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03 outubro 2016

Pompa e circunstância


Mês de equinócio é mês de sessões de Grande Loja (ou Grande Oriente). Em Portugal, no Brasil ou, genericamente em qualquer parte do mundo onde esteja implantada a Maçonaria, sessão de Grande Loja ou Grande Oriente é, normalmente, sinónimo de pompa e circunstância. 

Desde que a Maçonaria especulativa surgiu, muito rapidamente a Primeira Grande Loja passou a ter como dirigente máximo um elemento da nobreza. Ora, como sabemos, nobreza britânica e pompa e circunstância são termos inseparáveis... 

Não há mal nenhum na pompa e circunstância - desde que cada maçom tenha sempre presente que o que verdadeiraente importa não tem nada a ver com isso.

Maçonaria pode ter brilho, pode ter dourados, pode ter aventais ricamente bordados, colares vistosos e toda a série de penduricalhos que se quiser. Mas, em Maçonaria o que verdadeiramente importa é a construção que cada um faz de si e em si mesmo. Esse é que é o princípio e o fim.

A pompa, a circunstância, os penduricalhos, os profusos elogios, saudações e outras intervenções fazem parte, mas não são mais do que mundanidades, afinal concessões que nós, maçons, fazemos ao que de nós menos importa, à imperfeição que reside em nós. Se nós, maçons, não nos reconhecêssemos imperfeitos, não buscaríamos aperfeiçoarmo-nos... E é esse nosso lado imperfeito que atende a todas essas mundanidades. Mas o maçom deve ter sempre presente que essas mundanidades não são mais do que a ganga, a roupa, o cenário, que acompanha e simultaneamente cobre o que realmente interessa: o discreto mas incessante trabalho que cada um deve fazer em si para procurar sempre ser um pouco melhor, um pouco mais digno da centelha divina ínsita na Vida que o anima e que é verdadeiramente o essencial de si, o que permanecerá depois de tudo o resto se desintegrar.

Não há mal nenhum que o maçom aprecie a pompa e circunstância, ache bonitos os dourados e penduricalhos - desde que não se esqueça nunca de que tudo isso pouco significa em face do que verdadeiramente importa: o seu esforço constante e solitário no burilar de si próprio, na procura da libertação da Luz que busca e que afinal traz em si e só precisa descobri-la e desvelá-la. Só assim as mundanidades permanecem confinadas onde é saudável que permaneçam relegadas - e não se transformam em profanidades.

Pompa, circunstância, penduricalhos, títulos, honrarias não passam de, porventura necessárias, concessões que o maçom faz a si próprio, na parte de si que menos importa. Mas integram apenas o ponto de partida, nunca constarão do ansiado porto de chegada... À medida que se vai construindo, o maçom vai vendo diminuir o "valor" de tudo isso.

Porque o que todos os maçons sabem e não devem nunca esquecer é que há uma igualdade essencial entre todos eles, desde o Aprendiz de alvo avental, ao Companheiro, ao Mestre, ao Oficial de Loja, ao Venerável Mestre, ao Grande Oficial e ao Grão-Mestre: com mais ou menos atavios nos seus aventais, com mais ou menos brilhos, com mais ou menos louvores ou elogios, com mais ou menos "importância", todos não passam de Operários em Construção!

Rui Bandeira

29 junho 2015

Maçonaria "tóxica" ?!


Naturalmente que quem ler o título da publicação de hoje por certo ficará reticente com o que poderá encontrar nela pelo facto da afirmação escrita por mim ser um tanto forte. Mas desengane-se o leitor, uma vez que, aquilo que o título poderá encerrar não será na verdade o mais correto, apesar de ser uma assunção que para alguns detratores da Ordem Maçónica seria o quanto bastaria um maçom fazer para que todas as opiniões e ideias que têm da Maçonaria serem as "verdadeiras". O que não é o que pretendo com a afirmação que fiz nem é a constatação da realidade em que vivemos.

Quando eu falo em Maçonaria “tóxica” naturalmente que não posso afirmar tal sobre uma tão proba e augusta Ordem como o é na realidade a Maçonaria. Abordo sim, os seus elementos, os maçons. Pois uma coisa é a Instituição Maçónica em si, outra coisa totalmente diferente são os membros que a compõem; Homens com as suas virtudes - e que na sua larga maioria é gente que as tenta enaltecer e potenciar-,  mas também com os seus defeitos próprios e naturais. O que importa realmente é o que fazer com estes últimos que citei…

Todavia, não querendo eu efetuar uma análise extensiva sobre o assunto em si mas apenas abordando a toxicidade existente na Maçonaria num sentido lato, quero eu dizer e reafirmando o que atrás disse, a Maçonaria nunca poderá ser tóxica na sua vivência nem na sua praxis, mas antes sim, os seus membros. E esta sua  toxicidade - dos seus obreiros - apenas poderá porvir do seu carácter, da sua conduta, da sua forma de viver e estar…

Parece que fiz uma afirmação austera demais e inglória?!
Não!
Disse apenas o que se pode constatar na realidade.

Se a Maçonaria é formada por pessoas com vários caracteres e feitios, existem os “bons maçons” mas infelizmente também, existem aqueles maçons cuja forma de estar intoxica a Ordem que os acolheu e que em última instância acabarão por (tentar) intoxicar os demais. 

Quando falo em maçons “tóxicos”, estes são aqueles maçons que não trabalham em prol da Ordem, não aprendem nem desejam aprender, nem estão sequer motivados para tal; não se comprometendo com nada e se o fazem, fazem-no por "obrigação" e os resultados dessas ações serão por demais evidentes; não praticam os ensinamentos ou os ideais da Maçonaria tanto na sua vida pública como no seu foro privado, que se abstêm de comparecer nas sessões ordinárias da sua Respeitável Loja; que a sua conduta é diferente daquilo que dela tanto propalam, mas que também para além disso, nas suas condutas profanas geralmente são pessoas que envenenam as suas relações profissionais, familiares e fraternais - isto, se as tiverem (!) - E se os há…

Uns sentem-se tão cheios de si, empertigados pelos seus “pedestais” e “medalhas”, outros falando por boca alheia sem meditar no que estão a dizer, cedendo o seu melhor bem que é o seu “pensamento” a outrem, preferindo ser instrumentalizados como “marionetas”  a bel-prazer de quem melhor possa atribuir encómios à sua pessoa ou até mesmo se submeterem a aqueles a quem possam retirar qualquer tipo de benefício ou dividendo para si próprios, manipulando a longa lista de contatos a que podem ter acesso pelo simples facto de terem entrado numa Ordem universal e com elevado número de membros.
Estes serão aqueles que geralmente se diz que "entraram na Maçonaria, mas que ela nunca entrou neles..."
Os tais afamados "erros de casting"!

