12 dezembro 2010

Meus irmãos em todos os vossos graus e qualidades... ... ... disse!

Era a primeira vez que este irmão tomava a palavra em Loja. Enquanto companheiro ou aprendiz fora-lhe vedado fazê-lo. Por isso, agora, ao fim dessa longa caminhada, tendo acabado de ser exaltado ao grau de Mestre, podia, finalmente, falar!!! Eu, aprendiz recentemente iniciado, esbugalhava os olhos e tudo absorvia com sofreguidão, e talvez por isso este episódio tenha ficado indelevelmente marcado na minha memória. Assim, chegado o momento em que, numa sessão maçónica, o Venerável Mestre põe a palavra nas colunas - que é como quem diz: autoriza que os mestres peçam a palavra - o novo Mestre pediu-a da forma regulamentar, e esta foi-lhe dada. Colocando-se de pé e à ordem - como é suposto - começa a sua intervenção como quase todas começam:

"Venerável Mestre, meus Irmãos em todos os vossos graus e qualidades..."

Fez-se silêncio absoluto na Loja - como, de resto, é suposto acontecer. Todos aguardavam com curiosidade e expetativa as primeiras palavras que este irmão proferiria em sessão. Contudo, estas teimavam em não surgir. O silêncio, já denso, adensava-se a cada segundo que passava sem que fosse quebrado. Visivelmente, o Irmão debatia-se com as palavras que queria dizer. O esforço mental transparecia-lhe na face, e começava, decorridos alguns silenciosos segundos, a ficar visivelmente horrorizado com a circunstância em que ele mesmo se havia colocado. É que as palavras não saíam.

"... ... ..."

Nem um sopro se ouviu. Todos partilhavam do esforço, da atrapalhação, do embaraço do Irmão. Mas ninguém podia socorrê-lo. Uma vez dada a palavra a um Irmão, só o Venerável Mestre ou o Orador podem tomá-la antes que esse irmão indique ter terminado a sua alocução. Não fez, porém, nenhum destes qualquer diligência nesse sentido, pois todos sentiam que só ele podia - e só ele devia - quebrar o silêncio que iniciara. E assim foi. Com grande esforço, recorreu à fórmula com que, em Loja - e por vezes, fora dela - os maçons indicam ter terminado a sua intervenção:

"... Disse!"

E sentou-se.

Toda a Loja sorriu de alívio e, prazenteiramente, vários, no fim da sessão, entre abraços de cumprimentos, lhe disseram ter sido uma intervenção memorável. E foi-o de verdade - o certo é que nunca mais a esqueci. Recentemente outro episódio semelhante sucedeu - de novo com um Mestre recém-exaltado - que me fez, de novo, recordar o primeiro. Para além do evidente humor da situação, que ensinamentos se pode retirar destes episódios?

Em primeiro lugar, constatou-se que qualquer dos Mestres em questão aprendera de que forma a sua intervenção teria que ocorrer: como e quando pedir a palavra, como se colocar para falar, as fórmulas a utilizar para marcar o início e o fim da sua intervenção, e o que fazer após ter terminado; nisso ambos foram irrepreensíveis. Foi, por isso, uma lição de forma, mais do que de conteúdo, como se alguém experimentasse uma peça de roupa e se mirasse ao espelho, fazendo-a sua, imaginando-se a usá-la na rua ou numa circunstância especial, para que, chegada esta, a roupa nova o não atrapalhasse.

Em segundo lugar, a Loja comportou-se com enorme dignidade. Apesar de ser uma situação confrangedora - todos partilharam do evidente desconforto do Irmão que, engasgado, não sabia como prosseguir - todos se mantiveram impávidos, sem um sinal de impaciência, sem esboçar um sorriso. A disciplina da Loja revelou que todos tinham interiorizado o valor do silêncio, que sabiam praticá-lo, e que não era só coisa de aprendizes e companheiros; não, o silêncio e a contenção eram para todos.

Em terceiro lugar, veio-se a constatar que esse Irmão - que, da primeira vez, "entupiu" e quase nada conseguiu dizer - até tinha o que partilhar, até possuía ideias válidas, até acabou por ter algumas intervenções muito pertinentes, que se foram tornando mais sólidas e seguras de cada vez que lhe era concedida a palavra. E quem não podia, ainda, falar, teve a oportunidade de ver um outro percorrer o seu caminho, e com isso aprender que apesar de falar não ser, de início, tarefa fácil, é algo que a experiência vai ensinando.

Falar é, mais do que um direito, um dever dos Mestres. Faz parte da formação de um homem - e, consequentemente, de um maçon - saber dirigir-se a uma assembleia e transmitir por palavras o que lhe vai na alma. Poder ir aprendendo a fazê-lo face a uma assistência disciplinada, paciente e cooperante é só mais um dos pequenos privilégios que advêm do facto de se estar integrado numa Loja Maçónica.

Paulo M.

12 comentários:

José Restolho disse...

