29 agosto 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XVIII

Se o Vice-Grão-Mestre estiver doente, ou ausente por necessidade, o Grão-Mestre poderá escolher qualquer Companheiro que lhe aprouver para ser seu Vice-Grão-Mestre pro tempore. Mas quem foi escolhido Vice-Grão-Mestre na Grande Loja, e os Grandes-Vigilantes também, não podem ser demitidos sem o caso ser devidamente apreciado pela Maioria da Grande Loja; e se o Grão-Mestre estiver incompatibilizado com algum, pode levar o caso perante a Grande Loja para esta dar a sua opinião e contributo; em qualquer caso, se a Maioria da Grande Loja não conseguir reconciliar o Grão Mestre, o seu Vice-Grão-Mestre ou seus Vigilantes. deve concordar com a dispensa, pelo Grão Mestre, do seu dito Vice-Grão-Mestre ou de seus ditos Vigilantes e escolher outro Vice-Grão-Mestre imediatamente: a Grande Loja deve escolher, também, outros Vigilantes, sendo esse o caso, para que a paz e a harmonia sejam preservadas.

Esta regra dispunha sobre duas situações diversas: a substituição temporária, por doença ou impedimento, do Vice-Grão-Mestre e o regime de demissão e substituição deste e dos Grandes Vigilantes. Enquanto que a substituição temporária era livremente efetuada, por decisão do Grão-Mestre, a demissão e substituição dependiam de prévio conhecimento e tentativa de conciliação entre o Grão-Mestre e o ou os Grandes Oficiais visados. Falhada esta, dava-se prevalência à vontade do Grão-Mestre e a demissão consumava-se, procedendo a Grande Loja à eleição de novo ou novos titulares do ou dos ofícios.

Esta regra caiu em desuso, porquanto atualmente, na grande maioria, senão a totalidade, das Obediências, nem o ou os Vice-Grão-Mestres, nem os Grandes Vigilantes são eleitos pela Assembleia de Grande Loja, sendo antes designados pelo Grão-Mestre. Como é bom de ver, quem tem o poder de designar tem o poder de demitir e substituir, pelo que a regra atual é a da livre demissão e substituição destes e de todos os Grandes Oficiais que não são eleitos, por vontade e ato do Grão-Mestre, em regra consubstanciado por Decreto do Grão-Mestre.

Na GLLP/GLRP, para além do Grão-Mestre, só o Grande Tesoureiro, o Grande Porta-Gládio e os elementos do Conselho Fiscal são eleitos. Parece evidente a fundamentação desta opção: quanto ao Grão-Mestre, a legitimidade para o exercício dos amplos poderes que lhe são confiados durante o seu mandato só pode advir pela expressão da vontade do universo eleitoral; o Grande Tesoureiro é o responsável pela guarda e administração dos bens fiduciários da Grande Loja, pelo que também só quem beneficie da confiança do universo eleitoral pode ver ser-lhe confiada a gestão e guarda de parte importante do património comum; o Grande Porta-Gládio, que empunha o gládio, a espada da Justiça, é o Presidente do Tribunal de Apelação, o elemento a quem a Fraternidade confia o encargo de dirimir conflitos e aplicar sanções, em suma, a nobre tarefa de aplicar a justiça interna, sendo indispensável que goze da legitimidade advinda da sua eleição e da confiança que todo o universo eleitoral assim nele deposita; finalmente, o Conselho Fiscal, que exerce as funções que legalmente estão cometidas a qualquer Conselho Fiscal de qualquer pessoa coletiva, é eleito por sufrágio universal interno, porque assim a Lei do Estado Português o determina - e, ao contrário do que os mal-intencionados propalam em relação à Maçonaria, esta e as suas organizações cumprem escrupulosamente as leis dos Estados em que se inserem.

Nas origens da Maçonaria especulativa, havia óbvia preocupação de estabelecer um ponto de equilíbrio entre os poderes do Grão-Mestre e os das Lojas e respetiva Assembleia de Grande Loja. A evolução ao longo dos quase trezentos anos subsequentes veio acentuar os poderes executivos do Grão-Mestre, reservando-se para a Assembleia de Grande Loja o poder de eleger e o poder legislativo máximo. Não constitui esta evolução , ao contrário do que, à primeira vista, possa parecer, um reforço dos poderes do Grão-Mestre em face do coletivo. Esta evolução é antes o sedimentar de uma constatação que a sabedoria resultante da aplicação ao longo do tempo evidenciou: a atividade maçónica é, na sua essência, puramente voluntária; assim sendo, o Grão-Mestre apenas exerce os poderes que a confiança daqueles que o escolheram lhe concede, sendo uma evidência que a atuação para além ou contra essa confiança não será seguida pelo universo que dirige; quem porventura o fizer, ilude-se e acabará desiludido: ver-se-á um "general sem soldados"...

Portanto, a globalidade dos maçons de uma Obediência confere amplos poderes àquele que elege Grão-Mestre, no pressuposto de que ele os exercerá em prol do bem comum da Fraternidade e não desmerecendo da confiança que nele é depositada, em tão grande medida quanta a dos enormes poderes que lhe são conferidos. Se, porém, o eleito vier a desmerecer dessa confiança, e não se revelar possível corrigir a situação, basta deixá-lo a falar sozinho até que se esgote o seu mandato...

É claro que pode haver preços a pagar: a delicada situação em que se encontra hoje a Grande Loge Nationale Française é exemplo disso. Mas algo que os maçons aprenderam é que a resolução de todos os problemas passa também por uma dimensão que, muitas vezes, tendemos a esquecer: pelo tempo! Por muitos estragos que uma opção errada faça, o tempo se encarregará de os atenuar, de os enquadrar no imenso deve e haver  cósmico... E se e quando organizações caem é porque estavam já doentes, desequilibradas e porventura será, a longo prazo, melhor que se faça novo do que se tente endireitar o que torto está... Por outro lado, se e quando uma organização treme e verga, mas, pese embora erros cometidos, arrepia caminho, corrige o que tiver a corrigir, segue em frente e reganha a confiança de outrora, então é porque valeu a pena o esforço de corrigir o que estava mal, mais do que recomeçar do zero...

Afinal, as organizações servem - só servem! - para as pessoas e. em maçonaria, antes de tudo e no fim de tudo, só a pessoa interessa. O fim último da Maçonaria é o aperfeiçoamento da pessoa, das pessoas, uma a uma. Quando ocorrem erros, devem ser utilizados para aprendizagem e exemplo, não para se chorar sobre leite derramado...

Por isso, se concluiu que a melhor forma de organização de uma Fraternidade inteiramente baseada na atuação e intervenção voluntária dos seus elementos é a concessão ao seu dirigente máximo de amplos poderes, conjugada com tempo curto de duração de mandato. Quem está de boa fé e é capaz, utiliza os amplos poderes e a total confiança que lhe são delegados em prol da Fraternidade, com uma eficácia (produtividade, está na moda dizer-se agora...) muito superior à que existiria se tivesse os seus poderes mais limitados, necessitando constantemente de autorizações e opiniões e consensos e votações, enfim este mundo, o outro e um par de botas de burocracia. Quem for menos capaz ou utilizar de forma menos correta os poderes que lhe foram delegados... bem, o mandato é curto, o tempo passa depressa e atrás de tempo, tempo vem... Quase quatrocentos anos de evolução dão um certo conforto quanto à sageza desta evolução...


Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 140-141.

Rui Bandeira

22 agosto 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XVII

Nenhum Grão-Mestre, Vice-Grão-Mestre, Grandes Vigilantes. Tesoureiro, Secretário, ou quem os represente, ou em seu lugar estiverem pro tempore, pode ser ao mesmo tempo Mestre ou Vigilante de uma Loja; mas tão logo seja honradamente dispensado de seu cargo, retorna ao seu posto ou posição na sua Loja, da qual foi chamado para a função referida.


Esta regra postula a incompatibilidade entre o exercício dos principais ofícios em Grande Loja e os principais ofícios em Loja. Recorde-se que, em 1723, Mestre era a designação para o ofício que hoje é designado de Venerável Mestre; na ocasião, as Lojas maçónicas ainda tinham apenas dois graus, Companheiros (os correspondentes aos atuais Mestres) e Aprendizes.

Não deixa de ser curioso que uma preocupação que é hoje comum na coisa pública dos países democráticos, a determinação de incompatibilidades entre funções, já tivesse sido prevista e regulada, no início do século XVIII, pelos maçons.

Afigura-se evidente que o propósito da fixação desta incompatibilidade era assegurar a mútua independência das Lojas e da Grande Loja, não permitindo confusão de interesses, por duplicação de funções, legitimidades e representações: o Venerável Mestre e os Vigilantes das Lojas respondem perante elas; os Grandes Oficiais respondem perante o Grão-Mestre e, quando reunida, a Assembleia de Grande Loja.

Não obstante, e sem pretender conhecer a orgânica de todas as Obediências maçónicas ao redor do globo, intuo que, presentemente, esta regra não é seguida, já não é aplicada, não consta, senão de todos, da grande maioria dos regulamentos das Obediências. O crescimento das Obediências, algumas hoje com centenas ou milhares de Lojas, diluiu a necessidade de preservar conflitos por incompatibilidade. Também a curta duração dos mandatos, particularmente nas Lojas (em regra, um ano) impede que haja problemas, ao menos duradouros, com a eventual acumulação de ofícios.

