19 fevereiro 2014

Aquela Loja


Aquela Loja tinha um problema para resolver. Não era um problema inesperado. Não era um problema que não se tivesse antecipado. Mas tinha de se resolver rapidamente e bem.

Aquela Loja tinha Mestres habituados a manifestar as suas opiniões com seriedade, a ouvir as opiniões dos demais com atenção e, sobretudo, a analisar com serenidade propostas diferentes, ou mesmo divergentes, cada um ciente de que a posição diferente da sua não é um obstáculo a abater ou a vencer, é um complemento a integrar, de forma a que o resultado final seja a melhor solução viável e possível.

Aquela Loja, nessa noite, preferia uma solução que não se revelava viável. Procurou então alternativas viáveis e perfilaram-se duas. Ambas possíveis. Ambas aptas a que se atingissem os objetivos pretendidos. Escolher-se-ia uma ou outra. Mas o problema era que não se tratava de escolher entre o bom e o mau, o certo e o errado, o forte e o fraco. Havia que escolher entre dois bons, procurando descortinar qual deles viria a ser melhor. 

Aquela Loja tinha uma escolha difícil a fazer. Porque entre duas boas hipóteses, não lhe agradava preterir uma. Sobretudo isso.

Aquela Loja fez então o que sempre soube fazer bem: cada um deu a sua opinião, expôs prós e contras, explorou hipóteses. Sem criticar as análises efetuadas ou hipóteses colocadas pelos que anteriormente tinham exposto os seus pontos de vista. Ninguém queria ganhar, ninguém queria impor a sua preferência. Todos e cada um procuravam a melhor solução.

Aquela Loja sabia que, se nada de novo surgisse, acabaria por ter de escolher entre as duas alternativas viáveis. Sem vencedores nem vencidos. sem azedumes. Simplesmente uma alternativa seria escolhida e a outra preterida porque assim teria de ser e o que tem de ser tem muita força.

Aquela Loja, quase na hora de ter que decidir viu de repente alguém apontar uma terceira solução. Uma solução que a desobrigava de escolher entre um bem e outro bem. Uma solução que também era boa. Uma solução que resolvia o problema a contento. Uma solução que estava, afinal, à vista de toda a gente, só era preciso olhar para ela...

Aquela Loja em menos tempo do que demoro a escrever esta frase decidiu o que tinha a fazer. Em menos de um ai o ar ficou mais leve, as posturas descontraídas. Alguém se encarregou de resumir o que resultara do debate e expor as várias soluções possíveis. A tomada de decisão foi uma mera formalidade: o consenso fora atingido. Com o contributo de todos. 

Aquela Loja resolveu em menos de uma hora um problema que era importante, porque todos cooperaram para que surgisse a solução.  Assim, o todo pôde ser melhor e mais eficaz do que a soma das partes. A vontade coletiva não resultou da vitória de uma vontade individual sobre outra. A vontade coletiva surgiu e facilmente se tornou consensual porque ninguém queria "ganhar" e todos procuravam resolver, em conjunto, um problema.

Aquela Loja debateu o problema em sessão aberta com a presença de Aprendizes e Companheiros. Não reservou para a Câmara do Meio o debate apenas entre os Mestres. Porque naquela Loja não se tem receio algum em que os que mais recentemente se lhe juntaram, os Aprendizes e Companheiros, vejam que os Mestres têm opiniões diferentes e que não há nada de especial nisso. Há apenas que conciliar diferenças quando se puderem conciliar, fazer escolhas quando for necessário, encontrar alternativas que superem divergências sempre que possível. E depois todo o grupo sente a satisfação de um trabalho bem feito, de uma missão bem cumprida.

Aquela Loja criou uma cultura. Uma cultura de debate sempre que o debate é preciso. De diálogo em todas as ocasiões. De cooperação na superação de divergências ou diferenças. Sempre abertamente, sempre frente a frente, sempre olhos nos olhos. E, decidido o que se tem de decidir, depois brinca-se, convive-se, come-se e bebe-se. E cada problema que é assim resolvido torna mais fácil a resolução do problema seguinte.

