30 janeiro 2009

O cão velho, o leopardo e o macaco

Mais uma história para ler e refletir. Hoje, tem a ver com a experiência e a sabedoria que só esta traz. Como habitualmente, recebi-a por correio eletrónico, desconheço o seu autor e editei-a ao meu jeito, para publicação aqui.

Uma velha senhora foi para um safari na África e levou seu velho cão com ela.


Um dia, caçando borboletas, o velho cão, de repente, deu-se conta de que estava perdido.

Vagueando a esmo, à procura do caminho de volta, o velho cão percebeu que um jovem leopardo o tinha visto e caminhava na sua direção, com intenção de conseguir um bom almoço...

O cachorro velho pensou:

- Oh, oh! Estou mesmo enrascado !

Olhou à volta e viu ossos espalhados no chão por perto. Em vez de se apavorar ainda mais, o velho cão ajeitou-se junto ao osso mais próximo, e começou a roê-lo, dando as costas ao predador .


Quando o leopardo estava a ponto de atacar, o velho cachorro exclamou bem alto:

- Este leopardo estava delicioso ! Será que há outros por aí ?


Ouvindo isso, o jovem leopardo, com um arrepio de terror, suspendeu o seu ataque, já quase começado, e esgueirou-se na direção das árvores.

- Caramba! - pensou o leopardo, - essa foi por pouco ! O cão velho quase me apanhava!

Um macaco, numa árvore ali perto, viu toda a cena e logo imaginou como fazer bom uso do que vira: em troca de proteção para si, informaria o predador que o cão não tinha comido leopardo algum....

E assim foi, rápido, em direção ao leopardo. Mas o velho cachorro viu-o a correr na direção do predador em grande velocidade, e pensou:

- Aí tem coisa!

O macaco alcançou o felino, cochichou-lhe o que lhe interessava e fez um acordo com o leopardo.

O jovem leopardo ficou furioso por ter sido feito de parvo, e disse:

- Macaco! Sobe para as minhas costas, para veres o que acontece com quem se arma em esperto comigo!


Agora, o velho cão via um leopardo furioso, a vir na sua direção, com um macaco nas costas, e pensou:

-E agora, o que é que eu posso fazer ?

Mas, em vez de correr (sabia que suas pernas doridas não o levariam longe...), o cachorro sentou-se, mais uma vez dando costas aos agressores, fazendo de conta que ainda não os tinha visto, e quando estavam suficientemente perto para o ouvirem, o velho cão disse:

- Mas afinal onde está o raio daquele macaco? Estou a morrer de fome! Ele disse que ia trazer outro leopardo para mim e nunca mais chega!


Moral da história: não mexa com cachorro velho... Idade e habilidade sobrepõem-se à juventude e intriga. A
Sabedoria só vem com a idade e a experiência.

É o que vos deixa aqui hoje este já maduro

Rui Bandeira

29 janeiro 2009

Ainda o Movimento Pijaminha

Em 30 de setembro do ano passado, o JPSetúbal publicou aqui no blogue um texto intitulado Movimento PIJAMINHA (da treta!). Faça o favor de seguir o atalho e ir lá (re)ler, antes de continuar a ler este texto... ... ...

Já está? Então ficou a saber ou recordou-se. Quem teve o cuidado de ler os comentários ao texto, tem já todos os elementos para prosseguir a leitura deste escrito. Quem não teve, faça o favor de voltar ao atalho e ler também os comentários. Este escrito espera e não foge, entretanto... ... ... Já está? Ótimo! Estamos então todos quase devidamente enquadrados para entender plenamente o que segue. Só falta saber dos antecedentes. Mas isso resolvo já no parágrafo seguinte...

O JPSetúbal, sempre solidário, tinha recebido uma daquelas mensagens-corrente que proliferam pela Rede Mundial de Computadores, no caso sobre o Movimento Pijaminha, e inquiriu dois ou três outros elementos da Loja sobre a possibilidade desta apadrinhar a campanha e ajudá-la. Da conversa havida, resultou que era uma possibilidade a ponderar, mas que, antes de tudo, havia que investigar sobre a efetiva existência da campanha, a bondade dos seus propósitos, o real interesse dos seus objetivos, a sua relevância social - enfim, as verificações que habitualmente fazemos antes de decidirmos dar o nosso apoio a qualquer entidade ou iniciativa. O JPSetúbal encarregou-se de obter algumas informações e... logo na primeira diligência, no IPO, apanhou com um banho de água fria: não só o IPO não necessitava de pijaminhas, como não caucionava a iniciativa e, até, a considerava perturbadora dos seus serviços. Daí o texto do JPSetúbal referenciado no atalho acima.

Parecia assunto acabado. Mas alguns comentários àquele texto puseram-me o ninho atrás da orelha... O simple, embora confessando o seu ceticismo, informou da existência de um blogue do Movimento Pijaminha. Elsa Nascimento assumia-se como elemento desse movimento e também assinalava o dito blogue.

Quando alguém dá a cara, merece-me, pelo menos, o benefício da dúvida. Resolvi ir espreitar o tal blogue e ver por mim próprio. Encontrei lá este texto da assumida líder do movimento. Pareceu-me esclarecedor, mas continuei a reservar a minha opinião e decidi ir acompanhando o assunto.

Em novembro último, recebi uma mensagem dando-me conta deste comunicado de imprensa do IPO. Novo mau sinal...

Já este mês, li esta entrada no blogue do Movimento Pijaminha.

Creio já ter elementos suficientes para ter uma opinião formada.

Segundo o Movimento, este ano, apesar de afetados pela polémica, conseguiram recolher donativos que lhes permitiram distribuir 310 pijamas no Hospital D. Estefânia, 20 pijamas e 20 pares de meias na Casa da Criança de Tires e 44 pijamas e 30 pantufas e chinelos e vários pares de meias no Instituto da Sãozinha, na Abrigada, Alenquer. Não é já feita nenhuma referência ao IPO.

O IPO, por sua vez, continua a rejeitar a associação do seu nome ao movimento.

Em face das duas posições, as minhas conclusões são:

1. O Movimento terá sido iniciado por pessoas bem intencionadas, mas voluntaristas.

2. Algo inorgânico, mas desorganizado e vulnerável a entusiasmos avulsos, deu origem a mensagens eletrónicas e apelos descoordenados, utilizando o nome de Movimento Pijaminha e associando-o, indevidamente, ao IPO - o que esta instituição não apreciou nada!

3. O núcleo inicial do projeto tenta salvá-lo e fazê-lo ultrapassar a polémica e dirige a sua atividade em benefício de outras instituições que não o IPO.

4. Se na minha mente permanecem algumas dúvidas sobre a efetiva necessidade social de distribuir pijamas no Hospital público de D. Estefânia, admito que seja relevante o auxílio prestado a instituições de acolhimento de crianças.

5. As intenções dos promotores do movimento parecem ser louváveis e, pelo menos, quanto aos lares de acolhimento de crianças, são suscetíveis de suprir ou ajudar a suprir algumas necessidades reais.

6. No entanto, o "pecado original" da polémica ocorrida, afeta, talvez irremediavelmente, a "marca" Movimento Pijaminha.

Correndo o riso de dar uma opinião que me não é pedida, penso que a iniciativa tem possibilidades de ser relevante para ajudar a suprir efetivas necessidades sociais, designadamente no particular "nicho" das instituições de acolhimento de crianças, mas, para tal, necessita de fazer duas coisas:

1. ORGANIZAR-SE. ESTRUTURAR-SE. Evoluir do voluntarismo de simples boa-vontade para uma instituição particular de solidariedade social, que conquiste a confiança pública. Hoje em dia, as pessoas, de tão solicitadas, começam a ser mais seletivas na consideração dos apelos à sua solidariedade e penalizam ou não dão o apoio, que porventura seria justificado, a iniciativas que suspeitem de desorganizadas, amadoras, insuficientemente controladas e, logo, não lhes dando suficientes garantias de boa aplicação dos seus donativos.

2. SUBSTITUIR A "MARCA" MOVIMENTO PIJAMINHA POR OUTRA. Justa ou injustamente, a "marca" Movimento Pijaminha está afetada, talvez irremediavelmente, pela polémica e desconfiança. Queira-se ou não, potencia desconfianças e, logo, desmobiliza vontades de ajudar. A superação da desconfiança será porventura possível, mas implicará esforços acrescidos, que melhor aproveitados seriam na atividade central de solidariedade. Embora eu compreenda o capital afetivo que esta "marca" implicará para os promotores originais do movimento, objetivamente ela prejudica já mais do que beneficia.

Esta a minha análise, o meu juízo, a minha opinião - que ninguém pediu!

Rui Bandeira

28 janeiro 2009

Ver de fora

O texto de José Restolho sobre aikido e maçonaria alertou-me ainda para um outro aspeto digno de reflexão, que tem a ver com a forma como as organizações ou as atividades são vistas por quem está de fora. Isso releva, quer para os juízos exteriores sobre as organizações e atividades, quer para a motivação de quem ganhe interesse nelas.

Para mim, observador exterior e não particularmente interessado, o aikido era visto simplesmente como uma variante das Artes Marciais orientais. Ponto. Basicamente, defesa pessoal e capacidade de travar uma luta. Defesa e ataque. Defender-se de agressões ou golpes da modalidade, aplicar uns quantos golpes e, mais queda, menos nódoa negra, estava tudo visto. Essencialmente uma atividade física, um desporto de combate, em que a mente exerceria um papel específico ao nível da concentração, mas que, grosso modo, dependia da rapidez de reflexos e certeza, força, amplitude e agilidade de movimentos. Nunca me passou pela cabeça a vertente exposta no texto, de busca de aperfeiçoamento, de luta essencial consigo próprio, de propósito e trabalho no sentido de chegar tão perto da inantigível perfeição quanto possível.

E eu considero-me, modéstia à parte, um espírito aberto!