Porém, em minha pessoal opinião, mesmo sem regras formais instituídas, o princípio da não acumulação de ofícios nas Lojas e na Grande Loja (ao menos os ofícios principais) é um princípio saudável, não tanto pela necessidade de prevenir favorecimentos, mas por uma questão de evolução do maçom em si. 

Um maçom efetua um percurso, no qual é suposto procurar obter o seu aperfeiçoamento. Também na sua evolução maçónica isso se deve refletir.

O Aprendiz aprende. O Companheiro aprende e prepara-se. O Mestre começa por executar ocasionalmente ofícios em Loja, depois é designado formalmente para um ofício, depois outro e seguidamente outro, de crescente complexidade e responsabilidade, até exercer o ofício de Vigilante e, depois, de Venerável Mestre. Depois, deve cumprir o seu dever de auxiliar o seu sucessor, no importante ofício de Ex-Venerável Mestre, primeiro conselheiro do líder em exercício. Depois, deve simbolicamente trilhar o seu caminho de regresso à base, à normalidade, ao grupo, à indiferenciação, exercendo o ofício tido como menos exigente, o de Guarda Interno. Finalmente, deve ter presente que o exercício de ofícios, de funções, de "poderes" é sempre transitório e remeter-se discretamente para o seu lugar nas Colunas da Loja, deixando a administração desta para aqueles cujo tempo de a administrar veio depois do seu, mantendo-se à disposição do Venerável Mestre e da Loja para o que preciso for, porventura ocasionalmente exercendo em substituição algum ofício ou auxiliando um Oficial em exercício..

Só depois de efetuado este percurso, de preparação, de exercício de funções, desde a mais humilde à mais importante, depois de "descer de novo a colina" e de resistir à tentação de continuar a decidir, a pôr e dispor, aprendendo que os tempos se sucedem e há tempo para aprender, tempo para mandar, tempo para aconselhar e tempo para se fundir de novo no grupo e estar disponível, sem se intrometer no trabalho dos que ficaram posteriormente com a tarefa de administrar a Loja, o maçom está então - na minha opinião - preparado paraassumir responsabilidades ao nível da Grande Loja.

Assim fiz eu - ficam assim a saber os meus Irmãos mais próximos porque resisti dezoito anos até finalmente me considerar apto a aceitar ter a responsabilidade de um Ofício na Grande Loja... - e não me dei mal com o sistema...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 140.

Rui Bandeira

15 agosto 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XVI

Os Grandes Vigilantes, ou quaisquer outros, devem primeiro aconselhar-se com o Vice-Grão-Mestre a respeito dos assuntos da Loja ou dos Irmãos, e não devem dirigir-se ao Grão-Mestre sem o conhecimento do Vice-Grão-Mestre, a menos que este recuse pronunciar-se sobre qualquer questão; neste caso, ou em caso de litígio com o Vice-Grão-Mestre, os Grandes Vigilantes, ou outros Irmãos, ambas as partes deverão dirigir-se ao Grão-Mestre para conciliação, o qual poderá decidir sobre a questão harmonizando as diferenças, dada a sua autoridade. 
O Grão-Mestre não receberá qualquer comunicação sobre assuntos relativos à Maçonaria, a não ser através de seu Vice-Grão-Mestre, exceto nos casos que julgue convenientes; se isso acontecer, pode mandar que os Grandes Vigilantes, ou qualquer outro Irmão, se dirijam ao Vice-Grão-Mestre, o qual deverá preparar o assunto devidamente e levá-lo, devidamente organizado, para sua apreciação.

Esta regra estipula um grau de intermediação entre o Grão-Mestre e a restante fraternidade, através do Vice-Grão-Mestre, que é de todo inexistente na Maçonaria atual, à exceção, porventura, da UGLE, e que julgo mesmo nunca ter existido na Maçonaria continental europeia, nem na americana.

A meu ver, resultou da aplicação de uma opção que Anderson e os restantes fundadores da Maçonaria Especulativa tomaram: reservar o Grão_mestre para as funções de alta direção da Fraternidade, definição de programas e estratégia e representação, deixando a administração ordinária da Fraternidade ao Vice-Grão-Mestre. Se bem ajuízo, seria a replicação na Maçonaria da estrutura do poder monárquico inglês: ao rei ficam reservadas as funções de representação, interna e externa, do país e a intervenção em momentos de crise; a administração do país competia ao primeiro-ministro.

Esta estrutura dual do poder de administração parece ser uma fórmula arreigada na tradição do pensamento anglo-saxónico: lembremo-nos que as multinacionais anglo-saxónicas, por regra, efetuam uma semelhante divisão de tarefas, dotando-se de um COB (Chief of the Board, Presidente do Conselho de Administração), com funções de planeamento estratégico e representação, e de um CEO (Chief Executive Officer, Administrador Executivo, que assegura a direção da gestão diária da empresa).

Esta estrutura dual permanece viva na United Grand Lodge of England (Grande Loja Unida de Inglaterra) até aos dias de hoje, favorecendo algo que é muito próprio desta Obediência: a assunção do ofício máximo, o de Grão-Mestre, por um membro da família real ou da alta nobreza britânica. E favoreceu ainda outra caraterística, única no mundo maçónico: a frequente manutenção do mesmo Grão-Mestre por longos períodos de tempo, em contraste com os mandatos de curta duração que se praticam correntemente nas restantes Obediências maçónicas.

Atente-se na lista de Grão-Mestres desde a criação da UGLE, em 1813, em resultado da fusão entre as Grandes Lojas dos Antigos e dos Modernos:  

1813 a 1843 - Príncipe Augusto Frederico, Duque de Sussex, sexto filho do rei George III;
1844 a 1870 - Thomas Dundas, 2.º Conde de Zetland;
1870 a 1874 - George Robinson, 3.º Conde de Grey e 2.º Conde, depois 1.º Marquês, de Ripon;
1874 a 1901 - Alberto Eduardo, Príncipe de Gales, depois Rei Eduardo VII;
1901 a 1939 - Príncipe Artur, Duque de Connaught e Strathearn, sétimo filho (3.º varão) da Rainha Vitória;
1939 a 1942 - Príncipe George, Duque de Kent, quinto filho (4.º varão) de George V, irmão mais novo de Eduardo VII e Jorge VI;
1942 a 1947 - Henry Lascelles, 6.º Conde de Harewood;
1947 a 1950 - Edward Cavendish, 10.º Duque de Devonshire;
1951 a 1967- Laurence Lumley, 11.º Conde de Scarbrough;
Desde 1968 - Príncipe Edward, Duque de Kent, neto de Jorge V, primo direito de Isabel II.

Na Maçonaria continental europeia e americana, a tendência é para a fixação de mandatos relativamente curtos dos Grão-Mestres, com assunção da totalidade dos poderes executivos da Obediência e assessoria de um ou mais Vice-Grão-Mestres, exercendo poderes delegados pelo Grão-Mestre e de substituição deste nas suas ausências ou impedimentos. 

Em todas as Obediências, quer no mundo anglo-saxónico, quer no latino e latino-americano, tem-se notado a crescente importância do Grande Secretário, oficial que assegura a tramitação administrativa e burocrática e coordena os colaboradores profissionais contratados pela Obediência.

 Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 140.


Rui Bandeira

08 agosto 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XV

Na Grande Loja ninguém pode actuar como Vigilante senão os Grandes-Vigilantes, se presentes; se ausentes, o Grão-Mestre, ou quem presidir em seu lugar, poderá nomear Vigilantes "ad-hoc" para exercerem o cargo de Grandes Vigilantes pro tempore, devendo ser Companheiros da mesma Loja chamados para o efeito, ou enviados pelo Mestre; em caso de omissão, então deverão ser chamados pelo Grão-Mestre, para que a Loja sempre esteja completa.


Esta Regra, que eu saiba, não tem correspondência na regulamentação ou na prática atual. Era uma Regra, porventura herdada da Maçonaria Operativa, claramente com interesse para uma organização com um reduzido número de Lojas e em que os ofícios em Grande Loja não eram apenas exercidos a nível individual, mas também em representação da Loja onde se se inseria o obreiro que exercia o ofício.

Daí o cuidado em que o Vigilante que não estivesse presente fosse substituído por um obreiro da sua Loja e que, não estando nenhum presente, fosse chamado a comparecer alguém dessa Loja, "para que a (Grande) Loja sempre esteja completa". 

A Grande Loja só estava, pois, completa, com a presença de representantes de todas as Lojas! E o Vigilante exercia o ofício também em representação da sua Loja, tanto assim que, na sua ausência, não era substituído por outro Mestre presente, antes por um Companheiro da sua Loja.

