28 dezembro 2015

Maçons, "livres-pensadores"...


Aqui há uns tempos em conversa com um amigo sobre determinado tema, disse-lhe eu isto: “eu apenas te mostro o mapa, caberá a ti escolheres o caminho”. E de facto esta é a realidade em que temos de viver. Ou seja, nós somos as nossas “escolhas”, nós somos as “decisões” que tomamos e as ações que decidimos praticar.

Por mais que uns nos digam para irmos para a “esquerda” , outros para a “direita” e alguns inclusive nos digam para seguir pelo “meio”, a decisão final sairá de nós próprios, da nossa vontade, independentemente das indicações e dos conselhos que recebamos e que possam nos auxiliar na decisão a tomar.

Se decidirmos agir de certa maneira, coincidindo ou não com o que a generalidade ou somente com o que alguns considerem sobre tal , foi a nossa mente que o decidiu. 
Assim, todos nós na nossa Vida somos  - e seremos sempre - responsáveis por aquilo que decidirmos, sejam ações ou palavras e até mesmo pelos mais simples pensamentos.
- Fomos nós que os criamos/produzimos, logo somos nós responsáveis por eles, por inerência-.
Por mais influências que recebamos externamente, é o nosso íntimo, o nosso “Soi”, que irá efetuar a escolha do que concretamente iremos fazer.

Será a mais correta?!
Será a mais eficaz?!
Será a mais proveitosa?!

O que sabemos é que é a nossa decisão e apenas isso. Foi o que optámos por decidir. E que tal decisão seja sempre tomada em consciência com os princípios que advoguemos e com os quais nos sintamos devidamente identificados.
-Sejamos honestos, íntegros e coerentes nas nossas decisões!-

Os maçons, “livres-pensadores” como orgulhosamente se assumem, devem ter bem a noção de tal. Não bastará assumir algo ou determinada coisa para depois não se praticar isso na realidade.
É sempre esperado que um maçom use o seu bom senso e os seus bons costumes para decidir, se possível sempre, da melhor forma possível face às situações que a vida lhe apresenta.
-Tem o dever de agir dessa forma!-

O que poderá acontecer, e muitas vezes é inevitável tal, é que nem sempre as decisões tomadas possam ser as melhores ou mais corretas, uma vez que o maçom, tal como outro ser humano qualquer, também erra, mas como maçom tem a obrigação de aprender com esse erro e evitá-lo no seu futuro.
E aqui assumo que os maçons também erram, infelizmente algumas vezes e talvez, digo eu, vezes demais. Mas como o maçom é alguém que busca evoluir espiritualmente, ele também estará susceptível de efetuar mudanças no seu comportamento; logo também as suas decisões serão influenciadas pelas mudanças/”transformações” que sofrer e as suas atitudes se revelarão melhor no seu comportamento e carácter. Tudo isto em prol do seu auto-aperfeiçoamento enquanto ser humano. 
Isso será o tal “polimento”, o tal “burilamento da pedra bruta” que na Maçonaria tanto se fala.

Os vícios ou erros comportamentais que possam ter existido na sua conduta no passado, deverão ficar aí mesmo, no passado. E “como de passado apenas vivem os museus” (como é usual se afirmar), no momento da Iniciação, no momento em que o recém neófito encontra a sua primeira centelha da Luz, nasce como uma nova pessoa, um “novo Homem”, e como tal terá acesso a “ferramentas sociais e espirituais” que poderá utilizar para melhor atingir o seu “nirvana”, por assim dizer. 

O que interessa por vezes não é o mapa mas o caminho que se seguiu, mesmo para o nosso auto-aperfeiçoamento, o que importa é que decidimos livremente as decisões que tomámos e que escolhemos sempre, mediante o que a vida nos vai apresentando e mediante as condições que temos, mas que foram  as melhores decisões que considerámos que podíamos e/ou devíamos tomar ou ter tomado. Isso sim, é o mais importante nisto tudo.

Este caminho que seguimos é feito sozinho (somos nós que o temos que fazer) mas não é solitário (pois outros o fazem também) e temos ter a consciência e a noção disto.
Se olharmos para o lado veremos alguém a viver as mesmas situações ou outras, com decisões tomadas semelhantes ou completamente diferentes daquelas que, se fosse connosco, tomaríamos. A vida é isto mesmo, cheia de imponderáveis e é essa uma das mais valias de viver, a cada passo dado, a cada momento, nunca sabemos o que se seguirá, apenas o podemos tentar prever e nada mais.