Mas apesar destas situações que confirmo a sua existência – nada que não seja natural nas várias instituições ou grupos sociais que o Homem integre; a Maçonaria é o “espelho” da sociedade em que se insere (!) – “não podemos tomar o todo por alguns” e a maioria suplanta amplamente esses poucos que o tempo sempre se encarrega de extirpar – quais cancros sociais – e são esses - a maioria - que no fundo fazem e refazem as instituições por onde passam, limpando e renovando a imagem que por vezes se torna imunda, pelas atitudes que de lés-a-lés são tornadas públicas, por gente que, talvez, nunca deveria ter sido cooptada pela Ordem.

O que se pode concluir é que a toxicidade existente na Maçonaria não é uma toxicidade "química" mas antes um certo tipo de toxicidade social e comportamental de uma parte ínfima dos seus obreiros.
E que estas pessoas que intoxicam a Instituição Maçónica acabam por dar algum ecorazão aos detratores da Ordem, pois não poderemos nós nunca olvidar que os maiores inimigos da Maçonaria são e serão sempre os Maçons, disso tenho eu a certeza .

E o que fazer com estes “seres tóxicos” que deambulam por uma tão Augusta Ordem?

Dar-lhes “corda” suficiente para se “enforcarem”?

Entregar-lhes o “combustível” e o “detonador” necessário para se “queimarem”?

Deixá-los "caminhar até à ponta do precipício e incitá-los a saltar"?

Ou tentar  lhes demonstrar que o caminho que por ora seguem é um caminho para o “abismo”, possivelmente sem retorno, e que se tomado de forma inadvertida ainda poderá ter regresso ao trilho correto?

Algumas vezes pensei que a última sugestão/possibilidade seria a mais certa. Mas hoje em dia começo a ficar titubeante com a decisão a tomar. Se devo tomar a decisão que se suporia como sendo a mais correta ou se aquela que melhor me servirá…

De facto todos na nossa vida pessoal e em situações extremas, temos sempre uma atitude de “sobrevivência” e por isso mesmo temos a tendência de olharmos para o nosso “umbigo” e esquecer por breves instantes o bem comum. - O que não deveria acontecer, mas como humanos que somos, tal é sempre mais forte. Não podemos negar a nossa natureza e existência animal ! -.

Queira eu por isso e principalmente com o auxílio do Grande Arquiteto, com a sua Luz e Sabedoria, tomar sempre as melhores decisões que possa tomar em qualquer momento e agir de forma a que os meus pares, principalmente os que me reconhecem e que eu reconheço como tal - eles saberão por certo quem serão - nunca se sintam envergonhados pela minha conduta, seja esta demonstrada através de ações, omissões e/ou palavras... Porque se por vezes é necessário se falar e muito dizer (nem que seja para criar certo "ruído de fundo"), noutras situações será preferível não o fazer sequer.
Aliás sempre retive para mim que o "poder" do silêncio reside não quando nada se diz, por nada se ter para falar; mas antes sim, quanto muito temos para dizer e preferimos conscientemente nos manter calados...


Quanto aos seres tóxicos que por aí deambulam, esses, terão de fazer por eles…
Até porque se afirmam que também nem sabem ler nem escrever, alguns até mesmo dificilmente conseguiriam soletrar... até mesmo a sua língua materna!

16 outubro 2013

Os construtores da Utopia



Desde que, no século XVI, Thomas More inventou a palavra e dela fez título de uma das suas obras que se designa por Utopia a sociedade ideal, perfeita.

Em termos sociais, os maçons procuram contribuir para a construção dessa Utopia. Fazem-no desde logo procurando melhorar a qualidade dos materiais de que se fazem todas as sociedades: os homens, suas ideias e suas ações.

Nenhuma sociedade organizada, qualificada e funcionando com um exigível nível mínimo de organização, qualidade, liberdade e eficiência pode assentar em pessoas desqualificadas, seja em termos de conhecimentos e preparação, seja do ponto de vista da Moral e dos Valores inerentes a uma sã, agradável e produtiva vida em comum.

Não há Valores sociais que se fundem perenemente em homens de baixo caráter e inferiores qualificações pessoais e relacionais. Homens apenas primários, sem capacidade para ver e agir para além dos seus interesses pessoais egoísticos e imediatos não geram nem acalentam valores essenciais a qualquer sociedade eticamente relevante. 

As sociedades são compostas por pessoas. Quanto melhores forem estas, melhores podem ser as Sociedades, os seus valores, os seus níveis de organização e cooperação. Por isso, ao construir-se a si próprio, ao melhorar-se a si mesmo, cada maçom está também a contribuir para a melhoria da sociedade em que se insere, a favorecer um pequeno, quiçá quase insensível, mas sempre significante, avanço da sociedade em que se insere na construção da Utopia.

Mas a Utopia não se constrói apenas com os materiais, as pessoas. Essa construção necessita também de ferramentas, os valores. Neste campo, muito se avançou, na parte mais desenvolvida do Mundo: a Liberdade é reconhecida como indispensável à existência de uma Sociedade digna dos seus cidadãos; a Igualdade é uma aspiração que se busca concretizar mais e mais; a Fraternidade emerge como uma condição indispensável à coesão social; a Tolerância emerge cada vez mais como uma necessidade; a Justiça consolida-se como uma essencialidade; a Solidariedade aparece como um elemento indispensável à reação comum ao infortúnio, ao cataclismo ou simplesmente à adversidade. Paulatinamente, estes e outros essenciais valores adquirem o estatuto da naturalidade e ascendem ao patamar da indispensabilidade. Mas muito ainda há e haverá ainda a fazer, para que esses valores sejam efetivamente para todos tão naturais como o ato de respirar.

