30 novembro 2007

Reflexão

Sexta-feira. Seis horas da tarde. Começo a escrever o quinto texto da semana.

A cabeça fervilha de ideias boas e originais. Infelizmente, as originais não são boas e as boas não são originais...

Entre a qualidade e a novidade, opto pela qualidade. É melhor publicar uma ideia boa de outro do que uma má ideia minha...

Li no blogue The Burning Taper uma citação de Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido por Voltaire, que me parece a afirmação de uma boa ideia: Conhecemos melhor uma pessoa através das suas perguntas do que através das suas respostas.

Pensando bem, é verdade. A resposta que alguém me dá pode ser trabalhada, dirigida para causar uma determinada impressão. Mas, normalmente, se se conseguir saber aquilo sobre que alguém se interroga, logra-se ter uma mais precisa noção das suas preocupações, dos seus interesses, dos seus receios, das suas prioridades. Enfim, do que a pessoa é.

Nesse sentido, aparentemente não deixo entrever nada do que eu sou neste blogue. O que escrevo - é a noção que tenho - é afirmativo, opinativo, descritivo. Tenho o objectivo, a pretensão e a prosápia de divulgar um pouco do que é a Maçonaria, o seu objectivo, o seu método, os seus meios, os seus símbolos. Afirmo, descrevo, interpreto. Não (me) questiono.

Logo, não importa o que escrevo. Não interessam os dados que divulgo no meu perfil, nem sequer a imagem da minha fotografia. Nem pelo meu perfil, nem pelo que escrevo permito que me conheçam. Porque não faço perguntas que não sejam meramente retóricas.

Reflicto. É bom, isso! O objectivo deste blogue não é que me conheçam. Quem me conhece, conhece-me! Quem não me conhece, se me quer conhecer, conheça-me! O objectivo deste blogue é mostrar um pouco do que é a maçonaria, do que são, como pensam, os maçons. Eu incluído. Tão só!

Duvido! Releio alguns textos que escrevi. Distraio-me. Mais do que confirmar ou infirmar a minha impressão, verifico que a minha escrita, na busca da beleza, afinal é simplesmente rebuscada, complicada, rococó. Mais do que apresentar as ideias, de as ilustrar, de as sublinhar, embrulho-as (e, logo, escondo-as) em frases grandes, complexas, cheias de vírgulas, parêntesis e travessões - como esta! Mas esta não conta. Foi escrita assim de propósito para ilustrar o que quero dizer!

Reflicto. A beleza não está no enfeite. Nem no complexo. Ou no acrescento. Muito menos no rococó. A verdadeira beleza está na simplicidade. E essa é que é difícil de atingir. Portanto, essa é que tem valor. Tenho a mania que escrevo bem. Leio-me e verifico que não. Venho escrevendo rebuscado. Não bem. A forma deve servir para realçar a ideia. Não para a esconder em folhos e voltas de frases arrebicadas . Vou procurar corrigir-me. Usar menos vírgulas, parêntesis e travessões e mais pontos finais. Este texto já procura ser assim. Menos rebuscado. Menos pretensamente elegante. Mais claro. Mais sóbrio. Mais perceptível.

Releio o que escrevi neste texto até agora. Parece-me que o objectivo está a ser cumprido. Suspeito que bem de mais! Agora vejo pontos finais em abundância e dificilmente lobrigo vírgulas, parêntesis e travessões. Do oito para o oitenta! Ou talvez do oitenta para o oito. A profusão de adjectivos também se mostra ausente. Hesito. Agora esta escrita lembra-me a de António Lobo Antunes ou a de José Cardoso Pires. Rio-me. Censuro-me da ideia. Não há padeiro que consiga fabricar a quantidade de pão que eu preciso de comer para eu poder chegar perto dos calcanhares de Lobo Antunes ou de Cardoso Pires... É melhor mudar de assunto e ir reflectir para outras paragens.

O que importa são as ideias que se transmitem. Não como se transmitem, a seco ou embrulhadas em enfeites. Será! Mas se o enfeite for demasiado, o leitor desiste de procurar a ideia e, sobretudo, de reflectir nela! Se a ideia for apresentada demasiado secamente, o leitor faz uma careta e vai procurar algo mais agradável. Nem sequer presta atenção à ideia e, portanto, não reflecte nela! O segredo está no equilíbrio. Escrever "bonito" sem substância é estéril. Debitar ideias como gráficos do Orçamento Geral do Estado é inútil: ninguém que não seja já especialista do assunto lê!

