28 março 2012

O curioso corte de inexistentes relações


No fim de semana passado, li em várias edições eletrónicas de órgãos de comunicação social a notícia de que o responsável máximo do GOL (Grande Oriente Lusitano) tinha publicado um comunicado segundo o qual tinha decidido que esta instituição iria "congelar" relações com a GLLP/GLRP "enquanto José Moreno (Grão-Mestre da GLLP/GLRP) estiver no exercício de funções e não desmentir ou clarificar devidamente as informações publicadas".

Segundo boa parte da imprensa eletrónica, tal decisão resultaria da publicação de um artigo no semanário Sol que, especulando a propósito de uma intervenção do Grão-Mestre José Moreno no American Club, afirmava que estavam a decorrer negociações para a unificação maçónica em Portugal, por integração dos elementos do GOL na GLLP/GLRP.

A primeira perplexidade que este comunicado me suscita é como se "congelam" relações inexistentes. Desde o cisma maçónico de 1877, protagonizado pelo Grande Oriente de França, que aboliu a obrigatoriedade da exigência de um maçom ser crente, de as Lojas trabalharem à Glória do Grande Arquiteto do Universo (entendido como a divindade em que cada maçom deposite a sua crença) e de os trabalhos obrigatoriamente decorrerem na presença do Livro Sagrado ou Livros Sagrados da(s) crença(s) dos obreiros da respetiva Loja, que a Maçonaria que permanece fiel a estas regras, que tem por essenciais, e assim se denomina a si própria de Maçonaria Regular, considera as organizações que adotaram a postura inaugurada pelo GOF (entre as quais o GOL) como Irregulares e, pura e simplesmente, não mantêm quaisquer relações institucionais com elas.

Há mais de 140 anos que não existem relações institucionais entre as Potências Maçónicas Regulares (entre as quais a GLLP/GLRP) e as organizações Irregulares (entre as quais o GOL). Não obstante o total respeito pelas opções e decisões de cada um, não me faz qualquer sentido que se declare "congelar" relações que, pura e simplesmente, não existem!

Quanto à impossibilidade de congelamento de inexistentes relações institucionais, parece-me estar o assunto claro. Mas, não havendo relações institucionais, evidentemente que existem relações pessoais e colaborações pontuais. Os maçons prezam a Tolerância e, assim, convivem facilmente com as diferenças, mesmo quando estas respeitam a questões essenciais. E é pura questão de bom senso que qualquer maçom se sinta mais próximo daqueles que buscam aperfeiçoar-se segundo o método maçónico, ainda que com divergências essenciais, do que daqueles com quem não partilham essa busca. Mas, a este nível, parece-me inócua a decisão do autor do comunicado.

Os meus amigos do GOL continuam a ser meus amigos e eu amigo deles, com ou sem comunicado! Não é por se decretar um qualquer congelamento que as relações pessoais entre nós ficam arrefecidas...

Também não creio que as colaborações pontuais entre maçons regulares e irregulares fiquem afetadas. Se numa dada localidade os maçons da GLLP/GLRP e os elementos do GOL decidiram unir esforços para angariar fundos para obter uma nova ambulância para os bombeiros, não é por causa do anunciado congelamento que o esforço para arranjar a ambulância vai deixar de ser feito.

Se, numa outra terra, os elementos da Loja do GOL e os obreiros da Loja da GLLP/GLRP combinaram entre si que, para maior eficácia na ajuda prestada, uns oferecem à estrutura local de acolhimento de crianças em risco ou sem família fraldas e os outros medicamentos, não será por causa do anunciado congelamento que vão ambas as Lojas passar a inundar a estrutura só com fraldas, sem que nenhuma providencie medicamentos.

Portanto, também ao nível das relações pessoais e da cooperação no auxílio a quem dele necessita me parece inócuo este anunciado congelamento.

Por outro lado, nem sequer se entende muito bem a motivação desta atitude. Se, como diz o líder do GOL não há negociações quanto à fusão do GOL com a GLLP/GLRP, então o que se justificava era verberar, discordar, denunciar, desmentir, as conclusões, as especulações, do semanário, que, ele sim, é quem, pelos vistos, extrai conclusões indevidas, tira ilações erradas.