Similarmente, a maçonaria também possibilita que quem está no seu exterior tenha dela uma imagem errada, desfocada. Tão mais errada e tão mais desfocada, quanto mais opaca para o exterior ela for. As circunstâncias e necessidades, mas também as escolhas da maçonaria envolveram-na num véu de secretismo, de desconhecimento, que só agora, nos tempos mais recentes, e apenas pelos espíritos mais abertos, vai sendo entreaberto. Não admira, pois, que haja muita gente que tenha ideias erradas sobre a Maçonaria e faça dela um juízo que nada corresponde com a sua realidade, o seu propósito, a sua essência, a sua prática.

No limite, a culpa não é de quem faz o juízo errado, é de quem mantém as condições que propiciam uma alta probabilidade de existência de muitos juízos errados. Eu fazia um juízo errado do aikido - e, por extensão, da generalidade das Artes Marciais - por desconhecer em absoluto a dimensão que me foi mostrada por meia dúzia de linhas de um texto do aikidoca José Restolho. Bastaram meia dúzia de linhas para me dar toda uma diferente noção do alcance da prática daquela modalidade! O desconhecimento gera distância, desinteresse, desconfiança. Um pouco de conhecimento transmitido pode fazer a diferença na mudança de atitude para quem está de fora.

Isto não tem nada a ver com proselitismo. O facto de eu ter reconhecido que a imagem que tinha do aikido era imprecisa, fluida e incorreta, em face da informação obtida com a tal meia dúzia de linhas, não me vai fazer ir a correr adquirir uma calça Hakama e saltar para um tatami (para desapontamento da minha mulher, que veementemente verbera o meu sedentarismo de cinquentão...). Mas possibilita-me deixar de fazer erradas ideias, afastar preconceitos, ver e aprender e ajuizar com mais acuidade. O mesmo pode acontecer com o profano a quem é proporcionada alguma informação sobre o que é, o que faz, o que pretende, a Maçonaria.

Quanto àqueles que desejam integrar-se na Maçonaria, também não me preocupo demasiado com as suas ilusões, ideias feitas e erros de perspetiva. Como bem se pontuou no texto sobre o aikido, é curioso que quando iniciamos a prática do Aikido pensamos apenas em aprender uma arte de defesa, algo que sirva para nos defendermos. Durante a prática preocupamo-nos apenas em deitar o outro ao chão, sermos eficazes, etc. Mas então, à medida que o tempo passa, as coisas vão mudando radicalmente. Deixamos de centrar a nossa prática no “derrubar ou imobilizar o adversário”, centramo-la antes em nós, centramo-nos nos nossos defeitos técnicos e nas nossas limitações. Eis que começa a surgir o caminho que temos a percorrer. Também é, para mim, natural que quem entra na Maçonaria, não tenha uma ideia perfeita sobre os seus objetivos, o seu modo de trabalhar, etc.. E que, caminhando o caminho que lhe é apontado, acabe por trilhar vereda bem diversa da que pensava inicialmente seguir. Por isso, quando analiso um potencial candidato a ser admitido na minha Loja, preocupo-me muito pouco com o que ele pensa que é a Maçonaria e muito mais com o que a Maçonaria lhe pode dar, em que o pode auxiliar a crescer e a avançar. Interessa-me essencialmente o potencial, a disponibilidade para interagir e modificar-se. Não me interessam diamantes, lapidados ou por lapidar. Esses são primas-donas que porventura ficarão muito bem para enfeitar e para dar brilho, mas que são duros de mais para se modificarem. Não acrescentam nada , a não ser o brilho da ilusão. Nada se lhes acrescenta, porque se têm por acabados e já próximos do que julgam ser a sua perfeição possível. Interessam-me muito mais os patinhos feios que podem transformar-se em cisnes, o barro que, devidamente moldado e trabalhado, dará peça de apreciar. Não me interessam nada o que são. Interessam-me, e muito, o que podem vir a ser e se têm capacidade e potencial para tal.

Rui Bandeira

27 janeiro 2009

A Pedra Aikido

O texto sobre aikido e maçonaria que nos foi proporcionado por José Restolho suscita-me a reflexão de que é inerente à natureza humana a busca da sua própria superação individual. Será, talvez, conjuntamente com o polegar em oposição aos demais dedos e com o tamanho do cérebro, um dos fatores que contribuíram para que a espécie humana se tornasse a espécie dominante do planeta. Polegar em oposição, os restantes primatas também o têm. A capacidade cerebral é uma inegável vantagem, mas já é um produto da evolução. A vantagem competitiva da espécie humana acentua-se com a sua disposição, o seu anseio, pela busca do melhor possível. Sempre.

Esta busca da excelência, se bem repararmos, está presente em diversos setores da atividade humana. A divisa do olimpismo, altius, citius, fortius (mais alto, mais rápido, mais forte) espelha este anseio no desporto. Na ciência, a constante e persistente busca de novos conhecimentos, de novas soluções, da resolução de cada vez mais complexos problemas propiciou e propicia indizíveis progressos. Dos quais o menor dos quais não será, por exemplo, o que possibilita que o leitor esteja neste momento a ler algo que não existe, que é apenas virtual, mas que corresponde efetivamente a um pedaço do meu pensamento. Esta hoje já banal tecnologia que permite guardar, transmitir, disponibilizar, aceder, consultar, todo um manancial de informação sem suporte físico, existente apenas em energia, é algo que, há meras duas centenas de anos, seria tido por impossível, inacreditável, utopia ou bruxaria... E, no entanto, aqui está...

Também no confronto do Homem consigo mesmo (coloco H maiúsculo para significar que o Homem que aqui refiro é o elemento da espécie humana, independentemente de género, portanto, incluindo homem e mulher) esta busca da perfeição, este anseio do contínuo progresso, este desejo de superação, de ir tão longe quanto possível e mais além, existe enquanto característica inerente à nossa espécie. E manifesta-se de diversas formas, algumas podendo aparecer inesperadas.

Já várias vezes aqui escrevi que a Maçonaria é apenas um dos caminhos, das vias, para a busca da Luz, do Conhecimento, da compreensão do significado da vida e da criação, da razão última da nossa existência e do caminho que prosseguimos, enfim da essência do que somos e seremos. Nesta demanda, a Maçonaria é um dos métodos, das veredas, possíveis. Os misticismos, cristãos ou não, a via meditativa, a comunhão natural, que sei eu!, são outras pistas possíveis e utilizadas.

O texto do José Restolho iluminou-me o espírito para a evidência de que também as Artes Marciais, enquanto filosofia de vida e de busca de perfeição, se podem enquadrar neste grupo de sendeiros. No fundo, é essencialmente uma questão de Culturas, de escolha de caminhos em função das raízes e tradições e civilizações e sociedades.

Há muito que tenho por adquirida a noção de que o impulso religioso é basicamente similar em toda a Humanidade. As várias e variegadas religiões derivam das interpretações e usos e práticas particulares sobrepostas a esse impulso básico, em função das diferentes condições ambientais, sociais, civilizacionais, etc.. Por isso, sou estrangeiro, em absoluto, ao conceito de guerra, ou controvérsia, ou discussão religiosa. Porque é lutar, arrazoar, discutir em seco, em vão, sobre nada. Todos - mas literalmente todos! - falam do mesmo, apenas de formas e sob roupagens diferentes. É, pois, uma guerra, uma controvérsia, uma discussão absolutamente sem objeto, apenas com aparência de objeto... Lá diz o Povo, com toda a sua ancestral sabedoria, que as aparências iludem. Mas é apanágio do Homem (outra vez com maiúscula...) sensato, sábio, ver para além das aparências e ultrapassar as ilusões que elas proporcionam.

O texto do José restolho alargou-me a perspetiva: não é apenas o impulso religioso que é basicamente comum a toda a Humanidade. É-o, é certo, mas estando inserido num outro impulso ainda mais básico e alargado: a busca da Perfeição, da melhoria contínua, de ir mais alto, mais depressa, com mais força - e mais longe - tanto quanto se puder. Incessantemente. Em busca do inantigível, mesmo sabendo que não o pode atingir.

A Perfeição é o arquétipo de Deus. A Humanidade busca atingir a Perfeição, a Deus. Busca aproximar-se da Perfeição, de Deus. Busca obter a Perfeição, atingir a Divinização. A Maçonaria, o misticismo, as Artes marciais, em suma, a Vida, são tudo caminhos, vias, meios, ferramentas, que o Homem prossegue e usa na sua eterna demanda deste Graal. Por isso, com propriedade José Restolho aponta universalidade dos princípios que a Maçonaria (mas não só) defende.

Eis como o contributo profano ajuda o maçon. O contributo do José Restolho levou-me a ampliar o conceito do impulso de busca da Perfeição. Ao fazê-lo, ao evadir-me dos limites estreitos das crenças religiosas, ao integrar a busca da Perfeição como inerente ao impulso básico da Humanidade, consegui dar um outro salto na análise: no fundo, a ambição humana de atingir, ou de se aproximar, tanto quanto possível, da Perfeição, mostra que o Homem, afinal, é, ou projeto de Deus, ou corruptela de Deus. Ou destinado a evoluir para chegar onde pode, ultrapassando e indo além dos estreitos limites da existência desta dimensão, ou buscando recuperar de involução que o fez perder a perfeição que busca reganhar. Em qualquer dos casos, a busca da perfeição é um indispensável meio para procurar atingir ansiada integração ou reintegração.

Mais uma pedra na parede do meu Templo Individual. A esta chamarei a Pedra Aikido. Obrigado, José Restolho!

Rui Bandeira

26 janeiro 2009

Aikido e maçonaria

Uma das coisas que me agrada na criação e manutenção deste blogue é a sua virtualidade de propiciar diálogos que, não fora ele, não teria. Por vezes inesperados. Por vezes sobre assuntos de que nunca me lembraria. Exemplo disto é a mensagem que recebi de José Restolho e que, com autorização dele, aqui transcrevo.

Seria Morehei Ueshiba, fundador do Aikido, Maçon? Ou mesmo até mesmo alquimista?

Não sou maçon, sou apenas um profano curioso e aikidoca. Pode-se dizer que os meus conhecimentos sobre a maçonaria são muito superficiais. Sei apenas que se trata de uma sociedade secreta, fraternal e universal. Visa o aperfeiçoamento espiritual e pessoal. É repleta de ritos e símbolos. O Aikido é, antes de mais, uma arte marcial mas transcende muito esse conceito. Pode-se dizer que se trata de um modo de vida. Eu sei que dito assim parece muito abstracto. Eu pensava o mesmo sempre que lia sobre isso. Mas então o que é afinal isto do Aikido?