Equilíbrio, pois. Apresentar ideias realçando as ideias, não os arrebiques. Mas apresentando-as bonitas! Um pouco de perfume realça-as; um frasco de perfume despejado sobre elas afasta-nos, de mão no nariz! Um pouco de maquilhagem dá-lhes graça e atrai-nos. Aplicar a drogaria toda no seu frontispício fá-las parecer damas da noite, disponíveis para aluguer...
E as minhas ideias podem ser boas ou más, bonitas ou feias, mas são honestas! Que ninguém disso duvide, que a ninguém isso admito!

Pensa quem lê que este texto não tem nada a ver com Maçonaria. Errado! O maçon busca aperfeiçoar-se. Para o fazer, tem de se questionar e questionar o que faz. Ser crítico de si próprio. Não renegar o que é nem o que fez, mas analisar o que foi e o que agiu, para que possa procurar ser melhor e fazer melhor.

Insiste quem lê que então este texto não tem nada a ver com a citação de Voltaire. Faça o leitor o favor de ir lá atrás relê-la. Nem sequer tem uma pergunta. Errado outra vez. Este texto está cheio de perguntas. Faça o favor de as procurar. De ler o texto em todos os seus sentidos e nos seus vários níveis. Em Maçonaria, o conhecimento nunca está à vista. Está sempre encoberto. É preciso procurá-lo. Raspar a superfície da aparência. Espreitar para dentro do seu conteúdo. As perguntas é aí que estão. E, atrás delas, estou eu!

São seis e meia da tarde de sexta-feira e estou a acabar de escrever este texto. Errado novamente! Este texto foi todo pensado, foi todo feito, de manhã. Entre as seis e as seis e meia da tarde, só lhe meti as palavras dentro!

Rui Bandeira

29 novembro 2007

Foi um cometa que causou o Dilúvio - é simple(s)!

Hoje recebi uma mensagem de correio electrónico do simple, que transcrevo na parte que interessa para este texto (em bom rigor, vai mesmo ser esse o texto...):

Caríssimo:

Não pretendo, de modo algum, "impingir-lhe" temas para o blog; não faltava mais nada.

(...)

Dito isto, envio-lhe mais uma história, desta vez sobre um mito. Sendo o simbolismo algo de muito importante na Maçonaria, pareceu-me esta uma história interessante, pois trata da (possível) origem de uma das lendas colectivas mais difundida pelo mundo: a do Dilúvio; esta será, mesmo, transversal a muitas culturas pelo mundo fora, o que terá causado alguma estranheza na comunidade científica. Uma das hipóteses que se coloca será a da queda de um asteroide ter provocado um enorme tsunami, há cerca de 5000 anos atrás. Deixo-lhe os links - do New York Times e da Discover Magazine - para o caso de querer ler algo sobre o assunto:

Claro que, como na Maçonaria, também na Ciência há quem se debruce sobre conjecturas implausíveis (como é que o José Ruah lhes chamava? Eso-histéricos? Esse artigo dele estava hilariante...) mas mesmo esse permitem que, no pior dos casos, abramos o espírito a interpretações diversas daquilo que tínhamos como mais ou menos certo. E, se não for de todo verdade, não deixa de ser uma história interessante. Ou, como dizem, si non è vero, è benne trovato…

(...).

Vale a pena seguir os atalhos e ler as histórias. Atenção que o artigo do Discover tem duas páginas...

E, depois de ter lido os artigos, cá para mim é simple(s): não me admiro nada que a culpa do Dilúvio tenha sido do cometa!

Só há uma coisa que não entendi: como é que o bom do Bruce Massa (o arqueólogo referido no artigo do Discover) conseguiu determinar que o dito cujo cometa provocou o Dilúvio precisamente, exactamente, em 10 de Maio de 2.807 Antes de Cristo?

Isto é precisão a mais! É o borrão que estraga a pintura! E esta data será do calendário gregoriano ou do juliano? E a hora, minha gente? Então o homem consegue uma precisão destas e não faz mais um bocadinho de esforço e não determina a hora da queda do cometa?

