com o Poder republicano. Menos de uma década se passou após o golpe militar de 28 de maio de 1926, para que, já sob a mão-de-ferro do novo titular do Poder, Oliveira Salazar, companheiro de juventude de um clérigo que durante décadas seria o Cardeal Patriarca de Lisboa, o Cardeal Cerejeira, toda a força do novo Poder se abatesse sobre a Maçonaria: em 21 de maio de 1935, é publicada a Lei n.º 1901, que ilegalizou e dissolveu juridicamente as chamadas Sociedades Secretas e as desapossou dos seus bens, entregando-os à Legião Portuguesa.

O GOL (já assim se denominava) passa à clandestinidade. A atividade maçónica quase que desaparece em Portugal. Apenas, crê-se, duas Lojas, uma em Lisboa, outra em Coimbra, não abateram nunca colunas durante o longo período de clandestinidade. Outras terão mantido atividade, mais que irregular, meramente esporádica, raramente reunindo formalmente, mantendo os seus membros contactos na vida profana.

Dezasseis anos de apogeu, quase quarenta anos de trevas - este o preço que a Maçonaria portuguesa, alinhada na corrente dita Irregular, pagou pela sua proximidade e imbricação com o Poder!

Fontes:

http://revolucaoemfranca.blogspot.com/2011/06/maconaria-e-revolucao.html (um texto notável, cuja leitura recomendo vivamente)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_n.%C2%BA_1901,_de_21_de_Maio_de_1935

Rui Bandeira

05 outubro 2011

Contra factos...



Todos conhecemos a controvérsia em torno da educação sexual, mesmo quando uns e outros acordam que esta deva ser instrumento de prevenção de doenças e gravidezes indesejadas. De um lado, uns advogam a promoção da abstinência, de padrões de conduta e de dicotomias entre bem e mal, no contexto de que o ato sexual é público e sagrado e como tal sujeito às leis da moral e da religião. Do outro lado, outros promovem o recurso a meios anticoncecionais, a permissividade perante uma gama alargada de identidades e práticas sexuais, e reduzem o ato sexual a um ato biológico privado e regido pelas leis naturais. Pelo meio, uma multiplicidade de posições mais ou menos moderadas e contemporizadoras.

Em poucos países este debate é tão verrinoso e extremado como nos Estados Unidos da América. Recentemente, em face do contexto económico desfavorável e dos inevitáveis cortes orçamentais em tudo quanto se afigure supérfluo, terá recrudescido uma forma muito pragmática de elaborar políticas, nomeadamente no que concerne a saúde pública mas não só: aquilo a que se chama "prática baseada na evidência" (evidence-based practice).

Em sentido lato, pode dizer-se que se trata de uma metodologia que parte da análise estatística dos efeitos de um certo tipo de ato (seja este um tratamento médico, uma prática pedagógica, ou mesmo determinada punição prevista na lei) sobre uma população, no sentido de se aferir e comparar a eficácia relativa de diferentes abordagens ao mesmo problema. Ou dito de outra forma: experimenta-se, mede-se os resultados, e decide-se com base nestes.

Recentemente, primeiro as seguradoras e depois os próprios sistemas de segurança social começaram a questionar a validade e eficácia de certos métodos, tratamentos ou "curas", no sentido de evitarem desperdícios em atos inúteis mas muitas vezes dispendiosos. Estas entidades passaram a exigir que se demonstrasse um nexo de causalidade entre o tratamento e os benefícios que do mesmo supostamente adviriam. Uma das aplicações mais conhecidas deste método é a dos ensaios clínicos que se fazem na indústria farmacêutica quando se procura determinar se certos medicamentos são úteis no tratamento de determinadas doenças.

De facto, certas áreas do conhecimento foram, num ou noutro momento da História, pouco coesas e meramente acumulativas de saberes distintos e pessoais de sucessivas gerações, sucedendo que muitas das práticas carecessem de evidências científicas que as justificassem. Por outro lado, esta "fluidez" de conhecimento levou ao aparecimento de oportunistas e burlões (como os famosos "vendedores da banha da cobra") que alegavam conhecimentos que, aos olhos dos leigos, lhes permitiam confundir-se com os profissionais formalmente treinados. Não admira, assim, que estes últimos tivessem sido dos primeiros a defender uma metodologia que separasse os atos úteis (os seus) dos inúteis (dos outros) com base nos seus resultados, alegando mesmo o interesse da saúde pública...

Esta metodologia tem, com mais ou menos resistência, sido adotada por outros campos do saber, por outras áreas de atividade, a ponto de ser hoje em dia indiscutíveis, em muitos meios, as suas virtudes. O ensino formal nas escolas ensina esta forma de pensar, o que a vem divulgando e democratizando cada vez mais - chamam-lhe "método científico". Mas, se formos ver o que foi o Iluminismo, e como este apresentou a Razão a uma humanidade obscurecida pela tradição, pela inércia e pela superstição, rapidamente encontramos nele as origens deste método de pensamento. Passa-se, graças a ele, de um mundo em que as leis são inquestionáveis, aplicadas de cima para baixo e legitimadas por um qualquer direito divino, para uma sociedade que produz as sua próprias leis, que tudo questiona e em que tudo é passível de escrutínio e validação.

Voltando ao início, nos Estados Unidos levou a que fossem cortados fundos aos programas de educação sexual que não apresentassem os resultados esperados. Não se discutiu os méritos das ideias: discutiu-se, pragmaticamente, financiar o que quer que seja que funcione.

A Maçonaria Regular, orgulhosa filha do Iluminismo, não se mete em controvérsias de cariz político. Não deixa, todavia, de influenciar, através da educação de cada um, a forma como se faz política, mas com uma diferença muito grande face ao poder político: estes últimos têm as próximas eleições como horizonte temporal; os maçons ficam contentes por saber que ajudaram, ao longo dos últimos 300 anos, a tornar o mundo um pouco mais justo e perfeito.

Paulo M.