Porém, a construção social não se basta apenas com bons materiais e sólidas ferramentas. Há que limpar o espaço, que afastar tudo o que prejudique a edificação que se busca. Há, assim, que lutar com, afastar, remover, os preconceitos que tolhem o avanço comum - mas sem os substituir por novos preconceitos, quiçá de sinal contrário. Também neste campo muito se avançou. Também aqui muito mais há ainda a fazer. O racismo perdeu o estatuto de naturalidade que ainda há cerca de meio século (tão pouco tempo ainda; não mais de duas gerações...) detinha em sociedades tão importantes como, por exemplo, alguns Estados dos Estados Unidos. Mas subsiste teimosamente em muitas mentes e manifesta-se ainda insidiosamente em demasiadas situações e abertamente numas quantas delas! A igualdade entre sexos evoluiu notavelmente no último maio século, mas ainda é, manifestamente, um valor ainda frágil, que muitos afastam sem rebuço à menor dificuldade social (basta ver as diferentes taxas de desemprego e os não coincidentes níveis de remuneração entre os dois sexos). A Igualdade afirmou-se quase universalmente como princípio absoluto na teoria, mas é muito insuficientemente ainda na realidade concretizada na prática, continuando - infelizmente! - ainda a ser válida a frase de O Triunfo dos Porcos, de George Orwell, de que "Todos são iguais... mas há alguns mais iguais do que os outros". Os fundamentalismos existem, estão à vista de todos e não são extirpáveis por decreto.

 Muito se andou, mas muito caminho está ainda por percorrer, se se quiser ficar perto de ver ao longe uma Sociedade que possa aspirar a comparar-se levemente com a Utopia... E esse caminho tem de ser percorrido passo a passo, incansavelmente, inabalavelmente, persistentemente, por cada um que aspira à Utopia.

Ao dedicarem-se ao seu aperfeiçoamento, os maçons fazem esse caminho, dão o seu contributo à Sociedade para a evolução desta. O que cada um dá é ínfimo, quase imensurável, no contexto da imensidão do que é necessário. Mas o conjunto do que todos proporcionam possibilita o avanço, ajuda a que a evolução se torne visível.

Os maçons são, por natureza, construtores da Utopia. Não se afirmam, nem pretendem ser os únicos. Todos não são demais, que a tarefa é enorme e prolongada!

Rui Bandeira 

03 janeiro 2013

Pelos olhos dos meus irmãos



Os três rapazes olhavam alternadamente, de soslaio, uns para os outros, depois para os próprios sapatos, para os dedos das mãos, e para as paredes do quarto, sem saber o que dizer mais. Todos estudantes, partilhavam um apartamento próximo da faculdade que frequentavam - os três, e mais o Sandro. Este último não estava presente - e era dele que se falava, sem se chegar a nenhuma conclusão pois, se todos sabiam o que quereriam dizer-lhe, não faziam ideia de como dizê-lo. 

O Sandro, sempre despistado, parecia viver noutro mundo, sempre ruminando um cigarro de enrolar - quantas vezes apagado. Desleixado consigo mesmo, fazia a barba de quando em quando, para logo a deixar crescer - não por ato de vontade, mas por inércia ou desleixo. Mas o pior era o cheiro: quer ele quer o seu quarto empestavam todo o apartamento com um misto de suor e tabaco frios com roupa de cama usada semanas a fio, tudo agravado pela absoluta ausência de desodorizante.

Se o Sandro fosse um pulha, um inútil, um egoísta, seria fácil dizer-lhe cara a cara que deixasse de ser porco, ou que o queriam dali para fora. Mas não era assim. Excelente aluno - apesar de sempre distraído, parecia que sorvia o conhecimento do ar - era-lhe reconhecida a enorme disponibilidade - e mesmo entusiasmo - para explicar, a qualquer colega que lho pedisse, os pontos mais densos da matéria, e isto até que este de facto a apreendesse. Por tudo isto, e por muito mais, todos tinham o Sandro por um tipo às direitas a quem nenhum deles queria melindrar. Mas a "tal questão" tinha, forçosamente, que ser abordada.

As indiretas não pareciam fazer efeito: "Então, Sandro, que te aconteceu? Estás todo transpirado! Toma um duche, que te ficas a sentir melhor..." "Deixa estar, estou a apanhar aqui um ventinho à janela e já seca..." Chegaram a fazer um "regulamento" do apartamento, referindo que os quartos tinham que estar limpos; o Sandro apanhou as coisas que tinha espalhadas pelo chão, enfiou tudo dentro do guarda-fatos - sapatos, roupa suja, livros, enfim... - aspirou sumariamente, despejou os cinzeiros, e apareceu, todo sorridente, a dizer que do quarto dele não havia nada a apontar! Foi depois disto que se reuniram os três, sem saber o que fazer ou o que dizer, e acabaram por ficar de pensar como abordar o assunto.

O Chico lá ganhou coragem e, apanhando-se sozinho com o Sandro, foi direto à questão: que  o odor do quarto dele incomodava todos os restantes ocupantes do apartamento, e que para resolver o problema ele precisava de passar a lavar a roupa com mais regularidade, bem como de tomar banho e usar desodorizante diariamente. O Sandro ficou branco; nunca se apercebera de nada. Pouco habituado a gerir essas questões - em casa dos pais era sempre a mãe quem tratava da roupa e o mandava tomar banho quando entendia que estava a precisar - não se apercebia, sequer, do próprio odor corporal. "Eu... eu não costumo usar desodorizante... e no banho passo-me só por água e uso um pouco de sabonete... e não tenho roupa suficiente para estar a usar roupa limpa todos os dias... nem tenho onde a lavar cá... só quando vou a casa, e muitos fins de semana tenho que ficar cá..."