Rui Bandeira

28 novembro 2007

O lugar do Aprendiz

O local onde uma Loja maçónica se reúne é pelos maçons designado de Templo. Dentro do Templo, e no decorrer de uma reunião de Loja, tudo existe segundo uma ordem determinada e todos têm assento em locais definidos. O sentido de ordem, a segurança que psicologicamente é transmitida a quem se encontra num local ordenado, onde tudo e todos estão no seu lugar, ajudam à criação de uma atmosfera de confiança, descontracção e concentração que é preciosa, quer para o bom desenrolar da sessão, quer para o conforto de todos, quer para a predisposição para atender aos assuntos do espírito, deixando-se efectivamente os metais à porta do Templo.

Como todos os outros obreiros, o Aprendiz tem o seu lugar determinado. Ou, melhor dizendo, uma zona da sala destinada a que ele ali se coloque e assista a tudo o que se passa. Esse lugar, essa zona, situa-se nas cadeiras traseiras do lado Norte da sala.

O lado Norte aqui em causa é, como quase tudo em Maçonaria, simbólico. Pode, portanto, corresponder ou não ao Norte geográfico. Normalmente, as salas onde decorrem as reuniões de Lojas têm a forma rectangular, com a entrada colocada num dos lados mais pequenos. E quando não tem essa forma, utilizam-se os adereços necessários para que o local onde decorre a reunião tenha essa disposição. O lado onde se situa a entrada é, por convenção, designado de Ocidente. Logo, o lado oposto, onde se coloca a Cadeira de Salomão, é o Oriente. A generalidade dos obreiros toma assento nos lados direito e esquerdo da entrada. Convencionado que está que a entrada se situa no Ocidente, o lado direito de quem entra é, portanto, o Sul e o lado esquerdo de quem entra é o Norte.

Portanto, o Aprendiz toma assento na segunda fila do lado esquerdo de quem entra. Como sempre, esta disposição tem um significado simbólico. Para ser entendido, há que ter presente que a Maçonaria nasceu no hemisfério Norte. Neste hemisfério, o que está situado a Norte é menos ensolarado, menos iluminado. Em termos de Maçonaria, o Aprendiz ainda está na fase de transição da vida profana para a vivência maçónica. Está em processo de aprendizagem dos símbolos, dos princípios, da vivência, da Maçonaria. Está no início do percurso que todos os maçons procuram fazer, do seu aperfeiçoamento, da busca do Conhecimento do significado da Vida e da Morte, da Criação, do Universo, do Material e do Imaterial. Está, como os maçons dizem, no início do caminho para a Luz. O Sol nasce a Oriente. Simbolicamente a Luz que o maçon busca encontra-se a Oriente. Daí que seja no lado que simboliza o Oriente que se encontra a Cadeira de Salomão, onde toma assento o Venerável Mestre, que conduz a Loja e os seus Obreiros na busca, individual e colectiva, do aperfeiçoamento e do Conhecimento, na busca da Luz. O Conhecimento, para quem não está preparado, pode ser nefasto, pode ser incompreendido ou mal compreendido e, logo, recusado, afastado, distorcido. Portanto, o acesso à Luz deve ser gradual, em função da capacidade, da preparação, do Caminhante. Consequentemente, aquele que está ainda menos preparado, aquele que está ainda na fase inicial da sua Jornada, deve ser protegido do excesso de Luz, para que nele se não torne nefasto o que deve ser benfazejo. Assim, deve tomar assento na zona mais protegida da Luz, ou seja, no Norte.

Quanto ao facto de tomar assento nas cadeiras traseiras, e não na primeira fila, tal deve-se, quer ao facto de, quanto mais ao Norte estiver, mais protegido estar da Luz em excesso, quer, muito mais prosaicamente, ao facto de o Aprendiz ainda ter uma reduzida intervenção nos trabalhos e ser conveniente deixar a primeira fila ser ocupada por quem pode intervir ou necessita de circular pela sala...

Esta regra só tem uma excepção: no dia da Iniciação, finda a respectiva cerimónia, o nóvel Aprendiz toma assento, até ao final da sessão (e só nessa sessão), na primeira fila do Norte. Também por uma razão muito prática: não faz sentido ser colocado mais atrás, porventura obrigando outros obreiros a desviarem-se para lhe dar passagem, para o que resta da sessão. Dá muito mais jeito manter reservado um lugar na primeira fila que, a seu tempo, será então ocupado pelorecém-iniciado. Afinal, depois do turbilhão de emoções que constitui a Iniciação, sabe bem sentar-se pertinho, pertinho, no primeiro lugar disponível e facilmente acessível...

