28 março 2012

O curioso corte de inexistentes relações


No fim de semana passado, li em várias edições eletrónicas de órgãos de comunicação social a notícia de que o responsável máximo do GOL (Grande Oriente Lusitano) tinha publicado um comunicado segundo o qual tinha decidido que esta instituição iria "congelar" relações com a GLLP/GLRP "enquanto José Moreno (Grão-Mestre da GLLP/GLRP) estiver no exercício de funções e não desmentir ou clarificar devidamente as informações publicadas".

Segundo boa parte da imprensa eletrónica, tal decisão resultaria da publicação de um artigo no semanário Sol que, especulando a propósito de uma intervenção do Grão-Mestre José Moreno no American Club, afirmava que estavam a decorrer negociações para a unificação maçónica em Portugal, por integração dos elementos do GOL na GLLP/GLRP.

A primeira perplexidade que este comunicado me suscita é como se "congelam" relações inexistentes. Desde o cisma maçónico de 1877, protagonizado pelo Grande Oriente de França, que aboliu a obrigatoriedade da exigência de um maçom ser crente, de as Lojas trabalharem à Glória do Grande Arquiteto do Universo (entendido como a divindade em que cada maçom deposite a sua crença) e de os trabalhos obrigatoriamente decorrerem na presença do Livro Sagrado ou Livros Sagrados da(s) crença(s) dos obreiros da respetiva Loja, que a Maçonaria que permanece fiel a estas regras, que tem por essenciais, e assim se denomina a si própria de Maçonaria Regular, considera as organizações que adotaram a postura inaugurada pelo GOF (entre as quais o GOL) como Irregulares e, pura e simplesmente, não mantêm quaisquer relações institucionais com elas.

Há mais de 140 anos que não existem relações institucionais entre as Potências Maçónicas Regulares (entre as quais a GLLP/GLRP) e as organizações Irregulares (entre as quais o GOL). Não obstante o total respeito pelas opções e decisões de cada um, não me faz qualquer sentido que se declare "congelar" relações que, pura e simplesmente, não existem!

Quanto à impossibilidade de congelamento de inexistentes relações institucionais, parece-me estar o assunto claro. Mas, não havendo relações institucionais, evidentemente que existem relações pessoais e colaborações pontuais. Os maçons prezam a Tolerância e, assim, convivem facilmente com as diferenças, mesmo quando estas respeitam a questões essenciais. E é pura questão de bom senso que qualquer maçom se sinta mais próximo daqueles que buscam aperfeiçoar-se segundo o método maçónico, ainda que com divergências essenciais, do que daqueles com quem não partilham essa busca. Mas, a este nível, parece-me inócua a decisão do autor do comunicado.

Os meus amigos do GOL continuam a ser meus amigos e eu amigo deles, com ou sem comunicado! Não é por se decretar um qualquer congelamento que as relações pessoais entre nós ficam arrefecidas...

Também não creio que as colaborações pontuais entre maçons regulares e irregulares fiquem afetadas. Se numa dada localidade os maçons da GLLP/GLRP e os elementos do GOL decidiram unir esforços para angariar fundos para obter uma nova ambulância para os bombeiros, não é por causa do anunciado congelamento que o esforço para arranjar a ambulância vai deixar de ser feito.

Se, numa outra terra, os elementos da Loja do GOL e os obreiros da Loja da GLLP/GLRP combinaram entre si que, para maior eficácia na ajuda prestada, uns oferecem à estrutura local de acolhimento de crianças em risco ou sem família fraldas e os outros medicamentos, não será por causa do anunciado congelamento que vão ambas as Lojas passar a inundar a estrutura só com fraldas, sem que nenhuma providencie medicamentos.

Portanto, também ao nível das relações pessoais e da cooperação no auxílio a quem dele necessita me parece inócuo este anunciado congelamento.

Por outro lado, nem sequer se entende muito bem a motivação desta atitude. Se, como diz o líder do GOL não há negociações quanto à fusão do GOL com a GLLP/GLRP, então o que se justificava era verberar, discordar, denunciar, desmentir, as conclusões, as especulações, do semanário, que, ele sim, é quem, pelos vistos, extrai conclusões indevidas, tira ilações erradas.

Aliás, o mesmo semanário refere que o autor do comunicado esteve presente no American Club e assistiu à intervenção do Grão-Mestre da GLLP/GLRP. Aparentemente, então não houve qualquer desconforto com essa intervenção - e, a meu ver, justifica-se plenamente essa ausência de desconforto, já que é natural e saudável que o líder de qualquer organização declare ansiar a liderar todos os que se posicionam na órbita da esfera de atividade da mesma e declare que veja com bons olhos que a sua organização exerça atração perante quem está de fora dela. É tão normal e saudável que o Grão-Mestre da GLLP/GLRP o afirme como seria se, similarmente, o líder do GOL o fizesse... Cada um defende a sua dama e só lhe fica bem que o faça...

Aparentemente, o que desagradou ao autor do comunicado não foi a intervenção efetuada pelo Grão-Mestre da GLLP/GLRP no American Club, mas as ilações, as especulações, as conclusões que os jornalistas do semanário retiraram. O que me permite que eu, já agora, também tire uma ilação: para o autor do comunicado, o que o incomodou não foi o que o Grão-Mestre da GLLP/GLRP disse; foi que tivesse sido publicado e interpretado pela comunicação social...

Ou seja, não é grave - e não é mesmo! - que o Grão-Mestre manifeste o seu anseio de unificar os maçons portugueses sob a égide da GLLP/GLRP e se mostre disposto a que tal possa ocorrer, se tal possível for. O que, para o autor do comunicado, é grave e o faz declarar congelar o que não existe é que se saiba disso - porventura que os membros da organização que dirige vejam publicamente aberta esta porta.

O comunicado de congelamento de inexistentes relações tem a aparência de uma posição de força mas afinal o que mostra é receio.

O que não me alegra nada. Pela minha parte, não quero vencer ninguém. Apenas unir o que porventura possa ser unido.

Rui Bandeira

21 março 2012

As Obrigações dos Maçons: VI. 5 - Conduta em casa e na vizinhança


Deverá agir como um homem sensato e de moral; ter um especial cuidado em não deixar a família, amigos ou vizinhos conhecer os assuntos da Loja, etc, mas sabiamente levar em conta a sua própria honra, e a da Antiga Fraternidade, por razões que não são mencionadas aqui. Deve ter em conta, também, a sua saúde, não continuando a reunião até muito tarde, sem necessidade, nem permanecendo muito longe do lar, depois das Sessões da Loja terminarem; e evitar a gula ou embriaguez. e que suas famílias não sejam negligenciadas ou prejudicadas, nem vós próprios incapacitados de trabalhar.

Junto dos seus e no seu meio ambiente, o maçom tem o especial dever de ser e agir de modo sensato e moral. De modo sensato, porque a sensatez é apanágio daquele que estuda, que procura ver para além das aparências, que procura conhecer-se a si mesmo e, por isso, conhece o mundo e os outros. Assim, conduz-se pela Razão, não cedendo facilmente ao Impulso. Não que a Emoção não o influencie. Pelo contrário, o Homem completo é um misto de Razão e de Emoção. Mas o mero Impulso é um ato gerado apenas pela Emoção não temperada pela Razão. E é a combinação das duas que permite que tomemos as nossas opções melhores.

Tão perniciosa como agir puramente por Emoção, sem a têmpera da Razão, é a atuação puramente racional, sem pingo de Emoção, que acaba por se traduzir em Indiferença. A escolha mais racional pode não ser a mais correta, se desnecessariamente causar danos que poderiam ser evitados com uma atuação porventura com um resultado em absoluto um pouco pior, mas mais equilibrado e rentável no saldo do custo com o benefício.

Por isso o maçom deve agir de modo sensato, em equilíbrio entre a Razão e a Emoção, e moral, isto é, em consonância com o sentimento social. O Homem não vive por si só. O Homem vive em sociedade e, portanto, tem de a ela atender na sua atuação. É inaceitável uma escolha que racionalmente conduza a uma atuação socialmente censurável, por muito "eficiente" que ela seja seja. Os fins não justificam os meios!

Como inaceitável é a atuação meramente populista, que atenda apenas à "opinião pública" e ao que emocionalmente apetece fazer, se essa atuação é ineficaz ou, pior, perniciosa, agravando em vez de resolver. Devem-se utilizar os meios socialmente permitidos que se adequem aos fins pretendidos.

É nesta constante dialética entre a Razão e a Emoção que, sem nunca ceder ao Impulso nem se deixar enredar na Indiferença, deve o maçom enquadrar a sua conduta, com Sensatez e Moral.

Assim, sem divulgar publicamente o que só aos maçons diz respeito, age com honra e honra-se a ele próprio e à Fraternidade de que faz parte.

Deve ainda o maçom agir sempre com Temperança. As suas reuniões devem ter a duração adequada para não prejudicar a sua vida familiar, o seu repouso, a sua capacidade de trabalho. A convivência fraternal após as reuniões deve igualmente pautar-se por esses limites. Sob pena de aquilo que é intrinsecamente bom ser visto ou entendido como mau, desviante, pernicioso.

No fundo, a noção que esta Obrigação transmite é a de Equilíbrio, o equilíbrio que se alcança através da sensatez, da consideração da Moral, da preservação da Honra, da Saúde, da Família e da Capacidade de trabalhar honrada e produtivamente.

O maçom não procura ser melhor por mero interesse pessoal - fá-lo para melhor se integrar na Sociedade, desde a sociedade mais próxima e chegada, a Família, à sociedade onde obtém o sustento, seu e dos seus, a Empresa ou local de trabalho, à Sociedade em geral, em que harmoniosamente se deve inserir, ser produtivo e para cujo equilíbrio e progresso deve contribuir. O maçom deve sempre ter presente que a Sociedade melhora e evolui, antes de mais, através da melhoria e da evolução de cada um dos seus membros. E, tirando a consequência disso, fazer a sua parte, isto é, efetuar o trabalho, o esforço, do seu próprio aperfeiçoamento.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 135.

Rui Bandeira

14 março 2012

As Obrigações dos Maçons: VI . 4 - Conduta em presença de estranhos não Maçons


Deverão ser cautelosos com as palavras e o comportamento, de modo a que um estranho mais perspicaz não seja capaz de descobrir ou perceber o que não deve ser revelado, e se possível, deverá aproveitar-se o rumo da conversa, conduzindo-a prudentemente de modo a elogiar a Venerável Fraternidade.