28 setembro 2011

Maçonaria e Poder (XI)


General Gomes Freire de Andrade

Em 1804, constituiu-se formalmente o Grande Oriente Lusitano. Foi seu primeiro Grão-Mestre o desembargador Sebastião José de São Paio de Melo e Castro Lusignan, neto do Marquês de Pombal. Também integrou o Grande Oriente o General Gomes Freire de Andrade. Sinal da sua já forte ligação ao Grand Orient de France é o facto de a sua primeira Constituição maçónica, de 1806, ter adotado o Rito Francês como rito oficial e exclusivo do Grande Oriente Lusitano. Outro sinal disso foi um episódio ocorrido após a entrada de Junot em Lisboa, em 1807: uma delegação do Grande Oriente Lusitano, encabeçada pelo irmão do Grão-Mestre, Luís de São Paio de Melo e Castro, foi cumprimentá-lo ao seu quartel-general. O entendimento entre o general invasor e os maçons, de influência francesa, foi tão grande, que (valha a verdade, com indignação de muitos maçons) chegou a ser proposta, numa Loja, a substituição do retrato do Príncipe Regente pelo do Imperador Napoleão e, mesmo, foi apresentada proposta para que Junot viesse a ser nomeado Grão-Mestre! Os simpatizantes da causa francesa foram, porém, longe de mais e a maioria dos maçons manifestou-se contra os invasores.

Rechaçada a invasão de Junot, novas Invasões Francesas, a segunda comandada pelo General Soult e a terceira pelo Marechal Massena, têm lugar. Acorre um corpo expedicionário inglês, integrando muitos maçons - ao ponto de ter tido lugar um desfile de militares britânicos maçons, com bandeiras e emblemas. A atenção da Inquisição centrou-se, de novo, na Maçonaria, tendo, em 1810, sido presos 30 maçons, sob a acusação de serem simpatizantes da causa francesa. O Duque de Sussex, filho de Jorge III (que viria, em 1813, a ser o último Grão-Mestre da Premier Grand Lodge e o primeiro Grão-Mestre da Grande Loja Unida de Inglaterra), intercederia pela sua libertação.

Após a expulsão das tropas francesas, ficou a dirigir o Exército português (e na regência de facto do país...) o Marechal Beresford, que favoreceu a atividade maçónica. Em 1812, só em Lisboa existiam 13 Lojas. Foi um breve período em que a Maçonaria portuguesa voltou a florescer ao abrigo da orientação inglesa.

Entretanto, Gomes Freire de Andrade, que integrara a "Legião Portuguesa" criada por Junot, que partira para França em 1808, sob o comando do Marquês de Alorna, e que participara na campanha da Rússia, regressou a Portugal e participou ativamente na contestação à suserania britânica. Eleito Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano em 1816, prepara, a partir do próprio GOL, uma insurreição contra Beresford. Em 25 de maio de 1817, é, juntamente com mais outros onze oficiais, preso, por denúncia de três outros maçons (três traidores, como na Lenda do 3.º grau...),
José Andrade Corvo de Camões, Morais de Sarmento e João de Sequeira Ferreira Soares, e posteriormente todos enforcados - Gomes Freire de Andrade em São Julião da Barra e os demais no Campo de Santana, hoje Campo dos Mártires da Pátria.

Na sequência destes factos, D. João VI promulga, do Brasil, um alvará régio declarando «criminosas e proibidas todas e quaisquer sociedades secretas, incorrendo os seus membros no crime de lesa-majestade, com as severas penalidades consequentes». A Maçonaria passa à clandestinidade!

A Revolução Liberal de 1820, no Porto, tem forte participação maçónica: integraram os conspiradores os maçons Manuel Fernandes Tomás, Desembargador da Relação do Porto, José Ferreira Borges, advogado, José da Silva Carvalho, advogado, João Ferreira Viana, Duarte Lessa, José Maria Lopes Carneiro, José Gonçalves dos Santos, João da Cunha Souto Maior e vários outros. Cunha Souto Maior e Silva Carvalho viriam, mais tarde, a ser Grão-Mestres do GOL.

Claro que, chegado o tempo da contra-revolução absolutista, os maçons iriam pagar o preço do seu envolvimento no Liberalismo. Em 1823, um novo édito de D. João VI condenava a atividade maçónica - de Pedreiros Livres, Carbonários e Comuneros - com o degredo de cinco anos em África e numa multa pecuniária de mais de cem mil reis para os cofres das obras pias e muitos maçons, juntamente com outros liberais, são presos em Peniche (não foi só no século XX que o Forte de Peniche serviu de masmorra para opositores políticos...). Uma pastoral do cardeal de Lisboa contra os maçons veio a originar o assassínio, pela plebe inflamada, de 17 maçons, entre os quais o Marquês de Loulé. O padre de Campo Maior proclamava: " Deve ser derramado em massa o sangue dos portugueses como antigamente o sangue dos judeus porque o infante jurou não embainhar a espada antes de resolver a situação com os maçons. Estou sequioso de banhar as minhas mãos de sangue". Em cumprimento de ordem nesse sentido do Grão-Mestre, as Lojas foram fechadas e a Maçonaria remeteu-se, de novo, à clandestinidade, salvo no bastião liberal da ilha Terceira.

D. Pedro IV - que fora nomeado Grão-Mestre da Maçonaria brasileira em 1822 - organiza, a partir da Terceira, uma força expedicionária liberal, que, sob o seu comando, desembarca no Mindelo em 1832 e se apodera do Porto. Embora cercadas nessa cidade, parte das tropas liberais reembarca nos navios que as trouxera dos Açores e desembarca no Algarve, marchando sobre Lisboa, sob o comando do Marechal Saldanha, tomando a capital em agosto de 1833.

D. Pedro IV é aclamado rei e as forças clericais não tardam a pagar o preço pelo seu alinhamento com o absolutismo e a sua perseguição aos maçons: os jesuítas são de imediato expulsos (de novo, após a primeira expulsão, decretada pelo Marquês de Pombal, posteriormente anulada após a saída deste do Poder), os padres e frades que haviam defendido a usurpação miguelista são punidos e, com a Convenção de Evoramonte (que formalizou o definitivo exílio de D. Miguel), em 1834, é suspensa a atividade de todas as Ordens Religiosas.