A propósito desta - hoje peculiar - referência ao Companheiro da Loja a exercer ofício de Grande Oficial, é necessário relembrar que, em 1723, ainda a Maçonaria não utilizava o sistema de três graus (Aprendiz, Companheiro e Mestre). Então, só havia dois graus, Aprendiz e Companheiro. Mestre não era grau, era ofício: denominava-se Mestre o Companheiro que dirigia a Loja. Só em 1738 foi oficialmente introduzido o 3.º grau. Até então, cada Loja era dirigida por um Mestre, dispunha de vários Companheiros (que estavam aptos a exercer e exerciam os vários ofícios da Loja) e de Aprendizes. Com a introdução do 3.º grau, o grau de Companheiro passou a ser mais um grau de formação, o maçom na plenitude das suas funções passou a ser o Mestre , havendo vários Mestres em cada Loja. Aquele que dirigia a Loja, anteriormente designado por Mestre, passou a ser designado por Venerável Mestre.

Portanto, a referência feita na regra a "Companheiros", atualizada para a estrutura de hoje, que vigora desde 1738, deve entender-se feita a Mestre Maçom; e a referência a "Mestre" corresponde hoje a Venerável Mestre.

Atualmente, o Grão-Mestre, na designação do Quadro de Oficiais da Grande Loja tem, por norma, o cuidado de nomear, além dos Grandes Vigilantes, dois Vices, um para cada, cuja função é a de assegurar a substituição do titular do ofício, na sua falta ou impedimento. Nas raras,mas sempre possíveis, ocasiões em qie quer o Grande Vigilante titular, quer o seu Vice estejam ausentes, então o Grão-Mestre, ou o Vice-Grão-Mestre que dirigirá a sessão designa um Mestre  para exercer ad hoc o ofício, como refere a Regra de 1723.


Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 140.

Rui Bandeira

02 agosto 2012

Alexis Botkine - O Maçom que veio de longe


Escrever um In Memoriam pela passagem ao Oriente Eterno do Alexis não é fácil. Alexis era o mais velho, o mais antigo, o mais conhecedor de todos nós, e era talvez o mais otimista e alegre de todos

Começou a sua vida maçónica já tarde na idade, mas ainda a tempo de ser maçon há mais de 40 anos! Foi por 1970  que na sua Suíça natal, mas ainda assim terra de acolhimento, porque Alexis era russo e descendente da família do médico do ultimo Tzar, foi iniciado.

O seu labor maçónico de grande importância e relevância para a regularidade portuguesa fica melhor contado, embora em francês, porque na primeira pessoa - aqui. Alexis foi um marco incontornável na obtenção da regularidade maçónica para Portugal.

Alexis tinha muitas facetas, era Engenheiro, Matemático e Músico. Foi Maestro compositor, e era intérprete de violino e balalaika. Teve o seu Grupo de Folclore Russo e poderão ser ouvidas algumas das suas interpretações aqui 

Alexis era membro da RL Mestre Affonso Domingues, n.º 5, desde 1991, e se nos primeiros anos apenas vinha esporadicamente porque ainda vivia na Suíça, mal se radicou em Lisboa passou a ser dos mais assíduos, assumindo durante tantos anos quantos na verdade quis e pôde o cargo de Mestre da Coluna da Harmonia. E durante esses anos todos, sempre com escolhas de qualidade e apropriadas, lançou os fundamentos daquilo que é hoje o modelo usado para musicar toda e qualquer sessão da Loja.

Há uns anos Alexis recebeu públicas homenagens, quer prestadas pelo Grão-Mestre da altura, ao conferir-lhe em plena sessão de Grande Loja e no dia do seu 83º aniversário, um diploma de mérito maçónico e de Persona Grata à GLLP/GLRP, quer na Loja, ao ser instalado Past Master Honorário, sendo o primeiro (e único até à data) a receber esta honra.

Nos últimos dois anos, incapacitado de conduzir, apareceu um pouco menos, mas nunca esteve ausente. No início de julho chega-nos informação que se encontra muito doente.

O Grande Arquiteto chamou-o no ultimo dia de julho. Alexis, Maçom diligente, ciente que o seu trabalho por aqui estava terminado, foi.

Aqui entre nós fica a saudade, do nosso Irmão Alexis que sempre nos falou em Francês, porque lhe era mais fácil a ele, que veio de longe, para nos ensinar o muito que nos ensinou. E por isso mesmo esta pequena homenagem não ficaria completa se não ficasse dela memória em francês.


Écrire un In Memoriam du au passage à L’Orient Eternel de Alexis n’est pas simple. Alexis était le plus vieux, le plus ancien, le plus savant de nous tous, et peut-être le plus optimiste et joyeux de tous

Sa vie maçonnique commence tard, mais suffisamment tôt pour qu’il puisse être Franc Maçon depuis plus de 40 ans ! Il a été initié en 1970, en Suisse pays de naissance, mais toutefois terre de d’accueil, car Alexis était russe et descendant du médecin du dernier Tzar.

Sa labeur maçonnique a eu grande importance pour la régularité maçonnique portugaise et on pourra mieux la comprendre ici .

Alexis était  Ingénieur, Mathématicien et Musicien. Chef d’orchestre, compositeur, il jouait le violon et la balalaika. Il dirigea un groupe de folklore russe et une partie de ses interprétations musicales peuvent être écoutées ici

Alexis est devenu membre en 1991  de la RL Mestre Affonso Domingues, n.º 5. Les premières années il venait rarement, car il habitait encore en Suisse, mais aussitôt qu’il vint habiter à Lisbonne il reprit les tenues avec assiduité. Il assuma la Colonne D’Harmonie pour autant d’années quil l’a voulu et put. Toutes ces années´, avec des choix de grande qualité et très adéquat, il lança les fondements du modèle actuellement utilisé pour la musique de Loge.

Il y a quelques années Alexis a reçu des hommages publics. En tenue de Grande Loge et le jour de son 83ème anniversaire, le Grand Maitre lui remet un diplôme de Mérite Maçonnique et de Persona Grata à la Grande Loge Legal du Portugal / GLRP.
En Loge il fut installé Passé Vénérable d’Honneur, étant le premier ( et le seul jusqu´`a ce jour) a recevoir la distinction.

Les derniers deux ans, incapable de conduire il apparait un peu moins en Loge, mais il n’est pas absent. Début juillet l’information qu’il est très malade nous arrive.

Le Grand Architecte l’appela le dernier jour de juillet. Alexis, Franc Maçon diligent, sachant que son travail ici était terminé, est parti.

Pour nous la “ saudade” de notre frère Alexis qui nous a toujours parlé en français car c’était plus facile pour lui, qui vint de loin, nous apprendre tout ce qu’il nous a enseigné.

José Ruah

01 agosto 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XIV

Em qualquer Grande Loja, ordinária ou extraordinária, Trimestral ou Anual, se o Grão-Mestre e seu Vice-Grão-Mestre estiverem, ambos, ausentes, então o mais antigo Mestre de uma Loja presente, deverá ocupar a cadeira, e presidir como Grão-Mestre pro tempore, para o que deverá ser, no momento, investido de todo poder e honra; exceto se estiver presente um Irmão que tenha sido anteriormente Grão-Mestre, ou Vice-Grão-Mestre, caso em que o último Grão-Mestre presente, ou o último Vice-Grão-Mestre presente, deverá sempre tomar o lugar na ausência do actual Grão-Mestre e seu Vice-Grão-Mestre.

Esta Regra respeita à substituição do Grão-Mestre e seu Vice-Grão-Mestre, na eventualidade da ausência de ambos de uma Assembleia de Grande Loja.

É obviamente uma situação extremamente rara nos dias de hoje. As Assembleias de Grande Loja são marcada com antecedência - e, aliás, tem-se, com pouca margem de erro, a noção de quando elas se realizarão. Por exemplo, na GLLP/GLRP têm lugar sempre no fim de semana mais próximo do equinócio ou solstício, em regra ao sábado. O que varia, com frequência, é a localidade da sua realização, pois procura-se, sempre que possível e aconselhável, que se organizem Assembleias de Grande Loja nas várias regiões do país. Mesmo Assembleias extraordinárias são marcadas com antecedência mais do que suficiente para que todos os que nelas devam comparecer reservem nas suas agendas a altura da sua realização, para nelas poderem comparecer. Portanto, nos tempos presentes, praticamente só em caso de cataclismo ou grande perturbação interna propiciará uma situação de realização de uma assembleia de Grande Loja, sem a presença do Grão-Mestre e dos seus Vice-Grão-Mestres (na GLLP/GLRP, presentemente, estão dois Vice-Grão-Mestres em funções).

No século XVIII, com a Fraternidade menos desenvolvida e com evidentes maiores dificuldades nas comunicações e viagens, era mais possível - embora sempre na escala da raridade -  a ocorrência de uma eventualidade dessas.

Seja como seja, o interessante desta Regra é que institui um princípio que, quer ao nível da Grande Loja, quer ao nível das Lojas, ainda hoje é tendencialmente o princípio utilizado, sempre que ocorra sessão em que o Grão-Mestre ou o Venerável Mestre não possam comparecer. Ao nível da Grande Loja, precisamente como se enuncia. Ao nível das Lojas, na impossibilidade do Venerável Mestre, a sessão de Loja é convocada pelo 1.º Vigilante e, na impossibilidade deste, pelo 2.º Vigilante; na ausência do Venerável Mestre, a sessão é dirigida por um Antigo venerável Mestre, o mais recente dos presentes (em primeiro lugar, o Ex-Venerável Mestre, em segundo lugar o Venerável Mestre de há dois anos, e assim sucessivamente).