Esta regra de conduta perante estranhos não maçons ilustra a cautela que, desde o início da Maçonaria, os seus elementos tinham e têm que ter. A Maçonaria Especulativa nasceu e desenvolveu-se em tempos difíceis em Inglaterra, logo após longo período de guerra civis e de sangrentas dissensões e perseguições religiosas. A Maçonaria Especulativa nasceu e desenvolveu-se como ponto de encontro, lugar de refúgio, porto de abrigo, espaço de cooperação, para homens crentes, livres e de bons costumes que desejassem aperfeiçoar-se, trabalhando em conjunto e auxiliando-se mutuamente nesse trabalho de melhoria, independentemente das suas diferenças, das posições políticas de cada um, das diversas opções religiosas, do posicionamento na escala social que cada um tivesse.

Em tempos de conflitos e em que ainda estavam muito vivas as cicatrizes das lutas, muito evidenciadas as sequelas das divisões, em que ainda imperava o preconceito de que "quem não é por mim, é contra mim", era incompreensível, quiçá inaceitável, para muitos e para muito poderosos, a ideia de que o parlamentarista e o realista, o católico e o anglicano, o defensor dos Stuarts e o apaniguado dos Hannovers confraternizassem nas mesmas Lojas, se comportassem, não como inimigos figadais, adversários definitivos, contendores aguerridos, mas como irmãos diferentes entre si e que mutuamente se toleravam.

Eram tempos em que confraternizar, cooperar, simplesmente conviver com quem era ou pensava ou cria de modo diferente, e portanto devia ser considerado inimigo, constituía por si só uma traição - à opção política, à crença religiosa, à Coroa ou à Revolução, a qualquer partido ou grupo que se integrasse. Eram tempos em que ousar sair da norma dos grupos e ouvir e conviver e aprender com os diferentes não era concebível senão como abdicação, em que a tolerância era ainda um desconhecido e nascente conceito filosófico e, portanto, passível de severas represálias, desde o simples ostracismo até à prisão ou mesmo à morte.

Eram tempos em que os maçons tinham de manter secreta, desconhecida dos que o não eram, a sua condição e a sua mútua convivência. Publicamente, o anglicano só podia declarar o seu ódio a Roma, o católico só podia verberar a dissensão iniciada pelos desejos de Henrique VIII e ambos tinham que esconder que conseguiam cooperar e debater e aprender em conjunto, pondo de lado as suas diferenças religiosas, cada um aceitando que o outro era livre de fazer a sua escolha. O mesmo em relação às posições políticas ou lealdades a soberanos ou pretendentes à Coroa.

Tinham os maçons, assim, que se comportar, na presença de estranhos não maçons, de forma a que não fosse possível ser apercebido que os públicos adversários ou inimigos eram simultaneamente irmãos que se respeitavam e cooperavam, independentemente das suas diferenças. Era uma questão de sobrevivência. Infelizmente, ainda hoje, em muitos locais, ainda é. Acontecimentos recentes em Portugal mostraram que, em pleno século XXI, muitos que se proclamam cultos e modernos e fazedores de opinião afinal não sabem distinguir fraternidade de compadrio (quiçá porque não concebam amizades sem compadrios...), cooperação de diferentes de conspiração (porventura porque não sabem cooperar sem conspirar...), aprendizagem comum tolerante de diferenças de sórdidos planos de assaltos a vão poder, inevitavelmente destinados ao fracasso (talvez porque as suas vidas giram apenas em torno do Poder, da Imagem e do Dinheiro...).

Continua, infelizmente, a ser quase impossível para muitos conceber que a Vida é feita de muito mais do que de mesquinhos egoísmos, lutas de poder, imposição de convicções, desesperada busca por acumulação de bens materiais, enfim, e simplesmente, que cada um é o que é, não o que tem, por muito que tenha. E essa incapacidade desses muitos, alguns poderosos ou influentes, obriga a que infelizmente os maçons tenham que continuar a reservar para si o que para esses muitos é incompreensível (e por isso não compreendem), inaceitável (e por isso não aceitam), impraticável (e por isso não concebem que se pratique): pura e simples cooperação de diferentes na aprendizagem e melhoria mútua, pura e simples partilha do que cada um é, independentemente do que tenha, para que todos sejam um pouco mais, procurando todos aumentar o seu Ser, não o seu Ter.

Mas, se assim foi, se assim infelizmente ainda é, os maçons continuam a perseverar em entender que não será necessariamente sempre assim. Os maçons devem assim dar o seu exemplo, para que este possa servir de exemplo. Os maçons devem, sempre que possível e da forma que lhes for possível, lutar contra os preconceitos, o obscurantismo, a intolerância, da única forma que estes flagelos podem com êxito ser combatidos: com esclarecimento, com divulgação, contrapondo aos preconceitos a sua informação. Quem estiver pronto para rever os seus preconceitos, aproveitará. Quem não estiver, assim como assim, permanecerá embalado neles, pelo que não vale a pena preocupar-nos com esses.

É por isso que eu, que posso revelar a minha condição de maçom, o faço - mas mantenho a reserva sobre a identidade daqueles que, temendo serem prejudicados, eles e as suas famílias, ainda têm de manter reservada essa sua condição.

É por isso que eu não divulgo as formas como, em público, posso reconhecer outro maçom, sem que os circunstantes disso se apercebam - mas afirmo e repito que isso só é assim porque ainda é necessário que assim ainda seja.

É por isso que eu pratico e aprecio e aprendo com os rituais e cerimónias que pratico na minha Loja - mas não os divulgo publicamente, porque seriam pérolas insuscetíveis de serem devidamente apreciadas por quem não concebe possível que "se perca tempo" com algo que não dá dinheiro, não traz poder, não atrai fama social.

É por isso que eu guardo para mim e para os meus Irmãos aquilo de que tratamos, apesar de sabermos, eu e os meus Irmãos, que todos aqueles que, não sendo capazes de pensar mais, ou mais além das mesquinhices a que reduzem as suas visões da vida, confundem mera privacidade com secretismo - mas asseguro que eu e os meus Irmãos não conspiramos contra ou a favor do que quer que seja, não tratamos de compadrios ou benesses ou de corrupções, porque não é de bens materiais ou de posições sociais que o nosso interesse comum é feito.

Quem quiser acreditar, quem estiver pronto para melhorar a sua postura perante a vida, para investir no que ele próprio é e acreditar que pode ser cada vez mais - e que isso nada tem a ver com o que cada um tem ou com a forma como os demais cada um vêem -, porventura aproveitará. Os outros, que continuem alegremente embalados nos seus preconceitos, nas suas conceções das suas vidinhas, entretidos em jogos de poder, ocupados nas suas acumulações de bens materiais que um dia inevitavelmente deixarão.

Nós, maçons, acreditamos na capacidade de todos poderem melhorar, aprender, evoluir, ascender acima da mesquinhez dos bens materiais e descobrir a verdadeira essência do que é viver e ser humano. Cada dia cada um de nós procura ir um pouco mais além nesse caminho. É isso que para nós, maçons, é importante e por isso é isso que nos importa!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 135.

Rui Bandeira

07 março 2012

As Obrigações dos Maçons: VI. 3 - Conduta quando os Irmãos se reúnem sem estranhos, fora de uma Loja constituída


Saudar-se-ão uns aos outros de maneira cortês, como ensinados, chamando-se de Irmãos, dando livremente as instruções de modo que for conveniente, verificando que não são vigiados ou observados; sem ultrapassar o limite, ou faltar ao respeito que é devido a todo o Irmão, mesmo que não seja um Maçom; porque todos os Maçons são iguais, Irmãos, ainda que a Maçonaria não elimine a honraria do homem antes de sua Iniciação, ou sequer acrescente algo a esta, especialmente se tenha merecido respeito da Fraternidade, que deve honrar aquele que é merecedor, e evitar comportamento impróprio.

Fora de Loja, os maçons devem mutuamente tratar-se como se irmãos de sangue fossem: saudar-se como dois irmãos se saúdam, falar um como o outro como dois irmãos o fazem, manter relações de cordialidade e amizade e consideração e cumplicidade em tudo similares às dos irmãos.

Nenhum tratamento mais distante do que esse é admitido entre os maçons, seja qual for a sua antiguidade, os ofícios que exercem ou não. Um recente Aprendiz trata e é tratado pelo Grão-Mestre desta forma - e por nenhuma outra.

No entanto, esta Obrigação deixa também claro que a igualdade fundamental entre maçons, a fraternidade que é razão de ser da instituição e norma de conduta irrevogável para todos, não afasta ou ultrapassa as posições sociais, a consideração e o respeito devido pelo que o indivíduo já era antes da sua iniciação e continua a sê-lo depois dela.

O marceneiro não pretende ensinar o Padre Nosso ao vigário e o ministro religioso não busca ensinar aquele a fazer móveis. O escriturário não se arroga condições para estar mais bem preparado para fazer diagnósticos que o médico e este reconhece que sabe bem menos de técnica de arquivo, elaboração e encaminhamento de documentos do que aquele.

A fundamental igualdade da Maçonaria não é vão igualitarismo, não é pretender-se que todos sejam tratados por igual, de igual modo. É aplicar a máxima de que o que é igual deve ser tratado de forma igual e o que é diferente suscita diferente tratamento.

A igualdade fundamental da Maçonaria indubitavelmente que implica a igual consideração, o igual respeito, a igual atenção, pelo que de fundamentalmente igual todos temos: a nossa Humanidade, a nossa capacidade de aprender, o nosso propósito de melhorar, enfim a absolutamente igual dignidade da pessoa humana, que implica que todos nascem livres e iguais em direitos e deveres. Não é por um ser marceneiro que se pode ou deve presumi-lo como menos capaz do que o ministro, tal como os maçons não consideram o médico mais nobre ou digno de respeito do que o escriturário. Em Maçonaria, ser operário ou trabalhador manual e ser intelectual ou colarinho branco são apenas ocupações, formas de trabalhar, de ganhar a vida honestamente, não fontes de diferenciação ou de primazia ou de análise de valia pessoal. O importante é que cada um seja, e procure ser o melhor que lhe seja possível no seu campo de atividade, o melhor que consiga enquanto pessoa.

O maçom não confunde igualdade com igualitarismo, porque este procura igualizar por baixo enquanto aquela busca nivelar por cima. Com efeito, o igualitarismo, o entendimento de que todos devem ser tratados por igual, que todos são iguais, apesar de evidente e naturalmente todos sermos diferentes, nivela por baixo, diminui os naturalmente mais capazes ou mais desenvolvidos para o plano dos menos preparados ou dotados, única forma de todos igualizar. Mas a verdadeira igualdade, reconhecendo que a dignidade e a humanidade de todos é essencialmente igual, atenta em que as condições sociais, a educação, as diferenças de caráter, a pura aleatoriedade da vida fazem destes seres estruturalmente iguais indivíduos com diversas caraterísticas, diferentes saberes, diversificadas escolhas. Todos temos formas diferentes mas essas formas são todas feitas da mesma massa. A aspiração de todos os diferentes é igual: atingir o máximo do seu potencial. E é isso que a Maçonaria reconhece, busca e acalenta.

