23 dezembro 2010

Boas festas!


O "A-partir-pedra" deseja a todos Boas Festas,
e um ano de 2011 menos mau do que se antecipa!

Paulo M.

22 dezembro 2010

Elegia a um homem bom


Chegámos, a minha mulher e eu, ao hospital ao fim da tarde. Íamos visitar o pai de uma amiga que sabíamos estar gravemente doente. Encontrámo-lo rodeado pela família - a mulher e as duas filhas. Um olhar atento e alguns momentos chegaram-me para perceber que o seu estado não era apenas grave. A agonia começara. Não obstante, o homem doente estava lúcido. Fraco, muito fraco, mas lúcido. Não sei se consciente de que a travessia do umbral da eternidade estava próxima, mas lúcido.

Escondi o meu pensamento, proferi as palavras de conforto e encorajamento que devem ser levadas por quem visita quem está doente - esperando que às mesmas conseguisse conferir um pouco de credibilidade. Como é meu hábito (defesa?) nestas situações, procurei orientar a conversa para temas ligeiros e lançar um par de larachas que, por momentos embora, desanuviassem o ambiente. Senti-me grato por ter conseguido vislumbrar um par de sorrisos no homem doente. Pensei que, quando chegasse a altura de ser eu a fazer a mesma viagem que adivinhava que aquele homem não demoraria muito a fazer, também gostaria que alguém conseguisse fazer-me sorrir - a tal viagem é certa para todos nós, já que todos temos que a fazer, que se faça bem-disposto...

Da família que rodeava o homem, uma das filhas já se apercebera da iminência da partida. A outra guardava ainda uma réstia de esperança que a técnica médica ainda pudesse adiar o momento que a irmã já sentia chegando. A mãe de ambas, companheira de toda uma vida, incansavelmente acompanhava o seu marido, refugiando-se em pequenas coisas, não querendo pensar nem encarar o que temia sucedesse.

Uma hora depois, deixámos o homem doente. Outras solicitações de uma vida sempre atarefada nos aguardavam.

Na manhã seguinte, a notícia! O homem bom que tínhamos visitado, partira para o além desconhecido durante essa noite. A minha mulher soltou a sua emoção. Eu pensei - mas reservei para mim esse pensamento - que fora uma felicidade que a agonia tivesse sido breve. Vim a saber depois que a viagem fora feita durante o sono - e de novo dei graças por tal. A minha mulher, imersa na sua emoção, perguntava, insatisfeita, porque eram os bons que partiam quando tantos maus ficavam por aqui atormentando os seus semelhantes. Perguntei-lhe se sabia ela que se estava melhor aqui do que para onde se seguia...

Gostaríamos que os bons estivessem connosco sempre mais. Lamentamos a sua partida. Principalmente a família experimenta a orfandade da separação, o desgosto do desaparecimento. E tem de fazer o luto pela sua perda.

Quem não é crente, não tem, nestas ocasiões, arrimo para o sentimento de perda. Já quem crê em algo mais do que a materialidade que nos rodeia, sem deixar de sofrer o choque, tem a possibilidade de se consolar com a noção de que o fim deste caminho não é o fim do caminho, que, para além do que vemos e sentimos e sabemos, mais e diferente caminho existe para caminhar, não sabemos de que forma, como - mas existe.

O maçom confronta-se com a ideia do seu desaparecimento físico e aprende a não o temer, a entender que o momento inescapável é apenas uma passagem - um fim, mas também um novo princípio.

Um homem bom terminou a sua caminhada entre nós. Como todos os que gostam da companhia de quem é bom, lamento que essa companhia tenha cessado. Mas creio que a razão porque a sua presença física cessou foi apenas porque a sua missão aqui foi cumprida. Nova missão, novo desafio, nova jornada, encetou - como todos nós havemos de encetar. Foi cedo de mais? Poderia a Providência ter-lhe dado, a ele e aos seus e a todos nós um pouco mais de tempo para apreciarmos a nossa mútua companhia? É humano que o desejemos. Mas a hora foi esta porque a sua missão aqui fora ultimada, cumprida, realizada - e com êxito! Já o homem bom era, porventura, mais necessário onde seu espírito agora prossegue a sua caminhada.

Os bons vão primeiro? Pudera! É por serem bons que melhor e mais depressa cumprem a sua missão aqui!