Na Loja Mestre Affonso Domingues, nas raras vezes em que o Venerável Mestre em funções não pôde dirigir a sessão, nos últimos tempos e consensualmente tem-se optado por outra solução, que tem sido sempre bastante satisfatória: na ausência do Venerável Mestre e do ex-Venerável Mestre, dirige a sessão o José Ruah! Funciona bem e não há hesitações nem incómodos, para quê mudar? É claro que a Mestre Affonso Domingues tem uma cultura muito própria de aplicação de soluções consensuais e eficazes, em resultado de uma já longa aprendizagem da forma de funcionar sem conflitos, em tolerância e deixando de lado o acessório em prol do essencial...

 Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 140.


Rui Bandeira

25 julho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XIII

Na Reunião Trimestral todos os assuntos que dizem respeito à Fraternidade em geral, às Lojas em particular, ou a cada Irmão, serão serena, tranquila e maduramente discutidos e decididos. Só aqui os Aprendizes deverão ser elevados a Mestre e Companheiros, exceto se tal for dispensado. É aqui também, que todas as diferenças, que não possam ser conciliadas e resolvidas particularmente ou pela respetiva Loja, deverão ser consideradas e resolvidas; e se algum Irmão se sentir lesado pela decisão aqui tomada, pode apelar para a Reunião Anual seguinte da Grande Loja, fazendo o seu apelo por escrito, ao Grão Mestre, seu Vice-Grão-Mestre, ou Grandes-Vigilantes. 
Os Mestres ou Vigilantes de cada Loja deverão trazer ou organizar uma lista dos membros iniciados ou admitidos na mesma Loja desde a última Reunião da Grande Loja; deverá haver um livro, mantido pelo Grão Mestre, seu Vice-Grão-Mestre, ou por algum Irmão nomeado pela Grande Loja como Secretário, onde todas as Lojas deverão ser registadas, com as respetivas data e local onde foi criada, e os nomes de todos os membros de cada Lojas. Também aí serão anotadas todas as decisões da Grande Loja, suscetíveis de registo. 
Deve também decidir qual o mais prudente e melhor método de arrecadar e dispor do dinheiro recebido, ou depositado, destinado à caridade e auxílio para algum Irmão que tenha caído na pobreza ou penúria, e para ninguém mais. Cada Loja deve dispor dos seus fundos destinados a caridade, para auxílio a algum Irmão pobre, de acordo com o seu próprio regimento interno. Até que todas as Lojas estejam de acordo sobre um novo método (com uma nova regulamentação) de como fazer chegar esses fundos arrecadados pelas Lojas à Grande Loja, para que numa Reunião Trimestral ou Anual, se decida como criar um fundo comum para melhor auxílio dos Irmãos pobres. 
Deve também nomear um Tesoureiro, um Irmão de confiança, que deverá ser um membro da Grande Loja por inerência do cargo, e que deverá estar sempre presente, e que poderá levar para a Grande Loja o que entender, especialmente o relacionado com seu cargo. Deve ser-lhe entregue todo o dinheiro destinado a caridade, ou para qualquer outro uso da Grande Loja, e que ele deverá registar num livro mencionando os fins e usos a que cada montante se destina. Os quais entregará mediante uma ordem assinada, nos termos em que a Grande Loja acordar, estabelecendo uma nova Regra. 
O tesoureiro não pode votar para a escolha do Grão Mestre ou Vigilantes, embora o possa fazer em qualquer outro assunto. 
De igual modo o Secretário deverá ser um membro da Grande Loja por inerência do seu cargo, podendo votar em qualquer situação, exceto na escolha do Grão Mestre ou Vigilantes. 
O Tesoureiro e o Secretario terão cada, um assistente, que deverá ser um Irmão ou Companheiro, mas nunca um membro da Grande Loja, não podendo falar sem lhes ser permitido ou pedido. 
O Grão Mestre, ou o seu Vice-Grão-Mestre, supervisionam o Tesoureiro e o Secretário, com seus assistentes e livros, de maneira a controlar todos Secretário, com seus assistentes e livros, de maneira a controlar todos os assuntos, e decidir o que deverá ser feito em qualquer emergência. 
Outro Irmão, que deve ser um Companheiro, deverá ser nomeado guarda da entrada da Grande Loja, mas não deverá ser membro desta. 
Estas funções deverão ser mais tarde explicitadas através de uma nova Regra, quando a necessidade e a conveniência as tornarem mais prementes para a Fraternidade. 

Esta extensa Regra XIII regula as competências da Assembleia de Grande Loja. Denota um estado organizativo ainda incipiente, decalcado das práticas e formas organizativas herdadas da Maçonaria Operativa. 

De qualquer forma, embora a evolução do tempo e o crescimento da Fraternidade tenham imposto alterações significativas,, nesta Regra se encontram as sementes de muito do que existe e hoje se pratica.

Naquela época pioneira, com vinte Lojas agrupadas na Grande Loja de Londres e Westminter, concebia-se que nas Assembleias de Grande Loja se discutissem "todos os assuntos que dizem respeito à Fraternidade em geral, às Lojas em particular, ou a cada Irmão". Hoje, mesmo numa relativamente pequena Obediência, como a GLLP/GLRP, com perto de cem Lojas, seria manifestamente impossível discutir "serena, tranquila e maduramente" - e, sobretudo, eficientemente - todas os possíveis assuntos diários da Grande Loja, das Lojas e dos obreiros, abarcando do geral ao particular, passando pelo intermédio, toda uma vasta gama de possibilidades, interesses, propostas e situações, a menos que cada Assembleia fosse uma maratona de, pelo menos, uma semana de duração - sem intervalos! O que, convenhamos, impediria a análise serena, tranquila e madura de tudo o que ultrapassasse a normal duração de umas horas de uma assembleia... Imagine-se então como seria nas Grandes Lojas com centenas ou milhares de Lojas e dezenas ou centenas de milhar de obreiros...

Hoje, os assuntos individuais e de Loja resolvem-se em Loja. Quando surjam problemas que não possam ser resolvidos, atenuados ou tratados a esse nível, são transmitidos ao Grande Oficial competente para lidar com esse assunto em concreto. Os conflitos que surjam são regulados em Loja, com recurso para o Tribunal de Apelação. As Assembleias de Grande Loja são reservadas para o debate e deliberação das questões que transversalmente respeitem a toda a Obediência, incluindo, naturalmente, a eleição do Grão-Mestre, do Grande Tesoureiro e demais Grandes Oficiais que devam ser eleitos e a posse de todos os Grandes Oficiais.

E evidentemente que hoje já não se leva para a Assembleia de Grande Loja a lista dos obreiros que, desde a última Assembleia, foram iniciados, passados e elevados, por evidente inutilidade de tal. Estes dados são oportunamente comunicados pelo Secretário da Loja à Grande Secretaria (hoje funcionando com o auxílio de profissionais a tempo inteiro) e devidamente registados e atualizados os arquivos e listagens existentes.

Nesta Regra refere-se expressamente o ofício de Hospitaleiro (e de Grande Hospitaleiro), o oficial encarregado de coordenar a atividade beneficente da Loja e da Grande Loja. Mas note-se que os fundos para beneficência naquela época se destinavam exclusivamente a obreiros "que tenham caído na pobreza ou na penúria, e para ninguém mais". Os fundos não chegariam para mais, então... Progressivamente a atividade beneficente da Maçonaria alargou-se às viúvas e filhos de maçons e a obras sociais ou de assistência que os maçons considerem dever apoiar ou fomentar.

Naquela época, o Tesoureiro não era, como hoje na GLLP/GLRP, eleito, mas nomeado, embora pela Assembleia. Há uma diferença entre eleição, que pressupõe candidaturas e votação, e nomeação, que pressupõe proposta e aceitação, por deliberação, eventualmente com recurso a votação.

Assinale-se, por outro lado, que, na época, os Grande Vigilantes eram eleitos, eram representantes das Lojas, enquanto que hoje são nomeados pelo Grão-Mestre.

Não subsiste o impedimento de o Grande Tesoureiro e o Grande Secretário votarem para a eleição do Grão-Mestre, até porque hoje, designadamente na GLLP/GLRP, a eleição para Grão-Mestre é efetuada pelo universo de todos os Mestres em good standing, segundo o universal princípio democrático de"um homem, um voto".

Por outro lado, permanece - e bem - a regra de que todos os fundos, quer os administrativos, quer os destinados a beneficência, ficarem à guarda do Tesoureiro, embora, naturalmente, deva ser feita a destrinça entre uns e outros. Ao Hospitaleiro e ao Grande Hospitaleiro compete a aplicação prudente e criteriosa dos fundos disponíveis para beneficência, não a sua guarda.

Esta Regra institui ainda o conceito de Assistentes de Grandes Oficiais, na época em relação apenas ao Grande Secretário e ao Grande Tesoureiro, hoje aplicada em relação a todos os Grandes Oficiais cujas responsabilidades aconselham sejam auxiliados por um ou mais Assistentes.

