28 novembro 2016

Valores maçónicos (I)


Uma forma de determinarmos quais são os Valores maçónicos é verificar quais são os que encontramos referidos nos textos constitutivos e nos textos essenciais da Maçonaria.

Nas Constituições de Anderson de 1723, encontramos a compilação dos Ancient Charges, os Antigos Deveres. Lendo-a, deparamos com um significativo conjunto de Valores, que integram o cerne do que podemos considerar como a ideologia maçónica.

O primeiro capítulo dos Antigos Deveres trata de Deus e da Religião e nele pode ler-se:

Um Maçom é obrigado, pela sua condição, a obedecer à lei moral. E, se compreende corretamente a Arte, nunca será um ateu estúpido nem um libertino irreligioso. Mas, embora, nos tempos antigos, os maçons fossem obrigados, em cada país, a ser da religião desse país ou nação, qualquer que ela fosse, julga-se agora mais adequado obrigá-los apenas àquela religião na qual todos os homens concordam, deixando a cada um as suas convicções próprias: isto é, a serem homens bons e leais ou homens honrados e honestos, quaisquer que sejam as denominações ou crenças que os possam distinguir. Por consequência, a Maçonaria converte-se no Centro de União e no meio de conciliar uma amizade verdadeira entre pessoas que poderiam permanecer sempre distanciadas.

Deste texto resulta que um primeiro Valor a ser respeitado é o da Crença num Princípio Criador.

O Antigo Dever é claro ao estipular que um maçom nunca será um “ateu estúpido”, mas também que está apenas obrigado “àquela religião na qual todos os homens concordam, deixando a cada um as suas convicções próprias”.

Daqui resulta um segundo Valor a ser respeitado: a Liberdade de Crença Religiosa.

Um maçom deve ser crente, mas a natureza e os termos da sua crença só a ele dizem respeito e ninguém tem nada com isso.

Da conjugação destes dois Valores resulta que a Maçonaria respeita e considera todas as religiões, todas admitindo e a nenhuma concedendo especial privilégio. Paradoxalmente - ou talvez nem por isso… - esta posição da Maçonaria enquanto instituição de nenhuma crença religiosa privilegiar ou condenar, deixando o juízo concreto sobre o tema a cada um dos seus elementos, criou um ponto de conflito com algumas hierarquias religiosas (Igreja Católica, várias Igrejas Evangélicas, várias tendências do Islão), porquanto colide com o cerne de várias religiões, assente na consideração de que a Salvação tem como pressuposto a crença segundo a sua particular religião.  

Mas este Valor da Liberdade de Crença Religiosa vai mais além do que a igual aceitação das várias religiões organizadas. Admite e aceita que cada um siga  a sua convicção própria, integrando-se esta ou não numa religião organizada. Admite-se assim que seja maçom o deísta, o panteísta e mesmo o budista (cuja crença não inclui um Deus, mas indubitavelmente assenta num Princípio Criador, ao qual eventualmente o ser logrará fundir-se, atingindo o Nirvana).

De fora ficam apenas os ateus e os agnósticos, aqueles rejeitando a existência de Divindade, estes não crendo nem deixando de crer.

Mas clamam muitos que a Liberdade de Crença Religiosa inclui a Liberdade de crer, mas também a de não crer, ou de não saber se deve crer ou não. É o caso daqueles que integram a dita maçonaria Irregular ou Liberal.

Este argumento permite alertar para uma distinção, que se afigura necessária, entre Valores Sociais e Valores Maçónicos. Os Valores Sociais são aqueles que devem ser prosseguidos e exigíveis na sociedade humana. Os Valores Maçónicos são mais exigentes do que estes, na vertente do seu prosseguimento pelos próprios maçons.

Não há dúvida de que, enquanto Valor Social, a Liberdade de Crença Religiosa compreende, a liberdade de crer ou descrer e nenhum cidadão pode ser prejudicado ou beneficiado em virtude de professar uma religião, seguir uma crença, ser agnóstico ou ateu. Mas o conceito de Valores Maçónicos implica a consideração dos preceitos ou princípios que os maçons seguem na sua própria ação. Assim sendo, o maçom respeita e considera o ateu e o agnóstico enquanto elementos sociais válidos que, e bem, usam a sua liberdade de pensamento e de escolha, quanto à orientação religiosa. Mas exigem de si próprios e a si próprios que acreditem no Criador, qualquer que seja a sua particular conceção Dele, sigam ou não os preceitos de uma religião organizada. Quem for agnóstico ou ateu, não há qualquer razão para não ser um válido elemento da sociedade, deve reconhecer-lhe o direito de o ser e de não ser, por qualquer forma, prejudicado pela sua maneira de pensar, é de pleno direito um elemento integrante da Sociedade, no uso do Valor Social da Liberdade de Crença Religiosa, tal como deve ser entendida na sociedade, mas não é maçom, porque esta qualidade pressupõe necessariamente a crença no Criador.

Devemos assim estar atentos a que uma expressão pode ter significados diferentes, consoante se aplique à sociedade em que nos inserimos ou se aplique à mais restrita comunidade dos maçons. Só assim, aliás, faz sentido qualificar o conceito de Valores com o adjetivo maçónicos. Se os Valores Maçónicos fossem integralmente coincidentes com os Valores Sociais, não era necessária a adjetivação: utilizava-se simplesmente a denominação de Valores. O que nos permite a conclusão de que os Valores Maçónicos são os preceitos morais que os maçons utilizam para orientar a sua própria atuação e que são ou coincidentes ou mais exigentes que os Valores em uso na Sociedade.

Um terceiro Valor ínsito neste capítulo é o da Bondade. O maçom deve determinar a sua conduta no sentido de fazer e espalhar o Bem, criar, na medida do que lhe for possível, a felicidade à sua volta. Tratar bem todos aqueles com quem interage, facilitar a vida ao próximo, e não dificultá-la, deve ser apanágio do maçom.

Um quarto Valor descortinável neste capítulo é o da Lealdade. Ser leal para com os seus Irmãos, os seus colegas ou superiores no trabalho, a sua família e amigos é um requisito obrigatório para um maçom. Quem é desleal não é digno da confiança alheia, não é uma pessoa de bons costumes.

Os quinto e sexto Valores que surpreendemos neste capítulo são a Honradez e a Honestidade. Não são conceitos sinónimos. Entre eles existe uma relação de género e espécie. Todo o homem honrado é, necessariamente, honesto, mas nem todos os homens honestos são honrados.

A Honestidade afere-se relativamente à postura quanto a bens materiais e relação interpessoal. O homem honesto quer para si, recebe e apropria-se daquilo a que tem direito e entrega aos outros aquilo a que eles direito têm. Não prejudica ninguém. Cumpre a sua palavra. Pratica a verdade e recusa a mentira. Mas não tem a obrigação de se prejudicar em prol de compromissos que não tenha assumido ou em situações que não são de sua responsabilidade.

O homem honrado também tem essa postura, mas vai mais além. Honra implica sentimento do dever, da dignidade e da justiça. O homem honrado cumpre o que considera ser seu dever, o que acha deve ser digno de si, o que acha justo, mesmo que não tenha obrigação disso, mesmo que não tenha assumido ou prometido agir dessa forma. Vai além da mera honestidade. Se necessário, prejudica-se em prol da dignidade, própria ou alheia, ou da justiça.

Rui Bandeira