Aliás, o mesmo semanário refere que o autor do comunicado esteve presente no American Club e assistiu à intervenção do Grão-Mestre da GLLP/GLRP. Aparentemente, então não houve qualquer desconforto com essa intervenção - e, a meu ver, justifica-se plenamente essa ausência de desconforto, já que é natural e saudável que o líder de qualquer organização declare ansiar a liderar todos os que se posicionam na órbita da esfera de atividade da mesma e declare que veja com bons olhos que a sua organização exerça atração perante quem está de fora dela. É tão normal e saudável que o Grão-Mestre da GLLP/GLRP o afirme como seria se, similarmente, o líder do GOL o fizesse... Cada um defende a sua dama e só lhe fica bem que o faça...

Aparentemente, o que desagradou ao autor do comunicado não foi a intervenção efetuada pelo Grão-Mestre da GLLP/GLRP no American Club, mas as ilações, as especulações, as conclusões que os jornalistas do semanário retiraram. O que me permite que eu, já agora, também tire uma ilação: para o autor do comunicado, o que o incomodou não foi o que o Grão-Mestre da GLLP/GLRP disse; foi que tivesse sido publicado e interpretado pela comunicação social...

Ou seja, não é grave - e não é mesmo! - que o Grão-Mestre manifeste o seu anseio de unificar os maçons portugueses sob a égide da GLLP/GLRP e se mostre disposto a que tal possa ocorrer, se tal possível for. O que, para o autor do comunicado, é grave e o faz declarar congelar o que não existe é que se saiba disso - porventura que os membros da organização que dirige vejam publicamente aberta esta porta.

O comunicado de congelamento de inexistentes relações tem a aparência de uma posição de força mas afinal o que mostra é receio.

O que não me alegra nada. Pela minha parte, não quero vencer ninguém. Apenas unir o que porventura possa ser unido.

Rui Bandeira

21 março 2012

As Obrigações dos Maçons: VI. 5 - Conduta em casa e na vizinhança


Deverá agir como um homem sensato e de moral; ter um especial cuidado em não deixar a família, amigos ou vizinhos conhecer os assuntos da Loja, etc, mas sabiamente levar em conta a sua própria honra, e a da Antiga Fraternidade, por razões que não são mencionadas aqui. Deve ter em conta, também, a sua saúde, não continuando a reunião até muito tarde, sem necessidade, nem permanecendo muito longe do lar, depois das Sessões da Loja terminarem; e evitar a gula ou embriaguez. e que suas famílias não sejam negligenciadas ou prejudicadas, nem vós próprios incapacitados de trabalhar.

Junto dos seus e no seu meio ambiente, o maçom tem o especial dever de ser e agir de modo sensato e moral. De modo sensato, porque a sensatez é apanágio daquele que estuda, que procura ver para além das aparências, que procura conhecer-se a si mesmo e, por isso, conhece o mundo e os outros. Assim, conduz-se pela Razão, não cedendo facilmente ao Impulso. Não que a Emoção não o influencie. Pelo contrário, o Homem completo é um misto de Razão e de Emoção. Mas o mero Impulso é um ato gerado apenas pela Emoção não temperada pela Razão. E é a combinação das duas que permite que tomemos as nossas opções melhores.

Tão perniciosa como agir puramente por Emoção, sem a têmpera da Razão, é a atuação puramente racional, sem pingo de Emoção, que acaba por se traduzir em Indiferença. A escolha mais racional pode não ser a mais correta, se desnecessariamente causar danos que poderiam ser evitados com uma atuação porventura com um resultado em absoluto um pouco pior, mas mais equilibrado e rentável no saldo do custo com o benefício.

Por isso o maçom deve agir de modo sensato, em equilíbrio entre a Razão e a Emoção, e moral, isto é, em consonância com o sentimento social. O Homem não vive por si só. O Homem vive em sociedade e, portanto, tem de a ela atender na sua atuação. É inaceitável uma escolha que racionalmente conduza a uma atuação socialmente censurável, por muito "eficiente" que ela seja seja. Os fins não justificam os meios!

Como inaceitável é a atuação meramente populista, que atenda apenas à "opinião pública" e ao que emocionalmente apetece fazer, se essa atuação é ineficaz ou, pior, perniciosa, agravando em vez de resolver. Devem-se utilizar os meios socialmente permitidos que se adequem aos fins pretendidos.

É nesta constante dialética entre a Razão e a Emoção que, sem nunca ceder ao Impulso nem se deixar enredar na Indiferença, deve o maçom enquadrar a sua conduta, com Sensatez e Moral.

Assim, sem divulgar publicamente o que só aos maçons diz respeito, age com honra e honra-se a ele próprio e à Fraternidade de que faz parte.

Deve ainda o maçom agir sempre com Temperança. As suas reuniões devem ter a duração adequada para não prejudicar a sua vida familiar, o seu repouso, a sua capacidade de trabalho. A convivência fraternal após as reuniões deve igualmente pautar-se por esses limites. Sob pena de aquilo que é intrinsecamente bom ser visto ou entendido como mau, desviante, pernicioso.