A partir da´sessão seguinte, e durante todo o tempo em que for Aprendiz, tomará, então assento na zona que lhe está destinada, os assentos traseiros do lado Norte. Protegido na sua zona, subtraído a movimentações, o Aprendiz está sossegado, em plenas condições de se concentrar, de tudo observar, de tudo apreender. Em Maçonaria, o Aprendiz é um Homem do Norte...

Rui Bandeira

27 novembro 2007

A Maçonaria Americana e os novos tempos

A Maçonaria nos Estados Unidos da América teve uma evolução diferente da Maçonaria Europeia. Para além das especificidades e idiossincrasias do grande País da América do Norte serem claramente diferentes da mentalidade europeia (esta conformada por uma história milenar, algo que os americanos, com paciência, também virão a ter: basta-lhes aguardar uns oitocentos anos...), a Maçonaria Americana não se desenvolveu confrontada, como sucedeu com a Maçonaria Europeia, com a existência, muito precocemente criada (no primeiro século da institucionalização da Maçonaria Especulativa), de dois ramos diferentes: a Maçonaria Regular, centrada no estilo britânico da Grande Loja Unida de Inglaterra, e a Maçonaria Liberal, oriunda das concepções que vieram a prevalecer no Grande Oriente de França e, a partir deste, para diversas Obediências Maçónicas Liberais, com significativa existência em diversos países europeus e na América do Sul.

Com efeito, não tendo vivido de perto as incidências do grande conflito ocorrido nos finais do século XVIII e primeira metade do século XIX entre a tradicional, monárquica, mas constitucional, potência marítima europeia - a Inglaterra - e a potência continental, que se tornou revolucionária, instável, oscilando entre a República, o Império e a Monarquia Constitucional - a França -, os Estados Unidos da América desenvolveram a maçonaria segundo os princípios da Regularidade, directamente herdados da sua Potência Colonizadora, sem presença importante da maçonaria de pendor Liberal.

Enquanto na Europa a Maçonaria Liberal se expandiu ao ritmo do avanço dos exércitos napoleónicos e das ideias saídas da Revolução Francesa, sob a trilogia Liberdade-Igualdade-Fraternidade e a Maçonaria Regular seguiu os caminhos mais institucionais da ligação às monarquias constitucionais, sob a trilogia Sabedoria-Força-Beleza, o espírito prático dos americanos (Nação construída desde o berço da sua Declaração de Independência sobre os pilares da Liberdade-Igualdade-Fraternidade, princípios fundamentais da sua identidade colectiva, que a sua Maçonaria não precisou de reivindicar), pouco virado para as abstracções da Sabedoria-Força-Beleza, erigiu como lema da sua Maçonaria Regular o lema Fraternidade-Auxílio-Verdade (Brotherly Love- Relief-Truth).

A Maçonaria Regular americana desenvolveu-se, assim, sem concorrência de outras orientações, privilegiando a Fraternidade entre os seus membros e a Solidariedade.

Mas as últimas décadas têm revelado problemas. Registou-se, entre os anos 60 e 80 do século passado um acentuado declínio de interesse pela Maçonaria, expresso numa significativa diminuição da entrada de novos elementos. Toda uma geração se desinteressou da Maçonaria! A partir da década de 90 do século XX, a situação começou a alterar-se, o declínio cessou. Um pequeno aumento de novas adesões é registado. A geração do século XXI redescobriu o interesse na Maçonaria! Mas isso veio pôr novos problemas. A diferença de idades entre os "velhos" e os "novos" é importante. A diferença de experiências (os "novos" não viveram a II Guerra Mundial, nem a da Coreia e têm uma vaga ideia da aventura militar no Vietname...; os "velhos" mostram-se avessos a qualquer mudança, ao que quer que altere, por pouco que seja, o que sempre fizeram) e de mentalidades (os "velhos" defendendo com unhas e dentes a concepção da Maçonaria como clube social e fraternal, dedicado à filantropia; os "novos" sedentos de estudo e análise, de obtenção de conhecimentos, de debate e aprofundamento e entendimento das lições dos rituais e dos autores maçónicos, aspirando a um trabalho mais ao jeito da Maçonaria Europeia) cavou um fosso entre estas duas gerações que nem sempre está a ser fácil de ser ultrapassado.