Aquela Loja procura integrar muito bem os novos elementos e portanto não lhes esconde nada. Os novos assistem à forma como os mais antigos e experientes debatem, escolhem, superam diferenças, cooperam, decidem, resolvem os problemas. E quando chega a hora de cada um dos mais novos assumir a responsabilidade de decidir, já sabe como ali se faz. Já viu, ao vivo e a cores, como cooperar é mais profícuo do que procurar "ganhar". Como cada um pode e deve exprimir a sua ideia, o seu sentir, em relação a todas as questões, porque todas as opiniões são importantes e todas contribuem para a formação da decisão do grupo. Como todos claramente ficam a saber em que circunstâncias cada decisão é tomada, que pressupostos a sustentam, que razões a fundamentam.

Aquela Loja funciona assim há mais de vinte anos. Não sabe funcionar de outra maneira. Não quer funcionar de outra maneira. Sente-se muito bem a ser como é.

Aquela Loja é a minha Mestre Affonso Domingues e é por ela ser como é que eu não quero nem perspetivo alguma vez ser obreiro de outra Loja que não ela.

Rui Bandeira

6 comentários:

Unknown disse...

Boa tarde,

li com muito cuidado todo o post onde realmente detecto uma harmonia e paixão de assinalar, mas tenho uma dúvida.
Discutir exclusivamente ideias é um ponto importante, bem como ter um diálgo fluido e competente, com argumentos claros para que possam ser perceptiveis e compreendidos por todos. No entanto penso que se não deve temer conflitos, pois por vezes eles podem acontecer e a loja pode tirar alguma luz desse conflito. Além disso no meu entender um conflito não significa uma desavença, mas sim diferentes maneiras de ver as coisas e que podem resultar em eventuais sinergias.
Claro que essa é a minha visão (de um profano). Gostaria de saber se estou muito longe da razão ou não?

Rui Bandeira disse...

@ José B.:

Subscrevo inteiramente o seu comentário.

Um abraço.

Paulo M. disse...

@José B.,

A liberdade é um valor muito querido dos maçons. Seria, portanto, estranho que a diversidade (nomeadamente de opinião) que dela decorre fosse encarada como um problema no seio da maçonaria. Pelo contrário: é um bem acarinhado.

Aprende-se, todavia, a procurar os consensos, a harmonia e a concórdia, e a evitar que das diferenças - que não são intrinsecamente nem boas nem más -
decorram o conflito, a desavença ou o antagonismo.

As diferenças ajudam-nos a perceber as nossas próprias imperfeições, e a tirar partido da força de um irmão para (ajudar a) corrigir a nossa fraqueza.

Um abraço,
Paulo M.

Jose Ruah disse...

Quando uma Loja, consegue fazer semelhante coisa várias ilações podem ser tiradas.
A primeira é que os modelos de decisão, de debate, de análise de ideias e de posições estão bem sedimentados.
A segunda é que todos se conhecem bem e que sabem ouvir o que é dito, mas mais importante sabem entender o que não é dito.
A terceira é que os interesses pessoais são irrelevantes e inexistentes. O interesse do todo é que é o fulcro da questão.
A quarta é que durando o modelo há mais de 20 anos e não tendo nunca havido um caso de ruptura, quer dizer que as coisas funcionam.
A quinta é que para além da fraternidade inerente à condição de Maçon, e que é real, há uma coisa muito mais importante que é a amizade. A Fraternidade inerente apesar de resultar de uma escolha é isso mesmo inerente. A amizade é depois uma escolha pessoal e biunívoca que se constrói ao longo do tempo.
Por isto, e por muito mais que não cabe aqui, é que partilho exactamente o que o Rui Bandeira escreve neste texto e a sua afirmação final.

Unknown disse...

Boa tarde,

obrigado pelas respostas ás minhas dúvidas.
Penso que fiquei esclarecido e em sintonia com aquilo que foi aqui exposto.

Um abraço,

José B.

Joaquim Almeida Santos disse...

Saúdo-os!
Só para testemunhar a minha gratidão pelo conteúdo do "Post" e pelo decorre do diálogo, neste espaço.
Cordiais Cumprimentos,