A igualdade fundamental praticada pela Maçonaria permite lograr que o marceneiro, o ministro, o escriturário e o médico sejam, cada um deles, aquilo que são, que a sua história e evolução pessoal determinam, mas adicionando a cada um deles algo do que os outros sabem e são e sentem. E assim todos e cada um deles sabem um pouco de fazer móveis, de teologia, de fisiologia e de técnicas de arquivo - para além daquilo que a fundo conhecem. A igualdade dos maçons é a igualdade do desejo de melhorar, de aprender, a igualdade na capacidade de o conseguir, a igualdade no propósito de o fazer em conjunto, partilhando saberes, dores, alegrias, projetos, êxitos e fracassos.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 134.

Rui Bandeira

29 fevereiro 2012

As Obrigações dos Maçons: VI . 2 - Conduta depois que a Loja terminou e antes que os Irmãos saiam


Poderão mostrar-se alegres, tratando-se mutuamente de acordo com suas qualidades, mas evitando todos os excessos, ou obrigando qualquer Irmão a comer ou beber além de sua inclinação, ou impedindo-o de se ir embora quando suas obrigações assim o chamarem, ou fazendo ou dizendo o que quer que seja ofensivo, ou o que quer que impeça uma conversa franca e livre, pois isso poderia quebrar a nossa harmonia e frustrar os nossos esforços. Portanto, quaisquer discussões ou querelas, não devem ser levadas para dentro das Lojas, muito menos se forem acerca de religião, cidadania ou politica; porque sendo apenas, como Maçons, de religião Católica, acima mencionada, também somos de todas as nações, línguas, famílias e idiomas, e somos contra toda a Política que nunca contribuiu para o bem-estar da Loja, nem nunca contribuirá. Esta Obrigação tem sido estritamente prescrita e observada, especialmente após a Reforma na Bretanha, e a Dissensão e Secessão destas Nações da comunhão de Roma.

A vida não é feita só de deveres, também de lazeres e convívios. A construção e manutenção de laços de forte fraternidade entre os maçons passa também pela convivialidade dos ágapes após as reuniões formais.

O convívio após as reuniões é efetivamente fundamental para a coesão da Loja, a forte ligação entre todos os seus obreiros. Imprescindível é, porém, garantir que nesse convívio não haja excessos e que a informalidade não abra a porta a discussões, dissensões, confrontos, que conduziriam ao oposto do que é pretendido. Assim, regula-se também a conduta dos maçons entre si nos momentos de lazer e convívio.

A primeira das regras é a aplicação de um dos princípios básicos do ideário maçónico: o absoluto respeito pela individualidade de cada um. Por isso se prescreve que nenhum maçom deve procurar obrigar outro a comer ou beber em excesso ou impedi-lo de se ausentar do convívio para acorrer a outras obrigações, sejam profissionais, sejam familiares, sejam sociais, sejam simplesmente de necessidade pessoal.

Note-se bem o conteúdo do comando: proíbe-se a tentativa de condicionar o outro; nada se pronuncia sobre a conduta do próprio em relação a si mesmo: se este comer em excesso, se beber para além da conta, se ficar mais tempo do que deveria, é questão dele consigo próprio! Por esta nuance se verifica como é essencial ao ideário maçónico o individualismo, a liberdade pessoal, o respeito pelas escolhas de cada um. Quem porventura fizer má escolha (ou o que se pensa ser má escolha...), seja em relação ao que seja, desde que os eventuais resultados negativos se repercutam apenas em quem fez a escolha, ninguém tem nada com isso! A liberdade individual implica também a liberdade de errar! Até porque o erro também tem o aspeto positivo de constituir lição...

O essencial desta Obrigação é a tutela da Fraternidade. Por isso expressamente se declara ser formalmente interdita qualquer discussão ou querela sobre religião, política ou cidadania. Religião, porque a tendência de cada um para a absolutização da sua crença facilmente origina desacordos graves, querelas violentas, o descambar para fundamentalismos de opinião que só podem dar mau resultado e que, evidentemente, minariam a Fraternidade entre os obreiros da Loja. Política, aqui entendida como politica partidária ou similar, pelas mesmas razões: as escolhas políticas podem gerar paixões, os desacordos ou diferenças de opinião podem facilmente agudizar-se. Cidadania, aqui entendida como opinião em relação a escolhas políticas concretas, embora não diretamente relativas a divergências partidárias - monarquia ou república; parlamentarismo ou presidencialismo; desenvolvimentismo ou ambientalismo, posição em relação à interrupção voluntária da gravidez, etc. -, também pelas mesmas razões.

No fundo, esta regra constitui a aplicação do princípio básico essencial da Maçonaria: o respeito pela liberdade individual de cada um, o que implica a tolerância em relação às diferenças existentes.

Cada um é um homem livre e de bons costumes. Essa liberdade realiza-se em todos os aspetos da sua vida e designadamente na sua convicção religiosa, na sua opção partidária, nas suas escolhas enquanto cidadão. Cada um tem o direito de fazer as escolhas que entende e a ver respeitadas pelos demais as escolhas que faz. Em contrapartida, tem o dever de respeitar as escolhas alheias, pois não pode exigir dos demais o que não está ele próprio disposto a cumprir.

Tenha-se em atenção que a regra apenas interdita "discussões ou querelas". Não impede a informação mútua, mesmo a análise, desde que serena e sem propósitos de conflito, das posições de cada um nesse campo. A Fraternidade implica isso mesmo: o conhecer as diferenças, o assumir das diferenças e o reconhecer que essas diferenças não só não são impeditivas da cooperação e do convívio, como são mesmo enriquecedoras do conjunto.

Mas a linha de fronteira entre a serena troca de impressões e a "discussão ou querela" é muitas vezes ténue e fluida. Por isso manda a prudência que se opte pela abstenção de se tocar nestes temas controversos, pelo menos até que se tenha a certeza de que os laços de Fraternidade, as cumplicidades da Amizade, os freios de segurança do bom-senso, são suficientemente fortes para garantir que a serena conversa não descambe nunca em discussão ou querela. Cada Loja, cada grupo de maçons, sabe de si e deve cuidar da sua conduta, tendo em atenção a prioridade absoluta do respeito das posições individuais de cada um e da Fraternidade entre todos.

Uma última nota: não se estranhe a referência à religião católica como a "de todos". Deve ter-se presente que a Maçonaria nasceu em Inglaterra e que a evolução religiosa em Inglaterra foi sui generis. Não houve ali, designadamente nos séculos XVI a XVIII, propriamente um afastamento dos cânones da religião católica, mas apenas (se é que se pode dizer apenas...) uma recusa de subordinação ao Papa, proclamando-se a independência da Igreja de Inglaterra em relação a Roma. A Igreja de Inglaterra considerava-se assim como uma Igreja Católica, só que independente de Roma e do Papa. Em 1723 em Inglaterra, havia os católicos romanos, fiéis ao Poder papal e os Católicos Anglicanos, da Igreja de Inglaterra. A Maçonaria era então uma instituição de um país cristão, dividido religiosamente apenas pela questão da obediência a Roma. Só mais tarde, e muito devido à aplicação do conceito de Tolerância, a Maçonaria vai evoluindo no sentido de enquadrar adeptos de outras religiões do Livro e, depois, aos crentes de outras religiões e aos crentes deístas.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 134.

Rui Bandeira

22 fevereiro 2012

As Obrigações dos Maçons: VI . 1 - A conduta na Loja enquanto constituída


Não se deverão formar grupos particulares, ou ter conversas paralelas, sem permissão do Mestre, nem falar de coisas inoportunas ou inconvenientes, nem interromper o Mestre, os Vigilantes ou qualquer outro Irmão que esteja a falar com o Mestre; nem ter um comportamento jocoso ou ridículo enquanto a Loja estiver a tratar de coisas sérias e solenes, nem usar de linguagem imprópria para tratar do que quer que seja, antes devendo respeitar o Mestre, Vigilantes e Companheiros.
Se for formulada qualquer queixa, o Irmão considerado culpado deverá aceitar a sentença e determinação da Loja, que detém a competência para julgar todas as questões (a não ser que apele para a Grande Loja). É a ela que os Irmãos se devem dirigir, a não ser que o trabalho do Senhor esteja a ser prejudicado, situação em que tal deve ser comunicado à Grande Loja; mas nunca deverá dirigir-se à Lei Civil quando as questões se referem à Maçonaria, sem necessidade absoluta e aparente para a Loja.

Em Loja constituída cada um trabalha em grupo e no grupo. É a Loja, toda ela, que está em trabalho, devendo cada um contribuir para esse trabalho e estar atento ao que se passa. Só assim cada um beneficia do que os demais e o grupo como um todo lhe proporcionam, só assim cada um está em condições de proficuamente contribuir para o aperfeiçoamento dos demais.

Não deve, assim, haver lugar para conversas paralelas, conciliábulos particulares, a não ser que, no âmbito do que estiver a ser tratado, o Venerável Mestre solicite que alguma questão ou conjunto de questões seja analisada por um ou mais grupos formados na Loja, para seguidamente as conclusões extraídas serem fornecidas à Loja e os trabalhos prosseguirem normalmente.

Em sessão de Loja trabalha-se e está-se concentrado no que decorre, no que é dito, no que está em análise ou em discussão. As saudações entre os obreiros, o convívio, têm lugar antes e depois das sessões, nomeadamente nos ágapes. Aí podem formar-se os grupos que as afinidades ditarem, tecer-se conversas paralelas, enfim, conviver informal e fraternalmente. Aí e então brinca-se e contam-se piadas e comentam-se notícias e tece-se toda a teia que envolve as amizades que se forjam e mantêm entre as pessoas. Em sessão de Loja, trabalha-se, está-se atento, cada um deve esforçar-se por contribuir o melhor possível para o ambiente e o trabalho comum, para que todos beneficiem do que todos efetuam.

É conhecida a frase de que trabalho é trabalho, conhaque é conhaque. Em Maçonaria, a sessão de Loja é tempo de trabalho. Outros tempos e outros espaços estão reservados para o "conhaque".

Em Loja não se fala de coisas inoportunas ou inconvenientes. É inoportuno tudo o que esteja para além da agenda da sessão, exceto quando a palavra seja concedida para que qualquer um fale sobre qualquer tema ou assunto que considere conveniente (no período dos trabalhos que os maçons designam por "a bem da Loja ou da Ordem", ou seja, o período fora da Ordem do Dia). É inconveniente tudo aquilo que possa perturbar a harmonia da Loja e dos Irmãos, designadamente a polémica religiosa ou a controvérsia política.