No plano maçónico, a confusão e a divisão grassava: os liberais exilados elegeram, nada mais, nada menos, do que dois Grão-Mestres: pelos expatriados em Inglaterra, José da Silva Carvalho; pelos acolhidos em França, o Duque de Saldanha. Regressados os liberais a Portugal, no Porto é eleito ainda um terceiro Grão-Mestre, Passos Manuel. Não há fome que não dê em fartura e, num ápice, passa haver três Grandes Orientes em Portugal, rivalizando entre si! Escreveu Borges Grainha que «nos ministérios consecutivos que D. Maria II chamou ao poder, em curtos intervalos, entrava, geralmente, algum Grão-Mestre desses Orientes, encontrando-se na Oposição os Grão-Mestres dos outros. O resultado era assim que havia Orientes e lojas ministeriais frente a Orientes e lojas oposicionistas».

Esta confusão ainda conseguiu aumentar mais, antes de tudo desaguar em reunificação, trinta anos depois. O Grande Oriente de José da Silva Carvalho adotou o nome de Grande Oriente de Portugal. Neste, seria, em 1840, por breve período, Grão-Mestre o ministro Costa Cabral. Tendo este sido substituído, em meados desse ano, pelo Visconde de Oliveira, Costa Cabral e os seus partidários afastam-se e criam a Grande Loja Portuguesa (e vão quatro!). Por seu turno, as organizações de Saldanha e de Passos Manuel reunificam-se na Confederação Maçónica (passa, de novo, a três!). Mas, entretanto, sob o malhete de Mendes Leal, forma-se o Grande Oriente Lusitano (passa a quatro!) e, dirigida por José Elias Garcia, cria-se a Federação Maçónica (e vão cinco!). A isto, há que juntar um Oriente do Rito Francês (contem seis!) e uma Grande Loja Provincial do Oriente Irlandês (chegamos a sete!). Mas não desesperemos: o Grande Oriente de Portugal, a Grande Loja Portuguesa, a Confederação Maçónica e a Federação Maçónica agrupam-se no Grande Oriente Português (ficam quatro!), este associa-se, em 1869, ao Grande Oriente Lusitano e ao Oriente do Rito Francês, constituindo o Grande Oriente Lusitano Unido e, três anos depois, este acolhe no seu seio a Grande Loja Provincial do Oriente Irlandês. Em 1872, está reunificada a Maçonaria Portuguesa, no Grande Oriente Lusitano Unido !

Os três primeiros quartéis do século XIX marcaram a ascensão, divisão e reunificação da Maçonaria em Portugal. Retrospetivamente, entendo poderem tirar-se algumas conclusões, que nos ajudam a elucidar os acontecimentos futuros:

1) Tendo como pano de fundo o conflito franco-britânico, vemos, num primeiro momento, desenvolverem-se em Portugal duas orientações maçónicas: a inglesa e a francesa, cada uma sob a proteção dos respetivos exércitos.

2) O Poder clerical alinha politicamente com o absolutismo e ambos reprimem a Maçonaria; a Maçonaria alinha ativamente pelo Liberalismo. Como consequência, acentua-se o anticlericalismo, quer nos Liberais, quer nos maçons.

3) As circunstâncias decorrentes da repressão absolutista e clerical fazem com que ambas as correntes maçónicas (francesa e inglesa) participem ativamente no campo liberal, muito cedo se impondo (independentemente da origem de cada tendência) a direta intervenção na luta política, não só dos maçons, como das organizações maçónicas, enquanto tal. Ou seja, o século XIX em Portugal marca a prevalência da interferência das organizações maçónicas na vida e nas lutas políticas, independentemente da origem "inglesa" ou "francesa" de cada maçom ou de cada Loja. Esta caraterística virá a perdurar indisputadamente por mais um século, em Portugal.

4) Com o triunfo do Liberalismo e a integração direta na área do Poder político dos maçons (que lutaram, de armas na mão, pela vitória desse ideal), surgem em poucos anos, várias divisões na Maçonaria. Foi o preço - quiçá inevitável - da direta interferência da Maçonaria na luta política, passando os maçons a dividirem-se segundo as suas clivagens políticas.

5) Os maçons laboriosamente conseguem reunificar-se e a Maçonaria portuguesa entra no último quartel do século XIX reunificada no Grande Oriente Lusitano Unido.

Então, esbatida já a controvérsia absolutismo-liberalismo, começava a esboçar-se a questão seguinte: Monarquia x República. A Maçonaria viria a posicionar-se nesta controvérsia com o efeito de duas caraterísticas que, a meu ver, explicam o seu papel nos eventos futuros: o hábito de intervir politicamente e o anticlericalismo que as perseguições clericais instalaram na sua matriz de pensamento. Para o bem e para o mal, estavam reunidos os elementos que levariam ao apogeu e queda da Maçonaria em Portugal, em escassos sessenta anos.

Fontes:

http://www.freemasons-freemasonry.com/arnaldoG.html http://pt.wikipedia.org/wiki/Gomes_Freire_de_Andrade http://213.58.158.155/NR/rdonlyres/5687C9BA-2CAD-45D8-9ACE-75DA5FB7E047/2999/Jos%C3%A9daSilvaCarvalho.pdf
http://www.gremiolusitano.eu/?page_id=37

Rui Bandeira

24 setembro 2011

O almoço



A pequenita - teria uns 7 ou 8 anos - comia com a família num restaurante de comida rápida. Compenetrada, ou talvez alheada, comia devagar o primeiro dos pedacinhos de frango que escolhera para refeição nesse dia - tão devagar, de facto, que ainda não tinha tocado nas batatas fritas.

Arrastando-se com dificuldade, tentando fazer-se invisível, mas discretamente atento ao que o rodeava, um velho sem-abrigo passa junto à mesa. Mede a miúda com os olhos, vê-a sem fome, e cobiça-lhe as batatas fritas - talvez antecipando-as já no contentor do lixo, frias e sem graça.

Na posição defensiva e encolhida de quem ouve, de manhã à noite, "não" sobre "não", aproxima-se um pouco da mesa, mantendo a distância a que está habituado a que o mantenham, e sugere à miúda, mais do que pede:
"- Se depois não quiser as batatas, não as deite fora..."

A miúda, subitamente despertada dos seus devaneios, não entende logo. Com um olhar inquisitório, pergunta à mãe:
"- O que é que aquele senhor queria?"
"- Tem fome, queria comer." - explica-lhe a mãe. "Pediu as tuas batatas fritas, se não as quisesses."