Foi a vez do Chico ficar atrapalhado, mas por pouco tempo. Prometendo manter a questão entre os dois, colocou à disposição do Sandro o seu champô e uma lata de desodorizante, emprestou-lhe toalhas lavadas e uma muda de roupa, passou a levar para casa dos seus próprios pais a roupa do Sandro sempre que este não podia ir a casa dos seus. Além disso, assim como quem não quer a coisa, foi-lhe deixando de uma vez umas cuecas ("ficam-me apertadas mas na loja não aceitam trocas de roupa interior"), de outra umas camisolas interiores ("a minha avó mandou-me tantas que não me cabem na gaveta") e ia zelando por que nunca faltassem os produtos de higiene pessoal.

A vergonha inicial (de um e de outro...) fora difícil de superar mas, tendo tomado consciência do problema, o Sandro endereçou-o o melhor que sabia. O quarto - se bem que desarrumado - já não cheirava a nada de diferente dos restantes, pois até passara a fumar na varanda. Fez algumas economias, e comprou roupa em quantidade suficiente para que nunca lhe faltasse uma muda de roupa limpa, e deixou de precisar de recorrer à boa vontade do amigo. Ao fim de umas semanas parecia outra pessoa, para grande estupefação dos outros dois, que não perceberam de onde tinha vindo a mudança. O Chico, satisfeito com os resultados, nunca mais tocou no assunto, e o Sandro ficou-lhe para sempre reconhecido - por isso, e por todo o resto.

//

Não há homens perfeitos, e os que se esforçam por ser melhores e se aperfeiçoar só conseguem fazê-lo sozinhos até certo ponto. É certo que o caminho é o de cada um, e o paradigma de perfeição aquele que cada um tenha estipulado para si mesmo. Cada homem é senhor do seu destino, pelo que não é legítimo que um imponha a outro os seus próprios padrões de perfeição interior. Isso não significa, contudo, que não haja mérito na interação com os demais. Pelo contrário. É que, se há limitação que nos caracteriza a esse nível,  é a impossibilidade de nos vermos a nós mesmos como os outros nos vêem; incapazes de apreciar, quantas vezes, os nossos próprios defeitos, não nos apercebemos da sua natureza, da sua dimensão, ou até da sua mera existência.

Poder contar com alguém que, fraternalmente, no-los faça notar - especialmente quando se trate de questões íntimas, melindrosas, ou de difícil abordagem - é, nestas circunstâncias, de enorme valia. Ter a certeza de que essa ajuda é desinteressada, construtiva e bem intencionada é essencial para que seja tida na devida conta. E é assim entre os maçons: cada um procurando tornar-se melhor sabendo que esse aperfeiçoamento é um trabalho individual cujos parâmetros cabe a cada um definir, mas ao mesmo tempo disponível para ajudar os irmãos e para aceitar a sua ajuda naquilo que não é capaz de atingir por si mesmo.

Já a sabedoria para discernir em que circunstâncias se deve oferecer a mão, e em que circunstâncias se deve guardar silêncio em respeito por uma opção diferente da nossa, é algo que só se vai aprendendo com o passar do tempo...

Paulo M.

11 dezembro 2011

Especular - o trabalho maçónico


Nascemos rodeados de atenções, crescemos no centro da nossa família nuclear, e muitos de nós passam pela vida sem nunca quebrar essa ilusão de importância, sem nunca se aperceber da nossa pequenez, da nossa insignificância, do nada que somos em face do que nos rodeia. A este respeito, chamo a vossa atenção para este vídeo sobre o universo conhecido.

E agora (e porque, em maçonaria, tudo se aprende e nada se ensina), apesar de hoje poder, a este respeito, escrever muito, nada mais escreverei sobre o assunto. Poderia fazê-lo, mas não o farei. Vou, em vez disso, ficar-me pelo que já fiz: indicar um tema, fornecer alguma substância e um ponto de partida, e deixar que cada um congemine as suas próprias suposições, teça as suas próprias ideias, e chegue às suas próprias conclusões - esperando que isso o enriqueça, o melhore e o aperfeiçoe.

Poderemos, depois, quem sabe, partilhar algo daquilo que atingimos. Ou não. Podemos eventualmente interiorizar algo de importante para a nossa vida. Ou podemos relegar o tema para a categoria dos fait divers a que recorrer num momento de falta de conversa. Cada um é livre de estabelecer a sua própria interpretação. Umas oportunidades surgem; outras fazem-se; mas ninguém é obrigado a delas tirar partido. Por isso se diz que tudo se aprende - e nada se ensina. Assim se faz, e se aprende a fazer, numa loja maçónica.

Paulo M.

10 setembro 2010

Simplicidade, lógica, razão e o comportamento humano


O mundo que nos rodeia é cada vez mais complexo. Dos telemóveis aos automóveis, dos despertadores aos computadores, dos estacionamentos aos aquecimentos, tudo nos impõe mais conceitos, mais técnicas, mais botões. O lamento pela perda da simplicidade de outrora é constante. Então, num mundo dominado por máquinas de lavar cheias de botões, luzinhas e manípulos, um conhecido fabricante de máquinas de lavar roupa desenvolve um projeto revolucionário: uma máquina que pesa a roupa, da qual determina o grau de sujidade, através dos quais doseia automaticamente a quantidade de detergente e escolhe o mais eficiente programa de lavagem.

Cúmulo da simplificação, a máquina é apresentada pelo Departamento de Engenharia com apenas dois controlos: um botão de ligar/desligar, e a escolha entre "roupa de cor ou muito suja" e "roupa de limpeza fácil"; o resto do programa é determinado pelo próprio aparelho, que dispõe de um automatismo tal que, com toda a simplicidade, parcimónia e racionalidade, reduz ao mínimo os gastos de água, detergente, tempo e energia. Contudo, esta máquina acaba por ser apresentada ao público com uma profusa quantidade de controlos adicionais, impostos pelo resultado de estudos feitos pelo Departamento de Marketing!

