21 dezembro 2011

Exortação solsticial

Seria bom, mas não podemos esperar que todos os templos sejam utilizáveis e utilizados pelos crentes de todas as religiões.

É bom que, como referi no texto da semana passada, esteja projetado num hospital português um espaço de assistência espiritual e religiosa concebido para ser utilizado pelos crentes e ministros de todas as religiões, mas essa é (ainda?) uma exceção.

Deve-se aspirar a que a tolerância religiosa seja, mais do que um facto, uma naturalidade, e que locais de culto utilizáveis e utilizados por crentes de todas as religiões não só existam, como sejam uma banalidade.

Mas o ótimo é inimigo do bom e não devemos confundir sonhos e aspirações com a realidade. Até que a tolerância religiosa seja tão banal e tão natural que se entenda, sem rebuço, que o que importa é que cada um cultue o Criador e não a forma como o faz e seja comummente entendido que o espaço de culto pode ser indiferentemente utilizado pelos crentes de qualquer religião, muitas águas passarão debaixo de muitas pontes de muitos rios, muitas pontes se construirão, serão derrubadas e reconstruídas, muitas gerações têm de passar. É assim a vida e a evolução da espécie humana. Tudo tem o seu tempo, tudo tem de medrar e crescer, de evoluir e de florescer. O sonho de ontem tem de ser a aspiração de hoje, o desejo de amanhã, a hipótese de depois de amanhã, o trabalho do dia seguinte - e isto a uma escala temporal obviamente bem mais alongada.

Mas no presente de cada um há lugar e modo e tempo para a concretização desse ideal, desde que cada um tenha a noção de que o que importa não são as pedras, as edificações, os lugares, os locais, o que verdadeiramente importa somos nós, cada um de nós, elemento individual e importantemente imprescindível da imensa comunidade que chamamos de espécie humana e que tem dentro de si, no íntimo do mais íntimo do seu íntimo, a centelha divina que nos fez, desde tempos imemoriais, descer das árvores e caminhar, eretos, pela terra, evoluir da brutidão à civilização e que em nós desperta e mantém o insaciável apetite de aprender, aprender sempre, melhorar, melhorar sempre, paulatinamente aproximando o bruto primata da inefável Perfeição que tudo originou.

O que importa, repito, não são as pedras, somos nós - cada um de nós. Não é assim, no fundo, essencial que haja um, vários ou muitos locais edificados que sejam utilizáveis e utilizados para o culto do Criador segundo as diversas crenças, religiões, tradições. O essencial é que cada um tenha a noção de que pode procurar a aproximação, o convívio, a comunhão, o culto, o louvor, a adoração - chame-lhe cada um o que quiser chamar - com o Criador, não importa onde esteja.

Mais importante que haver um local onde todos os crentes de todas as religiões possam praticar os seus cultos é que todos os crentes de todas as religiões tenham a noção e a prática de que podem praticar os seus cultos em qualquer lugar, em qualquer edificação, em qualquer templo de qualquer religião. Porque Aquele que se cultua é sempre o mesmo, independentemente de nome, de hábitos, de culturas, de tabus, de proibições e de obrigações.

Eu sinto-me bem e confortável em qualquer local de culto, seja ele católico, adventista, de Testemunha de Jeová, islâmico, judeu, bahá'í, mitraico ou de candomblé. Em qualquer desses locais sinto -me em paz e sinto a predisposição para a ligação ao Divino. Não me importam as diferenças - interessa-me apenas e sempre e só o essencial: o Criador.

Os verdadeiros templos não são feitos de pedra e cal e tijolo e telha. São feitos de carne e osso e sangue e, sobretudo, espírito. Cada um de nós é o mais livre e essencial dos templos, onde se pode e deve, em todos os momentos, cultivar a ligação com o Criador, trilhar o Caminho, desbastar o que de impuro se tem para que, em toda a sua glória, se descubra a Luz que cada um de nós É - e tantos não o sabem, por isso a mantêm escondida, velada, inacessível a todos os olhares, até aos de si próprios.

Vejo e sinto e exorto todos a que vejam e sintam todos os locais de culto de todas as religiões como seus locais de culto e que, mais ainda, não precisem realmente de locais para o exercer, cientes de que cada um é o seu próprio e insubstituível local do seu culto.

Que assim seja e, se assim for, quando assim for, mais um (grande) passo no sentido da melhoria terá dado a Humanidade. E esse passo, como sempre, depende sempre e só de cada um de nós.

Esta a mensagem que eu, maçom, sem segredos, aqui deixo, a menos de vinte e quatro horas do solstício, de inverno no hemisfério norte e de verão no hemisfério sul, de 2011.

A todos, Boas Festas!

Rui Bandeira

13 comentários:

JPA disse...