Num gesto, sem pensar, a miúda
"- Senhor!"
e ele, sem reconhecer a interpelação,
"-Senhor!" repete ela,
e ele, há muito desabituado de ser tratado assim, percebe, por fim, que é com ele, e volta-se, incrédulo perante a vista da caixa - o almoço da miúda - que ela lhe estende. Olha para a mãe da criança, que com os olhos lhe faz sinal que aceite, e ele, agradecido e balbuciante, toma a caixa e sai num repente.

A mãe, ainda não refeita da surpresa, mal contém o orgulho,
"- Fizeste bem," enquanto se levanta para ir comprar outra dose - sim, que a miúda tem que almoçar.

Essa, impávida e sem perceber o que a mãe vai fazer, ataca com a maior naturalidade as batatas - o que restou do seu almoço. Sem pedir mais nada.

Filha de maçons.

Paulo M.

21 setembro 2011

Maçonaria e Poder (X)


A Maçonaria foi introduzida em Portugal, ainda na primeira metade do século XVIII. A primeira Loja de que há conhecimento foi a Loja que ficou conhecida como a dos "Hereges Mercadores", fundada por comerciantes britânicos, protestantes, ainda antes de 1730. Esta Loja foi, em 1735, inscrita no registo da Grande Loja de Londres (Premier Grand Lodge) sob o n.º 135 e, mais tarde, sob o n.º 120, tendo vindo a ser abatida ao quadro de Lojas daquela Grande Loja em 1755. Esta Loja, de orientação estritamente inglesa e Regular, nunca teve qualquer intervenção política e, mesmo após a condenação da Maçonaria por Clemente XII, em 1738, nunca foi incomodada pela Inquisição, certamente devido à nacionalidade dos seus obreiros.

A segunda Loja de que há conhecimento em Portugal foi a "Casa Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia", fundada em 1733. Agrupava predominantemente irlandeses, maioritariamente católicos. Eram essencialmente comerciantes, mas também havia marítimos, soldados, médicos, um estalajadeiro, um mestre de dança e três frades dominicanos. Veio a integrar-se nesta Loja o arquiteto húngaro Carlos Mardel, um dos principais responsáveis pelos projetos de reconstrução de Lisboa após o terramoto de 1755. Com a publicação da bula de Clemente XII condenando a Maçonaria, esta Loja dissolveu-se.

A terceira Loja conhecida em Portugal foi fundada em 1740 pelo lapidário de diamantes John Coustos, suíço naturalizado inglês, e agrupava cerca de trinta comerciantes e lapidários franceses, ingleses, um belga, um holandês, um italiano e três portugueses, maioritariamente católicos (John Coustos, o Venerável, era, porém, protestante). Denunciada esta Loja à Inquisição em 1743, os seus obreiros foram presos, torturados e condenados. Os seus principais elementos foram condenados às galés. Os portugueses foram, pura e simplesmente, executados. Por pressão de Jorge II de Inglaterra, John Coustos e os seus companheiros acabaram por ser libertados, em 1744, sob condição de abandonarem o país. John Coustos, já em Inglaterra, veio a publicar um livro que viria a ter alguma notoriedade na Europa desse tempo, The Sufferings of John Coustos for Freemasonry and for His Refusing to Turn Roman Catholic in the Inquisition (Os sofrimentos de John Coustos na Inquisição pela Maçonaria e pela sua recusa de se converter ao catolicismo). A Loja ficou, obviamente, extinta, com a intervenção da Inquisição.

Só depois do terramoto, consolidado o poder do Marquês de Pombal, expulsos os jesuítas e fortemente limitado o poder clerical, voltou a haver condições para a atividade maçónica em solo português. Em 1763 havia em Lisboa uma Loja de orientação inglesa e, crê-se, uma Loja francesa e uma terceira, mista de militares e civis. Em 1768, fundou-se uma Loja no Funchal. Porém, com a morte de D. José I e o afastamento do poder do Marquês de Pombal, regressaram as perseguições. Em 1791, havia Lojas maçónicas em Lisboa, Porto, Coimbra, Valença, Funchal e nos Açores, mas as fortes perseguições inquisitoriais em 1791 e 1792 desmantelaram, pela segunda vez, a Maçonaria em terras lusas.

Só com o desembarque em Portugal, em 1797, de um corpo expedicionário inglês, se voltaram a reunir condições para o restabelecimento da atividade maçónica em Portugal, existindo, no ano seguinte, quatro Lojas de orientação inglesa em Lisboa, três de militares e uma mista de militares e civis, incluindo portugueses. Estas Lojas tiveram, no registo da Premier Grand Lodge, os números 94, 112, 179 e 315. Esta última veio, mais tarde, a ser a Loja n.º 1 dos registos portugueses, com o nome de "União".

Ao abrigo do poder militar inglês, novas Lojas se foram formando, adquirindo a condição de maçons nomes ilustres da intelectualidade portuguesa da época.: abade Correia da Serra, Filinto Elísio, Ribeiro Sanches, Avelar Brotero, Domingos Vandelli, José Anastácio da Cunha, José Liberato Freire de Carvalho, Domingos Sequeira.

Desta primeira fase da introdução da Maçonaria em Portugal, em três tempos, podem tirar-se algumas conclusões significativas:

1) Até ao início do século XIX, a atividade maçónica em Portugal foi, essencialmente, de orientação inglesa, segundo as regras da Maçonaria mais tarde denominada de Regular, não interferindo, nem procurando interferir, na coisa pública.

2) A grande oposição à Maçonaria em Portugal proveio do Poder religioso, pela mão da Inquisição.

3) Quando o Poder político ou o Poder militar (de forças externas) limitaram o Poder clerical, a Maçonaria reflorescia.

Estes factos, aliados aos sucessos da Revolução Francesa e à posterior presença de forças expedicionárias napoleónicas em Portugal, vieram a refletir-se na evolução futura da Maçonaria lusitana, em especial na sua relação com o Poder: se inicialmente a Maçonaria de orientação Regular e não interventiva no Poder foi perseguida e desmantelada, só conseguindo reaparecer à sombra do Poder, civil ou militar, que limitava o Poder clerical, então haveria que, sobretudo, garantir que o Poder clerical não voltasse a ser tão forte que pudesse, de novo, pôr em causa a atividade maçónica, se necessário intervindo de forma a favorecer o Poder político que tal garantisse.