Pois é. Todo o racionalismo na conceção, toda a simplificação do uso, toda a sofisticação do funcionamento, esbarraram em dois factores de peso. Por um lado, a perceção por parte do consumidor, quando compara as máquinas em exposição à procura da que vai adquirir, de que quanto mais funcionalidades a máquina tiver, melhor é - e que as funcionalidades têm, forçosamente, que se traduzir em mais comandos e botões. Por outro lado, um sentimento primário absolutamente contrário aos clamores por mecanismos mais simples, e que pode ser traduzido por algo como "mas queres uma máquina que mande em ti, ou vais tu mandar na máquina?" e que deita por terra os automatismos mais argutamente desenvolvidos.

A razão é um valor que a Maçonaria muito preza. Contudo, a mente humana não paira no éter: reside no cérebro, que por sua vez está agarrado ao resto desta coisa a que chamamos corpo. E mesmo a mente humana não é, como podemos ver, um bastião de razão pura. Por isso a Maçonaria insiste na tolerância, no equilíbrio e na diversificação dos saberes enquanto medidas conducentes à harmonia entre corpo e espírito, à aceitação das diferenças, e à interiorização de que, no fundo, somos frágeis, falíveis e imperfeitos - primeiro passo para pretendermos tornar-nos melhores.

Paulo M.

Para quem tenha curiosidade quanto à história rerferida:
http://www.jnd.org/dn.mss/simplicity_is_highly.html
http://www.joelonsoftware.com/items/2006/12/09.html

26 novembro 2008

O porquê do Acordo Ortográfico no blogue

Termino com este texto, ao menos por ora, uma longa série de textos dedicados ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Faço-o em jeito de balanço e de justificação. Sei - nunca disso duvidei! - que alguns (muitos? todos?) dos habituais visitantes deste blogue algumas das vezes, se não em todas, em que depararam com textos sobre o dito Acordo Ortográfico tiveram alguns pensamentos de impaciência: este blogue é essencialmente dedicado a desenvolver o tema da maçonaria, que cabimento tem estar aqui a divulgar e comentar esta coisa do Acordo Ortográfico? Pelo menos um obreiro da Loja Mestre Affonso Domingues manifestou-me essa impaciência, esse desencanto, a sua discordância.

Bem ciente estava do risco que corria. Além do mais, o tema é árido. E dedicar mais de duas dezenas de textos a esse árido tema foi, talvez, abusar da paciência de quem se habituou a visitar este blogue. Foram três meses, de setembro a novembro, em que, em todas as semanas, havia um texto sobre esta "seca", algumas semanas dois. Garanto-vos: também para mim o tema Acordo Ortográfico não é nada apelativo... Se vos serve de consolo, foi tão secante preparar e publicar os textos como lê-los (ou passar por cima deles sem os ler...).

Mas quem pensou que divulgar, comentar, publicar, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 não tem nada a ver com Maçonaria, pense outra vez e pense melhor!

Maçonaria não é só tratar de coisas espirituais. Maçonaria não é só lidar obscuramente com uma linguagem simbólica como meio de extrair, absorver, princípios éticos, desenvolvimentos morais, lustre espiritual. Maçonaria é, antes de tudo, acima de tudo, contra tudo, o APERFEIÇOAMENTO DO HOMEM. Em todas as suas vertentes. O Homem inteiro não é só espírito, como não é só matéria. É ambos. A Maçonaria não se destina a anular, destruir, a parte material, animal, comezinha, do Homem. Esta é tão inerente a nós como as mais nobres caraterísticas do nosso espírito. A maçonaria ajuda o Homem a dominar as suas paixões. Não a destruí-las, não a anulá-las. Isso não seria humano, não seria natural. E as regras da Natureza são as que são, assim foram instituídas pelo Criador, grossa prosápia seria presumir que se pode alterá-las!

A Maçonaria, na sua forma e prática atuais, conformou-se no século XVIII, a partir dos princípios do Iluminismo. Não postula que o maçon se esgote em esotéricos pensamentos sobre os mais recônditos resquícios do seu espírito e os mais etéreos níveis a que desejará elevá-los. Isso também - com conta, peso e medida - tem lugar, mas a Maçonaria é essencialmente um método de aperfeiçoamento do Homem Inteiro. E uma das formas por que se manifesta esse propósito é pela aquisição e aprofundamento de conhecimentos. A ideia não é fazer de brutos incultos e ignorantes especialistas em espiritualidades etéreas. A ideia é precisamente mostrar, praticar, que a Ciência e a Espiritualidade não são opostas, mas complementares. O maçon deve trabalhar no seu aperfeiçoamento moral e espiritual, mas simultaneamente deve também melhorar, elevar-se, aprender, na vertente do conhecimento das Artes e das Ciências.

Também para o maçon - diria que principalmente para o maçon! - o saber não ocupa lugar. Mais: é pelo hábito de saber, de estudar, de aprender, que o maçon também se aperfeiçoa, cresce, é mais homem e, sendo-o, se aproxima do ideal digno da sua natureza.

Uma das tarefas que se pede aos maçons é que produzam trabalhos e os apresentem aos seus irmãos. Para que aprendam e ensinem. E, todos juntos, um pouco todos melhorem. Esses trabalhos não devem ser apenas sobre simbologia, espiritualidade, etéreos temas. Devem ser também sobre conhecimento, puro e simples, puro e duro. Cultura geral. Divulgação. Estudo. Saber. Porque o maçon cultiva-se, também como forma de se aperfeiçoar. De resto, um período específico da formação do maçon é dedicado ao estudo de si próprio, das Artes e das Ciências.

Imaginemos um homem que se dedicava a exercitar, a muscular, a desenvolver, apenas o braço direito. Possivelmente lograria vir a ter um desenvolvidíssimo bíceps direito, um forte antebraço direito, uma mãozorra direita, tudo amplamente desenvolvido. Mas continuaria a ser um lingrinhas atrofiado no braço esquerdo e no resto do seu corpo... Melhoraria? Estaria mais perfeito? Não! Pelo contrário, estaria desequilibrado e com um aspeto antinatural. Seria pior a emenda que o soneto. Porque não se teria cuidado do desenvolvimento, do exercício, da melhoria HARMONIOSA de todo o corpo e ter-se-ia, ao contrário, criado uma aberração, um lingrinhas sobremusculado num, e só num, braço...