O que concluindo posso afirmar é que independentemente das decisões e escolhas que tomemos, somos nós que o deveremos fazer e não outrem. E por elas nos responsabilizarmos. São estas decisões que nos definem como pessoas!
A  grande diferença que temos em relação aos restantes seres vivos é a nossa “massa cinzenta” e que é devido a ela que pudemos livremente pensar.
É altura de a começarmos a valorizar mais e principalmente em a começar a usar de uma forma correta e eficiente.
E posto isto, porque não… pensar?!

21 dezembro 2015

Boas Festas!


Entrámos na reta final do ano civil, quando o ambiente e a disposição nos relembram a cada momento que é a altura das Festas. As Festas por alturas do solstício de inverno (no hemisfério norte) são assinaladas desde a mais remota Antiguidade. O dia do solstício de inverno constitui o máximo do esforço, da privação, da falta de luz e de calor. É o menor dia do ano, é a maior noite do ano. Porque sentiu a Humanidade a necessidade de festejar este tão soturno, breve e desagradável dia? Porque marca o ponto de viragem, porque assinala a ocasião em que finda o tempo de tudo piorar, de cada dia que vem ser um pouco menor que o anterior e cada noite um pouco maior, para tudo começar a melhorar, a paulatinamente, dia a dia, aumentar o tempo em que o Sol nos ilumina e a diminuir o tempo em que a escuridão da noite nos incomoda.

Sempre admirei esta capacidade do bicho-homem de festejar, de assinalar o momento em que o mau é pior, em que se bate no fundo, porque ela significa que a Humanidade tem a importante caraterística de preservar a Esperança e de ver para além do momento. Quando se bate no fundo, daí para a frente é sempre a subir. Quando se atinge o máximo de escuridão, daí em diante a luz continuamente aumenta. O festejo do pior momento é afinal o festejo da noção de que o pior passou, a partir de agora o pior vai sendo cada vez menos mau, cada vez mais facilmente suportável, até que saímos do tempo e do território do pior e passamos a estar na altura do melhor. 

Na Grécia antiga eram as Festas Dionisíacas, nos tempos da antiga Roma estas festividades eram as Saturnálias, na sociedade europeia cerca dos últimos dois mil anos é o Natal. Evoluem as sociedades, sucedem-se os costumes e as crenças, mas o básico continua no âmago dos homens: a celebração por volta do solstício de inverno, chame-se-lhe o que se lhe chamar, é feita. As tribos primitivas refugiavam-se nas suas cavernas, de volta do fogo, reunindo a tribo em torno da prole. Hoje, bem vistas as coisas, não agimos de forma muito diferente...

É chegado o tempo de cada um de nós se dedicar à sua família, de fortalecer os laços com o seus. É um tempo de pausa, que reforça os nossos grupos de gente chegada. As famílias - todo o tipo de famílias, das mais convencionais às mais arrojadas e liberais - reagrupam-se e cada um relembra a si mesmo que, por muito individualista que cada um seja, no fundo, no fundo, somos inapelavelmente todos animais gregários.

E este mergulhar no interior do grupo dos nossos mais próximos revigora-nos para prosseguirmos o nosso caminho, reconforta-nos com o rememorar dos tempos em que éramos meninos, recorda-nos que, façamos nós o que façamos, corramos o risco que corrermos, afastemo-nos o que nos afastarmos, existe sempre uma retaguarda onde somos bem-vindos, onde nos podemos acolher, aonde vale sempre a pena voltar.

As luzes são bonitas, os presentes são agradáveis, as mesas fartas são reconfortantes, as comemorações e as cerimónias dos nossos hábitos e das nossas crenças são aprazíveis, mas, para mim, o essencial é este retorno, esta necessidade, de anualmente superarmos a altura mais fria, mais desagradável, mais negra, do ano junto dos nossos, entre os que nos são queridos. Em conjunto. Juntos. E festejar o facto de juntos superarmos o tempo difícil e rumarmos a melhores dias.

Festas Felizes!