Que o GADU toque a todos.

Feliz Natal
JPA

Nuno Raimundo disse...

Boas Rui,
partilho na íntegra o teu pensamento.

e aproveito para endereçar a Todo9s, Votos de Boas Festas.

TAF

Streetwarrior disse...

Concordo Caro Rui.
È exactamente por pensar ( isto na minha opinião ) desta forma que não vejo com bons olhos, o Estado financiar locais de Culto dentro de Hospitais pagos com o dinheiro dos contribuintes.
Ainda mais quando sinto que certas religiões são bem mais privilegiadas, quer a nível financeiro como a nível patrimonial do que outras.

Já que muitos crentes não conseguem sentir a ligação ao criador como o Rui, ( tenho uma visão parecida )pois precisam de Templos de Pedra e Imagens de divindades para venerarem, não vejo qualquer tipo de entrave a que essa "prestação de cuidados espirituais " seja dada no local, pessoalmente por representantes da sua religião, agora, a construção de espaços " espirituais " dentro de locais públicos com o dinheiro dos contribuintes, não concordo.
Mesmo sendo legal.

Já basta eu ser obrigado a ter que garantir o Património, com o dinheiro que contribuo para a sociedade para a Igreja Católica Romana.
O sol quando Nasce, deve ser para todos.

Nuno

Rui Bandeira disse...

@ Streetwarrior:

Nuno,

E no caso do Hospital de S. João, felizmente a ideia é que "o Sol nasce para todos"!

Sendo a vertente espiritual uma vertente importante para muitos humanos (e só não me atrevo a dizer todos, porque sei que há sinceros ateus que, pura e simplesmente, se consideram apenas animais, fruto dos acasos da Natureza, sem espírito - e tenho de respeitar esse entendimento), também necessariamente o é para a sociedade e para a paz social. Sendo a tutela da paz social uma das funções do Estado, entende-se que a lei determine a garantia de assistência espiritual aos doentes.

Se essa assistência fosse garantida apenas aos crentes de uma religião, tudo, obviamente, mal; sendo garantida aos crentes de todas as religiões, acho, obviamente, bem. Há muito mais dinheiro muito mais mal gasto pelo Estado... O que se tenha gasto para viabilizar este espaço social para todos (também pode servir como espaço de conforto para ateus...) parece-me bem gasto.

Como escrevi no texto a noção geral de que cada um pode cultuar o Criador sem necessidade de edificações não existe ainda - e certamente demorará muito a, porventura, existir.

Portanto, estes espaços parav todos são necessários.

É errado discordar do bom só porque é apenas bom e não é o ótimo que nós entendemos...

Festas felizes!

Jorge disse...

A Espirualitidade é uma área da Medicina (Saúde), com várias Teses de Doutoramento publicadas, e ainda bem que os nossos impostos também servem para nos tratar da "saúde", é sinal de evolução e conhecimento.
Festas Felizes.
Jorge

Candido disse...

Rui, gostei muito desta forma de ver a "coisa"! Aproveito para deixar a minha mensagem de Boas Festas:
Que o nascimento do Cristo se produza dentro de todos nós e que a presença de Emanuel se manifeste.
A todos um forte A3raço
Cândido

Streetwarrior disse...

Rui, talvez não tenha conseguido ainda expressar o que não concordo acerca deste assunto..
Eu não me importo que haja meia dúzia de capelas ou outros espaços religiosos dentro de hospitais ou dentro de espaços públicos.
O que não concordo é que sejam providenciados com o $$ dos contribuintes.
Eu não tenho nada contra " ajuda espiritual ", o que aliás, reconheço que possa ter um efeito positivo nas pessoas doentes.
Em mim pelo menos tem.

Nuno

Rui Bandeira disse...

@ Streetwarrior:

Nuno,

Não entendo a sua objeção.

Não concorda que se providencie espaço religioso com o $$ dos contribuintes - mas reconhece que possa ter um efeito positivo nas pessoas doentes e afirma que, em si, tem.

Repare como não é lógico este entendimento. Se tem um efeito benéfico nos doentes, porque não pode o espaço ser providenciado com o $$ dos contribuintes?

Pela mesma ordem de razões, o $$ dos contribuintes não devria custear o gesso colocado nos membros fraturados dos doentes, apesar de benéfico, o $$ dos contribuintes não deveria custear analgésicos (que só aliviam a dor, não curam) apesar de benéfico para os doentes, o $$ dos contribuintes não deveria ser utilizado em assistência a suicidas (que, ainda por cima, foram incompetentes na execução do seu propósito), menos ainda no tratamento a feridos em acidentes de viação, quando condutores e embriagados e muito menos a toxicodepedentes. E, já agora, hoje só apanha HIV quem não tem cuidado, pelo que, por essa lógica, o $$ dos contribuintes não deve ser gasto na assistência médica e medicamentosa a doentes com SIDA (exceto crianças contaminadas antes do nascimento). E, pela mesma ordem de razões, concorda então o Nuno que o dinheiro dos contribuintes não deve ser gasto em abortos legais no Serviço Nacional de Saúde (e está aí bem acompanhado, designadamente por fervorosos católicos...).

