Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXV
Esta designação é pacífica e comum na Maçonaria Portuguesa.
Já no Brasil, existem duas variantes para a designação. Uma parte das Lojas, em regra as subordinadas ao Grande Oriente do Brasil, utiliza "telhar" e "telhamento". Outra parte, em regra Lojas jurisdicionadas às Grandes Lojas dos vários Estados brasileiros, utiliza os termos "trolhar" e "trolhamento". Tenho este últimos termos por corruptelas dos termos originais, decorrentes de particular entendimento da fonética das palavras originais, tais como são pronunciadas no "português europeu". Com efeito, a forma de pronúncia utilizada no português europeu é consideravelmente mais fechada, mais "muda" na pronúncia das vogais não tónicas. Enquanto que no português do Brasil a vogal "e" de telhar é claramente pronunciada, no português europeu é completamente muda. Não admira, assim, que um ouvido brasileiro confundisse a sílaba "te" de telhar e telhamento, em que a vogal, pura e simplesmente é abafada, é completamente átona, com a a sílaba "tro" de "trolhar", ato de passar a trolha (que até é um instrumento de pedreiro...), daí derivando "trolhamento".
Um ilustre Irmão brasileiro, Kennio Ismail, defende, no blogue "No esquadro" (em http://www.noesquadro.com.br/2011/02/telhamento-ou-trolhamento.html) que o correto é utilizar "trolhar" e "trolhamento", argumentando, designadamente:
O argumento é interessante, mas, a meu ver, não colhe, por várias razões:
1) O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa é um recente dicionário eletrónico, criado por uma empresa comercial que, embora meritório, não tem a autoridade bastante para, por si só, definir o que é certo ou errado na língua portuguesa;
2) Em mais nenhum outro dicionário que consultei, inclusive do século XIX, encontrei o entendimento de "trolha" como operário que assenta e conserta telhados;
3) Em português europeu "trolha" é pedreiro ou servente de pedreiro (e também a designação de uma ferramenta do pedreiro, a colher de pedreiro), e ponto final; nem no século XIX, quando "muitos maçons brasileiros" estudaram e foram iniciados em Lisboa trolha era designação específica de quem consertava telhados;
4) É certo que o pedreiro trabalha em todas as fases da construção, desde executar os caboucos a levantar paredes, fazer lajes e, sim, também assentar o telhado - mas tudo isso são partes da função do pedreiro, do mister do trolha: não é correto individualizar uma particular tarefa (se o fosse, então ao trolha também cabe abrir janelas, por onde estranhos podem espreitar para o interior das Lojas...);
5) Finalmente, nunca, em português arcaico ou nos rituais e catecismos em uso em Portugal nos séculos XIX e XX foi utilizado "trolhar" e "trolhamento", antes e apenas "telhar" e "telhamento".
Tenho assim que, com toda a amizade, discordar do entendimento do Irmão Kennio Ismail.
Mas, por outro lado, algo há ainda a frisar.
Os defensores do uso de "telhar" e "telhamento" acusam quem usa "trolhar" e "trolhamento" de incorreção, frisando que "trolhar", passar a trolha, o ato de alisar uma superfície é bem mais adequado para designar, não a verificação de quem é maçom, mas sim a atividade de conciliar irmãos desavindos, de limar as asperezas entre eles surgidas, aplainar, alisar, os desentendimentos, enfim, obter a concórdia na Loja através do diálogo que esclareça posições, atenue divergências e garanta a tolerância de diferentes posições e entendimentos.
Embora pessoalmente eu adira a esta interpretação simbólica, não quero deixar de expressar que não concordo com a acusação de "incorreção": a língua é uma coisa viva, evolui, por vezes por variantes cultas, talvez a maioria das vezes por variantes populares, por norma precisamente corruptelas de expressões cultas. Se a língua não evoluísse, se não se alterasse, ainda todos falávamos latim... Uma vez que uma expressão ganhe um uso continuado e significativo na língua, passa a integrá-la, quer a sua origem seja "culta" e tida por gramaticalmente correta, quer a sua origem seja "popular" e decorra de corruptela. Penso que é essa precisamente a situação, neste caso concreto: uma evolução da língua portuguesa, no espaço brasileiro, que acabou por consagrar o uso como sinónimos de "telhar" e "trolhar" e "telhamento" e "trolhamento", desde há dezenas de anos. Precisamente porque a língua é viva e extravasa as pretensões de lhe impormos espartilhos, regras e normas, considero que nenhuma das expressões é, hoje, correta ou incorreta: ambas as variantes estão consagradas pelo uso, ambas ganharam a sua alforria na língua portuguesa, ambas podem ser utilizadas no português utilizado no Brasil.
Uma última nota: não se estranhe que o texto da regra refira que o telhamento era feito por Companheiros: em 1723, ainda a Loja tinha apenas Aprendizes e Companheiros (estes os "oficiais", os que já sabiam executar os trabalhos, equivalentes hoje aos Mestres Maçons), sendo a designação de Mestre reservada ao que hoje designamos por Venerável Mestre. Só mais tarde é instituído o sistema de três graus. O que nos recorda que preservação da Tradição não é sinónimo de imobilismo... nem na língua!
Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 142.
Rui Bandeira