Rui Bandeira 

14 dezembro 2015

O Dever, caminho para a realização (republicação)

O texto que hoje republico por o considerar deveras relevante para tal, viu a "luz" há cerca de 2 anos, em Novembro de 2013, e hoje tal como nessa altura, era e é um texto bastante interessante para ler, reler e fundamentalmente, reter(!).

Rui Bandeira escreve de uma forma bastante simples e de uma forma acessível a quem pouco ou nada sabe sobre a Arte Real, eu inclusive que debito umas tenras linhas de quando a quando, apenas posso afirmar que pouco sei, e mesmo assim já é muito para mim.
Aproveito para fazer aqui o meu  reparo e o agradecimento ao Rui por aquilo que nos ensina e partilha com a sua sabedoria e conhecimentos adquiridos pela sua experiência, tanto maçónica como profana, porque uma não é indiferente à outra... e desejar que assim o continue a fazer por muito tempo.

E como o texto versa o "Dever", aqui ficou também demonstrado por mim um dever que deveria ser natural ao ser humano, a "Gratidão".
Todavia, se agradecer algo a alguém deveria ser natural como afirmei, fazê-lo nem sempre é fácil para quem o faz e também para quem o recebe, pois tal pode ser constrangedor quando se faz algo sem se esperar qualquer tipo de recompensa. E nisso o Rui fá-lo muito bem! Ensina, informa, corrige, debate e partilha o que sabe e conhece sem esperar por qualquer tipo de retribuição. Fá-lo porque considera um dever o fazer e nada mais.

Pondo agora de parte as loas que teço ao Rui, senão em vez de lhe levar um avental terei de lhe levar um babete no próximo encontro (just kidding) - Elogios estes, todos eles atribuídos a quem os merece!- deixo-Vos com o texto que ele escreveu:

"O Dever, caminho para a realização

Os maçons falam muito de Dever. É natural. O aperfeiçoamento individual a que se dedicam implica, inevitavelmente, que identifiquem o que têm a corrigir e definam como fazer a correção, isto é, o que se deve fazer para melhorar.

O caminho do maçom não é uma avenida de direitos, é uma vereda de deveres a cumprir. Mais: um conjunto de deveres que o maçom escolhe cumprir.

Na ética maçónica, em primeiro lugar vem a obrigação, o cumprimento dos deveres - só depois se atenta nos direitos. Porque o caminho é este, não há constrangimentos nem vergonhas na reclamação ou no exercício dos direitos, porque se interiorizou que estes são o reverso correspondente aos deveres que se cumprem. Assim, o cumprimento do dever é preâmbulo do exercício do direito - nunca o oposto.

Esta postura, que é o oposto do facilitismo e do hedonismo tão propalados por certos media comummente referidos de cor-de-rosa, que insidiosamente vão influenciando as mentes mais frágeis ou menos avisadas, é, no entanto, a mais consistente com as caraterísticas da espécie humana - as caraterísticas que nos permitiram evoluir, descer das árvores, deixar de ser meros caçadores-recoletores, nos possibilitaram aprender a produzir o que necessitamos para consumir e até mais do que aquilo que necessitamos, enfim, o que nos fez chegar, como espécie, ao estádio atual (no melhor e no pior...) e nos fará, creio-o firmemente, evoluir sempre mais e mais.

Ao contrário do que se possa levemente pensar, desde a mais tenra infância que o bicho-homem valoriza mais o que deve fazer, o que esforçadamente conquista, o que trabalhosamente obtém, do que aquilo que recebe sem esforço, fonte porventura de prazer imediato, mas arbusto sem raiz sólida para segurar o interesse por muito tempo. Todos aqueles que educam crianças verificam que, ao contrário do que as próprias julgam, elas não apreciam tanto assim - e, no fundo, temem - a liberdade total, a possibilidade de fazerem o que querem, quando querem, como querem. Se isso lhes for temporariamente possibilitado, poderão extasiar-se perante a ausência de limites, mas não tarda muito que procurem o aconchego, a segurança, a certeza das fronteiras, dos limites, das restrições - contra as quais tanto refilam, mas que tão securizantes são. Afinal de contas, quando não há limites, como se pode transgredir? Como se pode forçar barreira inexistente para ir além dela? E o crescimento, a evolução humana, da criança como da espécie, é feito de transgressões, de ultrapassagens de barreiras, de partidas para o incerto apenas possíveis porque se sabe que, se e quando necessário, se pode recuar e voltar para o certo e seguro...

dever é, pois, essencial para a espécie humana. Para o cumprir e, por vezes, para o transgredir, aceitando os riscos e as consequências, mas também buscando o além para lá do horizonte...