No fundo, a noção que esta Obrigação transmite é a de Equilíbrio, o equilíbrio que se alcança através da sensatez, da consideração da Moral, da preservação da Honra, da Saúde, da Família e da Capacidade de trabalhar honrada e produtivamente.

O maçom não procura ser melhor por mero interesse pessoal - fá-lo para melhor se integrar na Sociedade, desde a sociedade mais próxima e chegada, a Família, à sociedade onde obtém o sustento, seu e dos seus, a Empresa ou local de trabalho, à Sociedade em geral, em que harmoniosamente se deve inserir, ser produtivo e para cujo equilíbrio e progresso deve contribuir. O maçom deve sempre ter presente que a Sociedade melhora e evolui, antes de mais, através da melhoria e da evolução de cada um dos seus membros. E, tirando a consequência disso, fazer a sua parte, isto é, efetuar o trabalho, o esforço, do seu próprio aperfeiçoamento.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 135.

Rui Bandeira

14 março 2012

As Obrigações dos Maçons: VI . 4 - Conduta em presença de estranhos não Maçons


Deverão ser cautelosos com as palavras e o comportamento, de modo a que um estranho mais perspicaz não seja capaz de descobrir ou perceber o que não deve ser revelado, e se possível, deverá aproveitar-se o rumo da conversa, conduzindo-a prudentemente de modo a elogiar a Venerável Fraternidade.

Esta regra de conduta perante estranhos não maçons ilustra a cautela que, desde o início da Maçonaria, os seus elementos tinham e têm que ter. A Maçonaria Especulativa nasceu e desenvolveu-se em tempos difíceis em Inglaterra, logo após longo período de guerra civis e de sangrentas dissensões e perseguições religiosas. A Maçonaria Especulativa nasceu e desenvolveu-se como ponto de encontro, lugar de refúgio, porto de abrigo, espaço de cooperação, para homens crentes, livres e de bons costumes que desejassem aperfeiçoar-se, trabalhando em conjunto e auxiliando-se mutuamente nesse trabalho de melhoria, independentemente das suas diferenças, das posições políticas de cada um, das diversas opções religiosas, do posicionamento na escala social que cada um tivesse.

Em tempos de conflitos e em que ainda estavam muito vivas as cicatrizes das lutas, muito evidenciadas as sequelas das divisões, em que ainda imperava o preconceito de que "quem não é por mim, é contra mim", era incompreensível, quiçá inaceitável, para muitos e para muito poderosos, a ideia de que o parlamentarista e o realista, o católico e o anglicano, o defensor dos Stuarts e o apaniguado dos Hannovers confraternizassem nas mesmas Lojas, se comportassem, não como inimigos figadais, adversários definitivos, contendores aguerridos, mas como irmãos diferentes entre si e que mutuamente se toleravam.

Eram tempos em que confraternizar, cooperar, simplesmente conviver com quem era ou pensava ou cria de modo diferente, e portanto devia ser considerado inimigo, constituía por si só uma traição - à opção política, à crença religiosa, à Coroa ou à Revolução, a qualquer partido ou grupo que se integrasse. Eram tempos em que ousar sair da norma dos grupos e ouvir e conviver e aprender com os diferentes não era concebível senão como abdicação, em que a tolerância era ainda um desconhecido e nascente conceito filosófico e, portanto, passível de severas represálias, desde o simples ostracismo até à prisão ou mesmo à morte.

Eram tempos em que os maçons tinham de manter secreta, desconhecida dos que o não eram, a sua condição e a sua mútua convivência. Publicamente, o anglicano só podia declarar o seu ódio a Roma, o católico só podia verberar a dissensão iniciada pelos desejos de Henrique VIII e ambos tinham que esconder que conseguiam cooperar e debater e aprender em conjunto, pondo de lado as suas diferenças religiosas, cada um aceitando que o outro era livre de fazer a sua escolha. O mesmo em relação às posições políticas ou lealdades a soberanos ou pretendentes à Coroa.