Vinham aí as guerras napoleónicas, a suserania inglesa e a Guerra Civil entre Absolutistas e Liberais. A Maçonaria em Portugal ia atravessar todo esse período de instabilidade. E, paulatina e insensivelmente, ia derivar da orientação Regular para a intervenção política, aproximar-se intimamente do Grand Orient de France, vindo a culminar no anticlericalismo que foi marca da I República.

Ironicamente, este percurso foi, em grande parte, motivado pela interferência do Poder religioso, que impediu a natural e livre implantação da Maçonaria Regular. As perseguições das Inquisição lavraram o terreno onde germinaria a Maçonaria Irregular, ou Liberal, em Portugal. Dois séculos viriam a decorrer até à institucionalização da Maçonaria Regular em terras lusas.

Fontes:

http://www.gremiolusitano.eu/?page_id=28

http://en.wikipedia.org/wiki/John_Coustos

Rui Bandeira

19 setembro 2011

Os maus maçons



As boas ações dos maçons ficam quase sempre - como é suposto - no segredo do íntimo de cada um. Não é próprio de um maçon alardear o bem que espalha em seu redor, ou, como diz o evangelho segundo Mateus, "não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita". Assim, os bons exemplos daquilo que os maçons fazem nunca chegam a ser verdadeiros exemplos: desconhecidos de quase todos, é como se não tivessem sequer ocorrido.

Não falam as bocas do mundo das boas obras deste ou daquele maçon, e se falam não mencionam o facto de ser maçon - eventualmente de forma pública. Mas, se por acaso o mencionam, não se diz nunca que foi "a maçonaria", por intermédio dessa pessoa, que fez bem; o bem é, sempre e quando muito, um ato individual.

Já quando o nome de um suposto maçon cai na lama da praça pública, logo os clamores se erguem para estabelecer uma suposta ligação entre um facto e o outro, e logo se toma a parte pelo todo, atacando-se a totalidade dos maçons por causa de uma acusação feita a um ou a uns poucos... De facto, a discrição que carateriza a maçonaria joga frequentemente em seu desfavor.

Negar as evidências não é próprio de seres racionais ou de pessoas inteligentes. Por isso começarei por afirmar: é claro que há maçons que fazem coisas mal feitas; venha o primeiro dizer que nunca cometeu um erro. O facto de um maçon cometer erros só prova que cumpre um dos requisitos para ser maçon: pretender aperfeiçoar-se. Um maçon que cometa um erro pode contar com o apoio dos seus irmãos, e será tanto mais apoiado quando manifeste a firme vontade de se corrigir e aperfeiçoar. Por isto mesmo, uma pessoa perfeita não teria lugar na maçonaria. 

Mesmo os melhores fazem, por vezes, coisas mal feitas. Assim, não me assusta nem me incomoda nada que se diga que um maçon cometeu um erro. Preocupa-me, sim, saber como reagiu ele a esse erro: evitou-o? corrigiu-o? remediou o mal feito? ou persistiu no erro, acomodou-se a ele e voltou a repeti-lo? E quando não são os melhores a errar? Quando são os piores? Quando não é um ato mau cometido por alguém que tem um historial consistente de fazer o bem, mas um ato mau de alguém que costuma fazer o mal?

Deixem que estabeleça um paralelismo. Tem-me chocado, como creio que a milhões de outros, saber do escândalo dos abusos sexuais de crianças por padres católicos por esse mundo fora. Choca-me tanto mais quanto fui criado no seio de uma família católica, e toda a vida conheci e privei com muitos padres. Por isso me repugna a ideia de que um padre possa ser pedófilo. Como é possível que um padre - alguém que eu tenho, em princípio, na melhor das contas - possa tornar-se em algo de tão odioso?

Um dia, de repente, apercebi-me de que estava a ver ao contrário: não eram os padres que se tornavam pedófilos, mas os pedófilos que se tornavam padres. Se bem atentarem, é o disfarce perfeito: não precisa de explicar o facto de não viver com ninguém, e pode estar quase sempre com crianças por perto. Como evitar, então, os padres pedófilos? A meu ver, evitando-se que os pedófilos se tornem padres. Note-se que isso não diminui o número de pedófilos, mas pode reduzir para zero, ou perto disso, o número de padres pedófilos.

Com a maçonaria e os maus maçons acontece fenómeno semelhante. Infelizmente, dos muitos que tentam juntar-se aos maçons para obter prestígio, benefícios e privilégios, alguns conseguem ser admitidos. Quando, por fim, se revelam através das suas más ações, o mal está feito. E, quando as suas más ações são conhecidas, é toda a maçonaria que fica manchada.

Porque a maçonaria regular é cumpridora das leis de cada país onde está estabelecida, e porque pretende, precisamente, manter um distanciamento dessas práticas, caso um maçon seja condenado pela justiça pelo cometimento de crimes ou ilícitos graves, só pode aguardar por um veredicto: a expulsão. Mas melhor do que remediar é prevenir. Quando os processos de inquirição são adequadamente conduzidos minimiza-se o risco de se admitir quem não deva sê-lo. E é assim que deve ser.

Paulo M.

15 setembro 2011

Maçonaria e Poder (IX)


A introdução da Maçonaria em França correu através da classe nobre e contemporaneamente à Guerra Civil em Inglaterra. Os apoiantes dos Stuarts exilaram-se em França e aí organizavam-se procurando recolocar no trono o rei deposto ou os seus descendentes. Conforme já referi em Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - o Discurso do Chevalier Ramsay, a própria génese do Rito Escocês Antigo e Aceite ocorre em França e no ambiente privilegiado da nobreza, isto é, no âmago do Poder, no tempo do Ancien Régime.

Devido à clivagem entre Antigos e Modernos, em Inglaterra, às rivalidades políticas resultantes da Guerra Civil inglesa e suas sequelas e à diferente vivência ritual existente nos dois países - em Inglaterra, praticando-se apenas o ritual da Craft, que ainda hoje permanece, designadamente no rito de Emulação; em França, criando-se e desenvolvendo-se outros rituais, designadamente o que viria a fixar-se como o do Rito Escocês Antigo e Aceite -, desde cedo existiu alguma rivalidade e alguns desencontros entre a Maçonaria inglesa, então Premier Grand Lodge, a Grande Loja dos Modernos, e a Maçonaria francesa (primeiro numa espúria Grande Loja de França, depois com o Grand Orient de France.