O Guarda Externo - ofício existente nos ritos ingleses e deles derivados (e não existente, por exemplo, no Rito Escocês Antigo e Aceite, que dispõe de Guarda Interno, isto é, no interior da sala de reuniões e, assim, participando na integralidade de todas as reuniões) - era então efetuado por um Companheiro, isto é, o que hoje corresponde a um Mestre da Loja, mas não o seu  Venerável Mestre. Hoje, os ofícios de Guarda Externo e de Guarda Interno são normalmente assegurados por Mestres - e, em regra, no REAA, por Mestres experientes, já que, tradicionalmente, e sempre que possível, o Guarda Interno é o Past Venerável Mestre do ano anterior (portanto o Venerável Mestre de dois anos antes), em simbólica transição dos ofícios mais complexos para o ofício mais humilde e menos exigente, demonstrativa de que, para qualquer maçom, incluindo os que exerceram ofícios de maior responsabilidade, nenhum ofício, nenhuma tarefa, é considerada menor.

 Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 138- 139.


Rui Bandeira

18 julho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XII

A Grande Loja consiste, e é formada, por Mestres e Vigilantes de todas as lojas registadas, com o Grão-Mestre presidindo, o seu Vice-Grão-Mestre à sua esquerda, e os Grandes Vigilantes nos seus respetivos lugares e deverá fazer uma Reunião Trimestral pela Festa de São Miguel, Natal e Dia de Nossa Senhora, em lugar escolhido pelo Grão-Mestre; onde nenhum Irmão, que não seja nesse momento membro dessa Loja, deverá estar presente, exceto se tiver autorização; e, neste caso, se estiver presente não lhe será permitido votar, nem emitir opinião, exceto se pedir permissão e esta lhe for concedida pela Grande Loja, ou que esta lhe seja pedida pela (Grande) Loja. Todas as decisões, da Grande Loja, deverão ser tomadas pela maioria dos votos, cada membro tendo um voto, e o Grão-Mestre dois votos. Exceto se a (Grande) Loja delegar no Grão-Mestre determinada matéria em particular, por uma questão de eficiência.

Esta regra determina os requisitos e forma de organização das sessões de Grande Loja. Com evidentemente necessárias alterações (na época, a Grande Loja dos Modernos agrupava vinte Lojas; hoje, a GLLP/GLRP, uma pequena Obediência de um pequeno país agrupa mais de noventa e a Grande Loja Unida de Inglaterra conta nos seus registos com vários milhares de Lojas), estipula os princípios que ainda hoje são seguidos nas Grandes Lojas maçónicas de todo o Mundo, enquadrando as variantes que os costumes locais foram propiciando.

A Grande Loja é assim uma assembleia de representantes das Lojas, como que o Parlamento da Obediência, com o poder decisório, designadamente legislativo (regulamentar) e eletivo, soberano na respetiva organização maçónica. A forma e número de representantes das Lojas variam, hoje em dia, de Obediência para Obediência. No caso da GLLP/GLRP, as Lojas que tenham nos seus quadros até quinze Mestres efetivos em situação regular (as Lojas mais pequenas ou em fase de lançamento) têm direito a um representante na Assembleia de Grande Loja, em regra o seu Venerável Mestre; as Lojas com mais de quinze e até vinte e cinco Mestres em situação regular têm direito a dois representantes, habitualmente os seus Venerável Mestre e Primeiro Vigilante; as Lojas com mais de vinte e cinco Mestres em situação regular têm direito a três representantes, normalmente os seus Venerável Mestre e os dois Vigilantes.

Sempre que haja impedimento de um dos normais representantes da Loja, pode qualquer dos seus representantes normais ser substituído por qualquer dos Mestres da Loja em situação regular, mediante delegação do seu Venerável Mestre, ouvida a Loja, comunicada à Grande Secretaria por escrito com, pelo menos, vinte e quatro horas de antecedência, em relação ao início da Assembleia de Grande Loja.

As reuniões, ou sessões, da Assembleia de Grande Loja têm lugar trimestralmente, em março, junho, setembro e dezembro, normalmente no fim de semana mais próximo do equinócio ou solstício que ocorre em cada um desses meses. Na Regra original mencionam-se as três reuniões trimestrais, por volta da Festa de S. Miguel (equinócio de outono, no hemisfério norte), Natal (solstício de inverno no dito hemisfério) e, na Inglaterra da época, dia de Nossa Senhora (equinócio da primavera, na metade norte do globo terrestre). No trimestre restante, por volta do dia de S. João Batista (solstício de verão na parte norte do planeta), decorre a mais importante ou festiva Assembleia, originalmente a Assembleia Anual.

As assembleias de Grande Loja destinam-se aos representantes das Lojas e Grandes Oficiais com assento nelas. No rigor regulamentar, só excecionalmente podem assistir outros obreiros. Mas a exceção é, na prática, a regra: na GLLP/GLRP, todos os obreiros da Obediência (Mestres, Companheiros e Aprendizes) que queiram e possam podem tomar parte nos trabalhos e é fomentado que assim suceda. O cerimonial do Ritual de Grande Loja, a reunião e convivência de obreiros de todo o País são fatores de entrosamento dos mais novos e de agradável reencontro dos mais antigos, que amplamente compensam os custos adicionais de se ter de providenciar salas de reuniões aptas a acomodarem várias centenas de obreiros! Evidentemente que o direito de uso da palavra é restrito aos representantes das Lojas e Grandes Oficiais e o direito de voto exercido apenas pelos representantes das Lojas...

Naturalmente que as deliberações são formadas em função da maioria dos votos expressos em relação a cada assunto sujeito a deliberação - algo que hoje temos por natural, vulgar e intuitivo, mas que não era tanto assim no século XVIII...

A Assembleia de Grande Loja, para além de órgão decisor soberano de uma Obediência maçónica, é assim um periódico pretexto para o convívio dos maçons de todo o país da respetiva Obediência, fator de coesão importante entre os maçons. No rever periódico de Irmãos que muitas vezes só nessas ocasiões se encontram se forjam os laços de amizade e solidariedade que são caraterísticos dos maçons - e que os profanos tanto criticam, sem outra razão plausível que não a inveja pela sua incapacidade de lograrem tão amplamente a geração de tão fortes laços. Assim se consegue que um maçom nunca esteja só em qualquer parte do mundo onde haja outro maçom: sobrevindo necessidade ou simplesmente em honra da cortesia, hospitalidade ou simples convívio, onde quer que esteja tem o apoio, a palavra amiga, se necessário o auxílio, de outro Irmão - por vezes ambos não se conhecendo ou apenas se conhecendo de vista... de alguma Assembleia de Grande Loja!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.


Rui Bandeira

16 julho 2012

O "Grande Arquiteto Do Universo" é uma divindade maçónica?


É conhecido o facto de os maçons se referirem ao Criador como o "Grande Arquiteto Do Universo". Todavia, muitos equiparam essa expressão a outras, próprias de cada culto ou religião, no sentido de considerar o "Grande Arquiteto Do Universo" uma "divindade maçónica", assim como se pode dizer que Krishna é o nome de uma divindade Hindu, Allah o nome da divindade muçulmana, ou YHVH o nome da divindade judaica.

A expressão "falsos deuses" é paradigmática de uma postura de intolerância perante uma fé distinta da de cada um, segundo a qual "se o meu Deus é o verdadeiro, os dos outros só podem ser falsos". A postura da maçonaria a este respeito é a de que a Divindade é única, não obstante cada um Lhe chamar nomes diferentes. Assim, para um maçon não há "falsos deuses", mas antes distintas interpretações do divino; se são falsas ou não, é matéria não de discussão, mas de respeito e tolerância pela diferença e diversidade.

É natural, porém, que quando pensamos em "Allah" evoquemos as características que Lhe são atribuídas pelos seguidores do Islão, e um fiel de uma religião estranhe que se chame ao "seu" Deus uma coisa diferente daquela a que está habituado. No entanto, como fazer se cada um se refere ao Criador de um modo diferente?

Ao adotar a expressão "Grande Arquiteto Do Universo", a maçonaria não pretendeu "criar uma nova divindade", ou substituir o Deus de cada um. Pelo contrário, cada maçon é instado a cumprir com os preceitos da sua fé.

Procurei um paralelismo para explicar o conceito, e creio que o encontrei: o "Grande Arquiteto Do Universo" é um pouco como o "Dia da Mãe". No Dia da Mãe não se comemora alguém que todos reconheçam como "mãe universal"; pelo contrário, cada um comemora, sob a égide do termo universal "Mãe", ninguém menos do que a sua própria mãe - cada um a sua!

O mesmo se passa com o Grande Arquiteto do Universo. Não é um novo Deus; é o mesmo Deus que cada um já conhece, sob um nome que a todos sirva.


Paulo M.

11 julho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XI

Todas as Lojas devem observar procedimentos iguais, tanto quanto for possível; para tal e para criar um bom entendimento entre os Maçons, devem ser mandatados membros das Lojas para visitar outras Lojas, tão frequentemente quanto as Lojas acharem conveniente.