Todas as intervenções em Loja são dirigidas ao Venerável Mestre e, por intermédio deste, a toda a Loja. Por regra, só o Venerável Mestre pode dirigir-se particularmente a um ou alguns dos obreiros, quando entender conveniente dirigir-lhes alguma instrução específica ou solicitar-lhe alguma tarefa ou ação concreta. Esta regra tem, que me recorde, apenas duas exceções: comunicações efetuadas em execução do ritual pelos Vigilantes ao Guarda Interno, no Rito Escocês Antigo e Aceite, e aos Diáconos, nos Ritos de Emulação e de York; e faculdade concedida ao Orador de interromper qualquer Obreiro, inclusivamente o Venerável Mestre, quando entender estar a ser violada alguma regra, em ordem a prevenir ou interromper essa violação. Com esta exceção do Orador, é formalmente interdito a qualquer Obreiro interromper outro no uso da palavra. Mesmo que aquele que dela use se esteja a alongar demasiado, mesmo que se discorde do que é dito, é uma simples questão de respeito pelo outro ouvi-lo até ao fim. E é uma simples questão de respeito e ordem cada um só falar na sua vez de intervir e após lhe ser concedida a palavra. Assim se consegue que as sessões de Loja decorram harmoniosa e frutuosamente, podendo cada um expor livremente os seus pontos de vista, perante a atenção de todos e, porque não há interrupções intempestivas, podendo aquele que fala expor inteiramente o seu entendimento e os que ouvem analisar os méritos do que é dito, sem falar antes de tempo e, sobretudo, a destempo.

Quando a Loja trabalha, todos e cada um dos obreiros mantêm um comportamento e postura concentrados e dignos. Palavras ou gestos jocosos podem ferir alguém que interprete mal a intenção ou se sinta ridicularizado e são, por isso, interditos. A melhor forma de garantir que cada um possa expor e exponha os seus pontos de vista é que o faça sem temor de ser ridicularizado por eles. Pode receber a discordância dos seus Irmãos, se entenderem que o que afirma merece discordância. Nunca - mas nunca! - o seu ponto de vista será jocosamente comentado, ou ridicularizado, antes será sempre respeitado. Porque, das duas, uma, ou a opinião expressa está errada e é o confronto de ideias que permitirá que o seu autor melhor reflita; ou, ainda que porventura haja discordâncias, a ideia afinal está certa, a razão está com quem a expôs (a maioria não tem necessariamente sempre razão...) e, mais uma vez, é dos confrontos de ideias diversas que será possível determinar a melhor decisão possível, naquele momento, para aquele grupo. E, se porventura a decisão que aquele grupo naquele momento tomar se vier a revelar errada, saber-se-á porquê, que argumentos não foram atendidos, e poder-se-á, com esse conhecimento, evitar novos erros futuros.

Em sessão de Loja, utiliza-se linguagem ponderada, até mesmo algo cerimoniosa. Não está em causa que se esteja entre amigos, entre pessoas que se dão como irmãos. Está sobretudo em causa a manifestação do respeito que todos têm por todos e pela individualidade de cada um. Ponderação de linguagem previne exposição abrupta de posições e manifestações de ira, pois se a pessoa tem de medir o que diz, tal mediação da Inteligência entre a Razão e a Emoção arrefece a cabeça que esteja demasiado quente... Ponderação de linguagem é adquirir o hábito de pensar no que se diz, para melhor se dizer o que efetivamente se pensa. Com o cultivo deste hábito, os maçons conseguem, sem esforço e com naturalidade, discutir os assuntos mais delicados com calma e racionalmente, sem perturbar a análise serena das situações com impropérios ou exageros de linguagem - e, assim, logram com mais facilidade determinar o denominador comum das posições divergentes, limar arestas, estabelecer pontes, privilegiar compreensões com as diferenças, tolerar e harmonizar divergências, enfim cooperar em empresas comuns sem que ninguém abdique de ou sacrifique entendimentos pessoais. A Fraternidade entre os maçons não lhes é dada de bandeja por qualquer intervenção divina: é cuidadosamente construída, laboriosamente conquistada, serenamente fruída. Também neste campo as lições são de que nada de útil se consegue sem trabalho e que cooperar é sempre mais frutuoso do que competir.

As divergências que surjam no grupo são resolvidas, sanadas ou sancionadas dentro do grupo e pelo grupo. O que se passa em Loja só à Loja diz respeito. Se e quando houver censuras a fazer, sanções a aplicar, é o grupo que trata do assunto internamente e fora dele ninguém tem nada com isso, ressalvadas as regulamentares salvaguardas de apelo para instâncias superiores, indispensáveis válvulas de segurança para prevenir eventuais injustiças. Este princípio possibilita a maximização da coesão do grupo, fundada na imensa liberdade de cada um dentro dele, conjugada com idêntica dimensão de responsabilidade e com não menor dose de sentido de cooperação.

Uma Loja maçónica é um microcosmo, uma amostra da sociedade, um cadinho de mistura das personalidades individuais dos que nela se agrupam. As regras de convivência, de linguagem, de comportamento, que os maçons desde há séculos adotam e cultivam têm-se mostrado adequadas à Maçonaria e às Lojas. A sua adoção e o seu cultivo pela sociedade em geral certamente redunda em benefício comum. Por isso os maçons têm o dever de constituir um exemplo, de procurar que o seu comportamento fora de Loja, na sua atividade social comum, perante a sua família, na sua atividade profissional, nos diversos grupos sociais com que interagem, emule o que adotam em Loja. Assim, pelo seu comportamento, pelo seu exemplo, cada um dos maçons pode contribuir um pouco para a melhoria, a harmonia e o progresso da sociedade em que se insere. Cada um poderá porventura apenas acrescentar um pouco, quase nada, uma gota de água no oceano - mas o exemplo de cada um pode porventura ser semente que germine em muitos frutos. E é da junção de muitos poucos que se faz muito!

Fonte:


Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 133-134.

Rui Bandeira

15 fevereiro 2012

As Obrigações dos Maçons: V - A gestão do ofício durante os trabalhos


Todos os Maçons devem trabalhar honestamente nos dias úteis, e viver honrosamente nos dias santos; a duração do trabalho estipulada pelas leis do país, ou pelo costume, deverá ser observada. O mais hábil dos Companheiros deverá ser o escolhido ou apontado como Mestre, ou Supervisor do Trabalho do Senhor; e deverá ser chamado Mestre por aqueles que trabalham sob sua supervisão. Os Artesãos devem evitar qualquer linguagem ofensiva, e dirigirem-se uns aos outros por Irmão ou Companheiro, e comportarem-se cortesmente dentro e fora da Loja. O Mestre, ciente das suas capacidades, deve conduzir o trabalho do Senhor tão razoavelmente quanto lhe for possível e cuidar dos bens como se seus fossem; não devendo pagar a qualquer Irmão ou Aprendiz mais salário que o que este mereça.
Ambos, Mestre e Maçons, recebendo seu justo salário, devem ser fiéis ao Senhor, executar honestamente o seu trabalho, seja à tarefa ou jornada, e não realizar jornada como se fosse tarefa, se esta foi determinada como jornada.
Ninguém deve mostrar-se invejoso da prosperidade de um Irmão, nem substitui-lo ou retirá-lo do seu trabalho, mesmo se o puder fazer, pois nenhum homem deve realizar o trabalho de outro mesmo que em proveito do Senhor, a menos que esteja bem familiarizado com o Desenho e o Plano do trabalho de quem o tenha começado.
Quando um Companheiro for escolhido como Vigilante do trabalho, sob a orientação do Mestre, deve ser leal com o Mestre e Companheiro, e supervisionar cuidadosamente o trabalho na ausência deste, no interesse do Senhor; e os Irmãos devem obedecer-lhe.
Todos os Maçons devem, humildemente, receber o seu salário, sem murmúrio ou sedição, e não abandonar o seu Mestre até que o trabalho seja concluído.
Um Irmão mais jovem deve ser instruído no ofício, para prevenir o desperdício por falta de critério e para fazer crescer e continuar o amor fraternal.
Todos os instrumentos usados no trabalho devem ser aprovados pela Grande Loja.
Nenhum trabalhador (não maçom) deve ser empregue em trabalho próprio da Maçonaria, nem Maçons Livres devem trabalhar com aqueles que não o são, sem necessidade urgente; nem devem ser ensinados, assim como os Maçons não admitidos, da mesma forma que se ensina um Irmão.

Esta quinta Obrigação também foi, manifestamente, herdada da Maçonaria Operativa. Os princípios que a constituem são um guia do trabalho, de organização do trabalho e da formação dos Aprendizes. Regista ainda regras éticas no relacionamento entre os maçons operativos, que transitaram para a Maçonaria Especulativa. As regras expostas, concebidas para a organização do trabalho de construção de edificações são também válidas para o trabalho de construção de si próprio.

Começa-se por indicar o estilo de vida do maçom: trabalhar honestamente nos dias úteis e viver honrosamente nos dias de descanso. O homem de bem realiza-se e define-se pelo seu trabalho honesto. Quando se trabalha, deve-se aplicar toda a capacidade de que se dispõe na execução das tarefas que se realizam. No trabalho, trabalha-se, ponto final. Não apenas por uma questão de (como agora se diz a propósito e a despropósito de tudo e de nada) produtividade, mas essencialmente por uma questão de realização pessoal. Aquele que se aplica no que faz, que trabalha concentrado, que procura fazer bem feito aquilo que tem para fazer ou se propõe fazer não obtém só melhores resultados. Obtém satisfação, gosto, prazer, no que faz e no que consegue produzir. O trabalho honesto como condição de progresso material pessoal, mas também, e sobretudo, como elemento formador de nós próprios é um elemento essencial na ética do maçom.

Mas nem só de trabalho vive o homem. Há dias e horas para a família, o lazer, o descanso, o cultivo de interesses pessoais. Esses, determina a Obrigação, deve o maçom vivê-los honrosamente. De nada vale trabalhar árdua e honestamente se, nos momentos extra-laborais a pessoa se comporta desonrosamente, ou de forma embrutecida, desmerecendo da sua condição de homem de bem.

A fraternidade não implica quebra do cumprimento dos deveres. Uma organização fraternal continua a ser uma organização, com liderança e distribuição de tarefas. Por isso se enfatiza que, devendo todos tratar-se por Irmãos ou Companheiros, o Mestre deve ser obedecido e deve respeitar o trabalho daqueles que dirige. Cabe-lhe organizar o trabalho, distribuir as tarefas, determinar prioridades. Mas deve respeitar o espaço e as competências de quem executa o que há para ser executado e reconhecer e retribuir o esforço dos que executam os trabalhos por si determinados.

