22 setembro 2016

1717? 1721? Por enquanto, ainda 1717...


O tema começou a chamar a atenção quando o Irmão Chris Hodapp, no seu blogue Freemasosns for Dummies, informou que, na Conferência sobre a História da Maçonaria que a Loja Quatuor Coronati, n.º 2076, o Queen's College e a Universidade de Cambridge organizaram, dedicada ao 300.º aniversário da fundação da Primeira Grande Loja de Inglaterra, em 1717, o prestigiado historiador Andrew Prescott, professor da Universidade Glasgow (que, além do mais foi o fundador e Diretor, entre 2000 e 2007, do Centro de Investigação sobre a Maçonaria na Universidade de Sheffield) e a historiadora Susan Mitchell Sommers, professora de História do St. Vincent College, apresentaram uma comunicação na qual terão reportado a descoberta, na parte de trás de um dos Livros de Atas da Loja Antiguidade, n.º 2, uma ata referente à criação da Grande Loja de Londres e Westminster (a primeira Grande Loja) em 1721, na qual, designadamente se refere como Grão-Mestre fundador John Montagu, o 2.º Duque de Montagu.

Este documento porá em crise a versão, até agora indisputadamente aceite, relatada por James Anderson, na edição de 1738 das Constituições dos Maçons, de que a fundação da primeira Grande Loja ocorreu no dia de São João de 1717, sendo seu primeiro Grão-Mestre Anthony Sayer. Este documento também, similarmente, poria em crise que George Payne e John Teophilus Desaguliers tivessem antecedido no ofício de Grão-Mestre, entre 1717 e 1721, Lord Montagu.

A Loja Antiguidade, n.º 2, é tida como sucessora da Loja que reunia na taverna The Goose and the Giridon, uma das quatro Lojas fundadoras da Primeira Grande Loja.

Na edição n.º 2176 do JB News, o Irmão Kennyo Ismail retoma o tema, sob o título O embuste da fundação da Grande Loja Unida de Inglaterra, repetindo a informação de Chris Hodapp e afirmando que sempre duvidara do acerto da data de 1717, por falta de "um documento com registro público da época, ou mesmo uma notícia reproduzida em um dos jornais londrinos".

Com todo o respeito pelo entendimento do Irmão Kennyo Ismail - de cujas posições raramente discordo -, este seu argumento não é válido, pela simples razão de que também se aplica a 1721... Com efeito, também nenhum registo público ou notícia de jornal existe sobre a fundação da Primeira Grande Loja em 1721... 

Não quero com isto dizer que a descoberta da ata relatada por Prescott e Sommers não venha a conduzir a uma revisão da data até agora aceite como sendo a da fundação da Primeira Grande Loja. A História faz-se em função de documentos e não se pode nem deve ignorar um novo documento descoberto.

Mas, se estou perfeitamente disponível para a revisão da data da referida fundação, acho que é ainda prematuro fazê-lo.

Não basta um relato de uma comunicação dando conta da descoberta de um documento. Aliás, essa comunicação ainda nem sequer está publicada: só será publicada em 2017, juntamente com as demais comunicações da Conferência.

Temos primeiro que ler essa comunicação, para podermos verificar se o que os seus autores declaram é efetivamente aquilo que o relato, em segunda mão, afirma. Mas, mais, os historiadores terão que verificar e analisar o documento descoberto, designadamente para se assegurar da sua autenticidade. E, concluindo-se que o documento é autêntico, os historiadores terão ainda de se assegurar da sua veracidade. Isto é, nesta questão estamos ainda no início do que pode ser um longo caminho e de ponto de chegada ainda incerto.

Será a dita ata autêntica ou forjada? Para já, desconfio do facto de estar na parte de trás de um dos livros de atas da Loja Antiguidade, n.º 2... Um documento na parte de trás de um livro de atas faz desconfiar que tenha sido elaborado depois dos que estão registados nas folhas do livro... Depois, é de desconfiar que num livro de atas com perto de 300 anos só agora alguém descobrisse tão importante documento... 