Esta Regra institui e constitui a origem de uma prática que é inerente à Maçonaria e à condição de maçom: a visita a outras Lojas.

Todo o maçom tem o dever de assiduidade, isto é, de comparência às sessões da sua Loja.  E, teoricamente, pode viver toda a sua vida maçónica, com aproveitamento, apenas frequentando a sua Loja, o seu grupo, com que partilha trabalhos e estudos, que influencia e de que recebe influência.

Mas indubitavelmente que a sua vida maçónica, a sua visão da realidade da Maçonaria, se alarga, aumenta em acuidade, se visitar outras Lojas além da sua. Com essa diligência, o maçom adquire a noção de como a prática das diferentes Lojas é, ao mesmo tempo, semelhante, uniforme, mas diferente. Ou seja, como a base de funcionamento das Lojas maçónicas é semelhante, segue um padrão comum (mesmo quando as Lojas trabalham em diferentes ritos), mas como essa uniformização não prejudica, antes permite e, quiçá, potencia diferentes práticas, diversas prioridades, subtis variantes de organização e atuação, que permitem verificar como é possível criar a diferença dentro da semelhança.

Ao visitar outras Lojas, o maçom adquire assim a noção de que não existe uma forma única de pensar e de trabalhar, que, mesmo seguindo um padrão comum, é uma riqueza incalculável da natureza humana a sua capacidade de variar, de fazer o mesmo diferentemente, de seguir as mesmas regras para atingir diferentes objetivos, prosseguir prioridades diversas. Em suma, que, dentro do plano geral de uma organização tendencialmente universal, há espaço - e pretende-se isso mesmo, que assim suceda! - para tantos projetos quantas as Lojas, que não há uma maneira "certa" de fazer as coisas, mas antes que cada Loja tem a forma de trabalhar que, para si, é a conveniente, que as diferenças entre as Lojas não tornam umas melhores ou piores do que as outras, simplesmente cada uma é a adequada para quem lá está se aperfeiçoar, se desenvolver, progredir ética e espiritualmente.

Visitar outras Lojas pode começar por ser uma simples - e muito humana - questão de curiosidade (vamos lá ver como eles fazem), mas acaba por reforçar aquela que é a caraterística distintiva do maçom que se preze de o ser: a Tolerância, a aceitação da diferença e, mais do que apenas isso, a consciência da riqueza da diferença, da diversidade, das variantes.

 Originalmente, a regra previa que as visitas fossem efetuadas por representantes formalmente mandatados pelas Lojas. A evolução fez com que, nos nossos dias - e já desde há muito - qualquer Mestre Maçom possa visitar e, frequentemente, visite outras Lojas por sua iniciativa e a título individual. Quanto aos Companheiros e Aprendizes, a regra é de que as suas visitas ocorram acompanhados por um Mestre da sua Loja (mas esta regra, designadamente em relação aos Companheiros, não é universal: por exemplo, na Alemanha, quando o maçom é passado a Companheiro, recebe um passaporte, um documento identificativo da sua sua condição e da Loja a que pertence, com uma mensagem do Venerável Mestre da sua Loja, pedindo às outras Lojas que recebam em visita esse Companheiro; é uma das condições necessárias para que possa ser elevado a Mestre que efetue, pelo menos, duas visitas a duas Lojas diferentes, que devem ser certificadas nesse passaporte, como forma de garantir que todo o Mestre Maçom, quando o seja, conhece já que há diferentes formas de trabalhar, diversas práticas, distintas realidades).

Sendo livre a visita a outras Lojas, há, no entanto, que garantir que quem visita uma Loja, quem pretende participar nos seus trabalhos, é efetivamente maçom, no pleno gozo dos seus direitos dessa condição, e maçom do grau que declara ser. Por isso, quando se visita uma Loja, a não ser que se seja já pessoalmente conhecido e reconhecido por um obreiro dessa Loja, que se responsabiliza pela condição de maçom e pelo grau do visitante,  deve o visitante ir munido de um "certificado de good standing", isto é, uma declaração emitida pelo Secretário da sua Loja, certificando que o portador é obreiro dessa Loja, qual o seu grau e que se encontra no pleno gozo dos seus direitos maçónicos. Se a visita for realizada a uma Loja de outra Obediência, deve ainda o visitante ser portador do seu passaporte maçónico, emitido pela Grande Secretaria da sua Obediência, documento pelo qual comprova que integra uma Obediência que mantém relações maçónicas com a Obediência da Loja visitada.

Estes documentos são indispensáveis, mas não necessariamente suficientes. Os obreiros da Loja visitada têm o direito (ou, quiçá, mesmo o dever) de se assegurar, pela forma tradicional, que quem se apresenta como visitante é quem diz ser, e tem o grau maçónico que afirma possuir. Pode (deve) assim o visitante ser telhado, isto é, interrogado (em regra pelo Guarda Interno ou pelo Guarda Externo, nos ritos que utilizam este ofício, mas também podendo tal diligência ser efetuada diretamente pelo Venerável Mestre da Loja ou ser por este delegada em qualquer outro obreiro da Loja), devendo, pela forma tradicional, mostrar saber fazer-se reconhecer como maçom e como maçom do grau que afirma ter. As Lojas inglesas são conhecidas pelo rigor que põem nesta diligência...

Não é obrigatório, mas é da praxe que, sempre que lhe seja possível, previamente informe a Loja a que pertence de uma visita que projete realizar (ou, se tal não for possível, pelo menos previamente informe o Venerável Mestre da Loja), para que, designadamente, o Venerável Mestre da Loja o possa encarregar de transmitir as fraternais saudações da Loja e do seu Venerável Mestre aos Irmãos e Venerável Mestre da Loja visitada. Similarmente, após a visita, é também da praxe que o maçom informe a sua Loja da efetiva realização da mesma e, sendo caso disso, como quase invariavelmente é, transmita à Loja as saudações da Loja visitada e os cumprimentos do seu Venerável Mestre ao Venerável Mestre da sua Loja.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.

Rui Bandeira

10 julho 2012

Uma (nova) idade das trevas?




É conhecida a expressão "Idade das Trevas" como referência à Baixa Idade Média (séc. XI a séc. XV). Neste período de generalizado analfabetismo, o estudo era privilégio de uns quantos, e o conhecimento transmitido quase sempre em contexto monástico - e objeto de rigorosa filtragem de conteúdos que pudessem contrariar statu quoos dogmas vigentes. Não obstante, a produção intelectual e científica não cessou, e os avanços então decorridos vieram a constituir a base da Ciência Moderna.

O Iluminismo, movimento que surgiu no século XVIII de entre a elite dos intelectuais europeus da época, procurou promover a razão, o intercâmbio intelectual a ciência, opondo-se ferozmente à superstição, à intolerância e aos abusos por parte do poder vigente. Kant definiu assim o Iluminismo: "O Iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria razão independentemente da direção de outrem. É-se culpado da própria tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento independentemente da direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! - esse é o lema do Iluminismo".

O fogo iluminista varreu a Europa e propagou-se à América. Muitos países, porém, viriam a manter-se arredados dos seus princípios até aos dias de hoje. "É uma questão de tempo", poderíamos dizer, "até que os povos atinjam a maturidade necessária; quando isso suceder, reclamarão para si também o que outros conquistaram já." Infelizmente, a história recente vem apontar-nos uma alternativa bem menos risonha.

Nos Estados Unidos da América - um dos países que nasceu, precisamente, do Iluminismo, e fundado nos seus princípios - há, hoje em dia, uma considerável fatia da população anti-intelectual que, evidentemente, renega e rejeita esses mesmos princípios. Ainda muito recentemente foi notícia o facto de o Partido Republicano, no Texas, ter publicado a sua "plataforma de princípios", dos quais consta este:
"Knowledge-Based Education – We oppose the teaching of Higher Order Thinking Skills (HOTS) (values clarification), critical thinking skills and similar programs that are simply a relabeling of Outcome-Based Education (OBE) (mastery learning) which focus on behavior modification and have the purpose of challenging the student’s fixed beliefs and undermining parental authority."

Numa tradução livre: "Educação baseada no Conhecimento - Somos contra o ensino de «Competências Elevadas de Raciocínio», proficiência de pensamento crítico e programas semelhantes, que não passam de novos nomes para «Educação Baseada em Resultados» que se focam na modificação do comportamento e têm o propósito de desafiar as crenças do aluno e minar a autoridade dos pais." Vejamos agora o que isto quer dizer.

De acordo com a taxonomia de Bloom, há seis níveis de objetivos educacionais: o conhecimento, a compreensão, a aplicação, a análise, a síntese e a avaliação. As "Competências Elevadas de Raciocínio" são, então, a análise, a síntese e a avaliação. Estes três níveis de proficiência são os mais importantes para o pensamento crítico.

A "Educação Baseada em Resultados" passa pela definição de aptidões que os alunos devem adquirir e pelas quais são avaliados, por oposição à educação tradicional mais centrada na memorização e aquisição de conhecimento. Os alunos são, assim, avaliados de acordo com a capacidade de executar determinadas tarefas mensuráveis - como, por exemplo, a capacidade de correr 50 metros em menos de um minuto - e não pelos inputs recebidos - como o número de aulas assistidas, ou os livros lidos.