Os tempos da Revolução Francesa encontraram a Maçonaria desse país fortemente dividida, em termos de classes. Segundo um estudo de Estêvão de Rezende Martins (Quem Fez a Revolução Francesa, Revista Humanitas, vol. 7, n.º 2, p. 168), em maio de 1789 havia 200 deputados maçons nos Estados Gerais, pertencendo 79 destes à nobreza e distribuindo-se os restantes 121 pelo clero (sim, pelo clero católico!) e pela alta e média burguesia.

Napoleão Bonaparte utilizou conscientemente a maçonaria como instrumento político. Embora se tenha afirmado que ele próprio foi iniciado maçom em 1798, na ilha de Malta, não existem provas conclusivas de tal. No entanto, não existe dúvida de que quatro dos seus irmãos (José, que viria a ser rei de Espanha, Luís, que reinou na Holanda, Luciano, príncipe de Cannino e Jerónimo, rei da Westfalia) foram maçons. Também o foram o cunhado de Napoleão, Murat, e o enteado, Eugène de Beauharnais. E igualmente foram maçons 22 dos seus Marechais. José Bonaparte assumiu as funções de Grão-Mestre do Grand Orient, enquanto que Luís Bonaparte dirigiu a estrutura do Rito Escocês. Em dezembro de 1804, o Grand Orient anexou o Rito Escocês e a maçonaria francesa ficou sob a direção de José Bonaparte.

A invasão napoleónica da Península Ibérica foi efetuada com muitos militares maçons integrando as forças invasoras. A primeira loja maçónica criada pelos invasores napoleónicos na Península Ibérica foi a de San Sebastián, em 18 de julho de 1809. Seguiram-se outras em Vitória, Saragoça, Barcelona, Girona, Figueras, Talavera de la Reina, Santoñas, Santander, Salamanca, Sevilha e, naturalmente, Madrid, onde se instalou (em local que fora da Inquisição...) a Grande Loja Nacional de Espanha.

Em Portugal, e a título de exemplo, Gomes Freire de Andrade, que integrou o exército napoleónico em campanhas um pouco por toda a Europa, foi maçom e viria a ser Grão-Mestre do Grande Oriente de Portugal.

A Maçonaria francesa comprometeu-se fortemente na Revolução, adotando a sua divisa Liberdade-Igualdade-Fraternidade - que, ainda hoje, permanece, e justamente, como uma das divisas da Maçonaria.

Porém, em França, a Maçonaria não se limitou a ver elementos seus intervirem politicamente. Como um todo, enquanto instituição, a Maçonaria comprometeu-se com a Revolução, em prol dos ideais de Liberdade, de Igualdade, de Fraternidade, lema que a II República Francesa consagrou, em substituição do original revolucionário Liberdade, Igualdade ou Morte. Ao contrário da Maçonaria inglesa - e de todas as Obediências que hoje integram o universo da Maçonaria Regular, o Grand Orient não se limitou a criar as condições para que os seus membros individualmente se aperfeiçoassem e, assim, por essa via do aperfeiçoamento individual de cada vez mais, se lograsse o aperfeiçoamento da sociedade. Empenhou-se diretamente na transformação da Sociedade. Embora o empenhamento dos maçons franceses tivesse como escopo ideais nobres, como indubitavelmente são os da Liberdade, da Igualdade, da Fraternidade, da Democracia, o método, a forma, de proceder era já diferente do método e do procedimento ancestral maçónico.

Não admira, assim, que as divergências entre a Premier Grand Lodge e o Grand Orient se acentuassem. Até que uma decisão da Obediência francesa, a aceitação de ateus como maçons, veio a ditar a inevitável separação, pois a Maçonaria de tipo inglês não concebe que a qualidade de crente não seja condição necessária para se ser admitido maçom.

Consumou-se assim a separação em dois ramos daquilo que ainda hoje é, genericamente, conhecido apenas por Maçonaria: a Maçonaria Regular, de orientação inglesa, crente, que trabalha à Glória do Grande Arquiteto do Universo e sem intervenção institucional na Política, deixando ao critério de cada um dos seus membros a decisão de intervir, ou não, politicamente, pela forma que entender e inserindo-se na organização política que escolher, sendo proibida qualquer controvérsia política ou religiosa no seu seio; e a Maçonaria seguidora do percurso do Grand Orient de France, dita irregular, ou liberal, que não exige que os seus membros sejam crentes e que admite a intervenção política organizada dos maçons, em prol dos ideais de melhoria da sociedade que defende.

É esta dicotomia que a maior parte das pessoas que não conhecem a história e a evolução da Maçonaria não entende. Não há hoje uma Maçonaria, mas duas. Do antigo tronco comum, existe agora a Maçonaria Regular, crente e não interventiva politicamente, e a Maçonaria Liberal, que admite não crentes e a intervenção política enquanto instituição.

A Maçonaria Regular reconhece o Poder político vigente em cada sociedade e insere-se na mesma de acordo com a legislação vigente: onde legalmente for proibida a Maçonaria, a Maçonaria Regular não está presente. Destina-se a, dentro da legalidade, proporcionar aos seus elementos um meio, um método, um ambiente, uma cultura, que possibilite o aperfeiçoamento de cada um, para que cada qual, melhor, atue na sociedade e, por essa via, gradualmente, esta melhore também.

A Maçonaria Liberal procura estabelecer e garantir os ideiais que professa (e que são indubitavelmente corretos: Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Democracia) nas sociedades onde atua. Se possível, agindo e inserindo-se legalmente nesta, e nela intervindo politicamente, para além do mais; mas, onde e quando necessário, lutando pela instauração dos valores que defende.

Nenhuma destas Maçonarias é, intrinsecamente, melhor ou pior do que a outra. São, apenas, diferentes. Uns - como os maçons da Loja Mestre Affonso Domingues - inserir-se-ão naturalmente na Maçonaria Regular, por entenderem ser a que melhor lhes convém. Outros preferirão juntar-se à Maçonaria Liberal.

Em termos de relacionamento com o Poder, naturalmente que a Maçonaria Regular tem um posicionamento mais distante, como qualquer outra instituição de cariz não político, enquanto que a Maçonaria Liberal assume a sua vocação de lutadora por valores essenciais e abertura à intervenção política.