Aikido significa “via da harmonização da energia” e foi criado em plena Segunda Guerra Mundial (1940). O seu fundador, Morehei Ueshiba, vendo como o povo sofria com a guerra, decidiu criar uma arte de paz, algo que tornasse as pessoas melhores e, assim contribuísse para um mundo melhor. É curioso que quando iniciamos a prática do Aikido pensamos apenas em aprender uma arte de defesa, algo que sirva para nos defendermos. Durante a prática preocupamo-nos apenas em deitar o outro ao chão, sermos eficazes, etc. Mas então, à medida que o tempo passa, as coisas vão mudando radicalmente. Deixamos de centrar a nossa prática no “derrubar ou imobilizar o adversário”, centramo-la antes em nós, centramo-nos nos nossos defeitos técnicos e nas nossas limitações. Eis que começa a surgir o caminho que temos a percorrer. O caminho não tem fim, nem é tão pouco fácil. Buscamos a perfeição sabendo que nunca a teremos, mas ainda assim não cessamos de a buscar. Quanto mais praticamos mais o caminho se torna óbvio. O nosso objectivo passa a ser uma transmutação quase alquímica. Tomamos consciência que, quando iniciamos a caminhada somos uma espécie de bloco de chumbo: grosseiro, pesado, inflexível. Com o passar do tempo procuramos transmutarmo-nos não em ouro, pois não procuramos a riqueza material, mas em mercúrio (o único metal líquido à temperatura ambiente). O mercúrio é fluido, é capaz de se adaptar às situações. Mas o mais curioso são as implicações que esta busca tem no nosso quotidiano. Tornamo-nos pessoas mais calmas, mais compreensivas e tolerantes. Evitamos o confronto, não fugindo, mas adaptando-nos à situação. Dito desta forma parece que esta prática é algo solitária e até um pouco “egoísta”. Mas não é. Se houve algo que a vida me ensinou foi que “só, nada se consegue”. Em cima do tatami (colchões sobre os quais praticamos) não importa a cor da pele, o estatuto social, o credo ou a opinião política. No tatami somos todos iguais, todos entramos nele com o espírito aberto, prontos a ensinar e a aprender, conscientes que, independentemente da graduação, somos e seremos sempre aprendizes, não só no Aikido como na vida.

Morehei Ueshiba não era Maçon nem alquimista. Com este testemunho profano, pretendo apenas demonstrar a universalidade dos princípios que, a meu ver, a maçonaria defende, assim como mostrar como duas coisas aparentemente tão diferentes têm tanto de semelhantes.

Excelente contributo e interessante ponto de vista! Eu, que, embora seja adepto do preceito mens sana in corpore sano, com o passar dos anos e a preguiça do sedentarismo, me vou contentando com a mens sana em corpore mais ou menos em condições, muito dificilmente me lembraria de relacionar aikido e maçonaria! Mas este contributo foi pretexto para alguma reflexão, que espero traduzir em dois textos a publicar proximamente aqui no blogue.

Entretanto, caro José Restolho, muito obrigado pelo contributo e disponha sempre! Este blogue é de temática maçónica, mas é escrito a pensar, não só nos maçons, mas também nos profanos interessados no que aqui se trata. E fico muito satisfeito por ter estimulado esta sua reflexão.

Rui Bandeira

23 janeiro 2009

O descuido

Encerro a semana de trabalho com mais uma pequena história para base de reflexão. Foi-me enviada de além-Atlântico por J.L. (muito obrigado!) e, como habitualmente, desconheço a sua autoria e edito-a ao meu jeito, para publicação aqui.

Venha comigo a uma sala de aula do primeiro ano...

Há um menino de seis anos sentado à sua carteira e de repente há uma poça entre seus pés e a parte dianteira de suas calças está molhada.

Pensa que o seu coração vai parar. Não imagina como isso aconteceu. Nunca havia acontecido antes e sabe que, quando os outros meninos descobrirem, nunca mais o deixarão em paz. Quando as meninas descobrirem, nunca mais falarão com ele enquanto viver.

O menino acredita que o seu coração vai parar, abaixa a cabeça e pensa:

"Isto é uma emergência! Eu necessito de ajuda agora! Mais cinco minutos e serei um menino morto".

Levanta os olhos e vê a professora a aproximar-se, com um olhar que diz que foi descoberto.

Enquanto a professora está andando em direção a ele, uma colega chamada Susana está a transportar um aquário cheio de água. Susana tropeça na frente da professora e despeja inexplicavelmente a água no colo do menino. O menino finge estar irritado, mas ao mesmo tempo interiormente diz "Obrigado, Senhor! Obrigado, Senhor!"

De repente, em vez de ser objeto de ridículo, o menino é objeto de compaixão.

A professora desce apressadamente com ele e dá-lhe calções de ginástica para vestir enquanto as suas calças secam.

Todas as outras crianças estão sobre suas mãos e joelhos, limpando o chão junto à sua carteira.

A compaixão é maravilhosa. Mas como tudo na vida, o ridículo que deveria ter sido dele foi transferido para outra pessoa - Susana. Ela tenta ajudar, mas dizem-lhe para sair:

- Já fizeste disparate que chegue, sua desajeitada!

Finalmente, no fim do dia, enquanto estão à espera dos pais, o menino vai até junto de Susana e sussurra-lhe:

- Fizeste aquilo de propósito, não foi?

E Susana sussurra-lhe de volta:

- Eu também molhei as minhas cuecas uma vez.

Todos precisamos de ajuda, alguma vez na vida. Todos temos oportunidade de ajudar, várias vezes na vida. Ajudemos sempre que pudermos. Mereçamos sermos ajudados quando chegar a altura em que necessitarmos. E tenhamos sempre presente que - inevitavelmente1 - todos nós tivemos descuidos na nossa vida...

Rui Bandeira

22 janeiro 2009

Mitos

Se a lenda parte da realidade para a superar, o mito cria-se e perdura independentemente da realidade. A única ligação que existe entre a realidade e o mito é que aquela é o pretexto para o surgimento deste, muitas vezes como forma de explicação do que nela se não entende. Quando o homem não consegue explicar uma realidade, cria um mito que lhe dá a ilusão do conhecimento que lhe falta.

Muitos mitos originam religiões. A mitologia grega do Olimpo e dos seus deuses era a base da crença religiosa dos gregos da Antiguidade. Da mitologia grega deriva a mitologia romana e os seus deuses. Mito e lenda casaram-se e tiveram como fruto da sua união clássicos da Literatura, o maior exemplo dos quais é a Ilíada, o poema épico em que se narra a guerra e a queda de Tróia, quer no plano (lendário) das lutas entre os homens, Aquiles e Heitor acima de todos, quer no plano (mítico) da confrontação entre os deuses, uns defendendo Tróia, outros ao lado dos gregos.

O mito é produto da imaginação. É grandioso. Épico. Maravilhoso.

Mitifica-se o que se desconhece e nos parece importante.

Também na Maçonaria o plano mítico teve e tem o seu lugar. Desconhecendo-se a origem da Maçonaria, e não se dispondo dos meios científicos que a modernidade colocou ao alcance do historiador, também em relação a essa origem nasceram e subsistem mitos. De alguns sabemos hoje a origem. Como surgiram outros, só podemos tentar adivinhar - mas esse é terreno perigoso, não vá a adivinhação originar mito sobre a origem do mito...

Surgiram mitos de que a Maçonaria seria herdeira dos Mistérios de Elêusis, ou dos Mistérios Esotéricos Egípcios, ou do Culto Mitraico, ou ainda continuadora da Escola Filosófica Pitagórica. Sem esquecer várias vertentes da Tradição Oriental (afinal de contas, os maçons buscam a Luz no Oriente...). Enfim, à míngua de certezas, as mais variadas e mirabolantes hipóteses são afirmadas como se certezas fossem, esquecendo-se que a busca da Humanidade pela compreensão dos mistérios da Vida e da Criação vem dos primórdios da sua existência, de todas as civilizações, do norte, do sul, do oriente e do ocidente e que é inevitável que interrogações comuns originem tentativas de explicação essencialmente semelhantes, em várias épocas e lugares. Poder-se-á sempre descobrir pontos de contacto entre a Maçonaria e as mais diversas Tradições. Isto não implica que a Maçonaria descenda ou suceda a esta, àquela ou aqueloutra Tradição. Prova apenas que a Interrogação Fundamental é a mesma, em todos os tempos e todos os lugares.

Mas talvez o mais famoso e persistente mito sobre a origem da Maçonaria seja aquele que a declara herdeira dos Templários, através dos sobreviventes do massacre de Filipe, o Belo, que lograram fugir para a Escócia e aí reconverter a sua Ordem de cavalaria na Ordem Maçónica. Este mito é ainda hoje muito disseminado, havendo maçons que piamente creem nas raízes templárias da Maçonaria. Também o mundo profano á sensível a este mito, como abundantemente foi demonstrado com as sequelas da obra de ficção O Código da Vinci, do autor americano Dan Brown e das variantes associadas à Rosslyn Chapel. Porém, este é um mito cuja origem é perfeitamente conhecida. Mais, sabe-se inclusivamente quem o criou e lançou e os motivos por que o fez.

O mito da origem templária da Maçonaria deve-se a Andrew Michael Ramsay, também conhecido por Chevalier Ramsay, um intelectual da pequena nobreza escocesa do século XVIII, que viveu grande parte da sua vida adulta em França. Ramsay foi maçon - é sabido. Menos conhecido é o facto de que foi também consagrado Cavaleiro da Ordem de S. Lázaro de Jerusalém, originalmente uma Ordem Militar das Cruzadas, criada para proteger os peregrinos cristãos a Jerusalém.