Os conflitos vão surgindo, as incompreensões aparecem. Para quem está de fora, é visível que as tensões se acumulam e que alguma mudança vai ter que haver, de forma a que um novo e saudável equilíbrio, minimamente confortável para ambos os lados, "velhos" e "novos", se alcance. Os mais ponderados, de uma e de outra geração, vão aconselhando calma e paciência e apontando, por um lado, que os "novos" têm muito a ganhar se atenderem à experiência dos mais antigos, ainda que isso implique retardar um pouco os passos da mudança por que anseiam (afinal de contas, os mais velhos já não conseguem andar com a vivacidade da juventude...) e, por outro, que os mais "velhos" têm de conseguir adaptar-se às mudanças e à evolução dos tempos, que o imobilismo não é solução e que o mais assisado será deixar a nova geração conduzir a Maçonaria para os carris do século XXI, ainda que isso lhes cause alguma desorientação e dificuldade na assimilação de novas referências. Os mais ponderados, em suma, assumem que nem o imobilismo nem a mudança brusca são desejáveis.

Esta evolução é, obviamente, um processo lento, doloroso, algo conflituante, por vezes. Mas tem de ocorrer. Quanto mais cada geração conseguir dialogar com a outra, procurar entender os seus anseios e receios e buscar harmonizá-los com os seus próprios receios e anseios, mais fácil a jornada se tornará, menos perigos haverá, menos derivas ocorrerão.

Para já, a Maçonaria Liberal está aproveitando a brecha e acabou de ser anunciada a criação do Grande Oriente dos Estados Unidos da América, em articulação com a "Maçonaria Moderna" (ou Liberal) de França e do resto da Europa e do Mundo ("traduzindo": do Grande Oriente de França e das Potências Maçónicas da Maçonaria Liberal agrupadas na CLIPSAS.

Não me incomoda nada. Há lugar para todos e a Maçonaria Liberal, sendo um ramo diferente da Maçonaria Regular com ela partilha o essencial dos princípios. Em democracias estabilizadas, as diferenças são mais de postura do que de fundo e resumem-se a questões que não devem fazer com que cada uma das tendências incompatibilize ou menorize a outra (aceitação ou não de ateus na Obediência, diferentes modos de intervenção na sociedade, diferentes posturas quanto às organizações mistas e femininas que se reclamam dos princípios maçónicos, e pouco mais, se é que algo mais...). Na Europa, é pacífica a implantação dos dois ramos da Maçonaria e é até existente, nalguns lados, ou encarada, noutros, a colaboração em assuntos profanos ou para o mundo profano, das Obediências de uma e de outra tendência. Cada uma das tendências procura contribuir para melhorar os seus membros e a Humanidade, à sua maneira. Talvez até se revele bom que a Maçonaria Liberal também se implante nos EUA. Talvez cada uma das tendências funcione como catalisador para o crescimento e melhoria da Maçonaria e, por conseguinte, também da outra Obediência. Mas que a Maçonaria Liberal soube aproveitar o momento para "meter uma lança... na América", lá isso é verdade! E só há que registá-lo...

Quanto à Maçonaria Regular americana, se é que de fora algum conselho é admissível, esta evolução será talvez um bom pretexto para reflectir que o imobilismo geralmente só impede mudanças harmoniosas, gerando mudanças tempestuosas e causando efeitos inesperados. Talvez esta brecha explorada pela Maçonaria Liberal na fortaleza Regular que era a Maçonaria Americana seja um exemplo disso mesmo... E, quanto aos mais "novos", talvez devam também ter em atenção que, se é necessário lavá-lo, convém não deitar fora o bebé com a água do banho... Ou, neste caso, será bom não deitar fora os "velhos" juntamente com a água corrente no desaguar da Maçonaria no século XXI...

Entendam-se! Afinal de contas, são Irmãos! Enquanto estão tão entretidos a brigar pelo tabuleiro do jogo, os "primos" já vos entraram em casa e também querem ficar com algumas das peças...