Ínsita no conceito de fraternidade está a noção de lealdade - ao Mestre, à Loja, ao trabalho, no fundo a si próprio.

Por fim, a advertência solene: a Maçonaria é para os maçons. Só quem adquira essa condição está em condições de bem compreender o método maçónico de desenvolvimento pessoal.

Em resumo, as regras operativas para o trabalho de construção permanecem inteiramente válidas e aplicáveis no trabalho de cinzelamento de si próprios que os maçons especulativos agora efetuam.


Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 133.

Rui Bandeira

08 fevereiro 2012

As Obrigações dos Maçons: IV - Os Mestres, Vigilantes, Companheiros e Aprendizes



Entre os Maçons toda a promoção será baseada no valor e mérito pessoal, pois assim serão os Lordes melhor servidos, os Irmãos não serão envergonhados, nem a Arte Real menosprezada. Assim, nem o Mestre nem os Vigilantes são escolhidos pela idade, mas pelos seus méritos.
É impossível descrever estas coisas por escrito; todo Maçom deve frequentar a sua Loja e aprendê-las de acordo com as peculiaridades desta Fraternidade. Os candidatos devem saber que nenhum Mestre deve tomar um Aprendiz sob seus cuidados a menos que tenha suficiente trabalho para ele; e a menos que seja um jovem perfeito, que não possua nenhuma deformidade ou defeito físico, que possa incapacitá-lo na aprendizagem da Arte ou de servir o Senhor de seu Mestre; e sendo feito Irmão será depois Companheiro, no devido tempo, cumpridos os interstícios de acordo com o costume do país, se descender de ancestrais honrados; então, devidamente qualificado, poderá ter a honra de se tornar Vigilante, depois Mestre de Loja, Grande Vigilante, e até Grão Mestre de todas as Lojas, de acordo com os seus méritos.

Nenhum Irmão pode ser Vigilante antes de ter sido Companheiro, nem Mestre antes de ter sido Vigilante, nem Grande-Vigilante antes de ter sido Mestre de Loja e nem Grão Mestre, sem ter sido Companheiro antes de sua eleição, e ser nobre de berço, ou um cavalheiro da melhor estirpe, ou notável erudito, ou um hábil arquitecto, ou artista de outro tipo, ou descendente de ancestrais honrados ou que seja de excepcional mérito segundo a opinião das Lojas. Para melhor, mais fácil e honroso desempenho de sua função, o Grão Mestre tem o poder de escolher o seu Vice-Grão Mestre, que deve ser, ou ter sido, anteriormente, Mestre de uma Loja, e que terá o privilégio de em tudo substituir o Grão Mestre, quando ausente, a não ser que este o iniba por escrito.

Todos os administradores e governadores, supremos e subordinados, das Lojas, devem ser obedecidos no exercício dos seus cargos, por todos os Irmãos, de acordo com as antigas Obrigações e Regulamentos, com toda humildade, reverência, amor e alegria.



Esta Obrigação deriva manifestamente das regras de organização das Lojas Operativas, isto é, dos grupos organizados de profissionais construtores em pedra. Em Inglaterra, os construtores em pedra trabalhavam regularmente para os Lordes (senhores), os nobres detentores de propriedades, que lhes encomendavam edifícios religiosos, mansões, fortificações, edificações diversas. O reconhecimento do valor e do mérito na promoção (passagem de grau, exercício de funções em Loja e em Grande Loja) vem assim dos tempos operativos e prossegue como regra essencial da Maçonaria Especulativa.

O apreço pelo valor e pelo mérito, a busca da excelência, o contínuo esforço de aperfeiçoamento são essenciais matrizes e caraterísticas ínsitas nos maçons e por eles esforçadamente cultivadas. É pelo hábito, pela prática, pelo cultivo do trabalho, do esforço, do estudo, da contínua busca de melhoria, que o maçom deve distinguir-se na sociedade e, consequentemente, é em resultado do valor pessoal, adquirido e acrescentado, contínua e esforçadamente, que progride, por vezes ascendendo a posições de relevo social e profissional.

Muitos, não detentores dos mesmos hábitos de trabalho prolongado, de perseverante esforço de aperfeiçoamento, clamam que os maçons ascendem a cargos, empregos ou posições por nepotismo, por proteção dos seus Irmãos, por serem maçons e não pelo seu mérito. Esses que assim clamam bem melhor fariam em dedicar os próximos anos (sim, não bastam alguns dias ou meras semanas ou mesmo alguns meses...) a esforçarem-se por aprender, aprender sempre, aprender muito, aprender fora da sua rotina, trabalhar, trabalhar muito, trabalhar mesmo sem perspetiva de recompensa imediata, aperfeiçoar-se, identificar as suas carências e seus defeitos (por vezes, coisas tão simples como incapacidade ou dificuldade de falar em público...), corrigi-los ou, pelo menos, diminui-los - e depois verificar então se as oportunidades profissionais e sociais lhes surgem ou não lhes surgem, se o seu valor que a si próprios perseverantemente acrescentaram é ou não reconhecido. Mas, infelizmente, é mais cómodo e bem menos trabalhoso para a maioria destes clamarem que o sucesso alheio se deve a "cunhas", a empenhos, a compadrios, a "escuras manobras", a "maquinações secretas"...

Os hábitos de trabalho, a rotina do cultivo de si próprio, não se adquirem por leituras ou palestras, tal como o atleta não ganha medalhas olímpicas apenas lendo sobre os mais modernos métodos de treino. O atleta tem que treinar muito, suar muito, sofrer ainda mais, aplicar-se com perseverança para poder estar em condições de competir por uma medalha olímpica - e, não poucas vezes, dela se ver arredado por uma lesão ou indisposição de última hora, ou por qualquer fortuito elemento externo e por si incontrolado e incontrolável, que derruba todo o esforço e treino e suor de anos e anos. Também não é possível ler ou ouvir sobre o método de trabalho próprio dos maçons e entendê-lo em toda a sua plenitude e dele beneficiar. É preciso efetivamente viver e aprender e trabalhar, hoje, amanhã e depois e para a semana e no mês seguinte e nos próximos anos - e os frutos serão, essencialmente de satisfação pessoal, eventual e acessoriamente de relevo profissional ou social. Não basta querer tentar descobrir "os planos da pólvora", há que viver e trabalhar e sentir. Por isso os maçons, mais do que uma mera dificuldade, têm uma verdadeira incapacidade de descrever a quem está de fora o que é ser maçom, como é estar em Loja. As palavras não chegam, só a vivência e as sensações e as emoções dão a noção plena do que é ser maçom. Este o verdadeiro e único - e inquebrável por natureza... - segredo maçónico!

Para melhor se compreender esta Obrigação, há que ter em conta que, na época em que Anderson compilou a Constituição de 1723, e em consonância com o herdado das Lojas operativas, havia apenas dois graus na Maçonaria: o Aprendiz e o Companheiro, aquele ainda aprendendo a arte e este sendo um oficial (membro do ofício) pronto e apto a realizar os trabalhos da arte. Em cada Loja havia apenas um Mestre, o gestor, o diretor das obras, o arquiteto e engenheiro responsável, que era assessorado por Companheiros (oficiais do ofício) de confiança, experientes, na superintendência do trabalho dos demais, capatazes ou encarregados que eram designados por Vigilantes (do trabalho dos demais).

Só alguns anos, aliás poucos, depois veio a ser formalmente instituído nas Lojas Azuis o sistema de 3 graus, Aprendiz, Companheiro e Mestre, sendo o líder da Loja, o Worshipful Master ou Venerável Mestre, naturalmente um dos Mestres, eleito pelos restantes. A meu ver, esta reestruturação das Lojas Azuis completa a transformação da Maçonaria operativa em Maçonaria Especulativa. O sistema de dois graus sob a tutela de um dirigente, afinal o patrão da Loja, era a estrutura organizativa dos construtores em pedra. A estrutura organizativa da Loja Especulativa complexiza-se e democratiza-se: passa a haver dois graus preparatórios, correspondentes a dois estádios de formação, enquadrados por um grau de direção e organização da atividade global da Loja, integrado pelos obreiros que concluíram a sua formação, todos com iguais direitos e deveres, sendo de entre estes periodicamente escolhido quem fica encarregado da tarefa de dirigir administrativamente a Loja e executar e desenvolver a política de atuação desta, definida pelo coletivo.

Este sistema é um sistema que preserva e favorece a Igualdade entre os obreiros - mas uma Igualdade verdadeira, não apenas nominal. A verdadeira Igualdade não é tratar tudo e todos por igual. É tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente. A estrutura de organização em graus permite atingir esse objetivo. O recém-chegado, que ainda está a aprender as bases do funcionamento de uma Loja, que ainda está a descobrir o que é ser maçom e o que e como deve trabalhar não deve ser onerado com os mesmos deveres que oneram aqueles que terminaram a sua formação e estão aptos a fazer o seu trabalho sem tutela e a tutelar o trabalho dos que ainda estão em processo de formação. Os deveres e correspondentes direitos de quem está em formação são, assim, diversos, obviamente mais limitados, do que os que oneram e assistem quem está já "apto para todo o serviço".

Em suma, na Maçonaria cultiva-se o mérito, a busca da excelência, num ambiente de igualdade. Assim se organiza e mantém o grupo no seio do qual cada um trabalha e progride e contribui para o trabalho e progresso dos demais.


Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 132.

Rui Bandeira

02 fevereiro 2012

Harmonia em desafio...

Compete-me, no corrente veneralato, em sessão de Loja, ser o M:. Org:. de serviço, ou seja, "dar" música aos meus I:., mas mais que isso, musicar todo e qualquer momento do ritual, desde que seja musicado.

É em si um desafio. Mas é um desafio, daqueles que nos dão gosto e prazer superar, algo que tento fazer sessão após sessão.

Os meus últimos passos dados enquanto C:. M:., foram caminhados nesse sentido, tanto que preparei sobre a orientação de um Mestre (é sempre assim, até sermos M:. M:.), duas ou três sessões musicais. A experiência revelou-se, em opinião generalizada, positiva, tanto que acabei por apresentar em Loja, a minha prancha e sobre este tema; Música.

Dei a este texto o título de "Harmonia em desafio..." e é assim que o considero, um harmonioso desafio, senão repare-se:

"A Catedral é assimilável a um gigantesco instrumento de música no qual cada coluna é uma corda em tensão. Caixa de ressonância afinada pelas suas proporções, o Templo vibra ao menor estímulo cósmico ou humano, reproduzindo as notas primeiras da sinfonia do Universo.", diz-nos Didier Carrié, em La symbolique dês Cathédrales.