O solstício de inverno - que hoje decorre - lembra-nos que a escuridão, o frio, a noite longa e o dia breve, o fim, afinal são um recomeço e, a partir do ponto de transição, a escuridão pouco a pouco de novo cede o lugar à luz, o frio desaparece, a noite se encurta e o dia se alonga, o fim é afinal um novo princípio.

É disto que nos devemos lembrar sempre que vemos partir um homem bom.

(Homenagem a um homem bom que partiu).

Rui Bandeira

20 dezembro 2010

A (im)perfeição e as Old Charges (I)


No Livro das Constituições de Andersen, de 1723, aprovado por maçons ilustres como Desaguliers, Cowper e Payne - reputados e reconhecidos pela sua sabedoria maçónica - podem encontrar-se estas palavras: "The men made masons must be free-born, no bastard, and of mature age, and of good report, hale and sound, not deformed, or dismembered at the time of their making" (Os homens feitos maçons devem ter nascido livres, não bastardos, de idade madura, boa fama, saudáveis e sãos, não deformados ou amputados na altura da sua admissão). Isto levanta a questão: manter-se-á esta exigência nos dias de hoje? Não há melhor forma de entender uma lei do que descobrir e entender o propósito do legislador quando se deu ao trabalho de a elaborar.

Em Junho de 1718 - fazia a Grande Loja de Inglaterra um ano - o Grão-Mestre manifestou o desejo de que os Irmãos que tivessem acesso a registos e escritos antigos sobre Maçons e Maçonaria os trouxessem à Grande Loja, para que pudessem ser constatados os antigos usos e costumes da Maçonaria Operativa. Era importante, no contexto da altura, conferir à Ordem recém criada uma certa patine, alguma daquela aura de autoridade que só a idade proporciona. Foi assim que, nesse ano, apareceram diversas cópias de documentos referente à Maçonaria Operativa - as "Gothic Constitutions". Face a estas, e não as achando adequadas, o Grão-Mestre e a Grande Loja ordenaram ao Irmão James Andersen que as coligisse e elaborasse um novo e melhor Método.

James Anderson, em 1723, com a aprovação da sua Grande Loja, publicou o resultado do seu laborioso trabalho, no que se tornou uma das obras que mais influenciou a Maçonaria até aos nossos dias: o primeiro livro de "The Constitutions of the Free-Masons". Nele incluiu uma secção chamada "the Charges of a Free-Mason" - os chamados "Antigos Deveres" - extraída de registos de lojas "para além do mar", bem como de Inglaterra, Escócia e Irlanda, para uso pelas Lojas de Londres. Foi assim que James Anderson fez uso dos antigos manuscritos a que chamou "The Old Gothic Constitutions", e que citou e parafraseou extensivamente na sua obra. É por esta razão que, num livro destinado a Maçons Especulativos, encontramos regras que só fazem sentido quando aplicadas a Maçons Operativos.

Os "Antigos Deveres" são os documentos históricos que constituem as tais "Gothic Constitutions". De um total de 119 documentos, cerca de dois terços são anteriores à primeira Grande Loja de 1717 - talvez uns 75 - e uns 55 são anteriores a 1700. Quatro foram escritos por volta de 1600, um é datado de 1583, outro de cerca de 1400 ou 1410, e outro será de cerca de 1390.

Quase todos começam com uma invocação: "Que a vontade do Pai do Céu, com a sabedoria do seu Glorioso Filho, através da graça e bondade do Espírito Santo, que são três Pessoas num só Deus, estejam connosco no nosso início, e nos dêem a graça de que governemos a nossa vida aqui de modo que possamos chegar à Sua felicidade que não tem fim. Amen."

Pode ler-se então o anúncio do propósito e do conteúdo, seguido de uma breve descrição das Sete Artes Liberais ou Ciências, uma das quais é a Geometria. Seguia-se uma extensa História Tradicional da Geometria, Maçonaria e Arquitetura, que tomava mais de metade do texto, e que se iniciava nos tempos bíblicos de Noé, terminando no ano de 930, em que o Príncipe Edwin reuniu uma assembleia de maçons na cidade de York, e estabeleceu os regulamentos usados "desde esse dia até aos dias de hoje".

A seguir vinha a forma de se fazer um juramento: "Um dos anciãos segurava o Livro, de modo que ele ou eles pudessem colocar as mãos sobre o Livro, e então as regras eram lidas." a que se seguia o aviso: "Que cada maçon tome nota destes juramentos, pois se alguma vez se vir culpado de ter violado um, que possa reconciliar-se com Deus. E especialmente tu que vais prestar juramento, toma atenção ao cumprimento destes juramentos, pois é um grande perigo para um homem quebrar um juramento feito sobre um Livro".