Os direitos possibilitam-nos satisfação e conforto, mas são redutores, limitadores, meras pausas agradáveis, obviamente necessárias, mas afinal fatores de simples manutenção, não de conquista ou avanço. Os direitos gozam-se e, ao gozarem-se, fica-se - não se vai, nem se avança. É no cumprimento do dever, com o esforço e o custo que isso necessariamente implica, que se avança, se conquista, se constrói, se vai além.

Gozar os direitos é obviamente bom e agradável. Mas, bem vistas as coisas, cumprir os deveres, ainda que  tal implicando trabalho, custo, esforço, é melhor. Porque no fim do cumprimento do dever acaba por estar sempre um prémio. Por vezes de simples, mas saborosa, satisfação. Outras vezes com vitórias, com prazeres, com ganhos que não se teria se se tivesse mantido no simples gozo dos direitos que já se tinha, sem mais nada fazer. A áurea mediocridade pode ter brilho - mas não deixa de continuar a ser mediocridade...

Os maçons falam muito do Dever, dão atenção aos seus deveres, cumprem os seus deveres. Não por serem masoquistas. Pelo contrário: por entenderem que é assim que conseguem realizar-se. E a realização pessoal é mais do que meio caminho andado para a felicidade...

Rui Bandeira  "


07 dezembro 2015

Verdade



Depois de ter dedicado um texto ao primeiro termo da divisa utilizada pela maçonaria de língua inglesa, Amor fraternal, e um segundo texto dedicado ao segundo termo, Auxílio, encerro o ciclo com algumas considerações sobre o terceiro termo da trilogia, Verdade.

Este tema, já foi soberbamente tratado neste blogue pelo Paulo M., num conjunto de cinco textos que intitulou "Perceção, verdade e tolerância", que facilmente pode ser localizado através do marcador Verdades. Em muito concisa, e por isso grosseira, súmula, no primeiro desses textos, assinala-se a limitação dos nossos sentidos e do nosso cérebro no que toca ao reconhecimento do que designamos por verdade. No segundo, as limitações que a linguagem coloca à transmissão da verdade percecionada. No terceiro, a diferença entre a ciência e a fé, entre o que se sabe ser verdade e o que se crê o seja. No quarto desses textos, refere-se como cada uma das várias religiões possui, não uma, mas a (sua) verdade, a qual é incompatível, pelo menos na sua totalidade, com as igualmente absolutas verdades das demais religiões. Finalmente, no último desses textos, assinala-se que a maçonaria não toma partido entre religiões, até porque "não pretende, ao contrário da Religião, tratar da relação entre o Homem e o seu Criador; apenas trata da relação entre o Homem e o Homem".

Mas então se os nossos sentidos e o nosso cérebro são suscetíveis de ser enganados na determinação da verdade, que Verdade é essa que a Maçonaria enfatiza na sua divisa? Se a nossa linguagem é inevitavelmente imperfeita na transmissão da Verdade, que Verdade transmitem os maçons? Se o que se sabe ser verdade em bom rigor não é completa e absolutamente demonstrável, apenas se pode almejar a concluir que não está demonstrado ser falso, e se há verdades que não são passíveis de serem demonstradas pela razão, qual, afinal, o objeto da Verdade da divisa maçónica? 

A meu ver, a resposta está, não na busca do Absoluto, mas na descoberta do individual. A Verdade Absoluta é inatingível aos humanos, pelo menos neste plano da existência. Pelo método científico, a Humanidade vai-se cada vez mais aproximando da fixação de muitos aspetos da Verdade - mas frequentemente, cada novo avanço num aspeto acaba por impor a conclusão de que o que se tinha por certo noutro aspeto, afinal não é verdadeiro. Muitas "verdades" científicas de ontem está hoje comprovado que afinal não são tão verdadeiras. Quantas verdades científicas hoje indiscutivelmente aceites amanhã se comprovará afinal não serem bem assim? A crença, ou a fé, bem vistas as coisas, não passa de um (necessário?) artifício que nós, imperfeitos humanos, utilizamos para conformarmos a nossa necessidade de atingir a verdade à inevitabilidade da impossibilidade de satisfação dessa necessidade.

