22 janeiro 2008

A prancha de Aprendiz

Para o Aprendiz que se entrosou no grupo e que vem fazendo o seu trabalho, com assiduidade e diligência, chega sempre um momento em que um Mestre – por regra o 2.º Vigilante, mas pode ser qualquer Mestre -, no meio de uma descontraída conversa, a propósito ou aparentemente a despropósito, lança, como quem não quer a coisa, a pergunta: - Então, já escolheste o tema da tua Prancha?

Este é o primeiro sinal que é dado ao Aprendiz que os Mestres da Loja entendem que o seu trabalho está a ser frutífero e que se aproxima a hora de novo avanço. O tempo da integração e da adaptação decorreu e está próximo de terminar, o tempo de progredir está-se a aproximar. Não quer isto dizer que a progressão, o avanço esteja já aí ao virar da esquina. Não é incomum, pelo menos na Loja Mestre Affonso Domingues, que, entre o momento em que o Aprendiz é incentivado a começar a elaboração da sua prancha e aquele em que deixará de ser Aprendiz medeiem uns bons seis meses, ou mesmo mais. É que, entre o primeiro incentivo ao Aprendiz à elaboração por este de uma prancha e a conclusão por este da dita, vai seguramente decorrer algum tempo. E depois há que agendar a sua apresentação em Loja. E, decorrida esta, haverá que aguardar pela ocasião propícia para a Passagem do Aprendiz à fase seguinte do seu percurso maçónico. E já neste espaço deixei consignado (por várias vezes) que pressa e maçonaria não ligam bem...

A elaboração pelo Aprendiz de uma Prancha é essencial para possibilitar o seu avanço de grau. A Prancha do Aprendiz é como que o relatório do seu trabalho, o registo da sua mudança, a exposição da sua evolução, patenteados perante a Loja. Não é um exame – o Aprendiz não tem que provar a sua proficiência em Simbolismo, Aperfeiçoamento e Artes e Ofícios Correlativos... Aliás, tudo o que o Aprendiz tem de provar, tem de o fazer a si próprio, apenas e tão só, e a mais ninguém. Se ele quiser lograr alguém, só ele será enganado, mais ninguém...

A Prancha do Aprendiz é, antes do mais e para além de tudo o mais, apenas mais um trabalho que este deverá executar. Com a diferença que este se destina, não apenas ao interior de si próprio, mas também a ser apresentado, escrutinado, apreciado em Loja.

O essencial interesse da Prancha de Aprendiz é a sua feitura. Mais uma vez, o que interessa é o percurso, não a meta. Também aqui o essencial é o trabalho que o Aprendiz realiza e não propriamente o seu resultado final. Há Pranchas de Aprendiz belas e vulgares. Enciclopédicas e triviais. Extensas e breves. Profundas e superficiais. Enfeitadas e toscas. Literatas e simples. Imaginativas e insossas. Há de tudo. Não importa. O que importa é o investimento pessoal que o Aprendiz fez na sua elaboração e, com ele, o que aprendeu, o que sistematizou, a aresta que limou.

Apresentada que esteja a prancha, ela é sempre, na Loja Mestre Affonso Domingues, objecto de apreciação e comentário dos Mestres presentes. Normalmente, todos os Mestres, ou quase, se pronunciam. E todos os que o fazem, qualquer que seja o nível da prancha, do mais esplendoroso e credor de admiração, ao mais simples, nos seus comentários lobrigam algo de positivo, algo de bom, e algo de negativo, algo susceptível de melhoria. Pode o trabalho ser objecto dos mais entusiásticos encómios – mas não deixará de ver apontado um, insignificante que seja, aspecto em que se declara que podia ser ainda melhor. Pode o trabalho sofrer as mais ferozes críticas – mas não deixará de se realçar, por minúsculo que seja, o aspecto merecedor de uma referência elogiosa. Porque todo o trabalho dedicadamente feito merece encómios e nenhum trabalho humano é perfeito. Porque foi feito e apresentado por um dos nossos. E os nossos têm de nós sempre o elogio misturado com a censura, para que nunca sucumbam à tentação de subir às alturas que causaram a queda de Ícaro; e os nossos merecem de nós sempre a crítica lúcida, verdadeira e leal, mas sempre temperada com o incentivo do nosso reconhecimento do que de bom é feito e da sua capacidade de fazer melhor.