Rui Bandeira

26 novembro 2007

O Grão-Mestre Fundador

Fernando Teixeira foi o Grão-Mestre Fundador da Obediência Maçónica Regular Portuguesa, internacionalmente reconhecida, em que se integra a Loja Mestre Affonso Domingues, que se denominou, inicialmente de Grande Loja Regular de Portugal e que presentemente se denomina Grande Loja Legal de Portugal/Grande Loja Regular de Portugal (GLLP/GLRP). O seu currículo maçónico está resumido na página dedicada aos Past Grão-Mestres do sítio da GLLP/GLRP, na forma seguinte:

Curriculum Vitae maçónico

- Grau 33 do Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceite.
- Membro Honorário do Grande Priorado de Helvetia.
- Cavaleiro Benfeitor Honorário da Cidade Santa, do Grande Priorado Lusitano.
- Grande Prior do Capítulo Português do Arco Real.
- Membro de Honra da Grande Loja de Washington D.C.
- Membro de Honra da Loja "Atlântida" da Grande Loja de Espanha.
- Grande Oficial Honorário do Grande Oriente de Itália.
- Membro Honorário (Venerável de Honra) da Loja "Oldest Ally" da Grande Loja Unida de Inglaterra.
- Grande Oficial Honorário da Grande Loja de Porto Rico.
- Grão Mestre Honorário "Ad Vitam" da Grande Loja da Roménia.
- Medalha de ouro da Grande Loja Nacional Francesa.

Em 1984, Fernando Teixeira sai do Grande Oriente Lusitano e funda a Grande Loja de Portugal.
Em 1989, é designado Grão Mestre do Distrito de Portugal da Grande Loja Nacional Francesa.
Em 29 de Junho de 1991, a Grande Loja Regular de Portugal é constituída e reconhecida internacionalmente como Obediência Regular em Portugal, tendo Fernando Teixeira sido nomeado o seu primeiro Grão Mestre.
Reeleito em Setembro de 1994, é substituído em Setembro de 1996, a seu pedido e por motivos de saúde, tendo sido nomeado Grão Mestre Jubilado.

Quando relembro na minha memória Fernando Teixeira, a expressão que assoma ao espírito para definir a marca que deixou em mim é a de Príncipe da Renascença. Fernando Teixeira possuía um carisma invulgar, sabia que o tinha e utilizava-o sem tibiezas. Como Grão-Mestre, governou a Grande Loja com mão de ferro envolta em luva de pelica e sorriso cúmplice. Impunha a sua vontade como um rei absoluto, mas ouvia todos os obreiros, desde os mais próximos colaboradores ao mais recente e imberbe Aprendiz com interesse, agrado e atenção. E não se coibia de elogiar uma boa ideia, um ponto de vista interessante, vindo de um obscuro obreiro e de ordenar (é o termo: Fernando Teixeira, mesmo quando pedia, ordenava...) aos seus mais íntimos colaboradores, aos que asseguravam os mais altos ofícios na Grande Loja, que executassem a boa ideia, que atentassem no ponto de vista interessante.

A imagem que guardo de Fernando Teixeira é a de um homem com uma notória superioridade intelectual, uma cultura enciclopédica, que impressionava os demais e os predispunha para seguirem as suas orientações. Daí o seu carisma. Mas também era um homem perfeitamente consciente desse seu carisma e que o utilizava, sem qualquer hesitação, para garantir que a sua vontade imperasse. Fernando Teixeira foi, sem dúvida, um homem brilhante, que era óptimo ter como amigo, mas que era temível ter como inimigo...

A Grande Loja muito deve a Fernando Teixeira, à sua enorme inteligência, à sua habilidade no trato, à sua capacidade diplomática. Tendo sido criada na esfera de influência da Grande Loja Nacional Francesa, obteve, em tempo recorde, o reconhecimento das Grandes Lojas da esfera de influência anglo-saxónicas, as Grandes Lojas americanas e a Grande Loja Unida de Inglaterra e, com ele, o reconhecimento em todo o Mundo, como a Potência Maçónica Regular em Portugal. Conseguiu, em escassos dois anos, o que outros, mais ricos, fortes e poderosos, em outras paragens levaram anos e anos a obter.

Criou a Obediência a partir quase do nada, com espartana administração dos escassos recursos disponíveis. Sabia e fez saber que a afirmação da Obediência passava também pelo seu apuro ritual. Ensinou e exigiu que se aprendesse.