A mesma coisa sucederia se o maçon apenas cuidasse do seu espírito, dos seus princípios morais, das suas crenças religiosas, descurando a manutenção e aperfeiçoamento dos conhecimentos científicos e sociais. Seria melhor? Estaria mais perfeito? Não! Seria apenas um bruto ignorante armado em beato...

A Sociedade moderna, pelas suas exigências, pela sua competitividade, dá muita atenção à aquisição de conhecimentos técnicos e científicos. Daí que seja natural que os maçons alertem para a necessidade de contrabalançar com o cuidado com os valores morais e espirituais, para que o desenvolvimento do homem seja harmonioso, total, equilibrado. Mas, quando o maçon depara com tema ou assunto que desconhece, ou conhece mal, pode e deve buscar melhorar o seu conhecimento sobre ele e partilhá-lo com seus irmãos.

Não se pede que os maçons sejam especialistas de tudo. Aliás, a ideia não é que um maçon, quando elabora e apresenta trabalhos em Loja, debite amplos, extensos, profundos conhecimentos especializados. A loja maçónica não é propriamente o local adequado para se debater as dificuldades técnicas da escolha, combinação e aproveitamento dos combustíveis adequados à propulsão de nave interplanetária, tendo em conta as necessidades de aprovisionamento, velocidade pura prolongada e manobrabilidade da nave propulsada... A ideia é o maçon dedicar-se a estudar algo que não saiba, ou não saiba convenientemente, e com isso aprenda algo e partilhe o que aprendeu com os demais. Também!

E não se estudam só temas agradáveis. Os áridos também estão diante de nós para que também sobe eles aprendamos um pouco.

Por isso entendi que era útil estudar o que era o Acordo Ortográfico, as mudanças que trazia, como se devia passar a escrever. E decidi partilhá-lo com todos os que por este blogue passam. Em conjunto e em simultâneo com as minhas habituais considerações sobre temas mais estritamente (tradicionalmente?) maçónicos. No fundo, como diz o Povo, nem sempre sardinha, nem sempre galinha...

Ou seja, quero eu dizer cá no meu estilo arrevesado que aprender e divulgar como se deve corretamente escrever é tão maçónico, tão útil, tão indispensável, para a prossecução do objetivo de aperfeiçoamento buscado pelo maçon como perorar, especular, sobre o mais profundo tema esotérico. Por isso decidi assumir o risco de vos enfastiar com a publicação de 21 Bases mediocremente comentadas e mais uma resenha das principais alterações resultantes do Acordo Ortográfico.

O que não quer dizer que não seja com algum alívio que ponha ponto final no assunto...

Rui Bandeira

09 julho 2008

Com que então a fazer caixinha!

O Companheiro Maçon do Estado de São Paulo a que aludi no último texto, também escreveu na sua mensagem de correio electrónico:

Sou leitor assíduo de seu blog. Como Companheiro Maçom, às vezes sou criticado pelos Mestres de minha Loja por sugerir alguns temas que, diante de suas visões, fogem ao meu grau. Entretanto, desconhecem a fonte de minhas pesquisas: o blog do Ir.´. Rui Bandeira, de Portugal.

Vamos lá por partes: ser leitor assíduo deste blogue é algo que me agrada. Recomendo. Acho que faz bem ao espírito. E, porque diminui o stresse, também acaba por fazer bem ao corpo e à saúde. É só vantagens! Por aqui estamos de acordo!

Um pequeno desacordo existe quando o Irmão Companheiro escreve que a fonte de suas pesquisas é "o blog do Ir.'. Rui Bandeira, de Portugal. Aqui, como sou cordato, acho que o meu correspondente acerta em 50 %: o blogue é de Portugal e escrito por maçons de Portugal. Mas no mais tenho que corrigir o Irmão: o blogue não é do Irmão Rui Bandeira. É dos maçons da Loja Mestre Affonso Domingues. Rui Bandeira é apenas um deles. Faça o Irmão Companheiro o favor de dirigir seus olhos para a frase que está logo abaixo do título do blogue: Blogue escrito por maçons da Loja Mestre Affonso Domingues. É isso que ele é. Não do Rui Bandeira.

O Rui Bandeira tem sido o elemento que mais textos tem escrito, é verdade. Mas não é o único a escrever e não é, não quer ser, o dono do blogue. Pelo contrário, espera que o blogue continue quando ele já não estiver em condições de nele escrever. Se tiver continuidade, se passar de geração em geração de maçons da Loja Mestre Affonso Domingues, como os princípios maçónicos passam de geração em geração de maçons desde há muitos e muitos anos, terá sido uma boa ideia iniciá-lo. E, se assim for, altura chegará em que os textos escritos por Rui Bandeira serão uma minoria esquecida no arquivo do blogue, eventualmente um ou outro lido aqui e ali, pelo acaso de aleatória busca num motor de busca, quiçá com a mesma curiosidade e bonomia com que acolhemos uma velharia testemunho de época passada...

Um blogue escrito pelo Rui Bandeira seria algo de efémero. Um blogue escrito pelos maçons da Loja Mestre Affonso Domingues tem as sementes da perenidade, que é grandiosa.

É certo que nestes dois anos o mais frequente autor de textos do blogue é Rui Bandeira. Mas isso não quer dizer que o blogue seja do Rui Bandeira. Isso apenas prova que é verdade o que aqui no blogue apregoamos: a Maçonaria é um meio e um método de aperfeiçoamento. Só procura aperfeiçoar-se quem tem defeitos. E muitos dos maçons da Loja Mestre Affonso Domingues estão ainda bravamente lutando contra o defeito da Preguiça! Mas eu não desespero: os meus Irmãos certamente obterão êxito na sua tarefa de aperfeiçoamento e acabarão por vencer esse defeito. E então teremos muitos mais textos de muito mais gente aqui no blogue. E então ver-se-á como é redutor considerar este blogue como o blogue do Rui Bandeira. Porque então se verá como há na Loja Mestre Affonso Domingues gente com muito melhor qualidade do que o Rui Bandeira. Até lá, portanto, o Rui Bandeira vai praticando o seu defeito de estimação: a obstinação!