Tinham os maçons, assim, que se comportar, na presença de estranhos não maçons, de forma a que não fosse possível ser apercebido que os públicos adversários ou inimigos eram simultaneamente irmãos que se respeitavam e cooperavam, independentemente das suas diferenças. Era uma questão de sobrevivência. Infelizmente, ainda hoje, em muitos locais, ainda é. Acontecimentos recentes em Portugal mostraram que, em pleno século XXI, muitos que se proclamam cultos e modernos e fazedores de opinião afinal não sabem distinguir fraternidade de compadrio (quiçá porque não concebam amizades sem compadrios...), cooperação de diferentes de conspiração (porventura porque não sabem cooperar sem conspirar...), aprendizagem comum tolerante de diferenças de sórdidos planos de assaltos a vão poder, inevitavelmente destinados ao fracasso (talvez porque as suas vidas giram apenas em torno do Poder, da Imagem e do Dinheiro...).

Continua, infelizmente, a ser quase impossível para muitos conceber que a Vida é feita de muito mais do que de mesquinhos egoísmos, lutas de poder, imposição de convicções, desesperada busca por acumulação de bens materiais, enfim, e simplesmente, que cada um é o que é, não o que tem, por muito que tenha. E essa incapacidade desses muitos, alguns poderosos ou influentes, obriga a que infelizmente os maçons tenham que continuar a reservar para si o que para esses muitos é incompreensível (e por isso não compreendem), inaceitável (e por isso não aceitam), impraticável (e por isso não concebem que se pratique): pura e simples cooperação de diferentes na aprendizagem e melhoria mútua, pura e simples partilha do que cada um é, independentemente do que tenha, para que todos sejam um pouco mais, procurando todos aumentar o seu Ser, não o seu Ter.

Mas, se assim foi, se assim infelizmente ainda é, os maçons continuam a perseverar em entender que não será necessariamente sempre assim. Os maçons devem assim dar o seu exemplo, para que este possa servir de exemplo. Os maçons devem, sempre que possível e da forma que lhes for possível, lutar contra os preconceitos, o obscurantismo, a intolerância, da única forma que estes flagelos podem com êxito ser combatidos: com esclarecimento, com divulgação, contrapondo aos preconceitos a sua informação. Quem estiver pronto para rever os seus preconceitos, aproveitará. Quem não estiver, assim como assim, permanecerá embalado neles, pelo que não vale a pena preocupar-nos com esses.

É por isso que eu, que posso revelar a minha condição de maçom, o faço - mas mantenho a reserva sobre a identidade daqueles que, temendo serem prejudicados, eles e as suas famílias, ainda têm de manter reservada essa sua condição.

É por isso que eu não divulgo as formas como, em público, posso reconhecer outro maçom, sem que os circunstantes disso se apercebam - mas afirmo e repito que isso só é assim porque ainda é necessário que assim ainda seja.

É por isso que eu pratico e aprecio e aprendo com os rituais e cerimónias que pratico na minha Loja - mas não os divulgo publicamente, porque seriam pérolas insuscetíveis de serem devidamente apreciadas por quem não concebe possível que "se perca tempo" com algo que não dá dinheiro, não traz poder, não atrai fama social.

É por isso que eu guardo para mim e para os meus Irmãos aquilo de que tratamos, apesar de sabermos, eu e os meus Irmãos, que todos aqueles que, não sendo capazes de pensar mais, ou mais além das mesquinhices a que reduzem as suas visões da vida, confundem mera privacidade com secretismo - mas asseguro que eu e os meus Irmãos não conspiramos contra ou a favor do que quer que seja, não tratamos de compadrios ou benesses ou de corrupções, porque não é de bens materiais ou de posições sociais que o nosso interesse comum é feito.

Quem quiser acreditar, quem estiver pronto para melhorar a sua postura perante a vida, para investir no que ele próprio é e acreditar que pode ser cada vez mais - e que isso nada tem a ver com o que cada um tem ou com a forma como os demais cada um vêem -, porventura aproveitará. Os outros, que continuem alegremente embalados nos seus preconceitos, nas suas conceções das suas vidinhas, entretidos em jogos de poder, ocupados nas suas acumulações de bens materiais que um dia inevitavelmente deixarão.

Nós, maçons, acreditamos na capacidade de todos poderem melhorar, aprender, evoluir, ascender acima da mesquinhez dos bens materiais e descobrir a verdadeira essência do que é viver e ser humano. Cada dia cada um de nós procura ir um pouco mais além nesse caminho. É isso que para nós, maçons, é importante e por isso é isso que nos importa!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 135.