Pode haver elementos do Poder tanto na Maçonaria Regular como na Maçonaria Liberal. Mas só os elementos da Maçonaria Liberal podem ser elementos da Maçonaria no seio do Poder. Esta distinção é essencial que seja feita.

Fontes:

http://www.samauma.biz/site/portal/conteudo/opiniao/ap00208revolucaofranc.htm
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJ8eR97dQuzOc717i1PxqautX_BEkKU5G8Huqfq0o4W9CQgFV5QaQcX8P0F73IQO5-0uFD7keDrN2IMrb8TD2QMw9ohRN0Hek5uvdsbKP4zLgqpDK-TK1YuxLXZJkg4MrUEiLq/s1600/N1.JPG
http://blogdamaconaria.blogspot.com/2008/05/liberdade-igualdade-fraternidade.html

Rui Bandeira

14 setembro 2011

O Tempo, a Idade e a Maçonaria - III



Ninguém se torna maçon sozinho, antes é iniciado por quem já passou por idêntica cerimónia, numa cadeia que remonta às difusas origens da maçonaria. É necessário que alguns vão chegando, pois que todos vão partindo um pouco a cada dia que passa. E se a diferença de idades permite que a cada um aproveite o contacto com gerações diferentes da sua de uma forma fraternal que dificilmente se vê neste mundo, não cessa, por outro lado, de nos fazer recordar, serenamente, que a todos espera o mesmo destino.

Onde o jovem recorre à força, o homem maduro usa da astúcia, e o velho da delicadeza. Um sorve, de um trago só, o que lhe puserem à frente; o outro só bebe se valer a pena; o último aprendeu a saborear, gota a gota, o fundinho da última garrafa da sua bebida favorita, que já não se faz mais. Onde um vê defeitos, outro vê diferenças de feitio, e o último sorri sozinho, com saudades das idiossincrasias de um irmão que partiu.

Cada um, no seu caminho, pisa onde escolhe pisar, na certeza de que se olhar para onde puseram os pés aqueles que o antecederam, descobrirá com mais facilidade onde se encontram as poças e as pedras. É esse saber - que não se ensina, mas que se aprende pela observação - que se encontra no coração da maçonaria.

Ser maçon é querer aperfeiçoar-se, tornar-se melhor, ser bom. A maçonaria não ensina nem explica porquê ou para quê. Não promete nada em troca desse melhoramento - e muito menos oferece qualquer salvação eterna. Isso é assunto para a religião, a crença e/ou a fé de cada um. Cada um terá as suas razões, os seus objetivos, e a sua visão para o querer ser melhor; a maçonaria apenas facilita os meios para o conseguir.

O maçon sabe que o seu trabalho só acaba na sua morte. Sabe que este mundo lhe nega a perfeição, e que esta lhe é inatingível. Não obstante, não cessa de procurar aproximar-se sempre um pouco mais. Sabe que o seu tempo é finito mas é todo aquele que terá, assim como sabe também que o seu caminho é aquele que tiver percorrido, e o seu destino o lugar onde acabar por parar. Dono do seu percurso, senhor do seu tempo, mestre da sua vida, cada maçon pule a sua pedra, busca a sua Luz, ruma ao seu Oriente, até que a partida para o Oriente Eterno o liberte por fim.

Paulo M.

07 setembro 2011

Maçonaria e Poder (VIII)


Prince Hall

Nunca a Maçonaria americana, até hoje, teve uma organização central nacional. Em cada Estado existe uma Grande Loja, soberana maçonicamente nesse Estado, independente e igual das restantes Grandes Lojas. É um reflexo e consequência da grande autonomia de cada Loja, conforme hábito adquirido desde os tempos da colonização do território norte-americano.

Não existe, assim, um Poder maçónico federal, correspondente ao Poder federal americano. Cada Grande Loja atua ao nível do seu Estado - e é tudo. E cada Grande Loja não interfere nas competências e atribuições das outras Grandes Lojas. Para o bem e para o mal!

A independência recíproca das Grandes Lojas e das Lojas americanas quase sempre impediu posições consensuais em relação às grandes questões políticas americanas. Aquando da Guerra Civil americana, as Grandes Lojas estaduais alinhavam-se pelos respetivos Estados. Houve combatentes em ambos os lados da barricada. Albert Pike, um proeminente maçom, autor de uma obra de referência sobre o Rito Escocês Antigo e Aceite, foi um general confederado. No Norte, Abraham Lincoln e Ulysses S. Grant, foram também maçons.

Também na questão racial, a Maçonaria americana institucionalmente não teve - e ainda não tem - uma posição comum. Nos Estados Unidos, a maçonaria foi fundada e implantada por colonos brancos. Durante muito tempo, negros (não apenas os escravos que, logo, não eram homens livres nas suas pessoas) não eram admitidos nas Lojas.

No entanto, já em 6 de março de 1775, antes da Independência americana, Prince Hall, um negro livre, abolicionista e ativista dos direitos civis, e outros 14 homens também negros tinham sido iniciados na britânica Military Lodge, n.º 441. Após a saída do exército britânico de Boston, em 1776, aos maçons negros foi concedida uma dispensa maçónica para operações limitadas como a Loja Africana, n.º 1. Tinham o direito de reunir-se como uma Loja, para participar na procissão maçónica no dia de S. João, e para enterrar os seus mortos com os ritos maçónicos, mas não para conferir graus ou executar outras funções maçónicas. A Grande Loja de Massachussets nunca reconheceu esta Loja, a qual, porém, veio a receber uma carta-patente da Grande Loja Unida de Inglaterra, como sua Loja Africana, n.º 459, emitida em 1784, mas só recebida em 1787.

As Lojas e Grandes Lojas americanas continuavam a não admitir negros nas suas fileiras. Com efeito, devido à vigente regra da unanimidade para novas admissões, bastava um voto contra para impedir a admissão de um candidato. Bastava um elemento racista (que, ainda por cima, não era possível identificar, pois as votações processam-se por voto secreto) para impedir a admissão de um negro, por muito valoroso ou, mesmo, proeminente que ele fosse.

A Loja Africana passou a receber insistentes pedidos de negros para estabelecer lojas filiadas nas respetivas cidades e, conforme os usos da época, serviu de Loja-mãe a novas Lojas de negros em Filadélfia, Providence e Nova Iorque.