Repare, Nuno, como deixar que a nossa subjetividade inquine os nossos juízos nos faz cair facilmente no preconceito. Se estou a ver bem, o que o Nuno acha mal é que o $$ dos contribuintes seja gasto em favor de uma religião específica, designadamente da dominante em Portugal. Desse seu entendimento, extrapola para o pretenso erro de se gastar dinheiro público na viabilização de assistência espiritual (sem discriminações) - apesar de reconhecer ser tal assistência benéfica para os doentes - o que, sendo ilógico, não se justifica.

Abraço.

Streetwarrior disse...

Rui.
Eu não tenho nada contra qualquer religião, tenho contra os interesses entre os quais elas se movem.
Neste caso, corresponde ao Catolicismo mas se o estado favorecesse o Budismo em prol das outras também não concordava.
Repare que eu aceito que a prestação espiritual possa ser prestada, nada tenho contra.
No entanto, e até aceito que possa ser preconceito meu ( que tenha que desbastar ) não sou a favor que o estado, comparticipe com fundos publicos ( pois nem todos são " crentes " ou acreditam em um Criador Supremo e nessa teoria benéfica)e os invista em assuntos religiosos.

O seu ultimo comentário tem realmente a sua lógica mas então, nunca puderemos considerar a hipotese do estado ser laico, visto que por essa lógica ( e volto a referir que é bastante compreensivel)os assuntos espirituais serão sempre benéficos, não será assim Rui ?

Nuno

Paulo M. disse...

@Streetwarrior: O futebol é algo de que não só não gosto como encaro como uma profunda perda de tempo, dinheiro e energia. Todavia, uma grande parte da população gosta de futebol. Muitos descarregam aí as suas frustrações, ficando depois mais calmos e relaxados, podendo-se dizer que, nesse sentido, o futebol terá um certo "poder terapêutico".

O Estado, talvez por ser o futebol, em certa medida, promotor da paz social (pois os adeptos, enquanto estão nos estádios e nos cafés, não estão a fazer nada pior...) promove-o, apoia-o e subsidia-o das mais diversas formas. Apesar de nem todos serem adeptos da modalidade, todos pagam impostos que, em parte, são para aí encaminhados. E ninguém - ou muito poucos... - se choca com isto.

O Nuno é uma pessoa inteligente que certamente me dispensa de explicar o paralelismo...

Um abraço,
Paulo M.

Streetwarrior disse...

e tem toda a razão o Paulo.
Provavelmente, o futebol também tem que ser equacionado nesses termos.
E quem diz o futebol, há de haver situações ainda mais obscuras e muito menos justificativas.
È desde discutir de ideias que se abrem horizontes a analise de opiniões de outros ângulos.

Obrigado aos dois pela diferente visão.
Nuno

Streetwarrior disse...

Errata
Onde se lê "desde, deverá ler-se , " deste "

Nuno

Rui Bandeira disse...

@ Streetwarrior:

Nuno,

A conceção de laicismo que aparentemente substancia a sua objeção está, no meu entendimento, viciada pelo fundamentalismo de pensamento anticlerical que medrou na I República.

O facto de o Estado ser e dever ser laico não quer dizer que não deva intervir ou criar condições para os cidadãos viverem a sua vida espiritual. Significa, isso sim, que o Estado se abstém de intervir NA FORMA como cada um vive a sua vida espiritual ou na crença que cada decide professar - ou não.

Um exemplo: o Estado não é vendedor de frutas e kegumes. Mas pode e deve usar os $$ dos contribuintes para construir e manter edifícios de mercados de frutas e legumes, que possibilitem que os cidadãos adquiram tais produtos em boas condições de higiene, conservação e apresentação.

O Estado laico não deve "vender" religiões, isto é, não deve intervir a favor ou contra qualquer religião ou se os seus cidadãos devem ter ou não crença religiosa.

Mas pode e deve garantir que as opções religiosas estejam, em pé de igualdade, à partida, à disposição de qualquer cidadão que o pretenda.

Laicismo não é antirreligiosidade. Laicismo é independência e equidistância de todas as religiões.

Por isso, criar condições para a assistência espritual aos doentes que o desejem e com isso beneficiem ou possam beneficiar é - sim, é - função do Estado, passível de aplicação dos $$ dos contribuintes.

Boas Festas.