A Verdade que importa, a Verdade da divisa, então não estará no inatingível conceito absoluto, mas apenas - e muito é! - em cada um de nós. A Verdade que interessa é a Verdade do que cada um É. Não é isto de pouca monta! Cada um tomar consciência da sua Verdade, do que efetivamente É, despojado de todas as máscaras, artifícios e armaduras que a Vida nos constrange a usar para (sobre)vivermos em Sociedade, não é tarefa simples nem fácil. Os nossos instintos básicos (desde logo o de sobrevivência), combinados com os condicionamentos da nossa educação e aprendizagem, condicionam-nos, desde muito cedo e muito profundamente a escondermos as nossas imperfeições, incapacidades, fraquezas, dos outros. Aprendemos que estas imperfeições, incapacidades, fraquezas, são vulnerabilidades que constituem alvos para os ataques de outrem. Por isso, desde a mais tenra infância vamo-nos condicionando (viciando?) a escondê-las de todos os outros. E acabamos por o fazer tão bem, mas mesmo tão bem, que até o escondemos de nós próprios! Acabamos por fingir para nós próprios sermos algo diferente do que na realidade somos. Essa inconsistência entre a nossa imagem - perante os outros e perante nós próprios - e a nossa verdadeira natureza, mais tarde ou mais cedo paga-se, por vezes com preço elevado. O nosso desconforto com a inconsistência entre o que somos e o que nos obrigamos a mostrar (e a mostrar-nos...) paulatinamente vai pesando, vai-nos limitando, vai-nos afetando, vai-nos desgastando. Alguns sentem-no como um simples cansaço (quão disparatado é classificar de simples o cansaço de nós próprios...), que vamos gerindo com uma férias ou uns momentos de cumplicidade e recolhimento com os nossos entes queridos. Outros vão cada vez gerindo pior a situação e sobrevêm as depressões, as perdas do gosto da vida...

A solução está em perder o receio e adquirir a capacidade de espreitar por debaixo da armadura, por detrás da máscara, ignorando os artifícios, e confrontarmo-nos com o que realmente somos, identificando as nossas forças, mas também as nossas fraquezas, as nossas virtudes e os nossos vícios, os nossos anseios e os nossos medos. Essa audácia permite-nos reconhecermo-nos de novo a nós próprios, como realmente somos e não como mostramos, possibilita-nos a lufada de ar fresco do reencontro com a nossa pureza - a pureza que julgávamos perdida e que, afinal, cada um de nós conserva, só que que subjugada, embrulhada, tapada, escondida, por mil e um artifícios, máscaras, armaduras e desculpas.

Esse trabalho de redescoberta da nossa Verdade é propiciado pela vivência maçónica. E é libertador. Da ganga que insensivelmente fomos acumulando, do peso de tudo o que usamos para nos escondermos. Torna-nos mais livres e mais leves!

Mais: os maçons aprendem não apenas a redescobrir a Verdade que efetivamente são e escondem dentro de si, mas também a partilhar essa Verdade com os seus Irmãos, permitindo-se despojar das suas defesas perante estes - porque sabem que, em Loja e entre as Colunas de seus Irmãos estão seguros e protegidos e livres de ataques. Assim cada um não só pode ver-se como na Verdade é, como também pode ter a noção de como realmente são os seus Irmãos. E essa mútua transparência permite que todos se descubram, afinal, tão profundamente iguais, no fundo das suas incomensuráveis diferenças! Talvez isto permita perceber porque e como se estabelecem os fortes e profundos laços entre os maçons!

A Verdade da divisa é, afinal, a Verdade inerente a cada um, por ele redescoberta e posta em comum com os seus Irmãos.

É na franca exposição da Verdade que cada um é que se possibilita identificar o Auxílio de que cada um carece e do que cada um pode prestar e a todos envolver no Amor Fraternal.