Se Didier Carrié compara a Catedral de cada um de nós, ao nosso Templo interior, a um grande instrumento de música, é necessário que, cada um de nós, individualmente, sem cessar, alimente esse instrumento, com estudo, com busca pela sabedoria, com paz interior e acima de tudo livre e de bons costumes.

A Música é também isso, a nossa libertação pessoal, pois, promove em cada um de nós sentimentos individuais que jamais podem ser repetidos de uns para os outros, o que eu sinto ao ouvir determinada melodia, não é certamente igual ao que outro qualquer I:. sentirá ao escutar a mesma melodia.

A tensão nas cordas, pode ser considerada a nossa paixão, no mundo profano, algo que sempre combatemos, não lhe dando de comer, deixando-a no nosso “escondido interior”, sabendo que ela lá está, mas dando ao nosso espírito a certeza de não a querer alimentar, sob pena de uma paixão se tornar em várias paixões, o que normalmente acontece, sem grande dificuldade.

Ter a nossa “caixa de ressonância” afinada pelas suas proporções, será talvez, e na minha opinião, a forma central de orientar a nossa vida, regendo-a por princípios éticos, que regulam a vida em sociedade, que estimulam o bom senso e ultrapassam quaisquer dificuldades inerentes à vida terrena em simples obstáculos, sempre passíveis de ser vencidos, pois só assim crescemos enquanto homens.

Eu tenho o meu universo, e sem grande ligeireza, cada um de vós, terá o seu, o cliché de “eu vivo no meu mundo”, ou, determinado individuo viver no seu mundo, à parte de todos os outros, é normalmente associado a laivos de loucura e insanidade, mas será mesmo assim? Todos estamos sujeitos a pressões, tensões, motivadores de opinião e às demais situações do dia a dia, faz parte da vida e ainda bem que assim é, mas se eu porventura disser, que vivo no meu mundo, serei insano ou louco? Pode ser o meu mundo, imperfeito, igual ao de tantos outros, porque aqueles que vivem no “seu mundo” e se consideram perfeitos, esses sim, sem dúvida alguma, são loucos e também fracos de espírito.

O meu Templo vibra por tanta coisa e devido aos mais diversos estímulos, vibra, porque está vivo, porque respira, porque observa e consegue, regra geral, pensar por si, mas o meu Templo também é humano, e o quanto eu gosto de ser humano, de rir e de chorar, de estar feliz e por vezes triste, e de…tanta coisa mais.

São todos estes pequenos acordes que compõem o meu universo, mas tenho ainda muitos mais por descobrir em constante harmonioso desafio.

Partilho, com todos os curiosos leitores do A Partir Pedra, algo que já partilhei com todos os I:. presentes em sessão, uma simples música de Dave Brubeck, que podem ouvir aqui.

Daniel Martins

01 fevereiro 2012

As Obrigações dos Maçons: III - As Lojas


A Loja é o lugar onde os Maçons se reúnem e trabalham; assim esta Assembleia, ou Sociedade de Maçons convenientemente organizada, é chamada Loja; e todo Irmão deve pertencer a uma, estando sujeito ao seu Regulamento Interno e aos Regulamentos Gerais.
Ela é individual ou geral, e será melhor compreendida através da comparência e através dos Regulamentos da Loja Geral ou Grande Loja, aqui anexos.
Em tempos antigos, nenhum Mestre ou Companheiro poderia faltar, especialmente quando solicitado a comparecer, e só não estaria sujeito a severa censura se se justificasse perante o Mestre ou o Vigilante, alegando que imperiosa necessidade o impedira.
As pessoas admitidas como membros de uma Loja devem ser homens bons e de bons princípios, nascidos livres, de idade madura e discretos, não escravo, não mulher, nem homens imorais ou escandalosos, mas de boa reputação.

A primeira noção que esta Obrigação transmite é a de que o maçom deve estar integrado numa Loja, num grupo de pares, onde trabalha, isto é, contribui com o seu estudo, os seus conhecimentos, o seu caráter, os seus progressos, para todo o grupo e do grupo recebe o contributo de todos os demais.

É-se verdadeiramente maçom integrado num grupo de pares. É-se verdadeiramente maçom em comunidade e na comunidade. A Maçonaria é uma incessante troca entre o indivíduo e o grupo, em que o indivíduo contribui para o coletivo e o coletivo fortalece o indivíduo. Só assim faz sentido. Por isso ao maçom não basta ter sido iniciado e ter-se como assim o ser; o maçom só o é na medida em que seja considerado como tal pelos seus pares.

Quando um maçom se afasta da Loja, seja qual for a razão, quando suspende ou cessa a sua atividade, diz-se que está adormecido. Tal como o homem só trabalha estando vigil, assim o maçom que se afasta da Loja, por muito que estude, que trabalhe, que se esforce, que individualmente progrida, porque o faz só, afastado do grupo, sem para ele contribuir, sem dele receber, não trabalha maçonicamente. Trabalha enquanto indivíduo, não enquanto maçom.

A Maçonaria cultiva o total respeito pela Liberdade individual no grupo, pelo indivíduo enquanto personalidade livre e única, mas integrado na sociedade, pelas suas escolhas individuais, mas inseridas e não insanavelmente conflituais com o conjunto das escolhas dos demais. A Maçonaria proclama o indivíduo no grupo, não o indivíduo acima ou para além do grupo, nem o grupo em detrimento do indivíduo. A Maçonaria é uma atividade intrinsecamente social, que fomenta a melhor integração possível de cada indivíduo na sociedade, para benefício mútuo - de um e da outra.

Assim, não faz verdadeiramente sentido a declaração - muitas vezes formulada por quem se afasta - de que "saio, mas continuo maçom, só que sem Obediência". Será uma piedosa intenção, mas não é vero. Aquele que entendeu por bem afastar-se será e continuará a ser um homem livre e de bons costumes, digno de apreço, certamente melhor do que quando se iniciou, será porventura um modelo de qualidades, será seguramente respeitável e desejavelmente respeitado, mas será tudo isso enquanto pessoa, enquanto indivíduo, não como maçom - porque lhe passa a faltar a vertente da partilha, do dar e receber entre o indivíduo e o grupo. E isso, como muito bem sabem todos os que o vivem, é imprescindível, é essencial, é o cerne da Arte Real.

O maçom que se afasta pode sempre voltar, pode sempre retomar o dar e receber ínsito na atividade maçónica. Por isso os maçons não consideram os que se afastam como retirados, como "mortos" para a Maçonaria, mas como simplesmente adormecidos. Se e quando decidirem retomar a sua atividade maçónica, se e quando acordarem, serão bem recebidos - mais do que isso: serão naturalmente recebidos, como se o afastamento não tivesse existido; afinal, uma boa noite de sono, prepara-nos para as exigências de um novo período de trabalho...

Precisamente pela essencialidade da incessante troca entre o indivíduo e o grupo é que um dos deveres fundamentais do maçom é a assiduidade. Mas não a assiduidade cega, a todo o preço, suceda o que suceder. A Maçonaria é importante, deve ser importante para todo o maçom, mas deve sê-lo com equilíbrio, na justa conta, peso e medida. Não pode, não deve, prejudicar os deveres do maçom perante a Pátria, os seus deveres profissionais, as suas obrigações religiosas, os seus deveres familiares. Quando estes imponham a não comparência em Loja, a sua precedência é indiscutível. O maçom tem apenas a obrigação de atempadamente informar da sua ausência e indicar o motivo justificativo dela, por respeito ao grupo, ao trabalho do grupo e dos demais. Mas o maçom, para seu próprio benefício, para que possa eficazmente beneficiar da sinergia com o grupo em que está inserido, deve procurar organizar a sua vida de forma a conciliar os seus deveres familiares, profissionais, religiosos e sociais com a presença em Loja, nos dias e horas definidos para as reuniões desta. Quanto melhor o fizer, mais eficaz será a simbiótica interação entre ele próprio e a Loja.

O último parágrafo desta Obrigação elucida quem pode ser iniciado maçom: homens bons e de bons princípios, pois só se pode tornar melhor o que já é bom; nascidos livres (originariamente: não nascidos escravos - a Maçonaria sempre foi produto do seu tempo...), hoje entendendo-se como livres na sua razão, isto é, com capacidade de entender, de escolher, de progredir, de aprender; de idade madura, isto é, adultos, homens feitos, sobretudo que se regem a si próprios, independentes, inclusive financeiramente, pois só homens maduros e sem condicionalismos de sobrevivência básica têm verdadeiramente disposição e capacidade para se dedicar a algo mais e mais além do que a satisfação das necessidades básicas, algo por vezes tão imaterial e fluido como o conceito de aperfeiçoamento pessoal; não escravo (de novo, a Maçonaria é sempre em cada tempo produto do seu tempo...), hoje, não escravo das suas paixões, de vícios que impossibilitam o desejado progresso pessoal; não mulher (o fundamento original da inegociável exclusividade de género - mas isto não implica que os maçons regulares não reconheçam às mulheres o direito e o igual interesse de se aperfeiçoarem segundo o método maçónico, criando e mantendo organizações similares à sua própria, destinadas ao sexo feminino - pelo contrário, favorecem e respeitam a Maçonaria Feminina, entendendo apenas que o aperfeiçoamento do homem e da mulher se processam segundo diferentes sensibilidades e devem ocorrer em separado, pois no método maçónico de aperfeiçoamento o apelo à emoção e à inteligência emocional tem um grande papel e as formas masculina e feminina de viver e lidar com as respetivas emoções são manifestamente diferentes); nem homens imorais ou escandalosos, mas de boa reputação (na Maçonaria pratica-se a Tolerância com as diferenças, mas dentro dos padrões morais definidos pela sociedade em que se insere; se os maçons têm como primeira Obrigação a obediência à Lei Moral, não faria sentido admitir pessoas de comportamentos considerados imorais, escandalosos, de má reputação).

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 131-132.