Seguia-se a lista das regras a cumprir, algumas de cariz comercial, outras de índole comportamental. Sem dúvida que eram essenciais a uma comunidade de artesãos que trabalhavam em grande proximidade vinte e quatro horas por dia. Por fim, vinha o juramento: "Estas ordens que ensaiámos, e outras que pertençam à Maçonaria, iremos guardar, assim Deus nos ajude, e por este Livro e para o seu poder. Amen."

Paulo M.

15 dezembro 2010

O tempo de Companheiro

O tempo de Companheiro é um tempo difícil. O obreiro já não é um Aprendiz rodeado, apoiado, apetece até dizer mimado, por todos os Mestres da Loja. Alcançado o seu aumento de salário, afinal o prémio que obtém é apenas uma mudança do seu lugar na Loja, um pouco de cor no seu avental e... uma sensação de menor apoio.

Após uma Cerimónia de Passagem que é um verdadeiro anti-clímax em relação à sua recordação do que experimentou quando foi iniciado, depara-se com um par de símbolos novos, metem-lhe uns regulamentos e um ritual e catecismo na mão e... parece que se desinteressaram dele, ele que se oriente...

Não é assim, embora pareça que seja assim. E é assim que deve ser.

A Iniciação foi o nascimento para a vida maçónica. O tempo de Aprendiz é a sua infância, em que se é guiado, educado, amparado, mimado. O tempo de Companheiro, esse, é o da adolescência. Já não se admite ser tratado como criança – como Aprendiz – pois já se cresceu – já se evoluiu – mas... sente-se a falta do apoio que se recebia em criança. Já não se quer, mas ainda afinal se tem a nostalgia do apoio do tempo de Aprendiz. O Companheiro, tal como o adolescente, sofre a sua crise de crescimento. É o preço que tem a pagar pelo seu trajeto em direção à idade adulta maçónica, em que será reconhecido como Mestre.

No entanto, só aparentemente o Companheiro é deixado só. Os Mestres permanecem atentos a ele e, de entre eles, em especial o Primeiro Vigilante, responsável pelos Companheiros. Simplesmente já não tomam a iniciativa de sugerir caminhos, orientar trabalhos, avançar explicações, dar opiniões. Porque o Companheiro já não é Aprendiz, tal como o adolescente já não é criança. O tempo é de aprendizagem por si próprio, de exploração segundo os seus interesses. E só se houver grande desorientação no caminho se deve intervir. Tal como em relação ao adolescente é contraproducente pretender-se guiá-lo, impor-lhe caminhos, pois ele ou não aceitará o que considerará indesejável intromissão ou tornar-se-á dependente de uma superproteção que muito dificultará a sua vida adulta, também os Mestres não devem abafar o Companheiro com recomendações, intromissões, solicitudes a destempo. O tempo é de o deixar explorar, ele próprio, o que tiver a explorar. Se errar, aprenderá com o erro. Mas, no final, crescerá até à responsável maturidade da Mestria. É o que se pretende.

No início é – sabemo-lo bem! – confuso. Mas afinal as ferramentas foram fornecidas ao Companheiro logo no primeiro dia, tal como o guia de trabalho lhe foi apresentado. O Companheiro só tem de perceber isso, pegar nas ferramentas e seguir o trilho que, desde o início, lhe foi mostrado. Só não foi levado, empurrado, carregado, até ao seu início. Afinal, já não é criança...

A prancha de proficiência culmina o percurso do Companheiro. Mostra que ele entendeu o que escolheu entender, que trabalhou no que optou por trabalhar. A idade adulta está ao virar da esquina. O que implica virar essa esquina já é outra história...

Rui Bandeira

12 dezembro 2010

Meus irmãos em todos os vossos graus e qualidades... ... ... disse!

Era a primeira vez que este irmão tomava a palavra em Loja. Enquanto companheiro ou aprendiz fora-lhe vedado fazê-lo. Por isso, agora, ao fim dessa longa caminhada, tendo acabado de ser exaltado ao grau de Mestre, podia, finalmente, falar!!! Eu, aprendiz recentemente iniciado, esbugalhava os olhos e tudo absorvia com sofreguidão, e talvez por isso este episódio tenha ficado indelevelmente marcado na minha memória. Assim, chegado o momento em que, numa sessão maçónica, o Venerável Mestre põe a palavra nas colunas - que é como quem diz: autoriza que os mestres peçam a palavra - o novo Mestre pediu-a da forma regulamentar, e esta foi-lhe dada. Colocando-se de pé e à ordem - como é suposto - começa a sua intervenção como quase todas começam:

"Venerável Mestre, meus Irmãos em todos os vossos graus e qualidades..."