Há um prazo de validade para uma pessoa manter um projecto com qualidade. Espero que, antes de eu esgotar o meu prazo de validade, este blogue já esteja a ser pensado e administrado por outrem, que tomará o testemunho e o levará mais além, até o passar a outros, que o passarão a outros. e assim porventura se fará deste blogue algo com alguma valia. Se há algo que os maçons demonstraram ter entendido, é que a continuidade e a persistência ao longo do tempo geram a qualidade. Dois anos? Não é nada! Será alguma coisa se, daqui a vinte anos, eu ainda por aqui estiver e puder ler textos no A Partir Pedra. Terá realmente algum significado porventura com um interesse relevante, se, daqui a duzentos anos, os meus trinetos e tetranetos continuarem a ler - e, quem sabe, a escrever... - textos no A Partir Pedra.

Portanto, caro Irmão Companheiro do Estado de São Paulo, não diminua involuntariamente o significado deste blogue, crendo que ele é o blogue do Irmão Rui Bandeira. Espero que seja muito mais do que isso. Assim os maçons, actuais e futuros, da Loja Mestre Affonso Domingues o queiram!

Mas agradeço-lhe a gentileza!

Agora, caríssimo Irmão Companheiro, onde eu tenho de virar para um arremedo de português do Brasil e lhe dar uma baita bronca é quanto àquela parte de sua mensagem em que - lembro para você não esquecer - você escreveu que os Mestres de sua Loja
"Entretanto, desconhecem a fonte de minhas pesquisas"!!!!

Que é lá isso, meu Irmão? Valha-nos Nossa Senhora de Aparecida, que eu parece que não tou lendo bem! Então o Irmão tá fazendo caixinha? Tá guardando segredo? Tá aproveitando no bem bom o que vai lendo por aqui e guarda tudo pra você? Que é então do sentimento fraternal de partilha com seus Irmãos? O meu Irmão, se leu e gostou, se acha que é bom, tem a obrigação de partilhar com seus Irmãos! Tá guardando tudo pra você, é?

Meu Irmão Companheiro do Estado de São Paulo: sua tarefa de aperfeiçoamento é aprender e praticar a partilha do que acha bom com seus Irmãos. Prove-me que está melhorando, se aperfeiçoando. Mostre a todos seus Irmãos, Mestres, Companheiros e Aprendizes a fonte de suas pesquisas! Dê a eles o endereço do A Partir Pedra! Olha que eu vou saber, viu? Tou esperando um aumento súbito de visitas ao blog... Quando é mesmo a próxima reunião de sua Loja? Na semana seguinte eu vou tar de olho, viu?

Fazer caixinha? Onde já se viu? VirgeMaria! Vá correndo emendar seu erro. Além do mais, fica com a vantagem de os Mestres da Loja deixarem de dar bronca em você. Passam a dar em mim!!!

(Pausa para respirar, reassumir um ar formal e voltar a escrever português à moda de Portugal)

Meu Irmão Companheiro do Estado de São Paulo. Espero que não se tenha ofendido. Esta imitação de "bronca" foi brincadeira mesmo! Gostei muito e fiquei muito satisfeito quando recebi a sua mensagem e apeteceu-me brincar um pouco com ela. É assim! Só com os Irmãos é que se está à vontade para brincar, sabendo que eles se não vão zangar... Mas, agora a sério: se gosta do A Partir Pedra, não acha mesmo que deverá informar seus Irmãos da sua existência, para eles poderem também usufruir?

Entretanto, espero que o texto sobre a Escada em caracol lhe seja útil. Mande-me depois o seu trabalho. Vou gostar de ler! Um abraço e disponha sempre do

Rui Bandeira

02 abril 2008

As pequenas iniciativas

Li na edição electrónica do jornal Diário da Serra, de Tangará da Serra, Mato Grosso, Brasil o seguinte apontamento, escrito pela jornalista Lucélia Andrade e publicado ontem:

A Loja Maçônica Estrela de Tangará em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-MT), iniciou ontem um curso de processamento de carne de frango. O curso que está sendo realizado gratuitamente, na sede da maçonaria, terá a duração de cinco dias. Ele é voltado para diferentes profissionais que tem como propósito repassar o que aprenderem para demais pessoas. Segundo uma das responsáveis pela organização do curso, Lourdes Garcia Carvalho, a solicitação foi feita pela Maçonaria ao Senar, que aceitou o pedido e está ministrando todos os cuidados necessários para o preparo da ave. Durante o curso, as alunas irão aprender todo o processo de manuseio da ave, incluindo abate, cuidados com a higiene, cortes, desossagem, descongelamento, além de receitas. Hoje no período da manhã e tarde as alunas estarão iniciando o processo prático.

Este é um bom exemplo de integração da maçonaria com a comunidade. Mais: de prestação de serviço à comunidade, de serviço que esta precisa e que lhe é útil.

Este é um bom exemplo de que não é necessário - porventura, em muitos casos, nem sequer será conveniente... - imaginar grandes projectos, fabulosas organizações, paradigmáticas iniciativas, para uma Loja maçónica ser útil ao meio em que se insere. Os grandes projectos, as fabulosas organizações, as paradigmáticas iniciativas porventura captarão benevolentes aplausos e educados encómios. Mas quantas vezes não são apenas montras de vãs vaidades? Quantas vezes não servem mais o enchimento dos egos dos seus autores do que as comunidades a que supostamente se dirigem? E quantos grandiosos projectos, brilhantes organizações, fantásticas iniciativas não passam da imaginação dos seus autores, de conversas sem real significado, precisamente por serem demasiado grandes, demasiado caros, demasiado complexos, para as possibilidades de quem com eles sonha? E potencialmente preparam-se extraordinárias iniciativas, mas realmente faz-se... nada!

Ao contrário do que, por vezes, alguns parecem pensar, a verdadeira História não se faz de gestos heróicos e extraordinários. Faz-se com o labor diário, o esforço aplicado, de muitos desconhecidos, que efectivamente constroem, fabricam, criam. A História dos notáveis é apenas uma montra que distrai os que se limitam a olhar para as aparências da moda do momento e não vão verificar a efectiva qualidade dos artigos. Mas a Humanidade evolui, cresce, desenvolve-se, mediante milhares e milhões de pequenos gestos, milhares e milhões de anónimas contribuições, milhares e milhões de vivências e esforços diariamente assegurados.