Normalmente, as três últimas intervenções são, respectivamente, do 2.º Vigilante (o Mestre responsável pela Coluna dos Aprendizes) – que termina a sua intervenção declarando que entende que o Aprendiz está pronto para avançar para o grau seguinte -, do 1.º Vigilante (o Mestre responsável pela Coluna dos Companheiros) – que termina a sua intervenção manifestando a sua disponibilidade para receber o Aprendiz que apresentou a Prancha na sua Coluna – e do Venerável Mestre – que sintetiza tudo o que foi dito, anunciando que oportunamente se procederá ao aumento de salário (isto é, à passagem de grau) do autor da prancha.

Assim se declara o reconhecimento da Loja da evolução que o Aprendiz teve desde que foi iniciado. Assim funciona e trabalha a Loja Mestre Affonso Domingues. E não nos temos dado mal com o sistema...

Rui Bandeira

6 comentários:

Paulo M. disse...

O tema da prancha é totalmente livre, ou o tema é escolhido de uma lista?

Ouvi falar de uma prancha que foi considerada "pouco humilde" e mandada fazer de novo. Aparentemente, não só não se limitava ao tema acordado, como chegava a conter informação supostamente de outros graus mais adiantados.

Isto pode acontecer - nomeadamente a parte do mandar refazer - ou é "história da carochinha"?

Um abraço,
Simple Aureole

David disse...

Incrivel como vocé consegue tanto escrever em trabalhos e pranchas, sem nunca nos revelar no que é que consiste no sentido pratico a realizaçao desse material.Nem uma minima vez.

Nao leve a mal estas palavras mas isto sendo um blog publico, se bem que de preferencia para iniciados, esperava obter mais "luz" por assim dizer sobre o trabalho que se efectua enquanto maçon.


Confesso que isto é um nevoeiro total para mim, até porque o estado das coisas é prepositadamente deixado oculto, claro.
So um ignorante de primeira classe é que se pode indignar com o caracter discreto da maçonaria.

Mas para um profano como eu que tenta conceitualizar ou pelos menos reconhecer materialmente um minimo o papel desempanhado pela maçonaria, e que ouve constantemente falar em ritos, iniciaçoes, graus, trabalhos e progresso social ou intelectual com as suas provaveis influencias, vindo de gente como vocês maçons, é dificil, muito dificil, nao concluir que maçonaria pode ser tudo e nada ao mesmo tempo.


Espero nao me tornar em ridiculo ou ter ofendido o senhor mas cada vez mais sinto uma curiosidade nao pelo lado mistico da maçonaria mas sim pelo lado puramente Pragmatico da vossa ordem (desculpem o termo possivelmente errado).


PS: Que tal uma secçao do tipo "Discutindo com o profano" (discutando, nao conversando).

Cumprimentos

Rui Bandeira disse...

@ simple:

O tema da prancha é livremente escolhido pelo seu autor. Se este o pretender, podem ser-lhe dadas sugestões, que ele aproveitará ou não.
Deve a prancha de Aprendiz corresponder à simbologia própria desse grau. Não faz sentido que, por exemplo, o Aprendiz apresente uma prancha cometando símbolos próprios do grau de Mestre. Não tanto por ele, mas pelos demais Aprendizes. Já várias vezes expressei que, em Maçonaria, o tempo e a sequência de apreensão de conhecimentos é importante.
Não se mandam refazer pranchas. Mas as pranchas dos Aprendizes devem ser revistas pelo 2.º Vigilante, que poderá e deverá aconselhar modificações, no sentido de as melhorar. Mas o Aprendiz é livre de aceitar ou não os conselhos dados. Em caso algum se faz censura.
Mesmo na hipótese que acima exemplifiquei, o máximo que se poderia fazer era informar que tal prancha não era considerada adequada para ser apresentada no grau de Aprendiz, mas apenas no grau de Mestre. O seu autor deveria reservá-la para o fazer nesse grau, quando o pudesse fazer. Claro que isso implica que ascenda primeiro ao grau de Mestre e, para fazer esse percurso, terá de apresentar uma (outra) prancha adquada ao grau de Aprendiz...
Só nestas circunstâncias existe uma situação parecida com o "mandar fazer de novo". Não tem nada a ver com humildade ou falta dela - apenas com a adequação do trabalho apresentado ao nível de evolução dos destinatários do mesmo.

@ jpm:

O seu comentário é inspirador! Tão inspirador que me inspira a responder-lhe, não apenas neste espaço, mas em cinco textos a publicar directamente no blogue!

Assim, fique atento, que vou publicar (não necessariamente por esta ordem; ainda não decidi a ordem de publicação destes textos, inspirados pelo seu comentário os seguintes textos:

- "Os meus Irmãos reconhecem-me como tal" (uma prancha que eu apresentei à Loja há cerca de dois anos, de forma a que o meu amigo e todos os demais leitores não maçons do blogue possam verificar directamente o que é uma prancha).

- "Discutindo com o profano" (resposta mais directa ao seu comentário).

- "O que se faz em Loja"

- "Porque se vai à Loja"

- "Discutir e conversar"

Espero que os textos sejam esclarecedores.

Um abraço.

David disse...

Pelo menos esses titulos ja parecem bastante promissores.

Obrigado pela atenção até aqui concedida.

Melhores cumprimentos.

Nuno Raimundo disse...

Boas...

Como de costume, lá estarei eu á espera de tal série de posts.
Que vindos aqui do painel do blog, são sempre bastantes esclarecedores. :)

Mas pergunto ao Rui, É permitido mostrar aos profanos uma "prancha" traçada em lOJA?

Para mim pessoalmente, a grande maioria dos textos aqui publicados são ou dariam óptimas pranchas...


abr...prof...

Rui Bandeira disse...

Uma prancha é um trabalho da autoria e apresentado por um a maçon em Loja.
Não há nada que interdite a sua divulgação junto de profanos, desde que não revele nomes de maçons que não tornaram pública a sua qualidade, modos de reconhecimento entre maçons, cerimónias de iniciação, passagem e elevação e o teor concreto de uma determinada reunião (quem esteve, que posições A ou B tomaram, que disse C ou D).
Fora desta matéria reservada (que não é assim tanta como às vezes se julga...), não há razão para que um maçon, se o entender útil, não divulgue a um profano um trabalho de sua autoria1 é seu, resultou do deu esforço e decorre da sua capacidade, detém, sobre ele os direitos de autor, é um puro exercício da Liberdade individual - Valor que é intransigentemente defendido pela Maçonaria...
Aliás, há pranchas maçónicas que são do conhecimento público e, até, algumas bem conhecidas. Por exemplo, a música maçónica de Mozart (composta para ser executada em Loja).
Mesmo em textos, sobretudo de índole conceptual e filosófica, há até publicados.
Mesmo em relação ao texto "Os meus Irmãos reconhecem-me como tal", se eu não o expressamente identificasse como tendo sido uma prancha que apresentei em Loja, será que seria identificado como tal? Como certamente concordará depois de o ler, é um texto como dezenas de outros que publiquei aqui no blogue e que nunca apresentei em Loja...
Não vejo nenhuma razão que me impeça de pegar num texto meu que apresentei em Loja e o RECICLAR (já que andei para aí a escrever sobre ambiente...) em texto do blogue...
E, na verdade, também já RECICLEI textos que em primeira linha escrevi para o blogue e aqui publiquei em pranchas para apresentação em Loja...
Um abraço!