Fez-se silêncio absoluto na Loja - como, de resto, é suposto acontecer. Todos aguardavam com curiosidade e expetativa as primeiras palavras que este irmão proferiria em sessão. Contudo, estas teimavam em não surgir. O silêncio, já denso, adensava-se a cada segundo que passava sem que fosse quebrado. Visivelmente, o Irmão debatia-se com as palavras que queria dizer. O esforço mental transparecia-lhe na face, e começava, decorridos alguns silenciosos segundos, a ficar visivelmente horrorizado com a circunstância em que ele mesmo se havia colocado. É que as palavras não saíam.

"... ... ..."

Nem um sopro se ouviu. Todos partilhavam do esforço, da atrapalhação, do embaraço do Irmão. Mas ninguém podia socorrê-lo. Uma vez dada a palavra a um Irmão, só o Venerável Mestre ou o Orador podem tomá-la antes que esse irmão indique ter terminado a sua alocução. Não fez, porém, nenhum destes qualquer diligência nesse sentido, pois todos sentiam que só ele podia - e só ele devia - quebrar o silêncio que iniciara. E assim foi. Com grande esforço, recorreu à fórmula com que, em Loja - e por vezes, fora dela - os maçons indicam ter terminado a sua intervenção:

"... Disse!"

E sentou-se.

Toda a Loja sorriu de alívio e, prazenteiramente, vários, no fim da sessão, entre abraços de cumprimentos, lhe disseram ter sido uma intervenção memorável. E foi-o de verdade - o certo é que nunca mais a esqueci. Recentemente outro episódio semelhante sucedeu - de novo com um Mestre recém-exaltado - que me fez, de novo, recordar o primeiro. Para além do evidente humor da situação, que ensinamentos se pode retirar destes episódios?

Em primeiro lugar, constatou-se que qualquer dos Mestres em questão aprendera de que forma a sua intervenção teria que ocorrer: como e quando pedir a palavra, como se colocar para falar, as fórmulas a utilizar para marcar o início e o fim da sua intervenção, e o que fazer após ter terminado; nisso ambos foram irrepreensíveis. Foi, por isso, uma lição de forma, mais do que de conteúdo, como se alguém experimentasse uma peça de roupa e se mirasse ao espelho, fazendo-a sua, imaginando-se a usá-la na rua ou numa circunstância especial, para que, chegada esta, a roupa nova o não atrapalhasse.

Em segundo lugar, a Loja comportou-se com enorme dignidade. Apesar de ser uma situação confrangedora - todos partilharam do evidente desconforto do Irmão que, engasgado, não sabia como prosseguir - todos se mantiveram impávidos, sem um sinal de impaciência, sem esboçar um sorriso. A disciplina da Loja revelou que todos tinham interiorizado o valor do silêncio, que sabiam praticá-lo, e que não era só coisa de aprendizes e companheiros; não, o silêncio e a contenção eram para todos.

Em terceiro lugar, veio-se a constatar que esse Irmão - que, da primeira vez, "entupiu" e quase nada conseguiu dizer - até tinha o que partilhar, até possuía ideias válidas, até acabou por ter algumas intervenções muito pertinentes, que se foram tornando mais sólidas e seguras de cada vez que lhe era concedida a palavra. E quem não podia, ainda, falar, teve a oportunidade de ver um outro percorrer o seu caminho, e com isso aprender que apesar de falar não ser, de início, tarefa fácil, é algo que a experiência vai ensinando.

Falar é, mais do que um direito, um dever dos Mestres. Faz parte da formação de um homem - e, consequentemente, de um maçon - saber dirigir-se a uma assembleia e transmitir por palavras o que lhe vai na alma. Poder ir aprendendo a fazê-lo face a uma assistência disciplinada, paciente e cooperante é só mais um dos pequenos privilégios que advêm do facto de se estar integrado numa Loja Maçónica.

Paulo M.

08 dezembro 2010

Quite


Um maçom deve estar sempre quite para com a sua Loja, isto é, ter cumpridas as suas obrigações para com esta. As obrigações mínimas do maçom perante a Loja respeitam ao dever de assiduidade, isto é, à comparência em todas as sessões de loja para que for convocado, e o pontual pagamento da quota mensal.