Rui Bandeira

30 novembro 2015

Compromisso (republicação)

O texto que hoje revê a luz é da autoria do Rui Bandeira e assenta naquilo que enquanto alguns possam considerar como deveres ou obrigações conforme do seu ponto de vista e forma de estar, eu, pessoalmente, considero tal como "qualidades". Qualidades essas que acho que devem ser intrínsecas aos maçons.
Desta forma abaixo Vos deixo transcrito o referido texto e que também ele pode ser consultado na sua versão original aqui.

"Compromisso

Porque a Maçonaria é um contínuo exercício de dar e receber entre cada maçom e os seus Irmãos, cada um aperfeiçoando-se através do que obtém do contributo do trabalho dos demais, a condição do sucesso nessa pretendida melhoria de todos pode resumir-se numa palavra: COMPROMISSO.

COMPROMISSO em relação à assiduidade de cada um (pois quem não está, não participa). COMPROMISSO em relação ao cumprimento dos deveres de cada um, designadamente quanto ao pagamento das respetivas quotas (pois a manutenção da estrutura tem custos, que necessariamente têm de ser equitativamente suportados por todos os que a integram). COMPROMISSO em relação ao trabalho, ao estudo individual, em relação à partilha dos resultados do seu esforço.

Uma Loja maçónica potencia, acrescenta, valoriza, através de todo o grupo, a valia individual de cada um. É um fermento que auxilia no crescimento da massa que cada um amassa. Mas o fermento de nada serve se não houver farinha para amassar ou se ninguém se dispuser a executar ou a cooperar na tarefa de fazer a massa...

Uma Loja maçónica vale a soma do valor de cada um dos seus obreiros, acrescentada da mais-valia resultante das sinergias, complementaridades e eficiências geradas pela cooperação no grupo. Mas de nada serve o valor que potencialmente algum elemento possa dar ao grupo. Só importa o que efetivamente dê, transmita, acrescente.

Uma Loja de eminentes pessoas que se juntem apenas dar conta das respetivas eminências mas se não deem ao trabalho de produzir, fazer, compartilhar, pode ser uma eminente Loja - mas está na iminência de ser um completo e absoluto fracasso!

Por seu turno, uma Loja que agrega homens comuns, sem particular engenho, sem especial importância, sem extraordinária inteligência, se estes dedicada e persistentemente trabalharem, partilharem, propuserem projetos, debaterem e executarem alguns, fará sucessivamente pequenas coisas, modestos empreendimentos, pequenas obras - mas o conjunto do que fará terá cada vez mais significado. Cada um sentir-se-á satisfeito com cada pequena conquista e propenso a continuar a ajudar, a colaborar, a propor, a fazer.O esforço de cada um, devidamente coordenado, propicia resultados coletivos visíveis. Essa Loja pode ser de formiguinhas - mas será uma Loja bem mais satisfatória do que a "eminente" Loja de homens eminentes que nada façam além de observarem as suas mútuas "eminências"...

O COMPROMISSO tem de ser persistente, constante. De pouco vale hoje o que se fez de bom há anos atrás. Será uma história bonita, mas é já passado. Serve como exemplo, como inspiração, mas não substitui o trabalho de hoje para lograr a realização de amanhã.

O maçom que se queixa de que a sua Loja nada faz, que as sessões "são sempre a mesma coisa", se só faz essa constatação e nada mais faz para superar aquilo de que se queixa, esse é precisamente um dos culpados da situação que acusa. É estulto queixar-se que "a Loja não tem projeto". O que há a fazer é tomar a iniciativa de fazer, ele próprio, algo que considere valha a pena ser feito - por pequeno, por modesto que seja. E, pelo exemplo e persuasão, levar outros da Loja a também tomarem a iniciativa de fazer pequenas coisas. Ao fim de algum tempo, três, cinco, dez, vinte pequenas coisas feitas já constituem algo que se veja, algo que merece alguma satisfação pelo dever cumprido...