Em Inglaterra, a Maçonaria, originariamente oriunda de uma classe profissional, com a sua evolução para a moderna Maçonaria Especulativa, rapidamente ganhara o apreço da classe nobre. Se o primeiro Grão-Mestre da Premier Grand Lodge foi um desconhecido e vulgar Anthony Sayer, de quem muito pouco se sabe e, entre isso, que, após o seu mandato de Grão-Mestre, por duas vezes recebeu ajuda financeira, o que revela que não dispunha de meios de fortuna e passou, mesmo, por dificuldades, logo em 1721 assumiu o ofício de Grão-Mestre Lord Montagu, o primeiro de uma longa linhagem de nobres ingleses (e, a partir de certas altura, nobres da Casa Real) que, até aos dias de hoje, detêm o mais alto ofício da hoje Grande Loja Unida de Inglaterra.

A Maçonaria foi introduzida em França em 1725-1726. A sua expansão neste país dependia de uma similar adesão da classe nobre. Porém, os nobres franceses dificilmente se deixariam seduzir por uma organização resultante da associação de operários construtores... Um dos grandes divulgadores da Maçonaria em França, nesta época inicial foi precisamente Ramsay. Em 1737, Ramsay escreveu um discurso, destinado a ser proferido perante uma assistência de nobres, que veio a ficar célebre, no qual associava a Maçonaria às Cruzadas e proclamava residir a origem da Maçonaria nas Ordens de Cavalaria criadas para conquistar e defender a Terra Santa, designadamente os Templários. Estava criado o mito... e garantida a adesão da nobreza francesa a uma organização com tão ilustre pedigree...

Rui Bandeira

21 janeiro 2009

Lenda

Lenda é uma história romanceada. Normalmente partindo de um facto historicamente ocorrido ou referindo-se a um personagem que efetivamente existiu, constroi-se uma história mais rica, mais pormenorizada, mais interessante, que embeleza e enriquece o facto em que se baseia ou que engrandece ou particularmente qualifica o personagem que refere.

Na lenda parte-se da realidade e vai-se para além desta. Parte-se do que foi e chega-se ao que se gostaria que tivesse sido. Vai-se do real para o surreal (mais do que o real; para além do real). A lenda é sempre mais interessante, mais bela, mais apelativa à nossa imaginação e à nossa afetividade do que a realidade. A lenda é melhor do que a realidade. Só assim se justifica. Só assim existe. Só assim persiste.

A lenda é a melhor homenagem que a mente humana pode prestar à realidade. Um personagem valoroso, fora do comum, que se destaca, pode tornar-se um personagem lendário. Um acontecimento, porventura banal, quiçá trivial, mas que impressiona o intelecto, emociona a mente, desperta a imaginação, pode, com o passar do tempo, assumir uma dimensão lendária.

Porque a lenda vai para além da realidade, e portanto é melhor do que a realidade, mais bela, mais apelativa, mais memorável, facilmente a lenda perdura mais do que o real. E representa melhor os mais nobres ideais do homem. Todas as organizações humanas da maior relevância, mais tarde ou mais cedo assumem uma dimensão lendária, umas vezes coexistindo com a realidade, outras vezes apropriando-se desta e substituindo-a. Também a Maçonaria tem a sua dimensão lendária, com especial relevância e particular importância no seu ideário.

A moderna Maçonaria Especulativa baseia o seu simbolismo fundamental na Lenda de Hiram. Não vou aqui revelá-la, embora ela esteja profusamente publicada. A Lenda de Hiram tem a sua origem no episódio da construção do Templo de Salomão, relatado na Bíblia, no Livro dos Reis e também referenciado nas Crónicas. Conforme se pode ler num interessante trabalho de Ethiel Omar Cartes González, maçon da Loja Guatimozín 66, da Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo (Brasil), publicado na reconhecida Pietre-Stones, Revue of Freemasonry, na Bíblia é mencionado Hiram como Hirão de Tiro, (Reis 7, 13) ou Hurão Abiú sendo Hurão, meu pai, (Crônicas 2,13) filho de uma mulher viúva, filha de Dã e que, junto com ser um homem sábio de grande entendimento, sabia lavrar todos os materiais. Mas a Bíblia não credita a Hiram Abif o cargo de diretor dos trabalhos de construção do Templo e sim como um artífice encarregado de criar as obras de arte que iriam a causar admiração aos visitantes. (De passagem: é esta referência bíblica a origem da expressão filhos da viúva, com que os maçons se autodenominam.)

A Lenda de Hiram, trave-mestra dos ensinamentos transmitidos num dos graus da Maçonaria Azul e pretexto de desenvolvimentos em vários dos Altos Graus, sejam do Rito de York, sejam do Rito Escocês Antigo e Aceite, é indubitavelmente uma peça central do ideário maçónico. Apesar de todos lhe reconhecerem a natureza de lenda, a mesma é pretexto e instrumento e ferramenta para extrair e trabalhar muitos símbolos fundamentais da maçonaria, muitos ensinamentos a obter e desenvolver. Um maçon, após lhe ser transmitida a Lenda de Hiram, pode - e deve! - levar muitos anos a estudá-la, a analisá-la, a compreender os significados dos símbolos por ela mostrados ou sugeridos, e disso tirar grande proveito pessoal, moral e espiritual. A Maçonaria não é só - longe disso! - a Lenda de Hiram. Mas a Lenda de Hiram, e os ensinamentos que possibilita e proporciona, é muito, muitíssimo, na Maçonaria.

A propósito de lenda: também a Loja Mestre Affonso Domingues tem como trave-mestra da sua existência uma lenda: a lenda da Abóbada, incluída pelo grande Alexandre Herculano nas suas Lendas e Narrativas, na qual o escritor nos apresenta o personagem de Mestre Affonso Domingues (que historicamente é certo que foi um dos arquitetos do Mosteiro da Batalha), elevando-o à imortalidade lendária, com o episódio do fecho da abóbada da Batalha e a subsequente morte do velho Mestre, após três dias de isolamento sob esta, como prova de confiança de que a mesma não derrocaria e a emblemática tirada de que a abóbada não caiu; a abóbada não cairá. Também nós, esforçados maçons da Loja Mestre Affonso Domingues nos honramos muito do nosso patrono e da sua dimensão lendária e, confiantemente, declaramos que, em relação à nossa querida Loja, nem a abóbada cairá, nem as suas colunas abaterão, enquanto existirem, pelo menos, sete membros da Loja à face da Terra.

Rui Bandeira

20 janeiro 2009

História

A Maçonaria dá uma crescente atenção à sua História. Pela mesma razão que cada sociedade o deve fazer: os sucessos passados são a base da situação presente e as lições para as atuações futuras. Conhecer a sua História é beneficiar de uma aprendizagem duramente feita, ao longo de séculos. E uma parte dessa aprendizagem foi a conveniência de distinguir entre o que é História da Maçonaria e o que são histórias à roda ou inspiradas na Maçonaria. Esta aprendizagem fez-se na Maçonaria como se fez na sociedade. Ainda no século XIX, a História (com H maiúsculo), em resultado da cultura baseada no Romantismo da época, pouco mais era do que a narração de episódios épicos envoltos em véus tecidos pela imaginação, que realçavam as qualidades dos que na época eram incensados. A evolução da Ciência Histórica gradualmente habituou-nos à necessidade de fixação de factos e ações em função das provas documentais ou de outra natureza existentes. Por vezes caindo-se porventura no extremo oposto da recusa de dar por assente determinado facto ou ação, porque se não encontrava prova considerada bastante para o ter como verificado, em exagero que dá um novo e particular e enviesado significado à expressão Tribunal da História...

Da época em que a pesquisa histórica se enleava com a imaginação romântica, sobram-nos alguns mitos, que, à falta de comprovação, pelo menos nos estimulam os egos e a imaginação. O rigor histórico dos dias de hoje permite estabelecer, com algum pormenor e o devido rigor, o crescimento e a evolução da Maçonaria, desde a fundação da Premier Grand Lodge de Londres, em 1717, até à contemporaneidade. Neste período, já significativo, a tarefa do investigador histórico está facilitada pelo profuso acervo documental que os maçons se habituaram a deixar para a posteridade. Só o facto de ser rotineira, desde há séculos, a elaboração e guarda de atas registando os sucessos ocorridos nas reuniões das Lojas facilita enormemente o trabalho do investigador. Em muitos casos, poder-se-á até dizer que o problema porventura será já o oposto: o excesso de documentação, que dificulta, quiçá torna impraticável, normalmente, a análise de toda a documentação e a extração das pérolas de interesse histórico do meio da imensidão de registos de reuniões banais de gente vulgar tomando decisões corriqueiras.

Já quando se busca conhecer as origens históricas da Maçonaria as dificuldades são maiores. Os documentos e registos não abundam e rareiam mais à medida que se recua no tempo. O manuscrito mais antigo relacionado com a Maçonaria que se conhece é o Poema Regius, de finais do século XIV, um poema sobre os deveres morais, divulgado nos tempos modernos por Halliwell-Phillips numa comunicação, intitulada Da Introdução da Maçonaria em Inglaterra, apresentada na sessão de 1838-1839 da Sociedade de Antiquários. O manuscrito do poema é, por esse facto, também por vezes referido como Manuscrito Halliwell (ver aqui alguns elementos sobre o poema Regius, incluindo a transcrição do seu teor, em inglês arcaico e a sua "tradução" para o inglês moderno).

Através deste documento, confirma-se que as Lojas das corporações de construtores em pedra, os maçons que hoje designamos por operativos, existiam organizadamente no século XIV e, mais importante, que já nessa época, não se preocupavam unicamente com a guarda, transmissão e aprendizagem das técnicas de construção (algumas avaramente guardadas, como, por exemplo, a forma prática de tirar ângulos retos, imprescindível para que os edifícios fossem construídos com os cantos efetivamente a 90 graus e não ficassem com as paredes tortas, em aplicação da chamada 47.º Proposição de Euclides, a formulação geométrica do - agora - bem conhecido Teorema de Pitágoras), mas evidenciavam também interesse pelas regras de comportamento moral. Ou seja, o mais antigo documento relacionado com a Maçonaria mostra-nos que os maçons operativos já começavam a ser também especulativos, muito antes da transformação das instituições da Maçonaria Operativa na moderna Maçonaria Especulativa.

