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30 junho 2010

19 horas: Grémio Literário; até lá: Eça




















Já na semana passada deixei o anúncio: hoje, pelas 19 horas, no Grémio Literário, Rua Ivens, n.º 37, Lisboa, vai ter lugar o lançamento do livro Loja Mestre Affonso Domingues - 20 anos de História. Será feita a apresentação e leitura de alguns excertos do livro, o mesmo será vendido a 12 euros o volume (a partir de amanhã, 14 euros) e haverá sessão de autógrafos. Todos, maçons ou profanos, estão convidados.

Mas reparo que ultimamente tenho enchido o espaço deste blogue com o livro. Temo que os habituais frequentadores deste espaço estejam a ficar fartos. Decidi, pois, compensá-los. A minha associação de ideias é simples: livro, Grémio Literário, literatura, Eça. Para compensar os nossos amigos de tanta referência ao nosso escrevinhamento, nada melhor do que um pouco da arte de um sublime escritor, o meu preferido, o grande José Maria Eça de Queiroz.

Apreciem então este excerto do conto Civilização (que, mais tarde Eça desenvolveria em A Cidade e as Serras):

Assim jantámos deliciosamente sob os auspícios do Zé Brás. E depois voltámos para as alegrias únicas da casa, para as janelas desvidraçadas, a contemplar silenciosamente um sumptuoso céu de verão, tão cheio de estrelas que todo ele parecia uma densa poeirada de ouro vivo, suspensa, imóvel, por cima dos montes negros. Como eu observei ao meu Jacinto, na cidade nunca se olham os astros por causa dos candeeiros - que os ofuscam: e nunca se entra por isso numa completa comunhão com o universo. O homem nas capitais pertence à sua casa, ou, se o impelem fortes tendências de sociabilidade, ao seu bairro. Tudo o isola e o separa da restante Natureza - os prédios obstrutores de seis andares, a fumaça das chaminés, o rolar moroso e grosso dos ónibus, a trama encarceradora da vida urbana... Mas que diferença, num cimo de monte, como Torges! Aí todas essas belas estrelas olham para nós de perto, rebrilhando, à maneira de olhos conscientes, umas fixamente, com sublime indiferença, outras ansiosamente, com uma luz que palpita, uma luz que chama, como se tentassem revelar os seus segredos ou compreender os nossos... E é impossível não sentir uma solidariedade perfeita entre esses imensos mundos e os nossos pobres corpos. Todos são obra da mesma vontade. Todos vivem da ação dessa vontade imanente. Todos, portanto, desde os Úranos até aos Jacintos, constituem modos diversos de um ser único, e através das suas transformações somam na mesma unidade. Não há ideia mais consoladora do que esta - que eu, e tu, e aquele monte, e o Sol que, agora, se esconde são moléculas do mesmo Todo, governadas pela mesma Lei, rolando para o mesmo Fim. Desde logo se somem as responsabilidades torturantes do individualismo. Que somos nós? Formas sem força, que uma Força impele. E há um descanso delicioso nesta certeza, mesmo fugitiva, de que se é o grão de pó irresponsável e passivo que vai levado no grande vento, ou a gota perdida na torrente! Jacinto concordava, sumido na sombra. Nem ele nem eu sabíamos os nomes desses astros admiráveis. Eu, por causa da maciça e indesbastável ignorância de bacharel, com que saí do ventre de Coimbra, minha mãe espiritual. Jacinto, porque na sua ponderosa biblioteca tinha trezentos e dezoito tratados sobre astronomia! Mas que nos importava, de resto, que aquele astro além se chamasse Sírio e aquele outro Aldebarã? Que lhes importava a eles que um de nós fosse José e o outro Jacinto? Éramos formas transitórias do mesmo ser eterno e em nós havia o mesmo Deus. E se eles também assim o compreendiam, estávamos ali, nós à janela num casarão serrano, eles no seu maravilhoso infinito, perfazendo um ato sacrossanto, um perfeito ato de Graça - que era sentir conscientemente a nossa unidade, e realizar, durante um instante, na consciência, a nossa divinização.

Que maravilha! Há tempos, num diálogo com um nosso leitor e comentador assíduo, perguntava-me ele como concebia eu Deus e eu manifestei-lhe a minha impotência para o fazer. Pois bem, o grande Eça fê-lo com esta beleza toda!

Rui Bandeira