Ou então, em vez de se aguardar, expectante mas indolentemente, que a Loja imagine, descubra, prepare, debata, organize e execute o fantástico, importantíssimo e relevantíssimo projeto que gravará a letras de ouro o nome da Loja nos anais da História Maçónica e quiçá mereça uma nota de rodapé nos manuais do ensino elementar das futuras gerações, talvez seja melhor conceber um pequeno projeto, dar vida a uma ideia cuja forma final ainda nem sequer se saberá qual vai ser, combinar com dois ou três dos seus Irmãos e começarem a executar. Não é necessário que toda a Loja formalmente adote o projeto (mas convirá que não se trate de iniciativa que mereça a discordância da Loja...). Dois ou três começam. Dois ou três ou quatro dão os primeiros passos de algo que é feito em nome da Loja, enquanto elementos da Loja. Se efetivamente a ideia tiver pernas para andar, mais cedo do que mais tarde os demais ajudarão, incentivarão, participarão. E, quando nos damos conta, o projeto é já mesmo o projeto da Loja - não dos dois, três ou quatro que o iniciaram -  e terá condições para ser prosseguido enquanto houver Loja...

Na Loja Mestre Affonso Domingues nunca nos preocupámos em fazer grandes organizações. Tudo o que na nossa Loja se foi fazendo começou da mesma maneira: dois ou três ou quatro conversam e avançam, os outros vão dar uma ajuda e, sem disso nos darmos conta, o que se faz é já de todos, é já da Loja. Foi assim que começaram as ações de doação de sangue - e há mais de dez anos que periodicamente ajudamos neste campo. Por vezes com poucas doações, outras vezes com mais gente a associar-se. Mas faz-se! Quem começou já não está na Loja há muito tempo. Os mais novos nem sequer ouviram falar dele. Mas a semente que lançou germinou e, mais de dez anos passados, uns anos mais, outros anos menos, os frutos continuam. É um contributo modesto, quase apenas umas gotas no oceano das necessidades, sabemo-lo. Mas persistirmos em dar esse contributo modesto e esperamos continuar a fazê-lo por muitos mais anos. É do conjunto de todos os modestos contributos que se satisfazem as necessidades de sangue no País.

Este blogue começou por ideia de um, concretização de outro e imediata adesão de um terceiro. Os três autores iniciais não criaram o "seu" blogue. Criaram um "blogue escrito por maçons da Loja Mestre Affonso Domingues". Oito anos passados, outros se juntaram, mais de 1.300 textos estão à disposição de quem os quiser ler. E espero que continue mesmo quando já nenhum dos mentores iniciais nele escrever...

sítio da Loja  foi criado por iniciativa de um, com a ajuda de outro, foi remodelado e mantido por um terceiro, que conta agora com a ajuda de um quarto e os contributos de todos os obreiros da Loja. Contém já um enorme acervo de textos postos à disposição de qualquer pessoa.

A Loja não gastou um minuto sequer a discutir se criava um sítio na Internet ou se mantinha um blogue. Uns avançaram, outros ajudaram, todos contribuem quando é preciso ou têm disponibilidade. Mas a obra está feita e está à vista de todos. E não é obra do Manuel, do António ou do Joaquim. É obra dos obreiros da Loja Mestre Affonso Domingues. 

Os obreiros da Loja Mestre Affonso Domingues têm um COMPROMISSO com a Loja. É estarem presentes. É tudo livre e lealmente debaterem, sem o mínimo problema, tolerando as posições divergentes, cada um concordando ou discordando quando assim o entender, e todos sermos um grupo unido e solidário. É cada um sentir-se à vontade para arrancar com um projeto, executar uma ideia, pedindo e obtendo, ou obtendo mesmo sem pedir, o apoio e a colaboração de outros obreiros - se valer a pena e for necessário, de toda a Loja.

O COMPROMISSO dos maçons da Loja Mestre Affonso Domingues não é de fazer a mais importante e merecedora de elogios obra que o espírito humano possa conceber, O seu COMPROMISSO é ajudar o seu Irmão a levar a cabo a sua ideia, é avançar com a execução das nossas ideias, sabendo que algum ou alguns dos nossos Irmãos estará ou estarão presentes com a sua ajuda.

O nosso COMPROMISSO na Loja Mestre Affonso Domingues é ir fazendo, em cada momento, o que for preciso para ajudar. Assim fazemos. Às vezes mais, às vezes menos, às vezes muito, às vezes pouco, às vezes bem, às vezes nem tanto assim. Mas, bem vistas as coisas, sempre algo se faz!

Rui Bandeira "