Estar quite é cumprir estes deveres SEMPRE. Sempre que um obreiro injustificadamente falte a uma sessão, viola o dever de assiduidade e, portanto, não está quite. Sempre que se inicia um mês do calendário civil sem ter pago a sua quota do mês anterior, não está quite.

Não está quite perante si próprio, perante a sua consciência. Porque, incumprindo o seu dever de assiduidade, sem justificação para tal, incumprindo, podendo fazê-lo, o seu dever de pagar a sua quota mensal, o obreiro está, antes de mais, a faltar aos compromissos que assumiu, respetivamente, de assiduidade e de comparticipação para o Tesouro da Loja. E o cumprimento dos compromissos livremente assumidos é uma questão de honra! Logo, o maçom que injustificadamente falte a uma sessão de Loja para que foi convocado, que se deixa, sem razão que o justifique, entrar em mora no cumprimento do seu dever de contribuição para as despesas da Loja, antes de tudo e cima de tudo sente-se ele próprio desonrado.

O atraso no pagamento das quotas pode ser remediado: basta pagar o que está em dívida e ficar-se-á quite. Já o incumprimento do dever de assiduidade causa sempre prejuízo. À Loja porque fica privada do contributo do maçom. E todos os contributos de todos os maçons da Loja são inestimáveis e imprescindíveis. Do Mestre mais antigo ao Aprendiz mais recente, todos e cada um são essenciais para o aperfeiçoamento de cada um e global da Loja. Mas o incumprimento do dever de assiduidade prejudica sobretudo o próprio incumpridor. E, de alguma forma, é incompreensível: pois não tomou o maçom a decisão de pedir a Iniciação para beneficiar da ajuda da Loja no seu crescimento pessoal, na sua jornada própria? E vai prejudicar a sua demanda, prescindir do contributo do grupo não comparecendo? O tempo não para, não se pode rebobinar o filme. A única forma de remediar a falta sem motivo é diligenciar pelo estrito cumprimento do dever de assiduidade. Assim se diluirá o atraso, assim se recuperará o trabalho que ficou um dia por fazer. Assim se fica, de novo, quite. Quite para com a Loja. Mas sobretudo – e principalmente! – quite perante si próprio!

O maçom tem, a todo o tempo, direito a que a sua Loja certifique que se encontra quite. Se o fizer na constância e na permanência da ligação à sua Loja, é-lhe emitida uma declaração de good standing, com a qual poderá provar, perante qualquer outra Loja que visite, ser um maçom quite, em boa posição, de pé e à ordem, perante a Loja, a Maçonaria e ele próprio. Se o fizer no âmbito do processo de desvinculação da sua Loja – que é um direito que todo o maçom a todo o tempo pode exercer -, seja por entender dever adormecer, isto é, suspender a sua atividade maçónica ou por decidir mudar de Loja, é-lhe então emitido um atestado de quite. Com esse documento, fica ultimada a sua desvinculação da Loja. O maçom pode assim pedir a sua admissão a outra Loja, comprovando perante a mesma estar quite de todas as suas obrigações perante a Loja de que se desvinculou. Ou, se simplesmente pretender suspender a sua atividade maçónica, pode, se e quando o entender, retomá-la reintegrando-se na mesma ou em outra Loja, comprovando que cumpriu os seus deveres enquanto esteve em atividade maçónica, pelo que saberá voltar a cumpri-los ao retomá-la.

Mas, no fundo, o atestado de quite é apenas uma declaração num papel. O que verdadeiramente interessa é que o maçom se sinta, ele próprio, pessoalmente, perante si mesmo, sempre quite. E é para que assim seja que a Loja existe e se disponibiliza e auxilia e coopera. Porque a razão de ser da Loja, da Obediência, da Maçonaria é, afinal, simplesmente, o maçom. Cada um deles. Cada um de nós. Livre, especial, insubstituível e... quite!

Rui Bandeira

01 dezembro 2010

O décimo nono Venerável Mestre


O décimo nono Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues, João F., foi instalado no ofício, no segundo sábado de setembro de 2008, por um dos Vice-Grão-Mestres, na presença do Muito Respeitável Grão-Mestre, que pessoalmente dirigiu algumas partes da Cerimónia de Instalação. Augurava-se mais um bom e bonançoso ano para a Loja Mestre Affonso Domingues, sob a sua direção.