Os documentos históricos disponíveis e analisados indicam que a moderna Maçonaria Especulativa tem o seu início nos séculos XVII-XVIII nas Ilhas Britânicas, mediante evolução das Lojas das corporações de construtores em pedra pré-existentes. Os construtores (que não tinham só preocupações profissionais, mostra-nos o Regius) foram paulatinamente aceitando entre si elementos não pertencentes à profissão (senhores que os protegiam e que lhes davam trabalho, depois intelectuais que consideravam e que, pelo seu prestígio local, valorizavam as suas Lojas), originando uma surpreendentemente rápida transição da Maçonaria Operativa para a moderna Maçonaria Especulativa. Simbolicamente, marca-se o início formal desta através da constituição da Premier Grand Lodge de Londres, em 1717. Mas, na época, e antes, havia outras Lojas, para além das quatro Lojas de Londres fundadoras dessa Grande Loja, designadamente, na Escócia, na Irlanda e na região de York. Da Maçonaria pré-estabelecida na região de York reclama-se herdeira - e mais antiga Grande Loja do Mundo - a relativamente pouco conhecida (e não reconhecida pela UGLE e pela Maçonaria Regular) The Grand Lodge of All England at York.

Desde a fundação da Premier Grand Lodge, a evolução histórica da Maçonaria até aos dias de hoje é bem conhecida.

Rui Bandeira

19 janeiro 2009

Maçonaria: história, lenda e mitos

Quer para os seus cultores, quer para os seus detratores, a Maçonaria significa mais do que o seu dia a dia apresenta aos que nela buscam ferramentas para o seu aperfeiçoamento pessoal. A Maçonaria, instituição com centenas de anos, influenciou tanta gente de valor, tanto progresso da humanidade, tanta evolução da sociedade, que progressivamente ganhou uma aura - de prestígio, de honra, de valor, para os seus cultores; de perigo, de conspiração, de influência malfazeja, para os seus detratores - que supera, creio, a realidade. E esta é já muito gratificante!

A Maçonaria ultrapassa hoje os maçons e o seu conjunto. Confere-se-lhe poder e influência superiores aos que realmente detém. O principal objetivo da Maçonaria - o aperfeiçoamento moral e espiritual dos seus membros - parece demasiado modesto, quer em relação aos feitos passados, quer à alegada capacidade presente, quer aos (ansiados ou temidos, consoante os casos) propósitos futuros. Não duvido que a Maçonaria, pela elevada craveira dos seus milhões de membros, possua potencialidades de influenciar grandes mudanças e progressos (ou, segundo os seus detratores, diabólicos planos e retrocessos...). Interrogo-me se deseja desenvolver e aplicar, enquanto organização, essa potencialidade (ao invés de, formados, melhorados, mudados os seus membros de bons para melhores, ser cada um destes a contribuir, por si, para o progresso e a melhoria, material e espiritual, da sociedade em que se insere). Duvido, muito fortemente, que, se o desejasse, fosse uma opção sensata.

Mas, para o bem e para o mal, bem vistas a realidade e as ilusões, a Maçonaria é vista, por cultores e detratores, com uma dimensão e influência superiores às que efetivamente detém. Resulta, a meu ver, esta situação, do facto de a Maçonaria, pelas circunstâncias em que cresceu e se desenvolveu, ter constituído e constituir um ponto de convergência de três planos distintos: o plano histórico, ou real, o plano lendário, ou surreal, e o plano mítico, ou imaginário.

Esta convergência destes três planos, que em princípio se teriam por contraditórios e inconciliáveis, é, por exemplo, claramente aparente, quando se busca informação sobre as origens da Maçonaria: no plano histórico, a Maçonaria tem as suas origens nas associações medievais e pós-medievais de construtores em pedra, em especial segundo a forma e prática que assumiram nas Ilhas Britânicas; no plano lendário, a origem da Maçonaria remonta à época da construção do Templo de Salomão; no plano mítico, surgem-nos as mais variadas e fantasiosas origens: desde os Templários, aos sacerdotes e mistérios egípcios, ao culto mitraico, encontramos origens míticas da Maçonaria, para todos os gostos e paladares.

Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, esta mistura de planos inconciliáveis não constitui um mal, um defeito. Na minha opinião, é uma mais-valia. Porque permite que na Maçonaria confluam os planos da avaliação racional, do sonho e da imaginação. Tendemos a esquecer que a Razão, sendo obviamente importante, sendo essencial, não é tudo, que o Instinto, a Inteligência Emocional, a Imaginação, constituem também dimensões essenciais do todo que cada ser humano é e todos têm um papel na sua evolução, na sua melhoria, no seu aperfeiçoamento. Um ser exclusivamente racional tende a hipervalorizar a lógica e a ser frio, a esquecer o sentimento. A capacidade racional do homem deve ser complementada pelos outros planos e valências referidos, sob pena de a queda no hiperrealismo significar o enlear no imobilismo. Inerentes à evolução, ao progresso, pessoal e social, estão as capacidades de sonhar, de imaginar. Por cada mil sonhos loucos, um revelar-se-á, não só viável, como meritório; o produto da mais desbragada imaginação normalmente são castelos na areia, ou flutuando no ar, mas, de quando em vez, o jogo entre a mente humana e a sua imaginação faz com que surja uma situação em que o Mundo pula e avança, como bola colorida entre as mãos de uma criança...

Portanto, uma das riquezas da Maçonaria, a razão por que esta é tida com mais capacidade do que a que detém, é esta confluência em si dos três planos: histórico ou real, lendário ou surreal e mítico ou imaginário.

Nos próximos textos, procurarei referir-me a cada um destes três planos, em relação à Maçonaria.

Rui Bandeira

16 janeiro 2009

História banal

Mais uma história de sexta-feira. Como as anteriores, recebi-a por correio eletrónico, desconheço a sua autoria e editei-a para publicação aqui.

Uma sexta-feira, João, no caminho entre a escola e a sua casa, viu um outro garoto da sua turma, chamado Luís, também a caminho da casa dele, levando todos os seus livros. Estranhou, porque os alunos costumavam deixar os seus livros na escola. Devia tratar-se de um
marrão, um dos raros espécimes que estudava incessantemente e procurava ter sempre as melhores notas...

Conforme ia caminhando, João viu um grupo de rapazes correr em direção a Luís. Cercaram-no, empurraram-no, arrancaram todos os livros dos seus braços, atiraram-no ao chão. Os óculos de Luís voaram e caíram na relva a alguns metros de distância onde tudo se passava. Caído, Luís ergueu o rosto e João viu uma terrível tristeza nos seus olhos.

João correu até junto do colega, enquanto ele gatinhava, procurando os seus óculos. Pôde ver uma lágrima nos seus olhos. Enquanto lhe entregava os óculos, João disse-lhe:

- Aqueles tipos são uns idiotas! Deviam tratar da vida deles, em vez de se divertirem à custa dos outros.

Luís olhou João nos olhos e agradeceu-lhe - a ajuda e as palavras! Abriu-se um grande sorriso na sua face. Um daqueles sorrisos que realmente mostram gratidão.

João ajudou Luís a apanhar os seus livros e perguntou-lhe onde morava.

Por coincidência, moravam perto um do outro. Conversaram durante todo o caminho. João convidou Luís para ir jogar futebol com ele e os seus amigos nesse fim de semana. João aceitou e ambos passaram juntos boa parte do fim de semana, em renhidos jogos de futebol.

Chegou a segunda-feira e lá estava o Luís com aquela quantidade imensa de livros outra vez! João dirigiu-se a ele e disse-lhe:

- Caramba, rapaz, vais ficar realmente musculoso carregando essa pilha de livros assim todos os dias!

Luís simplesmente sorriu e entregou a João metade dos livros, para que este o ajudasse a transportá-los. Nos anos seguintes, João e Luís tornaram-se amigos muito unidos. Quando terminaram o secundário, sabiam que os seus caminhos se iam separar, mas esperavam manter a sua amizade. João ia tirar um curso de Desporto. Luís ia cursar Medicina. Luís era o orador que ia representar a turma na Cerimónia de Graduação dos Finalistas. João provocava-o constantemente, chamando-o de
marrão, o pensamento que lhe viera à cabeça a primeira vez que nele reparara.

Luís teve de preparar um discurso de formatura e João estava muito aliviado por não ser ele quem devia subir ao palco e discursar. No dia da Formatura, Luís estava ótimo, muito bem-disposto, embora fosse visível algum nervosismo, por causa do discurso.

Quando ele subiu ao palco, limpou a garganta e começou o discurso:

- A Formatura é uma época para agradecermos àqueles que nos ajudaram durante estes anos duros. Pais, professores, irmãos, talvez até um treinador, mas principalmente aos amigos. Eu estou aqui para lhes dizer que ser um amigo para alguém é o melhor presente que se lhe pode dar. Vou contar-lhes uma história...

João olhava para o seu amigo, sem conseguir acreditar, enquanto ele contava a história sobre o primeiro dia em que se tinham conhecido. Ele tinha decidido matar-se naquele fim de semana! Contou a todos como havia esvaziado o seu armário na escola, para que a sua mãe não tivesse que fazer isso depois de ele morrer e estava a levar todas as suas coisas para casa.

Neste ponto do discurso, Luís olhou João diretamente nos olhos e fez um pequeno sorriso, enquanto concluía:

- Felizmente, o meu amigo salvou-me de fazer algo irremediável!


Até àquele momento, João nunca se tinha dado conta da profundidade do sorriso que Luís lhe dera naquele dia. Olhou para os pais do Luís e viu-os também olhando para ele, também
sorrindo com a mesma gratidão.

A lição desta historieta é fácil: nunca subestime o poder das suas ações. Com um pequeno gesto, pode mudar a vida de uma pessoa. Para melhor ou para pior.