MQI:

Adorei o teu texto. De facto todos nós ansiamos por poder falar e partilhar o que nos vai alma... No entanto o privilégio de falar, para além de ser um dever dos Mestres, acarreta muita responsabilidade. Fazer uso da palavra não deve de ser algo leviano, mas sim um acto ponderado e sabedor. Para terminar, quero dizer que de facto o Irmão a que te referes partilhou um tesouro que as palavras impedem de alcançar: O Silêncio (que é de ouro). TAF

JPA disse...

Caro Paulo M.

Sem duvida uma experiência diferente, que me levanta uma questão.
Podem os mudos ser Maçons?

Cumprimentos
JPA

Rui Bandeira disse...

@ jpa:

A prioridade na resposta cabe ao Paulo M., mas, excecionalmente, atravesso-me já. Parece-me que o jpa poderá, por si só, resolver a sua dúvida, respondendo a estas duas perguntas:

1) Um mudo pode ser um homem livre e de bons costumes?
2) Um mudo pode ter desejo e capacidade de se aperfeiçoar?

Um abraço!

Nuno Raimundo disse...

Boas...
Não querendo entrar em especulações mas,
em vária literatura que li sobre a Ordem, referem que para ser Maçon, não bastará ser Livre e de Bons Costumes, mas como ser saudável e ter não nenhum defeito fisico.
Penso que este último apontamento se refere a alguma altura da História em que se teria de fazer uso das espadas para se defenderem de possiveis agressões.
Mas hoje em dia penso que já não seja bem assim, tal como o Rui e bem afirma.


abr...prof...

JPA disse...

Olá Rui Bandeira;

Quando equacionei a situação,tinha a certeza da resposta.
Que claro é SIM, podem ser Maçons. No entanto é bom que os leitores também saibam.

Cumprimentos
JPA

Jocelino Neto disse...

"Penso que este último apontamento se refere a alguma altura da História em que se teria de fazer uso das espadas para se defenderem de possiveis agressões."

Não seria porque ancestralmente para se exercer o ofício da construção fazia-se necessário um organismo apto para tal?

ps. Nuno. Usas "espadas" em sentido conotativo?

Abraços fraternos!

Candido disse...

@ Rui Bandeira: Um mudo pode ser um homem livre e de bons costumes?
Viva Rui.
Não me parece que a resposta possa ser tão liniar assim.
Em primeiro lugar, porque um mudo, é também, geralmente surdo.
Em segundo lugar porque está limitado na sua liberdade ( não é totalmente livre)
Em terceiro,como podia ser iniciado ao ser privado da audição, da voz e da visão?
Abraço

Paulo M. disse...

"Atravessou-se" - e muito bem - o Rui na sua resposta, e "atravesso-me" eu agora na minha, reclamando para mim o privilégio de responder sob forma do próximo texto.
Um abraço,
Paulo M.

Nuno Raimundo disse...

Boas Jocelino...

As espadas fazem parte da indumentária dos Mestres.
Sendo que o Venerável Mestre transporta por sua vez, a Espada Flamígera.

Quando a Maçonaria Especulativa apareceu, era usual na épocam os cavalheiros usarem espada ou bengala c gume escondido. E sendo a Ordem perseguida em algumas partes da Europa e mais tarde devido á sua expansão, no resto do globo; o facto de alguém ser portador de deficiencia fisica que não lhe permitice fazer uso da espada para defesa pessoal e do seus Irmãos, era na época impeditivo para ser aceite na Ordem.
Acredito que hoje em dia já não se use esse costume, e que as espadas são meramente "decorativas" e com fins meramente rituais. :)

( Se eu estiver errado na minha observação, que os digníssimos Mestres retifiquem a minha observação, para não levar o Jocelino em erro)

abr...prof...

Jocelino Neto disse...

Caro Nuno,

Muitíssimo obrigado pelo esclarecimento. Sendo esta "interpretação" fato, ou não, me permite agregar mais algumas linhas em meus estudos. Fico em aguardo a possível contribuição dos mestres para quem sabe "aprumarmos" esta informação.

Abraços Fraternos!

Paulo M. disse...

@Nuno: "As espadas fazem parte da indumentária dos Mestres."
Pelo menos em Loja Azul, não é verdade. Há, isso sim, ofícios - dos quais alguns até não têm que ser forçosamente desempenhados por Mestres - que implicam usar-se uma espada; um exemplo é o de Guarda Interno.

"Sendo que o Venerável Mestre transporta por sua vez, a Espada Flamígera."
Precisamente, um dos ofícios que implica usar-se uma espada é o de Venerável Mestre; entre nós, a sua espada chama-se "flamejante".

Para que não restem dúvidas, o uso de espadas em maçonaria é estritamente simbólico, e que estas são rombas e embotadas para que nenhum acidente possa decorrer de um manuseamento eventualmente mais desastrado.

Um abraço,
Paulo M.

Nuno Raimundo disse...

Obrigado Paulo pela correção.
( Aprende-se sempre mais qq coisa c estes "apontamentos") ;)

abr...prof...