Rui Bandeira

25 janeiro 2012

As Obrigações dos Maçons: II - Autoridade civil


Um maçom é um súbdito pacífico do Poder Civil, onde quer que more ou trabalhe, nunca se envolverá em complôs ou conspirações contra a paz ou o bem-estar da nação e nem se comportará irresponsavelmente perante os agentes da autoridade; como a Maçonaria sempre foi prejudicada pelas guerras, derramamentos de sangue e desordens, os antigos Reis e Príncipes sempre se dispuseram a estimular os Homens da Fraternidade, por sua lealdade e índole pacífica; pois sempre responderam adequadamente às conspirações de seus adversários e promoveram a honra dessa Fraternidade, que sempre floresceu em tempos de paz. Se um Irmão se rebelar contra o Estado, não deverá ser incentivado na sua rebelião, antes ser digno de pena por ser um homem infeliz; e, se não tiver sido condenado por qualquer outro crime, a Irmandade precisa, e deve, repudiar a sua rebelião, não deixando margem para qualquer desconfiança política perante o Governo vigente; mas não deve expulsá-lo da Loja, permanecendo inalienável a sua relação com a mesma.

Esta segunda Obrigação dos maçons inscrita na Constituição de Anderson de 1723 constitui a clara e iniludível orientação estrita de que o maçom - e, por extensão, a própria Instituição Maçónica - se insere na legalidade vigente em cada sociedade. É uma consequência do princípio, ínsito na primeira Obrigação, da obediência à Lei Moral: se a Moral se baseia na Ética e é fundamento da norma, da lei, não faria sentido que aqueles que têm por dever primeiro a obediência à Lei Moral desobedecessem às normas sociais, resultantes da Moral vigente na Sociedade.

Tem justificação, porém, o argumento de que se a Lei viola a Moral Social, se é iníqua, não deve ser respeitada e se o Poder não é legítimo, é ditatorial ou opressivo, deve ser derrubado, pois a obediência às leis é corolário da obediência à Lei Moral, pelo que, se a norma é imoral ou o Poder se afasta da mesma, a obediência à Lei Moral impõe a desobediência da lei e a luta contra o Poder abusivo. O argumento é, manifestamente, ponderoso - como se evidencia pela sua simples enunciação e pela correção do silogismo que o sustenta: se a lei é imoral, então não é verdadeiramente lei, só aparentemente o é, pois o que viola a Moral vigente numa sociedade não pode ser obrigatório para os seus membros; se o Poder é abusivo, ditatorial, opressivo, viola a Moral da sociedade, que precisamente o considera abusivo, ditatorial, opressivo.

O problema - em contra-argumento - é que não existe um "moralómetro", um instrumento que permita medir a compatibilidade entre a Lei ou o Poder e a Moral social, sendo assim, no mínimo, subjetiva a determinação dessa compatibilidade ou incompatibilidade, pelo que o único critério admissível é o cumprimento da Lei vigente, cuja adoção resulta das normas criadas para a determinação do que deve ser considerado lei e que se destinam, além do mais, precisamente a garantir que a Lei seja a vera expressão da Moral Social vigente, e a sujeição ao Poder em funções, o qual resulta das normas de definição de quem tem direito à titularidade do exercício do Poder.

Mas - contrapõe-se ao contra-argumento - situações há em que o Poder é usurpado por quem, segundo as regras, a ele não tem direito - é a isso que se chama poder ditatorial... - e em que as leis são abusivamente criadas, em verdadeiro desvio de poder, para proteger interesses pessoais, mesquinhos, beneficiar quem as faz ou quem influencia quem as faz, em total desprezo ou, pelo menos, dessintonia com a Moral social, pelo que devem ser consideradas iníquas e imerecedoras de cumprimento. Além de que toda a gente sabe que, por exemplo, os nazis ascenderam ao Poder por via de eleições...

No entanto - riposta-se à contraposição - Poder vigente é Poder vigente e, por definição, se é Poder, implica sujeição ao mesmo. Se se põe em causa a legitimidade da ascensão por via de eleições dos nazis ao Poder, por mais execráveis que eles tenham sido, põe-se em causa os próprios fundamentos do regime democrático; se se põe em causa uma lei aprovada segundo as regras em vigor para a sua vigência, põe-se em causa toda a estrutura normativa e, logo, organizacional, da Sociedade. E, como lucidamente referiu Winston Churchill, "a Democracia é o pior de todos os sistemas políticos... exceto todos os outros!".

E, como este debate de mim para comigo mesmo o demonstra, poder-se-ia eternamente discutir estas duas posições opostas, sem se chegar a uma posição consensual passível de aplicação prática. A Maçonaria Regular desde o seu início que adotou o critério de que o Poder vigente é aquele que vigora, que a Lei a cumprir é a que está em vigor, ponto final parágrafo. A Maçonaria Regular não é contrapoder nem intervém politicamente, pelo que o único critério que adota é o do cumprimento da Lei vigente.

E então se o Poder é ditatorial, como fazer? Pura e simplesmente a Maçonaria Regular só atua em ambiente democrático, em Liberdade. Se estas condições não estão preenchidas, retira-se, suspende atividades, dos locais onde a Democracia não impera, o poder ditatorial vigora, onde não há, assim, garantia de que as leis sejam globalmente justas e conformes à Moral. É a única opção possível de uma Instituição que simultaneamente se impõe seguir a Moral e cumprir a Lei vigente, quando esta ou o Poder de facto em funções se afastam daquela.

A Maçonaria Regular só pode ser um espaço de Tolerância, uma sede de fraternal convívio de pessoas e de ideias diversas e díspares, um fórum de confronto de posições que podem ser antagónicas, mesmo inconciliáveis, mas que são suscetíveis de debate frutuoso, de entendimento e deteção de pontos de acordo, de determinação e limitação dos espaços de efetiva diferença, de fixação dos consensos possíveis e de aceitação das diferenças realmente existentes se atuar dentro da mais estrita legalidade, se nenhuma dúvida fundada o Poder tiver de que recusa e não pactua com qualquer atividade conspirativa. Se assim não for - quando assim não é... - sujeita-se a todas as retaliações, ao pagamento de elevado preço pela sua intervenção em campos que não são os seus.

Porém, em aparente conflito com esta orientação firme, prossegue a segunda Obrigação afirmando que se, apesar de tudo, apesar de violar a sua Obrigação, um maçom se rebelar contra o Poder, se conspirar, apesar de a Maçonaria Regular repudiar tal atitude e a ela se não associar, não deve expulsar o infrator, se ele não tiver sido condenado por outro crime.

Resulta esta determinação da aplicação do princípio da Tolerância, ínsito e essencial no ideário maçónico. O princípio da Tolerância pressupõe o indefetível respeito pelas opiniões, pelas posições, pelas opções, de cada um. ainda que delas sejamos discordantes - principalmente quando delas discordamos! O Outro tem tanto direito à sua opinião, às suas ideias, às suas opções quanto eu. Por muito que eu discorde delas, por muito que eu entenda que eu tenho razão e ele não, não posso, não devo, concluir que sou eu que estou sempre certo. Pode suceder que seja eu que estou errado e que seja o Outro que está certo. Como a inversa. Tenho assim que tolerar a divergente posição alheia, tal como tenho o direito de exigir que a minha posição seja tolerada pelos demais. Este é um corolário essencial e inalienável da Liberdade individual, da essencial Igualdade que os maçons respeitam e um pressuposto básico da Fraternidade que se pretende impere. Assim, apesar de tudo, a Tolerância impõe o respeito pela decisão, ainda que infratora, e proíbe a expulsão do infrator.

Há, no entanto, um limite absolutamente inultrapassável: a condenação por outro crime (pressupondo-se que o Poder ou a Lei vigentes já qualifiquem como crime a rebelião). Outro crime implica violação de outros preceitos legais, outras normas em princípio resultantes da Lei Moral que o maçom se compromete a cumprir. O maçom regular tem todo o direito a, individualmente, divergir politicamente. Nesse estrito limite, a sua divergência nunca será considerada infração maçónica. Mas não tem nunca o direito a ser um criminoso. Se o for, se infelizmente assim proceder, viola grave e insanavelmente a primeira das suas obrigações e tem de se sujeitar às consequências, designadamente à consequência de deixar de ser reconhecido como tal pelos maçons.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 131.

Rui Bandeira

18 janeiro 2012

As Obrigações dos Maçons: I - Deus e Religião


Um Maçom é obrigado a obedecer à Lei Moral; e se compreender corretamente a Arte, nunca será um estúpido ateu nem um libertino irreligioso. Muito embora em termos antigos os Maçons fossem obrigados,em cada País, a adotar a religião desse País ou Nação, qualquer que ela fosse, hoje é mais acertado que adote a religião com a qual todos os homens concordem, guardando as suas opiniões pessoais para si próprios: Ou seja, devem ser homens bons e leais, ou homens de honra e probidade, qualquer que seja a denominação ou convicção que os possam distinguir; Assim a Maçonaria será um centro da união e um meio de concretizar uma verdadeira amizade entre pessoas que de outra forma permaneceriam separadas.

A primeira Obrigação dos maçons da Constituição de Anderson de 1723 resume o essencial do que é a Maçonaria e do que são e devem ser os maçons.

Logo a primeira noção que transmite é que o maçom é obrigado a obedecer à Lei Moral. Moral deriva do latim mores, ou seja costumes. O vocábulo mores foi utilizado pelos Romanos para traduzir a palavra grega êthica, ou seja, ética. A ética é o suporte da moral e esta a origem da norma, eventualmente lei, pois da ética individual passa-se aos valores sociais e estes originam as normas, as leis, com que as sociedades impõem os comportamentos entendidos adequados, isto é, comportamentos morais, baseados em princípios éticos. Desta noção - a primeira expressa nas Obrigações dos maçons - resulta inequívoco o dever do maçom se comportar adequadamente em termos éticos, seguindo os princípios que elevam o Homem acima da sua pura animalidade, e também de cumprir os valores sociais em uso na época e lugar em que se encontra. O maçom é um produto da sociedade onde se insere. Desejavelmente, inserindo-se entre os melhores produtos dessa sociedade. Mas não é nunca um estranho, uma exceção. Pode e deve pugnar pela evolução, pela melhoria dessa sociedade. Deve fazê-lo antes de tudo e acima de tudo dando ele próprio o exemplo dos comportamentos em que deve assentar essa melhoria e esperando que outros e outros e cada vez mais assumam os mesmos desejáveis comportamentos, não procurando impor aos outros as suas teses, os seus entendimentos. Implícita na noção de obediência à Lei Moral está ainda a obediência às normas e leis do País, recusando-se a atividade conspirativa e revolucionária.

A segunda noção transmitida por esta Obrigação é a de que o maçom deve ser crente, não sendo admissível que seja um "estúpido ateu" ou um "libertino irreligioso", esta última expressão abarcando também o agnóstico, pois a palavra "libertino", na época de Anderson não tinha o significado atual de "devasso", "dissoluto", antes respeitava àquele que não professava fé religiosa, o incrédulo - ou seja, o ateu e o agnóstico.