Rui Bandeira

15 janeiro 2009

O segredo maçónico esotérico

Nos textos anteriores, procurei dar uma noção sistematizada das várias vertentes do que se convencionou chamar de segredo maçónico e que eu designo por segredo maçónico exotérico, já que tudo aquilo a que respeita pode facilmente ser transmitido e apreendido. Procurei também indicar as razões da preservação de segredo sobre essas matérias. Mas, na minha opinião, o verdadeiro segredo maçónico vai muito além da discrição sobre identidades, modos de reconhecimento, rituais, cerimónias e trabalhos efetuados. Na minha opinião, o verdadeiro segredo maçónico, o que importa, o que releva, existe, não porque os maçons o queiram preservar, mas porque não o conseguem revelar. Porque é insuscetível de plena transmissão. Chamo-lhe segredo maçónico esotérico. Também há quem o refira como a Palavra Perdida. Em bom rigor, nem sequer é exclusivo dos maçons. A Maçonaria ensina e pratica apenas um dos métodos para a ele se poder aceder. Outros porventura haverá, desde a vertente mística à que privilegia a meditação ou a busca do equilíbrio perfeito.

Talvez, como muitas vezes sucede, quem melhor conseguiu mostrar o que é o verdadeiro segredo maçónico, tenha sido um Poeta, no caso, o grande Fernando Pessoa, neste fantástico poema.

É realmente incomunicável. E obviamente não tenho a prosápia de desmentir o Poeta. Mas posso tentar apontar a sua natureza, indicar a direção em que cada um deve olhar, sugerir o rumo da busca.

O verdadeiro segredo maçónico, aquilo a que muitos chamam de Palavra Sagrada ou, muito simplesmente, de Luz, é aquilo que o maçon aprende através do contacto com seus Irmãos, do convívio e busca de entendimento dos elementos simbólicos que a maçonaria profusamente coloca à disposição dos seus elementos, do método de análise, de trabalho, de esforço, de meditação, de extenuada conquista, passo a passo, degrau a degrau, patamar a patamar, sobre si próprio, a pulso desbastando suas imperfeições, despojando-se do interesse sobre toda a ganga material que obnubila os nossos espíritos, indo-se cada vez mais longe em épica viagem, com começo e fim no fundo de si mesmo e aí descobrindo a resposta que procura.

Esta busca, esta viagem, esta procura, tem um começo e um fim, mas nem um nem outro serão porventura os esperados. O começo será sempre depois do meio dia, a hora a que os maçons iniciam os seus trabalhos, quando cada um está efetivamente apto a começar a trilhar o caminho sem marcos, bordas ou fronteiras, que conduzirá não sabe onde. O fim, esse, tem hora marcada, aquela a que os maçons pousam as suas ferramentas, a meia noite. Como em muito do que tem valor, tão importante é o resultado como o trabalho para o obter, tão atraente é o destino, como o caminho que a ele conduz. E muito raramente o caminho mais curto entre o ponto de partida e o de chegada será uma reta...

Em bom rigor, duvido mesmo que haja apenas um verdadeiro segredo maçónico, um único segredo esotérico. Nesta altura do meu entendimento, propendo a considerar que cada maçon atinge a sua própria Luz - a deste com mais brilho, a daquele mais baça, a daqueloutro, qual bruxuleante chama de longínqua vela, mal se vendo -, cada maçon encontra e resgata a sua própria e individual Palavra Perdida - a de um bela e cristalina, a de outro sonora e estentória, a de um terceiro suave e quase inaudível murmúrio.

Cada um encontra o que procura e o que trabalha e se esforça por encontrar. Cada um encontra Segredos, Luzes, Palavras diferentes ao longo da sua busca. Porque esta nunca termina. Cada resposta encontrada dá origem a novas perguntas, nascidas de mais lúcida compreensão, em perpétua evolução e aprofundamento de compreensão. É por isso que tenho para mim que eu não posso, não consigo, não sei, partilhar a minha Palavra, com mais ninguém, nem sequer com o meu mais chegado Irmão. Não só porque não consigo descrevê-la em toda a sua extensão e complexidade, como porque o mero enunciar do ponto do caminho em que me encontro me abre novos horizontes de busca, para lá dos quais nem sequer sei se não terei de pôr em causa e de reformular tudo ou parte do que me levou a percorrer esse preciso caminho, quer ainda porque cada viagem, mesmo a do meu mais mais chegado Irmão, seguiu rumos diversos dos meus, levando a linguagens distintas, a conceitos diferentes, a complexas variantes.

Cada um, penso-o agora - no preciso instante em que isto escrevo -, em cada momento encontra diferente Palavra, vê diversa Luz, preserva variado Segredo, porque cada um viaja para destinos diferentes: cada um viaja até ao fundo de si mesmo e cada um é todo um Universo diferente do parceiro do lado.

Nessa viagem, nesse trabalho, nessa busca, cada um procura coisa diversa. Eu só posso definir o que neste momento busco. Já me reconciliei - há muito! - com a finitude da vida neste plano de existência, já abandonei, por estulta e estéril, a busca do imenso porquê, a mim nunca me interessou particularmente interrogar-me sobre o cósmico como. Por agora, desde há muito e não sei até quando, concentro-me na busca do sentido da Vida e da Criação. Tenho uma ideia rude e imprecisa desse sentido. Busco o melhor ângulo para obter mais Luz. Espero que consiga obter o Brilho suficiente para, através do sentido da Criação, entrever o Criador... E tudo isto eu - neste momento - busco, em fantástica viagem, sem outro veículo que não eu próprio, não consumindo outro combustível senão tudo aquilo de que me interiormente despojo, sem outro destino e caminho senão o fundo de mim mesmo. Porque é o conhecimento de mim mesmo, em todas as complexas vertentes que condicionam o meu Eu que me habilitará a conhecer o Outro, o Mundo e quem o criou e porquê e para quê e como. Eu sou a pergunta, a pergunta sem resposta, a pergunta buscando a resposta e, simultaneamente, a resposta contida na própria pergunta, que me levará a nova pergunta, que gerará nova resposta, em contínuo alargar de horizontes, que espero me permita entrever o que está para além do horizonte e contém todos os horizontes...

Algo já encontrei, algo já me ilumina, algo já consigo balbuciar. Mas não tenho ilusões: ainda não sei ler nem escrever, sei apenas soletrar...

Confuso, não é? Pois é! Eu bem avisei que o segredo maçónico esotérico é aquele que existe porque não se consegue transmitir... O Poeta bem o soube...

Rui Bandeira

14 janeiro 2009

Reserva sobre trabalhos de Loja

Os maçons comprometem-se também a não divulgar o teor concreto dos trabalhos de uma reunião, ritualmente realizada, de Loja. À primeira vista, parece excessivo. Sobretudo, tendo-se em conta que, de cada reunião, é elaborada uma ata que, depois de aprovada, é conservada na documentação e no arquivo da Loja. Por essa ata se alcança que assuntos foram tratados na reunião, que deliberações foram tomadas. E uma ata existe para ser consultada - senão, para quê fazê-la? Independentemente da delicadeza dos assuntos tratados, a ata é elaborada e preservada. Ainda há pouco tempo foi publicada neste blogue uma ata que registou os trabalhos da sessão de 18 de setembro de 1835 da Loja brasileira Philantropia e Liberdade. E essa ata registou, nada mais, nada menos, do que a preparação e planificação de um movimento revolucionário, a Revolução Farroupilha!

Porquê então guardar sigilo sobre os sucessos de uma reunião, ao mesmo tempo que se regista, e se guarda escrupulosamente esse registo, o que se passou, elaborando-se uma ata formal? Se é certo que o acervo documental constituído pelas atas das reuniões das Lojas maçónicas pode constituir e constitui precioso material de investigação histórica, nem sequer é esse o principal objetivo do registo em ata. Como acima escrevi, uma ata serve para ser consultada. Cem anos depois ou dois dias depois...

Esta aparente incongruência esclarece-se se tivermos a noção de que uma Loja maçónica é uma organização - que deve registar os seus eventos e deliberações mediante atas, até em obediência às leis civis e em cumprimento dos bons costumes sociais -, mas uma organização com uma característica bem distintiva: é uma fraternidade. Enquanto fraternidade, cultiva e desenvolve especialmente as relações de confiança mútua entre os seus elementos, em estrito espírito de igualdade, sem prejuízo dos graus e qualidades de cada um e dos particulares deveres e meios que cada grau ou qualidade confira a quem os detém.

Enquanto organização, uma Loja maçónica cumpre as regras civis e, portanto regista quem esteve em cada reunião, o que se tratou nela, o que ficou decidido. E guarda e preserva esse registo, que, a qualquer momento, pode ser necessário nos mesmos termos em que qualquer ata de qualquer reunião de qualquer associação ou sociedade pode ser necessária.

Enquanto grupo fraternal, procura-se que cada elemento se sinta, no interior do grupo, completa e absolutamente livre de expressar as suas ideias, opiniões, projetos, preocupações, sem constrangimentos de qualquer espécie. O espaço de uma Loja em reunião ritual é um espaço em que todos e cada um podem baixar completamente as suas defesas e guardas, em que não necessitam de manter a sua "máscara social", em que todos e cada um podem ser e comportar-se e aparecer como realmente todos e cada um são, com suas forças e fraquezas, virtudes e defeitos. Porque, naquele espaço, todos e cada um sabem que devem aos demais a mesma tolerância que dos demais recebem. Porque todos e cada um sabem que todas as opiniões, ideias, contribuições, são analisadas e consideradas pelo seu valor intrínseco, sem argumentos ad hominem, sem acrescentar ou retirar valia à opinião expressa em função de quem a expressa.

Enquanto grupo fraternal, cultiva-se a absoluta confiança mútua, a cooperação, o auxílio a todos na medida das possibilidades de cada um. Procura criar-se um laço forte e duradouro entre todos. Que por isso se consideram Irmãos. Ao criar-se um laço desta natureza, está-se a criar um espaço onde a crítica é aceite, porque a aceitação existe ainda que haja lugar a crítica. Preserva-se um espaço de cumplicidade imensa, em que cada um está à vontade junto dos demais, porque confia nos demais como nele mesmo.