Com efeito, João F., um empresário calmo, metódico, simpático, percorrera toda a "linha de sucessão" tal como estava informalmente instituída na Loja Mestre Affonso Domingues. Depois de, já Mestre Maçom, ter assegurado ocasionalmente alguns ofícios em substituição do titular, foi eleito Tesoureiro da Loja e exerceu tal ofício um ano. Seguidamente, cumpriu outro ano no ofício de Secretário. e depois mais outro no de Orador. Cumpriu então mais dois anos de exercício de maiores responsabilidades, assegurando sucessivamente os ofícios de 2.º e 1.º Vigilante. Inegavelmente, estava bem preparado. Tinha a experiência, a competência e a vontade necessárias para ter um mandato auspicioso.

Mas, mesmo quando se julga que tudo está reunido em nosso favor, por vezes o destino trai-nos.

João F., mal foi instalado na Cadeira de Salomão, apresentou o programa do que se propunha fazer e formou a sua equipa. Sob a sua liderança, tudo estava pronto e começou a ser executado.

Depois, caiu-lhe a crise em cima da cabeça! Não qualquer crise interna, como sucedera, mais de uma década antes ao José Ruah. Caiu-lhe em cima a crise - a económica, aquela que ainda vai dificultando as nossas vidas. Empresário de um setor especialmente vulnerável, de um dia para o outro teve de se preocupar, praticamente em exclusivo, com a sua atividade profissional. As suas qualidades de liderança tiveram de ser totalmente aproveitadas na sua empresa.

Entre acorrer à gestão do seu negócio, profundamente afetado, e dedicar-se à gestão da Loja, a escolha era óbvia. Para ele e para todos nós. As prioridades existem e têm de ser respeitadas. Havia postos de trabalho a assegurar, o sustento e o conforto da sua família a defender. João F. teve de deixar para segundo plano a liderança da Loja. Não tinha nem tempo, nem cabeça, para se dispersar da sua principal preocupação.

João F. tomou a decisão que devia tomar e toda a gente compreendeu. Aliás, era a mais lógica: a Loja, essa, estabilizada como estava, podia suportar esse contratempo.

João F. e a Loja tiveram, então, que, ao contrário do que ele e ela pretendiam, entrar num regime de "serviços mínimos". Não havia disponibilidade para mais!

Poderia a Loja ter colmatado a menor disponibilidade do seu Venerável Mestre, organizando-se para prosseguir o seu normal ritmo de trabalho sem ele? Poderia. Mas não devia! A Loja segue e respeita a liderança do seu Venerável Mestre. Nas condições em que essa liderança é possível. Substituir-se a essa liderança, ultrapassá-la, seria liquidá-la. E uma Loja maçónica, não sendo apenas isso, é também uma escola de liderança e de aceitação de liderança - não da sua subversão.

O ano em que a Loja foi dirigida por João F. foi, assim, um ano de relativa acalmia, de alguma pausa, de trabalho de rotina (também necessário). E também de reflexão e de programação do que se faria seguir.

Mas não se pense que nada se fez. Fez-se porventura menos do que a nossa ambição pretendia. Mas fez-se: foi elaborado e aprovado o regulamento de funcionamento do sítio da Loja na Internet; organizou-se e realizou-se o já tradicional almoço de solstício de inverno da Loja, com leilão de objetos doados, para recolha de fundos para doação a instituição de solidariedade social; efetuou-se uma ação de doação de sangue, em colaboração com os escuteiros da Pontinha; auxiliou-se e preparou-se a criação da Loja João Gonçalves Zarco, ao Oriente do Funchal; a Loja geminou-se com a Loja Hippokrates, do Oriente de Viena, da Grande Loja da Áustria; fizeram-se iniciações, passagens e elevações; apresentaram-se pranchas.

Bem vistas as coisas, que agradável que é olhar para uma lista destas e considerar-se que só se fez trabalho de rotina, "serviços mínimos"...

Com João F., a Loja aprendeu que a liderança tranquila e aparentemente rotineira não é, afinal, de menosprezar. E deu-se conta da sua ambição. Ambição de fazer cada vez mais. Mas tomou nota que há tempos para tudo. Que as pausas são necessárias, que o refúgio na rotina é, por vezes, necessário, para retemperar forças, acorrer a outras prioridades e preparar novos voos.

E, todas as contas feitas, a Loja estava afinal melhor, mais bem preparada, mais adulta, mais experiente, no fim do mandato do João F..

João F. deu-nos a ocasião de experimentarmos que o ótimo é inimigo do bom... e que o bom, afinal, não é mau...

Rui Bandeira