Há ainda dados que têm de ser considerados e analisados, para se poder com alguma segurança concluir, se for caso disso, da autenticidade do documento. Por exemplo, William Preston foi o Venerável Mestre da Loja Antiguidade, n.º 2, que a conduziu na secessão desta, ou de parte dos membros desta Loja, da Grande Loja dos Modernos (a Primeira Grande Loja), em 1779, integrando a Grand Lodge of All England at York, secessão esta que durou até 1790, tendo então cessado com a reunificação da Loja Antiguidade, n.º 2, sob a égide da Grande Loja dos Modernos. A causa desta secessão foi a expulsão de Preston, acusado de ter liderado uma procissão maçónica não autorizada pela Grande Loja. Na ocasião, Preston invocou a senioridade da Loja Antiguidade, uma das quatro Lojas fundadoras da Primeira Grande Loja, enquanto sucessora da Loja que reunia em The Goose and the Giridon, Em face do documento agora surgido, se autêntico, o normal seria que Preston invocasse, não a senioridade da Loja Antiguidade enquanto sucessora da Loja que reunia em The Goose and the Giridon, mas sim essa senioridade em nome próprio, em 1721... 

Mas, mesmo que estabelecida seja a autenticidade do documento, haverá ainda que verificar da sua veracidade. Sendo autêntico o documento, isso só prova que alguém, na época, escreveu o que nele está. Resta saber se o que está escrito é verdade!

Várias dúvidas terão de ser afastadas e para isso é indispensável conhecer o teor exato do texto. Por exemplo, não sucederá que o responsável pela escrita do texto considerasse que só com o início da liderança de Montagu, o primeiro de uma longa lista de nobres que dirigiram a Primeira Grande Loja e a Grande Loja Unida de Inglaterra até aos dias de hoje, é que verdadeiramente se podia considerar fundada a Grande Loja? Que as lideranças anteriores, entre 1717 e 1721, de simples plebeus, mais não foram do que trabalhos preparatórios para uma vera fundação, que só se podia considerar realizada sob a égide de um membro da nobreza? 

Uma outra interrogação me assalta ainda: em 1738 (aquando da publicação da edição das Constituições de Anderson que relata a fundação da Primeira Grande Loja), ainda certamente eram vivos muitos elementos que viveram a fundação da Primeira Grande Loja. Afinal, só tinham ainda passado 21 anos - ou 17 anos... Se Anderson falsificou a fundação da Primeira Grande Loja, ao ponto de a antecipar em quatro anos e inventar três Grão-Mestres antes de Montagu (ainda com a particularidade de um deles - George Payne - ter exercido o ofício por duas vezes, não consecutivas, pormenor que não lembraria ao Diabo inventar...), será que nenhum dos contemporâneos ainda existentes da fundação nada diria, nem escreveria, nem ao menos faria qualquer referência na sua Loja, que ficasse registada em ata?

Até pode ser que a data da fundação da Grande Loja tenha de ser revista e que a lista dos seus Grão-Mestres tenha de ser amputada de três elementos (incluindo Desaguliers). Mas, para já, o que sabemos, na minha opinião, ainda não permite essa conclusão. Ainda há que ler, que estudar o documento, que analisar, enfim, que fazer o trabalho que os historiadores fazem, antes de se chegar a uma conclusão definitiva. Que pode alterar a data até agora aceite ou manter essa data como a correta...

Aguardemos com paciência, que também deve ser uma virtude cultivada pelos maçons!

Rui Bandeira

3 comentários:

Kennyo Ismail disse...

Meu Irmão Rui, talvez eu não me expressei da melhor maneira, pois creio que me interpretou errado. Na historicidade, se você não tem a ata de fundação, você busca algum outro registro que compense essa falta, como um registro em jornal local, etc. Se há uma ata de fundação, isso não se faz mais necessário.
Quanto a outros questionamentos apresentados, como a autenticidade e veracidade da ata, devo reforçar que se trata de dois Doutores em História, com vida acadêmica atuante e publicações respeitadas, experientes no que fazem, tendo condições de avaliar um documento histórico, e que nunca apresentariam seus resultados preliminares em um evento acadêmico sem o devido cuidado.
Sobre seu raciocínio quanto a reivindicação de Preston, ela parte de um erro. As quatro Lojas fundadoras da Grande Loja de Londres e Westminster são, logicamente, anteriores, mais antigas do que a Grande Loja, não importa a idade da Grande Loja!
No mais, creio que é senso comum a concordância de que a questão não está concluída. Na verdade, nunca esteve, apesar da afirmação de tantos por tantos anos. Aguardemos juntos.