Num espaço assim, de Fraternidade, pode desabrochar sem peias a Liberdade. A Liberdade de opinar, de arriscar testar uma ideia, sem medo de que ela seja apoucada por disparatada. Se o for, assim será considerada. Mas isso não diminui quem a teve. Porque se sabe que ela só foi expressa porque se estava à vontade e porque é em espaços assim que livremente se pode testar a real valia de ideias, opiniões, propósitos. E aperfeiçoar. E limar arestas. E - quantas vezes! - transformar uma balbuciante e hesitante ideia num projeto sólido e com mérito, através do contributo de todos. Um espaço assim é potencialmente um espaço de criatividade e cooperação sem paralelo - porque ninguém teme o juízo, ou a troça ou o apoucamento dos demais. Porque todos sabem que ninguém tem só excelentes ideias, que só expondo todas - as péssimas, as sofríveis, as regulares, as boazinhas, enfim, todas - é possível peneirar delas as que têm efetiva valia. Porque todos sabem que um bom projeto só raramente é produto do valor de apenas um qualquer iluminado, antes resulta da concatenação de ideias, que se acumulam e organizam e dão forma, muitas vezes diferente no final do que fora o lampejo inicial.

Num espaço assim não se tem medo de ser ridicularizado, apoucado, magoado. Mesmo que se use o direito ao disparate. Num espaço assim, sabe-se que o juízo sobre o valor de cada um não depende de uma excelente ou uma péssima ideia, antes resulta do Todo que cada um é e que os demais vão conhecendo, cuja evolução vão constatando.

Um espaço assim é um espaço de intimidade intelectual sem paralelo. E só subsiste porque blindado numa confiança mútua absoluta. O que se diz ali, fica ali. Seja a ideia do século, seja o mais profundo disparate. Quer uma, quer outro, são ali vistos na correta perspetiva, de procura de contribuição para a melhor decisão do grupo, de experimentação, de sugestão, sem reservas, sem cuidados, sem temores de ridículo ou de crítica.

Um espaço assim propicia a mais livre da Livre Expressão do Pensamento. Porque livre da necessidade da pior das censuras, a autocensura. Um espaço assim, baseado na confiança, na Fraternidade, só pode subsistir se todos e cada um souberem que o à vontade em que se expressam não é traído por juízos exteriores feitos por quem, descontextualizando o paradigma em que as ideias são expostas, possa vir a apoucar a ideia, o pensamento, a opinião.

É para preservar esse espaço intimista de Liberdade que se preserva o que de concreto se passa numa reunião maçónica. Porque cá fora julga-se segundo os critérios cá de fora, não se atendendo às condições que se criam para que todas as contribuições sejam bem-vindas. É preciso garantir que todos e cada um possam, no decorrer de uma reunião ritual de Loja, expressar sem quaisquer constrangimentos, de qualquer natureza, as suas ideias e convicções e opiniões. Para que essa Liberdade absoluta exista, mister é que todos e cada um saibam que o que se passa em Loja fica em Loja. E portanto, cada um guarda cuidadosamente para si o que em Loja se passou. Quem quiser saber e tenha o direito a saber... consulte a ata!

Rui Bandeira

13 janeiro 2009

Reserva sobre rituais e cerimónias

Os maçons estruturam o seu trabalho em Loja mediante rituais. A abertura e o encerramento dos trabalhos são sempre executados da mesma forma, a maneira como, durante os trabalhos, cada um fala ou se movimenta em Loja está tipificada, etc.. Os maçons assinalam também diversas situações, individuais ou coletivas, consideradas significativas com Cerimónias meticulosa e ritualmente executadas. Assim sucede com a Iniciação, a Passagem, a Elevação, a Instalação, a Consagração de Loja, etc..

A preservação do segredo sobre os rituais e cerimónias é uma das obrigações dos maçons. Quanto aos rituais, porque são parte integrante da identidade da instituição, que só fazem sentido no âmbito da mesma. A pior coisa que se pode fazer a um conceito, uma informação, uma declaração, é descontextualizá-la. A descontextualização atraiçoa o espírito, o propósito, o aspeto do conceito, da informação, da declaração. Torna-o, ou pode torná-lo, inentendível. Desvaloriza-o. Quiçá, submete-o a ridículo. No entanto, no seu devido contexto, os rituais maçónicos, não só são entendíveis, como são fonte de estudo e iluminação. Não só têm valor, como são fonte de união. Não só são seriamente tomados e executados, como são fonte de fortalecimento do espírito de grupo e da fraternidade entre os maçons.

Os rituais só fazem plenamente sentido se e quando executados no local e pela forma próprios, por e perante quem está apto a compreendê-los. Expô-los aos olhares profanos seria permitir que juízos turvados pela ignorância, obnubilados pelo preconceito, prejudicados pela distância, extraíssem conclusões erradas, perfunctórias, vãs.

Quanto às cerimónias, acresce ainda um outro motivo para o seu teor e o seu desenrolar ser reservado não apenas aos maçons, mas aos maçons do grau em que são executadas, ou superior. É que é importante preservar o fator surpresa, em relação àquele ou àqueles em benefício de quem cada cerimónia é executada. A Maçonaria destina-se a propiciar um terreno apto para o aperfeiçoamento moral e espiritual dos seus membros. Coloca ensinamentos, princípios, máximas, à disposição destes. Faseadamente. Um pouco de cada vez, para que os ensinamentos, os princípios possam ser detetados, descobertos e interiorizados pelos interessados. A Maçonaria nada ensina. Apenas possibilita que se aprenda. Mas essa aprendizagem não é efetuada apenas com o recurso à memória e ao elemento racional. Essa aprendizagem, essa melhoria, esse avanço, resulta também da marca deixada em cada um, através da respetiva inteligência emocional e seu desenvolvimento. Daí que as noções obtidas não sejam apenas adquiridas, mas realmente entranhadas. Daí que se dê valor ao tempo, ferramenta indispensável à construção da melhoria de cada um. Todo este processo se desencadeia através da disponibilidade de apreensão de algo que se desconhece. Daí a importância do fator surpresa. Muitas vezes o que se transmite não é novo. Já foi centenas de vezes lido, milhares de vezes visto. Mas nunca foi visto ASSIM, nunca foi contextualizado DESTA forma, nunca tinha sido introduzido COMO tal.

O maçon a quem uma cerimónia é dedicada é sempre o centro da mesma. Para que a viva e não apenas a ela assista. O objetivo é VIVER a cerimónia. Não revivê-la. Por isso a deve desconhecer antes de dela beneficiar. Por isso devem as cerimónias maçónicas permanecer secretas, de conhecimento reservado a quem o deve ter - e só a esses.

Mas há dezenas de versões de rituais publicados. através dos quais se pode ler o texto de diversas cerimónias. Qual então o interesse de continuar a preservar o sigilo sobre rituais e cerimónias? Duas razões avanço: em primeiro lugar, muito do que está publicado não é já atual. Pode ter semelhanças com o que atualmente se pratica, mas também tem diferenças, algumas significativas. Em segundo lugar, um ritual, uma cerimónia, não é - longe disso! - apenas um texto que se lê ou recita. É muito mais que isso. É movimento, é entoação, é gesto, é interpretação. Muito do que ritualmente é executado não está escrito. É aprendido pela observação, aperfeiçoado com o auxílio dos que antes aprenderam a executar. Por isso é importante o trabalho de aperfeiçoamento ritual de uma Loja. Como um meio. Nunca um fim em si mesmo.

Preservar o segredo quanto a rituais e cerimónias é preservar a essencialidade da cultura maçónica, da sua diferença em relação ao mundo profano. É preservar o método de transmissão e apreensão de conhecimentos. É, enfim, proteger o cerne da Maçonaria.

Os rituais e cerimónias maçónicos, sendo reservados aos maçons, não têm nada de especial, a não ser o cuidado em que sejam um meio eficaz de transmissão de noções, mais uma ferramenta do método maçónico de aperfeiçoamento. Nada têm de censurável ou perigoso. Em nada contendem com as normas do Estado ou com os princípios da Sociedade. Por isso, os maçons também preveem e organizam, de quando em vez, cerimónias a que chamam de brancas, ou seja, abertas a profanos, também executadas ritualmente, através das quais os profanos - e, em primeiro lugar, as profanas com quem partilhamos as nossas vidas... - podem aperceber-se de como decorre uma reunião maçónica. O princípio é sempre o mesmo: os maçons reservam para si o que só para si deve ser guardado, mas não têm qualquer problema em mostrar aos demais o que extravasa do núcleo estrito de reserva, nem em demonstrar como fazem.

Afinal de contas, num mundo ideal, todos seríamos maçons...

Rui Bandeira

12 janeiro 2009

Reserva sobre as formas de reconhecimento

Antigamente era, em muitos locais, perigoso ser maçon. Ainda hoje o é, em várias partes do globo. Os maçons tinham necessidade de se conseguirem reconhecer uns aos outros, sem necessidade de perguntar. Com efeito, se um maçon perguntasse a outrem se também era maçon e esse outrem não só não fosse maçon como denunciasse quem o inquirira, estava o caldo entornado... Havia, pois, que arranjar maneira de um maçon se poder assegurar que outro homem também tinha essa qualidade, de forma que, se assim fosse, o interrogado soubesse que tal interrogação lhe estava a ser feita e soubesse responder da mesma forma, mas que, se o interrogado não fosse maçon, não se apercebesse sequer da interrogação. Havia que criar uma forma de um maçon se dar a conhecer como tal, de maneira que só os maçons se apercebessem disso e só eles reconhecessem essa forma. Havia que poder testar se alguém que se arrogava de ser maçon efetivamente o era. E, sobretudo, havia que tudo isto fazer de forma discreta, apenas percetível por quem devesse perceber. E havia, obviamente que guardar segredo dessas formas de reconhecimento.

Antigamente,não havia as facilidades e rapidez de comunicações e de deslocação que há hoje. Os agregados populacionais eram fechados, muito mais isolados do que agora e, sobretudo, mais distantes, em termos de tempos de viagem. Ir de Lisboa a Londres demorava semanas. Ir de Lisboa ao Porto demorava dias. Ir da Europa à Ásia, a África ou à América demorava meses. Um viajante que chegava a um qualquer local era um desconhecido e desconhecia quase todas ou todas as pessoas desse local. Se se arrogava qualquer título ou condição, não havia meios de comunicação rápidos que permitissem verificar, em terras distantes, se o afirmado era verdade.