As "crenças" de que se fala (fixed beliefs") são aquelas que definem o indivíduo e estabelecem a sua identidade; constituem a imagem que temos de nós mesmos, dos outros e das circunstâncias da vida e que de tão repetidas ao longo do tempo se tornaram arraigadas e difíceis de alterar.

Os maçons são cidadãos, e a maçonaria pretende promover o melhoramento da sociedade através do aperfeiçoamento de cada um. Lá porque numa loja maçónica não se discute política, não quer dizer - pelo contrário! - que os maçons - individualmente! - não tomem este ou aquele partido quanto a esta ou àquela questão. Quanto a esta questão concreta, fico horrorizado só de imaginar um maçon a subscrevê-la, tão contrária que é à própria essência da maçonaria. Mas se tal maçon existe, respeitaria a sua posição sem a discutir; pois se é certo que quem não aprende com os erros da História está condenado a repeti-los, não menos certo é que o direito ao erro está na essência da liberdade humana.

04 julho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - X

A maioria de uma dada Loja, quando reunida, poderá dar diretivas ao seu Mestre e Vigilantes antes da Sessão do Grande Capitulo, ou Loja, para as três Reuniões Trimestrais, ou para a Reunião Anual da Grande Loja; porque seu Mestre e Vigilantes são seus representantes, e devem expressar as opiniões da Loja.

Esta regra consagra o princípio da soberania da Loja. A Loja é soberana em relação ás demais Lojas e à Grande Loja. O poder decisório reside na Loja, não no seu Venerável, nos Vigilantes ou nos demais Oficiais do Quadro.

O Venerável Mestre, eleito, tal como Tesoureiro, e os restantes Oficiais do quadro, designados pelo Venerável Mestre, são Oficiais porque exercem ofícios, isto é, são-lhes confiadas funções, tarefas, que devem exercer o melhor que podem e sabem ao longo do mandato que lhes é conferido. Ao eleger o Venerável Mestre e o Tesoureiro, e ao confiar àquele o poder de designar os demais Oficiais do Quadro, a Loja não está a abdicar da sua soberania nele ou neles, está simplesmente a delegar-lhes funções.

Obviamente que as funções do Venerável Mestre são importantes e extensas: dirigir administrativamente a Loja, coordenar o Quadro de Oficiais, estabelecer as ordens de trabalhos das reuniões e dirigi-las, exercer a competência disciplinar, exceto quanto à aplicação da sanção de expulsão.

Mas o Venerável Mestre deve ter sempre presente que, mesmo quando a Loja lhe confia o amplo poder de decidir em variadas questões - e confia-lho, com amplitude e com confiança -, o poder originário permanece na Loja, no coletivo de obreiros. 

Desde logo, tenha-se presente que a atividade maçónica é inteiramente voluntária. O maçom assume o compromisso de não violar as deliberações da Loja e as decisões do seu Venerável Mestre, desde que regular e regulamentarmente tomadas. Mas não tem obrigação de executar ou colaborar na execução de deliberações com que não concorde. Nesse caso, não viola, não cria obstáculos, mas também não tem de fazer. Tem o direito de nada fazer.

Logo, muito pouco assisado seria o Venerável Mestre que tomasse decisões à revelia do sentimento geral e global da Loja: seria um general sem soldados...

Não se confunda, portanto, delegação de poderes com transferência dos mesmos. A todo o momento, a Loja pode deliberar em contrário de decisão tomada por qualquer dos Oficiais do Quadro, Venerável Mestre incluído.

É assim de boa prática - diria mesmo que indispensável prática - que, antes de qualquer Assembleia de Grande Loja que inclua na sua ordem de Trabalhos  a tomada de deliberações, a Loja debata as questões sujeitas a deliberação e dê ao seu Venerável Mestre e aos seus Vigilantes as instruções que entender. Porque, quando se vota em Assembleia de Grande Loja, não é o Venerável X que vota, nem os Vigilantes Y ou Z, são os representantes da Loja número tal que expressam o voto ou os votos desta.

Fonte:
 
Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.

Rui Bandeira

02 julho 2012

Faça-se luz



No início da maçonaria podia haver - e havia! - diferentes correntes de cristianismo na maçonaria, mas todos os maçons eram cristãos. Ao longo do tempo, com a abertura das mentalidades, foi sendo possível admitir membros de outras religiões. Nos nossos dias, a maçonaria regular apenas exige a crença no "Grande Arquiteto do Universo", explicando que este nome não é o de uma "divindade maçónica", mas um novo nome a dar a essa mesma Entidade em que cada um crê; é Aquele a quem os cristãos chamam Deus, os muçulmanos chamam  الله [Allah], os judeus  יהוה [YHWH], os Hindus chamam  ब्रह्मा [Brahmā], e por aí adiante. Deste modo, quando os maçons se pretendem referir a essa Entidade, fazem-no todos através do mesmo nome, ficando assim atenuadas as diferenças decorrentes das diferenças de crença que possam verificar-se, e reforçado o sentido de identidade entre eles, pois, afinal, até todos creem no mesmo Ser Supremo - mesmo que cada um à sua maneira.

Uma vez que a maçonaria é assumidamente uma invenção humana, tem a liberdade de se reinventar e renovar sempre que tal se revele necessário e oportuno. É assim que, se bem que alguns dos símbolos a que a maçonaria recorre sejam da sua própria criação, a simbologia maçónica é, na sua maioria, "tomada de empréstimo" - umas vezes de forma mais dicreta e outras nem por isso - de outras simbologias já existentes. Ao longo da história da maçonaria tem-se assistido a um cuidado cada vez maior com a procura de uma certa neutralidade, do não favorecimento de uma fé em detrimento das demais, e isso consegue-se, frequentemente, através do recurso a símbolos de religiões já desaparecidas mas cuja carga simbólica permanece entre nós por via literária, filosófica ou mitológica.

A referência aos planetas, ao Sol, às estações do ano e a antigas figuras mitológicas pretende apenas constituir ilustração dos princípios morais que se pretende transmitir. Os solstícios, por exemplo, ao serem os momentos em que os raios solares estão mais próximos da perpendicular (no solstício do verão) ou da horizontal (no solstício do inverno) em relação à superfície da Terra, simbolizam respetivamente a retidão moral (verticalidade) e a fraternidade (estar ao mesmo nível). Alertar uma adolescente para os perigos dos predadores sexuais pode ser complicado de fazer; no entanto, recordar-lhe a "história do lobo mau" e, subtilmente, estabelecer um paralelo, pode ser muito mais eficaz do que uma longa e desajeitada conversa. A maioria dos chamados "contos infantis" pretende, precisamente, estabelecer uma base simbólica a revisitar mais tarde, uma vez já absorvidos os princípios, mas sob uma nova realidade: a das circunstâncias da vida real de cada um.

Uma das primeiras estranhezas que se sente quando se ouve, pela primeira vez, uma ata numa sessão, é a da data: "aos vinte dias do mês de janeiro do ano maçónico de seis mil e doze(...)". Porquê "seis mil e doze" se estamos no ano de dois mil e doze? Recordemos o que é que constitui o primeiro ano nossa era: o ano em que terá ocorrido o nascimento de Cristo; por isso se dizia "AC" (Antes de Cristo) e DC (Depois de Cristo), que também se escrevia "AD" (Anno Domini, "Ano do Senhor"). Hoje em dia dizemos estar no ano 2012 EC ("Era Cristã" ou, ainda mais politicamente correto, "Era Comum"). Outros calendários há, cujo início se deu há mais ou há menos tempo. Mede-se o tempo decorrido desde a fundação de Roma (753 AEC) ou do Japão (660 AEC), desde a viagem de Maomé de Meca a Medina (622 EC) ou, de acordo com o calendário judaico, desde a criação do mundo (3761 AEC).

Não era desejável que um calendário - e respetiva bagagem cultural - se impusesse sobre os demais no seio de uma fraternidade em que se pretendia que todos se sentissem iguais. A solução encontrada foi estabelecer-se o "Anno Lucis" - o Ano da Luz - como aquele em que, aproximadamente, o Criador terá, pela primeira vez, feito surgir a Luz. Se recordarmos que a maçonaria é filha do Iluminismo, não faz senão sentido medir-se o tempo desde esse instante. É por isso que, simbolicamente, se soma 4000 anos (número distinto de qualquer calendário existente) ao ano atual e se lhe chama "ano da era maçónica". E, de cada vez que isso se faz, os maçons são recordados de que a fé e a crença de cada um devem ser respeitadas, e que a busca da Luz (ou seja, do conhecimento) deve ser levada a cabo por todos os maçons, independentemente da sua crença, fé ou convicção religiosa.

Paulo M.

27 junho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - IX

Se algum Irmão se comportar indevidamente e causar embaraços à sua Loja, deverá ser devidamente admoestado duas vezes, pelo Mestre ou Vigilante em Loja; e se este não refrear a sua imprudência, e não se submeter obedientemente à decisão dos Irmãos, ou não se emendar, deverá ser tratado de acordo com o regimento interno da Loja, ou, então, de acordo com o que em Reunião Trimestral se achar mais apropriado, para o que se tomará depois uma decisão fundamentada.