Rui Bandeira disse...

Kennyo:

Saudações!

Primeira questão: estamos de acordo. Não há ata de fyundação, remos de nos socorrer de elementos secundários. Até agora, havia apenas o relato de Anderson. Teremos agora este documento (não é uma "ata de fundação", ou estaria no espólio da Grande Loja; será um "projeto de ata" não aceite? Será um relato do sucedido? Elaborado por quem? Será algo diverso? Veremos).
Segunda questão: também de acordo, particularmente quanto ao Dr. Andrew Prescott (a cuja obra Uma História da Maçonaria Britânica dediquei uma série de textos de recensão neste blogue, entre 29/5/2007 e 5/7/2007). Quanto a Susan Nitchell Sommers, confesso não ter ainda lido nada dela. Mas o que sabemos é que eles divulgaram o documento.
Nada sabemos - porque a comunicação ainda não está publicada - sobre a sua apreciação dele, designadamente sobre a sua autenticidade e a sua veraqcidade. Prescott conhece muitíssimo bem o período da fundação da Primeira Grande Loja e é meticuloso. Mas também normalmente muito cauteloso nas suas conclusões. Tenho óbvio interesse em conhecer a sua opinião sobre o documento e se é definitiva ou meramente provisória, dependente de mais testes, análises ou estudos. Nota que a informação que saiu da Conferência foi apenas a da apresentação da descoberta do documento. Nada foi referido sobre a apreciação dele feita por Prescott e Sommers.
Terceira quesão: logicamente de acordo que as 4 lojas fundadoras são anteriores à Primeira Grande Loja de Londres e Westminster! O meu argumento é outro: se o documento
e de 1721 e consta nas costas de um livro de atas da Loja Antiguidade, então Preston deveria ter referido - na polémica de que resultou a sua expulsão - que A LOJA ANTIGUIDADE, em nome próprio, tinha senioridade sobre a Grande Loja, não apenas enquanto sucessora da Loja que reunia em The Goose and the Giridon. Se não o fez, resta a dúvida: esta Loja já se designava por Antiguidade em 1721? Se não, como pode existir, nas costas de um livro de atas da Loja Antiguidade um documento de 1721, sem anacronismo ou falta de autenticidade?

Concordamos, finalmente, em aguardar pwelos desenvolvimentos.

Uma outra questão: o texto 1717? 1721? Por enquanto, ainda 1717... vai ser publicado no JB News na quinta-feira, 29/9. Porque será ítil para quem ali o ler conhecer de imediato também estes nossos mutuos esclarecimentos, vou enviar esta troca de comentários ao Irmão Jerônimo Borges, para que, se ele assim o entender, também os inclua na publicação. Se tiveres alguma objeção, informa disso o Irmão JB e concordo que a objeção prevaleça sobre a minha decisão de envio.

Um triplo abraço fraterno.

Rui Bandeira

Ricardo Julien Lóes disse...

Caro irmão Rui e, por consequência do debate, caro irmão Kennyo Ismail,

Como dito, o trabalho destes pesquisadores será publicado no ano que vem no “Ars Quatuor Coronatorum”, contudo o pesquisador Dr. Andrew Prescott proferiu palestra no início do ano, na província de Ontário, Canadá, na qual ele apresentou uma “prévia” do estudo em questão intitulado “Procurando pela ‘Macieira’: O que aconteceu em 1716?” (Searching for the Apple Tree: What Happened in 1716?)

Não sei se já viram, mas de qualquer modo segue o link com a íntegra do vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=I1cumvKlLcM

No aguardo de comentários e na esperança de ter contribuído para o debate.