A Maçonaria tem significado verdadeiro, não nos
confortáveis salões dos abastados deste mundo, mas no que pode acrescentar - a todos e a cada um, do mais rico ao mais pobre, do mais ilustrado ao analfabeto, do celebrado ao pária. A Maçonaria é um processo de aperfeiçoamento individual, mediante a integração num grupo, destinado a contribuir para o aperfeiçoamento da sociedade. E este ocorre, muitas vezes - talvez quase sempre... -, não por celebrados e alegadamente importantes actos, sob os holofotes das televisões e os elogios dos fazedores de opinião, mas em pequenos actos, singelos gestos, minúsculas contribuições que, pelos seus propósitos, pela repetição, pela adequação às pequenas necessidades (que, por serem pequenas e discretas, não devem deixar de ser satisfeitas) efectivamente existentes na sociedade, acabam por significar e valer muito mais do que os tais grandiosos, mediáticos, mas esporádicos, empreendimentos.

Não há grandes nem pequenas causas. Os esforços, as organizações, os projectos valem pela efectiva utilidade, pelas reais ajudas que proporcionam, não pelos brilhos das lantejoulas ou a perfeição dos fatos de cerimónia usados pelas ditas famosas e ditos famosos que "abrilhantam" com a sua presença langorosas iniciativas "sociais" de grande visibilidade, duvidosas intenções e reduzida utilidade.

Maçonaria é a Loja Estrela de Tangará co-organizar um curso de processamento de carne de frango, que será bem mais útil ao meio em que se insere e às pessoas que o frequentam do que mil brilhantes discursos em opulentas cerimónias. As minhas homenagens aos Irmãos da Respeitável Loja Estrela de Tangará pela iniciativa. Que a repitam. Que organizem outras, não importa quão simples, não interessa se modestas, desde que efectivamente úteis para o meio social em que se inserem. E que o exemplo destes Irmãos frutifique. Muitos poucos fazem muito. Se cada Loja maçónica efectuar uma - apenas uma! - iniciativa, modesta, mas útil para o meio em que se insere, por ano, teremos centenas de milhares de pequenos passos dados pela Humanidade em cada ano. E assim é que se avança. Um passo de cada vez. E assim é que se faz a diferença. Assim se é maçon!

Rui Bandeira

04 dezembro 2007

Moto contínuo

(...) oh Rui, não tem defeitos com mais necessidade de empenho e melhoramento do que a escrita?! (...)

(Simple Aureole, em comentário ao texto Reflexão.)

O maçon busca o seu aperfeiçoamento em todos os aspectos da sua vida e do seu comportamento. O seu trabalho, nesse sentido, deve ocorrer em todos os momentos, em relação a todas as actividades, relativamente a todas as suas características.

O que se faz em cada momento deve procurar-se fazer sempre bem feito, cada vez mais bem feito. A necessidade de análise do que foi feito para ver onde e como se pode fazer melhor não deve ocorrer em espírito de crítica ao passado, às opções tomadas, às acções realizadas. Deve, antes, processar-se como meio e rampa de lançamento para melhorar o que se está fazendo e o que se irá fazer.

Por isso, o maçon acaba por tender a ser um optimista. Porque não se abate com os erros passados, antes os usa como alavancas para as melhorias futuras. Se fizer bem o seu trabalho, só pode melhorar...

Nunca é só num campo, num aspecto, que o homem precisa de se aperfeiçoar. É em todos, é em tudo. Porque o homem é uma integralidade complexa, cujo comportamento, cuja acção, decorrem de mil detalhes.

Assim, à interrogação do Simple Aureole, a única resposta admissível é, sem hesitação, que sim. Mas impõe-se acrescentar que, no momento em que me dedico à escrita, é a escrita que procuro melhorar. Naquele momento, é a prioridade absoluta porque esse é o momento que é, isso é o que se faz e o que se faz deve fazer-se sempre com total dedicação, se se quiser fazer bem feito.

Quando outras coisas se fazem, outras coisas devem beneficiar da dedicação absoluta, outras coisas são objecto da procura da melhoria, do anseio da aproximação da perfeição.

Só assim o homem se pode desenvolver equilibradamente - dando o melhor de si em relação a tudo e procurando que esse melhor se aproxime cada vez mais da excelência.

E não se pense que esta postura é impossível de manter, por cansativa. Quando o homem descansa, também então deve procurar fazê-lo cada vez melhor, obter o repouso que lhe carregue as baterias para novo ciclo de trabalho. Quando se diverte, deve procurar divertir-se plenamente - ou então, não estará, pura e simplesmente, a divertir-se.

A tudo isto, em vez de aperfeiçoamento, podia muito bem chamar-se, simplesmente, viver.

Porque, bem vistas as coisas, viver é muito mais do que simplesmente existir, assistir á sucessão dos dias e das noites. Viver é crescer. Por fora, primeiro, por dentro, sempre. Viver é descobrir e praticar e aproveitar o sentido da Vida. Viver é tentar. Viver é errar e remediar o erro. Viver é melhorar.

É da natureza humana procurar ir sempre mais além. Quem disso desiste, ou está doente, ou se resignou a simplesmente vegetar, cedeu à sua animalidade e sufocou o seu espírito. Esse já não almoça, limita-se a comer a sua ração... Esse já não regressa a casa, limita-se a abrigar-se. Esse já não vive, limita-se a aguardar pela morte.

É por isso que, mesmo tendo muitas mais coisas, muitas mais características, para aperfeiçoar, também não prescindo de procurar aperfeiçoar a minha escrita - se o consigo, ou não, essa já é outra história... Entre a busca do aperfeiçoamento e o sucesso nessa demanda há muito caminho a percorrer...

E esse percurso é muito mais fácil quando nos ajudam a pensar, a questionar, a analisar, como sucedeu com o comentário do Simple Aureole. O meu muito obrigado!

Rui Bandeira