Viajar era demorado e perigoso. Os maçons em viagem podiam beneficiar do auxílio de seus Irmãos. Muitas vezes sendo - viajante e residente - desconhecidos um dos outro. Não bastava ao viajante dizer que era maçon. Tinha de comprovar essa qualidade.

Antigamente era, pois. essencial que existissem formas de reconhecimento discretas, eficazes e de conhecimento restrito aos maçons. Que deviam ser e eram avaramente guardadas em segredo.

Essas formas de reconhecimento eram e são constituídas por determinados sinais, por certas palavras, por específicos toques. Os sinais permitiam que os maçons se reconhecessem como tal no meio de uma multidão, se preciso fosse, sem que mais ninguém se apercebesse. As palavras permitiam confirmar esse reconhecimento, constituindo uma segunda forma de verificação, que confirmaria a identificação ou permitiria desmascarar impostor que, por conhecimento ou sorte, tivesse efetuado corretamente um sinal de identificação. Os toques, discretos, permitiam, além de uma fácil identificação mútua absolutamente discreta e insuscetível de ser detetada por estranhos, também desmascarar impostores, pois não bastava, nem basta, usar um certo toque: é preciso saber quando o usar, para quê e que deve suceder em seguida...

Sempre os sinais de reconhecimento foram objeto de curiosidade profana. Por quem perseguia a Maçonaria e os maçons, por razões evidentes. Por quem, não sendo maçon, gostaria de se infiltrar entre os maçons ou, viajando, beneficiar da ajuda que os maçons residentes davam aos maçons viajantes. Ou, simplesmente, por quem era curioso...

Milhares e milhares de maçons conhecem os sinais de reconhecimento. Ao longo do tempo, milhões de maçons acederam a esse conhecimento, nas quatro partidas do Mundo. Houve zangas. Houve dissensões. Houve abandonos. Houve traições. Houve inconfidências. Um segredo só é verdadeiramente secreto se for conhecido apenas por um - e, mesmo assim, se este não falar a dormir... Era inevitável que as formas de reconhecimento dos maçons fossem expostas. Existem livros. Existem filmes. Existem vídeos. Existem panfletos. Existem, hoje em dia, inúmeros suportes em que estão expostas aos profanos as formas de reconhecimento dos maçons. Mas também existem publicados nos mesmos suportes formas de reconhecimento falsas ou inventadas ou simplesmente ultrapassadas... Quem está de fora tem o magno problema de descobrir o que é verdadeiro e o que é falso, de distinguir o certo do inventado, de descortinar o que se mantém vigente e o que foi ultrapassado...

Por isso, ainda hoje, as formas de reconhecimento vigentes, apesar de conhecidas por milhões, apesar de repetidamente expostas, continuam a ser úteis e eficazes.

Mas, mesmo que algum profano consiga conhecer os sinais, palavras e toques certos e consiga descobrir quando os utilizar e como o fazer corretamente, ainda assim só logrará, quando muito, enganar alguns maçons durante algum tempo e acabará - porventura mais cedo do que mais tarde - por ser desmascarado como impostor. Porque não basta executar o sinal certo na hora precisa, pela forma correta, nem dizer a palavra adequada, pela forma prescrita, a quem deve ouvi-la, nem dar o toque acertado, no momento asado e sabendo o que se deve passar a seguir. Tudo isso já é suficientemente complicado - mas não basta. Tudo isso, ainda que porventura executado de forma atinada, constitui ainda uma determinada informação: que quem o fez tem um determinado nível de conhecimentos, uma certa postura e compostura, um exigível comportamento, um específico nível de desenvolvimento pessoal, social e espiritual. Ser maçon e ser reconhecido como maçon não é só conhecer e saber executar sinais, palavras e toques. Isso é o que menos importa. É, sobretudo, saber fazer um percurso, utilizar um método, avançar num caminho.

As formas de reconhecimento são apenas sinais exteriores básicos e nem sequer particularmente importantes. Isso também, mas sobretudo muito mais, é que faz com que um maçon seja reconhecido como tal pelos seus Irmãos.

Reservo o segredo dos sinais, palavras e toques que constituem as formas de reconhecimento dos maçons, porque a isso me comprometi. Mas digo e afirmo: podíamos divulgar, publicar, mostrar, explicar, exemplificar, ensinar, filmar e exibir o filme, executar todos os sinais, palavras e toques de reconhecimento; podíamos ensinar a toda a gente como e quando e por que forma utilizar cada um deles. Ainda assim, pouco tempo e apenas um razoável cuidado bastariam para reconhecer quem efetivamente é maçon e quem, ainda que perfeitamente executasse todos os sinais, palavras e toques, não o é!

Porque ser maçon é muito mais do que saber sinais, palavras e toques. Ser reconhecido como tal implica muito mais do que essas minudências, pois não basta saber sinais, palavras e toques para ser reconhecido maçon. É preciso efetivamente sê-lo e vivê-lo e praticá-lo.

Que nunca ninguém se esqueça disto. Seja profano ou tenha sido iniciado. Especialmente estes!

Rui Bandeira

09 janeiro 2009

Si non è vero... è bene trovato!

Alexander Fleming

A história de hoje, como habitualmente de autor que desconheço, que me chegou por correio eletrónico e que eu edito para publicação aqui no blogue, afirma-se como sendo uma história real. Não penso que o seja. A ter sucedido, certamente teria sido referenciada nas biografias dos dois famosos intervenientes, coisa que não sucede. Aliás, pelo contrário, uma biografia de Fleming refere factos manifestamente incompatíveis com esta historieta:

O médico e bacteriologista inglês Alexander Fleming nasceu nas terras altas do Ayrshire, no sudeste da Escócia, a 06 de Agosto de 1881. O pai faleceu quando Fleming tinha ainda sete anos; a partir desta data a mãe e o irmão Hugh passaram a dirigir a família e a cuidar da exploração de gado, e o seu irmão Tom partiu para Glasgow para estudar medicina.

Fleming passava os dias, nesta época, com o irmão John, dois anos mais velho, e com Robert, dois anos mais novo: exploravam a propriedade, seguiam os ribeiros e pescavam nas águas do rio. Desde cedo ficou fascinado pela natureza, desenvolvendo um sentido excepcional de observação do que o rodeava.

No verão de 1895, Tom propôs-lhe que fosse estudar para Londres, onde este tinha um consultório que se dedicava a doenças oculares. Juntaram-se, assim, os três irmãos em Londres: Fleming, John e Robert. John aprendeu a arte de fazer lentes (o diretor da empresa onde ele trabalhava era Harry Lambert, o famoso paciente de Alexander Fleming) e Robert o acompanhou na Escola Politécnica. Aos 16 anos, tinha realizado todos os exames, mas não tinha ainda certeza sobre qual o futuro a seguir. Assim, empregou-se numa agência de navegação da American Line.

Em 1901, os irmãos Fleming receberam uma herança de um tio recentemente falecido. Tom utilizou-a para abrir um novo consultório e assim, aumentar o número de clientes. Robert e John estabeleceram-se por conta própria como fabricantes de lentes, onde obtiveram um enorme sucesso. E Fleming utilizou a sua parte da herança para tirar o curso de medicina, ingressando em Outubro de 1901 na Escola Médica do Hospital de St. Mary.

Acresce que Winston Churchill nasceu em 1874, sendo sete anos mais velho que Fleming.

Mas, como refiro no título do texto de hoje, si non e vero... e bene trovato!

Havia um homem que se chamava Fleming e era um pobre lavrador escocês. Um dia, enquanto trabalhava para ganhar o pão para a sua família, ouviu um pedido de socorro proveniente de um pântano que havia nas redondezas. Fleming largou tudo o que estava a fazer e correu para o pântano. Lá, deparou-se com um rapazinho enterrado até à cintura, gritando por socorro e tentando desesperadamente, e em vão, libertar-se do lamaçal onde caíra. O Sr. Fleming retirou o rapazinho do pântano, salvando-o assim da morte.

No dia seguinte, chegou uma elegante carruagem à sua humilde casa, donde saiu um nobre elegantemente vestido, que se lhe dirigiu apresentando-se como o pai do rapazinho que salvara da morte certa.

- Quero recompensá-lo. - disse o nobre. - O senhor salvou a vida do meu filho.

- Não, não posso aceitar dinheiro pelo que fiz. - respondeu o lavrador escocês.

Nesse momento, o filho do lavrador assomou à porta da casa.

- É seu filho? - perguntou o nobre.

- Sim. - respondeu orgulhosamente o humilde lavrador.

- Então, proponho-lhe o seguinte: deixe-me proporcionar ao seu filho o mesmo nível de instrução que proporcionarei ao meu. Se o seu rapaz sair a si, não tenho dúvida alguma que se converterá num homem de que ambos nos orgulharemos."

Fleming aceitou. O filho do humilde lavrador frequentou as melhores escolas e licenciou-se em Medicina na famosa Escola Médica do St. Mary's Hospital de Londres. Tornou-se um médico brilhante e ficou mundialmente conhecido como o Dr. Alexander Fleming, o descobridor da penicilina.

Anos depois, o “rapazinho”que havia sido salvo do pantano adoeceu com uma pneumonia. E desta vez, quem salvou a sua vida?

A PENICILINA!

Quem era o nobre, que investiu na formação do Dr. Alexander Fleming?

Sir Randolph Churchill.

E o filho do nobre, que foi duas vezes salvo pela família Fleming?

Sir Winston Churchill.

Que lição tirar desta historieta, que sabemos não ter realmente sucedido? Provavelmente apenas que devemos estar sempre atentos aos nossos atos, porque nunca sabemos as repercussões, positivas ou negativas, que os mesmos podem ter. Só esta perspetiva deve bastar para nos determinarmos a agir sempre da melhor forma possível. A ajudar, na medida das nossas possibilidades. Sem preconceitos. Também sem vãs esperanças. Poderá suceder que uma pequena ajuda nossa possibilite que, no futuro, alguém descubra algo de alto valor para a Humanidade. Ou poderá suceder que a nossa ajuda apenas auxilie uma pessoa comum, que nada de especial fará. Mas que nunca a nossa omissão inviabilize um avanço!

Talvez afinal a lição seja a de que não basta não realizar o Mal. Há que promover o Bem

Rui Bandeira