Com o tempo, estabeleceram-se lojas Prince Hall qiase em todos os Estados Unidos e constituíram-se Grandes Lojas Prince Hall em 41 Estados (mais Washington DC) daquele país. Não é conhecida a existência de qualquer Loja Prince Hall no Estado de Vermont e, nos oito Estados restantes (Idaho, Maine, Montana, New Hampshire, North Dakota, South Dakota, Utah e Wyoming), as Lojas Prince Hall aí existentes dependem de Grandes Lojas Prince Hall de outros Estados. Porém, até à última década do século passado, as Grandes Lojas mainstream, isto é, as Grandes Lojas tradicionais, constituídas quase exclusivamente por brancos, não reconheciam as suas congéneres Prince Hall, as Grandes Lojas constituídas quase (mas não exclusivamente) por homens negros (ou, como o "politicamente correto" de hoje manda que se diga nos Estados Unidos, por afro-americanos). Desde então, finalmente, pelo menos 41 das 51 Grandes Lojas mainstream reconheceram as suas congéneres Prince Hall nos respetivos Estados (e também algumas ou todas dos outros Estados), tendo também havido entretanto um adicional conjunto de reconhecimentos blanket, isto é, Grandes Lojas reconhecendo todas as Grandes Lojas Prince Hall que tenham sido reconhecidas por outra Grande Loja mainstream. Apenas algumas (10) Grandes Lojas de Estados do Sul resistem ao reconhecimento das suas congéneres Prince Hall.

Esta situação deriva do princípio da independência de cada Grande Loja estadual. Precisamente porque não existe um poder maçónico federal, mas apenas Grandes Lojas Estaduais, independentes entre si, nenhuma Grande Loja se pode imiscuir nos assuntos internos das outras. Daí que o anacronismo de um serôdio racismo ainda imperando em alguns Estados do Sul dos Estados Unidos ainda permaneça. Mas, se a independência de cada Grande Loja possibilita este anacronismo, também a força da censura e do exemplo das restantes vai fazendo o seu caminho: paulatinamente o número das Grandes Lojas que resistem ao reconhecimento das suas congéneres Prince Hall vai diminuindo e espero que não esteja distanmte o dia em que o anacronismo cesse de vez.

Num país ainda não inteiramente liberto do aguilhão do racismo, em que a eleição do seu primeiro Presidente negro (ou afro-americano...) foi um evento para muitos impensável, a Maçonaria comunga das virtudes e dos defeitos das sociedades em que se insere.

Fontes:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Prince_Hall
http://sosml68.weebly.com/prince-hall-recognition.html
http://bessel.org/glspha.htm
http://bessel.org/masrec/phachart.htm

Rui Bandeira

05 setembro 2011

O Tempo, a Idade e a Maçonaria - II



Mais do que uma idade certa, há uma maturidade certa para se ser iniciado. Muitos nunca atingem essa maturidade: nascem, vivem e morrem sem nunca perder um segundo com as "grandes questões", tal a azáfama com que passam por esta existência. Outros atingem-na, encontram as sua próprias respostas, e deixa, a partir de certo ponto, de fazer sentido procurarem outro método de aperfeiçoamento, pois já encontraram o seu próprio método, chegaram às suas próprias conclusões, traçaram o seu próprio caminho.

Cada maçon tem a sua própria história, o seu próprio ritmo, o seu próprio percurso. Uns chegam mais cedo, outros mais tarde. Uns caminham mais depressa, outros mais devagar. Outros ainda levam mais tempo numa fase, e noutra disparam a correr. Ou ao contrário.

Temos entre nós quem tenha sido iniciado aos vinte e poucos anos, e quem o tenha sido já depois de ser avô. Temos quem tenha sido aprendiz ou companheiro durante bastantes anos, e quem ao fim de menos de dois anos já fosse mestre. Temos quem tenha ficado pouco tempo, quem tenha ficado alguns anos, e quem ainda cá esteja. Por tudo isto, encontra-se numa loja uma grande diversidade de idades, maturidades e sensibilidades. A todos une, porém, a vontade de se tornarem pessoas melhores, e de o fazerem juntos, e aprendendo uns com os outros.

Os aprendizes mais jovens podem aproximar-se mais facilmente de mestres mais próximos da sua idade, até estarem mais à vontade com os mais velhos. Os aprendizes mais velhos terão porventura maior afinidade, pelo menos inicialmente, com os maçons mais maduros. Com o passar do tempo, à medida que aquelas caras vão adquirindo nomes, aos nomes se vão juntando feitios, e os feitios, as caras e os nomes se tornam pessoas que vamos conhecendo e distinguindo das demais, os aprendizes vão-se apercebendo com quem podem aprender melhor o quê, e acabam por aprender com todos - com uns mais do que com outros, mas isso também faz parte...

Chegado a companheiro, o maçon conhecerá já razoavelmente a maioria dos irmãos da sua loja, e estes a ele. Terá, para além disso, passado pela experiência de ter "irmãos mais novos", iniciados depois dele. Esses irmãos mais novos podem ser até mais velhos em idade, o que torna tudo muito mais interessante. E quando se chega a mestre, percebe-se por fim que todos têm alguma coisa a aprender com cada um dos demais.

Os mestres mais novos encontram nos mais velhos a experiência de quem já passou por muitas situações difíceis, tomou muitas decisões - algumas mais certas que outras - e tem, enfim, a sabedoria que só a idade, a experiência e as dificuldades proporcionam. Por seu lado, os mestres mais velhos encontram nos mais novos a possibilidade de reviver e questionar o seu próprio percurso, de tornar de novo novas as suas velhas dúvidas e questões, e a possibilidade de passarem para outros aquilo que receberam dos que os antecederam. Uns e outros partilham da alegria de estarem juntos, de serem diferentes, e de terem algo a aprender uns com os outros.

Sem sangue novo, uma loja está condenada, mais ano menos ano, a abater colunas: não há quem ensinar e, à medida que os mestres forem passando ao Oriente Eterno, a loja vai ficando mais pequena, até deixar de se poder manter. Por outro lado, sem o "sangue velho" - e muitas começaram assim - a loja pode até existir, mas é uma loja sem raízes nem memória, que só adquirirá com o decorrer dos anos.

Diz-se que em maçonaria nada se ensina, e tudo se aprende. É, por isso, um privilégio poder-se aprender com quem cá está há mais tempo.

Paulo M.