Rui Bandeira

07 março 2012

As Obrigações dos Maçons: VI. 3 - Conduta quando os Irmãos se reúnem sem estranhos, fora de uma Loja constituída


Saudar-se-ão uns aos outros de maneira cortês, como ensinados, chamando-se de Irmãos, dando livremente as instruções de modo que for conveniente, verificando que não são vigiados ou observados; sem ultrapassar o limite, ou faltar ao respeito que é devido a todo o Irmão, mesmo que não seja um Maçom; porque todos os Maçons são iguais, Irmãos, ainda que a Maçonaria não elimine a honraria do homem antes de sua Iniciação, ou sequer acrescente algo a esta, especialmente se tenha merecido respeito da Fraternidade, que deve honrar aquele que é merecedor, e evitar comportamento impróprio.

Fora de Loja, os maçons devem mutuamente tratar-se como se irmãos de sangue fossem: saudar-se como dois irmãos se saúdam, falar um como o outro como dois irmãos o fazem, manter relações de cordialidade e amizade e consideração e cumplicidade em tudo similares às dos irmãos.

Nenhum tratamento mais distante do que esse é admitido entre os maçons, seja qual for a sua antiguidade, os ofícios que exercem ou não. Um recente Aprendiz trata e é tratado pelo Grão-Mestre desta forma - e por nenhuma outra.

No entanto, esta Obrigação deixa também claro que a igualdade fundamental entre maçons, a fraternidade que é razão de ser da instituição e norma de conduta irrevogável para todos, não afasta ou ultrapassa as posições sociais, a consideração e o respeito devido pelo que o indivíduo já era antes da sua iniciação e continua a sê-lo depois dela.

O marceneiro não pretende ensinar o Padre Nosso ao vigário e o ministro religioso não busca ensinar aquele a fazer móveis. O escriturário não se arroga condições para estar mais bem preparado para fazer diagnósticos que o médico e este reconhece que sabe bem menos de técnica de arquivo, elaboração e encaminhamento de documentos do que aquele.

A fundamental igualdade da Maçonaria não é vão igualitarismo, não é pretender-se que todos sejam tratados por igual, de igual modo. É aplicar a máxima de que o que é igual deve ser tratado de forma igual e o que é diferente suscita diferente tratamento.

A igualdade fundamental da Maçonaria indubitavelmente que implica a igual consideração, o igual respeito, a igual atenção, pelo que de fundamentalmente igual todos temos: a nossa Humanidade, a nossa capacidade de aprender, o nosso propósito de melhorar, enfim a absolutamente igual dignidade da pessoa humana, que implica que todos nascem livres e iguais em direitos e deveres. Não é por um ser marceneiro que se pode ou deve presumi-lo como menos capaz do que o ministro, tal como os maçons não consideram o médico mais nobre ou digno de respeito do que o escriturário. Em Maçonaria, ser operário ou trabalhador manual e ser intelectual ou colarinho branco são apenas ocupações, formas de trabalhar, de ganhar a vida honestamente, não fontes de diferenciação ou de primazia ou de análise de valia pessoal. O importante é que cada um seja, e procure ser o melhor que lhe seja possível no seu campo de atividade, o melhor que consiga enquanto pessoa.

O maçom não confunde igualdade com igualitarismo, porque este procura igualizar por baixo enquanto aquela busca nivelar por cima. Com efeito, o igualitarismo, o entendimento de que todos devem ser tratados por igual, que todos são iguais, apesar de evidente e naturalmente todos sermos diferentes, nivela por baixo, diminui os naturalmente mais capazes ou mais desenvolvidos para o plano dos menos preparados ou dotados, única forma de todos igualizar. Mas a verdadeira igualdade, reconhecendo que a dignidade e a humanidade de todos é essencialmente igual, atenta em que as condições sociais, a educação, as diferenças de caráter, a pura aleatoriedade da vida fazem destes seres estruturalmente iguais indivíduos com diversas caraterísticas, diferentes saberes, diversificadas escolhas. Todos temos formas diferentes mas essas formas são todas feitas da mesma massa. A aspiração de todos os diferentes é igual: atingir o máximo do seu potencial. E é isso que a Maçonaria reconhece, busca e acalenta.

A igualdade fundamental praticada pela Maçonaria permite lograr que o marceneiro, o ministro, o escriturário e o médico sejam, cada um deles, aquilo que são, que a sua história e evolução pessoal determinam, mas adicionando a cada um deles algo do que os outros sabem e são e sentem. E assim todos e cada um deles sabem um pouco de fazer móveis, de teologia, de fisiologia e de técnicas de arquivo - para além daquilo que a fundo conhecem. A igualdade dos maçons é a igualdade do desejo de melhorar, de aprender, a igualdade na capacidade de o conseguir, a igualdade no propósito de o fazer em conjunto, partilhando saberes, dores, alegrias, projetos, êxitos e fracassos.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 134.

Rui Bandeira