A terceira noção decorrente desta Obrigação é a de que, embora o maçom deva ser crente, os contornos, a estrutura da crença de cada um só a si diz respeito ("guardando as suas opiniões pessoais para si próprios"), não devendo impor o seu entendimento aos demais, de forma a que todos se encontrem no espaço comum da "religião com a qual todos os homens concordem". Daí a utilização comum por todos os maçons da expressão Grande Arquiteto do Universo, com a qual é possível designar a divindade em que cada um creia, independentemente do nome particular que cada um lhe dê. Na época de Anderson, a Maçonaria era indubitavelmente cristã. O terreno comum era o espaço de convergência de católicos, anglicanos, presbiterianos, luteranos, calvinistas, etc., enfim, o espaço comum cristão. Só em 1732 viria a ser iniciado o primeiro judeu, Edward Rose. A expansão da Maçonaria pelo Império Britânico paulatinamente viabiliza a iniciação de muçulmanos, hindus, enfim crentes de outras crenças não cristãs. Este alargamento a crenças não cristãs da originalmente cristã Maçonaria é fruto da clara influência deísta exercida nos primórdios da Maçonaria Especulativa (há quem defenda que tanto Anderson como Desaguliers, ambos pastores, eram deístas). A convicção religiosa fundada na Razão, a não aceitação de dogmas, logo, a não sujeição a Verdades Reveladas, convivendo com a convicção religiosa teísta, conjugada com o princípio da Tolerância (guardar "as suas opiniões pessoais para si próprios"), naturalmente que viabilizou a expansão da Maçonaria até aos crentes das religiões não cristãs e, em última análise, aos crentes não integrados em nenhuma confissão religiosa específica, puros deístas seguindo sua crença pessoal.

A quarta noção é que, mais importante do que a crença de cada um, é que os maçons sejam "homens bons e leais, ou homens de honra e probidade", ou seja, mais sinteticamente, e usando expressão hoje consagrada, homens livres e de bons costumes. Não é qualquer um que é apto a ser admitido maçom, há um nível ético previamente atingido indispensável para se ser aceite entre os maçons.

Finalmente, esta primeira Obrigação define uma outra caraterística essencial da Maçonaria, a de organização fraternal ("a Maçonaria será um centro de união e um meio de concretizar uma verdadeira amizade entre pessoas que de outra forma permaneceriam separadas").

A Maçonaria Regular prossegue e mantém, até aos dias de hoje, estas cinco caraterísticas da Maçonaria fixadas na primeira Obrigação da Constituição de Anderson de 1723: organização baseada na Moral e respeitando a legalidade vigentes, restrita a crentes, tolerante quanto às crenças individuais de cada um, agrupando homens livres e de bons costumes, de índole fraternal.

Como é sabido, em 1877 ocorreu o chamado cisma maçónico, pelo qual o Grande Oriente de França iniciou um movimento que veio a ser seguido por outras estruturas em outros locais (em Portugal, presentemente o GOL - Grande Oriente Lusitano), que desembocou na chamada Maçonaria Irregular, também por alguns apelidada de Maçonaria Liberal e pelos próprios referida por Maçonaria Universal - por ser aberta a todo o universo de indivíduos, crentes e não crentes. Este ramo do movimento especulativo organizado em Inglaterra em 1717 diverge da Maçonaria Regular essencialmente quanto à obrigatoriedade de crença, admitindo agnósticos e ateus, e à diferente postura em relação à legalidade vigente (se uma Lei é injusta deve ser combatida; se um regime é iníquo ou ultrapassado deve ser combatido e, se possível, derrubado, se necessário pela via revolucionária), neste caso muito por influência da Revolução Francesa, prosseguida pelas Lutas Liberais e pelas Guerras de Independência, na Europa, Estados Unidos e América do Sul.

Fontes:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 131.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Moral

http://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CB0QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.thegoatblog.com.br%2Fcadenafraternal%2FplanchasII%2F029_descristinizacao_da_masoneria.doc&ei=4RYMT53-EMrR8QOs7pD7BQ&usg=AFQjCNFFhAXuFcZNS6waAC3HnFPCJ3CxMA

Rui Bandeira

11 janeiro 2012

A Constituição de Anderson de 1723


A Constituição de Anderson de 1723 é, provavelmente, o documento que mais bem espelha os princípios da Maçonaria. Foi elaborada na transição entre a Maçonaria Operativa e a Especulativa, quando a organização outrora agrupando artesãos construtores se transformava na sua forma atual de organização fraternal indutora de aperfeiçoamento pessoal, moral e espiritual dos seus membros, segundo um método próprio, fundado em princípios herdados de tempos imemoriais, transmitidos e preservados de geração em geração.

Muito - quase tudo - daquilo que os maçons referem como proveniente de "antigas tradições" está inscrito nesta Constituição, autêntico documento basilar da Maçonaria.

Foi publicada em 1723 no Grão-Mestrado de Philip Wharton, 1.º Duque de Wharton, o sexto Grão-Mestre da Premier Grand Lodge de Inglaterra, na realidade o quinto maçom a exercer tais funções, já que George Payne repetira o exercício do ofício, que assegurou em 1718 e de novo em 1720, e o segundo nobre a assumir a condução dos destinos da maçonaria inglesa. O primeiro fora John Montagu, 2.º Duque de Montagu, Grão-Mestre entre 1721 e 1723, que foi quem, em 1721, encarregou James Anderson de "examinar, corrigir e organizar, segundo um melhor método, a História, Obrigações e Regras da Antiga Fraternidade".

James Anderson (1679 ou 1680 - 1739), pastor da Igreja da Escócia, era ministro da Igreja presbiteriana de Swallow Street, em Londres, desde 1710 e Venerável Mestre da Loja com o n.º 17 aquando da publicação da Constituição, conforme se pode ler no apêndice final desta (aliás o local onde consta a única referência à sua autoria do texto).

O post-scriptum final foi assinado pelo Grão-Mestre Philip, Duque de Wharton, o Vice-Grão-Mestre John Teophilus Desaguliers (que exercera já o ofício de Grão-Mestre em 1719), pelos Grandes Vigilantes Joshua Timson (ferreiro de profissão) e William Hawkins (maçom operativo, ou seja, artesão construtor) e pelos Veneráveis Mestres e Vigilantes das então existentes 2o Lojas (incluindo o primeiro Grão-Mestre, em 1717, Anthony Sayer, em 1723 Vigilante da Loja com o n.º 3, e George Payne, que foi Grão-Mestre em 1718 e 1720 e em 1723 era o Venerável Mestre da Loja com o n.º 4) e nele pode ler-se que Anderson, para realizar a tarefa de que fora incumbido, "analisou várias cópias manuscritas de Itália, Escócia e outras partes de Inglaterra e daí (embora aqueles estivessem errados em muitas coisas) e de vários outros arquivos antigos dos maçons extraiu e elaborou a presente Constituição, Obrigações e Regras Gerais".

O volume começa por uma dedicatória ao Ex-Grão-Mestre, John, Duque de Montagu, elaborada pelo Vice-Grão-Mestre em exercício, John Teophilus Desaguliers, prossegue com um capítulo dedicado à História da Maçonaria, a que se seguem os capítulos dedicados às Obrigações dos Maçons e às Regras Gerais, um post-scriptum e a Aprovação, concluindo-se com letras e algumas pautas musicais de canções maçónicas (Canção do Mestre ou a História da Maçonaria, Canção dos Vigilantes ou Outra História da Maçonaria, ambas da autoria de Anderson, Canção dos Companheiros, da autoria de Charles Delafaye e Canção dos Aprendizes, da autoria de Matthew Birkhead).

A parte dedicada à história da Maçonaria é uma compilação efetuada, fixada e, não pouco significativamente, corrigida por Anderson das versões, há muito existentes em documentos da maçonaria operativa e de que neste blogue já dei conta e divulguei e comentei, da Lenda do Ofício (ver os textos agrupados no marcador Lenda do Ofício). A parte final, das canções, hoje pouco mais interesse tem do que o de curiosidade. A dedicatória, o post-scriptum e a Aprovação são textos quase que apenas protocolares.

Particular interesse revestem os capítulos dedicados às Obrigações dos Maçons e às Regras Gerais. Lendo-os e analisando-os, neles detetamos a origem de variadas compilações e versões de chamados Landmarks (princípios fundamentais da Maçonaria) e de regras ainda hoje usadas e praticadas em Maçonaria, muitas delas não constando de qualquer regulamento e invocadas como derivando de "Antigas Tradições". Pois bem, a fonte ou, pelo menos, a compilação dessas Antigas Tradições está na Constituição de Anderson de 1723!

Se nada surgir em contrário, vou dedicar quase todos os meus textos deste ano de 2012 à divulgação, análise e comentário crítico dos textos das Obrigações dos Maçons e das Regras Gerais da Constituição de Anderson de 1723. Serão muitos textos (as Obrigações são seis, a última das quais dividida em seis partes, o que, em princípio, justificará onze textos; as Regras Gerais são 39, o que justificará outros tantos textos). Resumindo: um programa para 50 textos, que ocupará todo este ano de 2012 e poderá ainda sobrar para 2013, dependendo da altura em que eu decidir publicar dois textos dedicados à memória da Loja, relativos ao período do veneralato do vigésimo primeiro Venerável Mestre da Loja e da eventualidade de, a qualquer tempo, poder interromper o que será esta longa série para escrever sobre qualquer assunto que julgue oportuno.

O tema desta série merece esta alongada atenção. Afinal, a Constituição de Anderson de 1723 é um documento essencial para se compreender o que é a Maçonaria. Essencial para quem é maçom, se quer mesmo saber porque faz algo do que faz; essencial para quem não é maçom, se não se quiser limitar a umas "ideias gerais", geralmente pouco acertadas, sobre a instituição da Maçonaria de que tantos falam e tão poucos acertam.

Nesta série de textos, utilizarei como fonte permanente a excelente versão portuguesa da Constituição de Anderson de 1723, publicada em 2011 pelas Edições Cosmos, com introdução, comentário e notas de Cipriano de Oliveira (não concordo com todas as posições expressas por Cipriano de Oliveira - e ele sem dúvida que sabe onde discordamos... -, o que não invalida que seja um notável trabalho o que ele realizou e muito útil a edição resultante da sua pesquisa e do seu labor).

Fontes:

http://en.wikipedia.org/wiki/Premier_Grand_Lodge_of_England http://en.wikipedia.org/wiki/James_Anderson_%28Freemason%29 http://books.google.pt/books?id=LkICAAAAQAAJ&printsec=frontcover&dq=anderson%27s+constitutions+1723&hl=pt-PT&sa=X&ei=JOkCT9z8GYij8gOmtPjRAQ&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false Cadernos Humanitas - Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011

Rui Bandeira