Esta regra respeita à disciplina em Loja. O maçom deve respeitar regras estritas de comportamento (ver os seis textos sobre a conduta dos maçons em "As Obrigações dos Maçons", também indexados no marcador Constituição de Anderson de 1723). Fraternidade não implica licenciosidade nem aceitação de condutas impróprias.

Como em quase todas as reuniões humanas, as sessões maçónicas têm períodos de maior concentração e seriedade e momentos de alguma descontração. Mas, como em tudo na vida, é essencial o equilíbrio. Há assim que respeitar as regras instituídas e que chamar a atenção sempre que ocorram transgressões.

Mas, precisamente porque se está numa fraternidade, busca-se que não haja transgressões, ou ocorrendo alguma, que esta cesse o mais rapidamente possível, e, se possível, sem outras consequências ou sequelas. Assim, ocorrendo situação de infração às regras de conduta, o Venerável Mestre, em relação a todos os obreiros da Loja, o 1.º Vigilante, em relação aos Companheiros ou o 2.º Vigilante, em relação aos Aprendizes, deve fazer sentir isso mesmo ao infrator, instando-o a que cesse a conduta imprópria ou embaraçosa, em suma, a infração.

Pode, porventura, o infrator não entender bem a censura feita, até porque essa primeira intervenção deve ser feita de modo cordato. Pode porventura não levar a sério a interpelação. Pode estar de tal forma alterado, distraído ou concentrado que uma cordata intervenção não seja por ele notada ou considerada. Se tal suceder, deve proceder-se a uma segunda admoestação, esta já em tom mais firme, de forma a que se não duvide da seriedade da interpelação.

Se a esta segunda firme e séria interpelação não corresponder o visado com a cessação da sua conduta infracional, então não restarão dúvidas de que está consciente e voluntariamente a infringir. Haverá então lugar a procedimento disciplinar.

O procedimento disciplinar é regulado pelo Regulamento Interno de cada Loja - o qual, porém, deverá respeitar os princípios gerais, sobretudo de defesa do arguido, previstos no Regulamento Geral da Obediência.

A competência disciplinar incumbe ao Venerável Mestre, que designa o Mestre Maçom que deverá exercer as funções de instrutor do processo. Tradicionalmente, o instrutor do processo disciplinar é, em regra, o Orador - sem prejuízo de poder ser designado outro Mestre da Loja para executar essa tarefa (designadamente tendo em atenção a preparação especializada do designado, procurando-se, sempre que possível, que o instrutor de um processo disciplinar tenha preparação jurídica). O instrutor do processo disciplinar exerce a sua tarefa com total independência. O processo disciplinar finda com uma proposta do instrutor (que pode, obviamente, ser de arquivamento ou de aplicação de sanção), que deve ser decidida pelo Venerável Mestre (se a proposta for de arquivamento ou de aplicação de sanção que não seja a expulsão) ou pela Loja (se for proposta a sanção de expulsão ou se o visado no processo disciplinar for o Venerável Mestre).

Em vinte e dois anos de existência, exceção feita a algumas exclusões do Quadro de Obreiros por abandono de atividade ou falta de pagamento de quotas, autênticas atuações administrativas só seguindo a forma disciplinar por respeito aos direitos de defesa dos visados, a Loja Mestre Affonso Domingues não teve nunca que aplicar qualquer sanção disciplinar. 

O mesmo sucede, por regra, nas Lojas maçónicas que funcionam bem: o correto funcionamento de uma Loja maçónica gera laços fortes entre os seus obreiros, tecidos de companheirismo e de respeito mútuo, que permitem que qualquer conflito seja resolvido sem que se chegue a instâncias disciplinares, que qualquer conduta menos própria cesse mediante as chamadas de atenção efetuadas.

Nos termos do Regulamento Geral da GLLP/GLRP, existe nesta um Tribunal de Apelação, ao qual assiste competência para apreciar os recursos das decisões disciplinares do Venerável Mestre ou da Loja.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.

Rui Bandeira

25 junho 2012

A Maçonaria e o Culto Solar




"Todas as grandes religiões professam uma filosofia que (...) continua a tratar e a ensinar o Culto Solar e a forma como o Sistema Solar se Comporta.. (...) Hoje sabemos também que a posição do Sol em relação aos outros Eloíns ou planetas também nos afecta e conforme os Anjos, ou ângulos relativamente entre eles, produzem efeitos no comportamento quer ao nível do nosso planeta, quer ao nível do nosso corpo. É claro que em Maçonaria, essas representações Alegóricas tem essas metáforas baseadas em «questões Morais». (...) Eu aceito que o Paulo e outros maçons, não possam falar abertamente sobre estas coisas em público... (...) agora custa-me a aceitar e a perdoar que este conhecimento se mantenha Oculto, tudo fazendo para programar as massas não as educando ou reservando só para si, a chave de muitos problemas que afectam a nossa civilização."
(de um comentário recente do Streetwarrior, que tomei a liberdade de abreviar)

O nosso leitor Streetwarrior apresenta uma série de hipóteses - das quais extrai variadas conclusões - que me pareceram merecer mais do que um mero "comentário ao comentário". Vou tentar contribuir - sucintamente! - com a minha visão do assunto. Comecemos então pelo princípio.

A primeira hipótese é a de que todas as grandes religiões terão a sua origem no Culto Solar, tendo progressivamente divergido umas das outras na forma, mas mantendo a essência e a ancestralidade. Terá havido um "conhecimento ancestral" que se foi degradando com o tempo, e que apenas alguns terão sabido manter na sua integridade. A este respeito pouco haverá a dizer de categórico: não creio que haja documentos que o demonstrem, e tudo o que existe constitui apenas uma série de conjeturas, especulações e extrapolações, forçosamente pessoais e mais do campo da crença do que do da ciência. Assim sendo, é questão que não vou, sequer, tentar discutir: sou absolutamente concordante com a posição da maçonaria a este respeito, de que matéria de crença, fé ou convicção pessoal  são matérias que não devem ser discutidas, mas apenas respeitadas enquanto manifestação da liberdade individual.

A hipótese seguinte - apresentada como facto incontestado - é a de que a posição do Sol  em relação aos outros planetas afete o comportamento quer do nosso planeta quer do nosso corpo. Se virmos esta afirmação numa perspetiva estritamente astronómica e científica - do campo, portanto, dos factos  demonstráveis - dificilmente podemos deixar de a subscrever. Todavia, ao estabelecer um paralelo entre "planetas" e "Eloíns", e entre "ângulos" e "anjos", afastamo-nos do factual, e regressamos ao domínio da crença.

As duas hipóteses anteriores conduziram a uma terceira: de que "em Maçonaria, essas representações Alegóricas tem essas metáforas baseadas em «questões Morais»". Não é novidade que em maçonaria se faça recurso intensivo de símbolos, metáforas e alegorias para se transmitir ideias e princípios. A este respeito, nada de novo. É igualmente conhecido que a maçonaria terá ido "beber" a maior parte da sua simbologia de outras fontes, não criando coisas novas senão esporadicamente. Afinal, torna-se mais simples e eficaz transmitir uma ideia alicerçada sobre conhecimentos já consolidados do que tentar fazê-lo sobre terreno virgem. É verdade que muitos - a maior parte, diria - dos ensinamentos morais que a maçonaria transmite o são de forma alegórica, simbólica ou figurada. Não é por acaso que diz ser a maçonaria "um sistema de moral velado por alegorias e ilustrado por símbolos".

No entanto, não é correto identificar-se a maçonaria com o qualquer "conhecimento ancestral" que terá estado na origem das religiões, a não ser que tal seja feito, eventualmente, numa perspetiva antropológica e sociológica da História das Religiões - que não me parece ser o caso. A maçonaria, a este respeito, pretende apenas promover "a religião com que todos os homens concordam", conceito próximo do da "religião natural", ideia muito em voga no Iluminismo, segundo a qual haveria algumas características da crença religiosa que emanariam da essência da própria natureza humana. Não pretende, de modo algum, constituir ela mesma uma religião, ou reclamar-se detentora de qualquer conhecimento ancestral secreto, mas tão-somente promover a harmonia entre homens de crenças diferentes, na certeza de que o simples facto de terem crenças - mesmo que diferentes - é e deve ser um fator de união e identidade, e não de contenda.

A maçonaria não é detentora de nenhum "segredo oculto" sobre nenhum culto solar, nem detém nenhum conhecimento ancestral sobre o Sol, a Lua, as estrelas, os Astros ou o Zodíaco. Há, sim, símbolos da maçonaria que evocam esses corpos celestes, a começar logo pela questão de se chamar "luz" ao conhecimento. Todavia, são apenas isso mesmo: símbolos, alegorias, auxiliares de memória. Não há conhecimentos ocultos, fórmulas mágicas ou poderes escondidos. Só há trabalho, esforço e vontade de ser uma pessoa melhor - cada um à sua maneira.

É só isto, e não há nada que impeça um maçon de falar disto.

Paulo M.