Fernando Teixeira foi, sobretudo, um grande líder. Com todas as características de um líder. Com todas as virtudes de um líder. Também com os defeitos que o hábito da liderança cria. Era uma vedeta e comportava-se como tal - mas todos gostavam dele assim mesmo e todos esperavam que fosse precisamente assim que se comportasse. Era autoritário e proclamava o seu orgulho em o ser - mas todos se sentiam confiantes no seu exercício da autoridade.

Os cinco anos de exercício do ofício de Grão-Mestre por Fernando Teixeira foram muito frutuosos. Do nada, ou quase, a Obediência cresceu, implantou-se, estruturou-se, organizou-se.

Fernando Teixeira apreciava as boas coisas da vida e afirmava-o sem tibiezas. E gostava de pompa e circunstância, sobretudo nas cerimónias em que recebíamos dignitários estrangeiros. Misturava a solenidade com a humanidade e singeleza com a naturalidade só acessível aos eleitos. Recordo-me de, ainda Companheiro, o ver entrar com pomposa solenidade, usando um riquíssimo avental e o seu Colar de Grão-Mestre, numa sessão de Grande Loja. A dada altura, essa sessão de Grande Loja ficou restrita aos Mestres - o que impôs que os Aprendizes e Companheiros aguardassem no exterior o desenrolar dos trabalhos até à altura em que podiam reentrar. Mas os trabalhos eram demorados e o tempo passava... De repente, no hall do hotel onde os mais novos procuravam consolar o seu aborrecimento, a caminho do tédio, aparece Fernando Teixeira, com todos os seus paramentos. "Fiz um intervalo nos trabalhos, para vir cá fora fumar uma cigarrilha e fazer-vos um pouco de companhia, que já estão há muito tempo à espera..." E cavaqueou durante dez minutos com os Aprendizes e Companheiros, após o que reentrou para recomeçar a sessão. E claro que deixou cá fora umas dezenas de incondicionais, resgatados do tédio da espera por dez minutos de atenção do Grão-Mestre...

Foi assim Fernando Teixeira, príncipe da Renascença, homem brilhante e carismático, que gerou incomensuráveis fidelidades.

Fernando Teixeira gostava do Poder - e assumia-o. Mas a saúde começou a traí-lo e resignou-se a deixar o ofício de Grão-mestre. Mas o perfume do Poder não deixou de o atrair. Conviveu mal com a saída do ofício. Não deixou respirar o seu sucessor. Estava então, também rodeado de alguns próximos que eram mais lata brilhante do que metal precioso. Não se apercebeu que o brilho que estes mostravam mais não era do que o pálido reflexo do brilho que ele próprio emanava. Ainda o seu sucessor não tinha aquecido o lugar, desentendeu-se com ele e quis impor a sua exoneração. Acabou por integrar a cisão da Casa do Sino.

Do meu ponto de vista, errou então. Mas não é esse erro, por muito dolorosas que tenham sido as situações então vividas, que deslustra, a meus olhos e aos olhos de todos quantos com ele privaram naqueles anos gloriosos de implantação da Maçonaria Regular em Portugal, tudo o que anteriormente, com brilhantismo, ele fez em benefício desta.

Tenho - temos, todos nós nesta Casa - muito orgulho, muita honra no Grão-Mestre Fundador, Fernando Teixeira.

E muita gratidão pelo que lhe devemos. E alguma saudade.

Outros haverá que também homenageiam a sua memória. Pela minha parte, em nada isso me incomoda. Poderemos ter, porventura, outras divergências. Ainda bem que convergimos na boa recordação de Fernando Teixeira. E, lá no Oriente Eterno a que, chegada a sua hora, Fernando Teixeira passou, estas tricas dos pobres humanos nada significam...

Rui Bandeira

23 novembro 2007

O eco da vida

Mais uma pequena alegoria recebida em correio electrónico e por mim adaptada, que ilustra bem a postura que devemos ter na vida, se a queremos viver da melhor maneira.

Um pai e um filho passeavam na montanha. A certa altura, o filho magoou-se e gritou: - Aaaahhhhh!

Para seu espanto, ouviu, vinda não sabia de onde, da montanha, uma voz que respondeu: - Aaaahhhhh!

Curioso, o menino gritou: - Quem está aí?

E ouviu, vindo não sabia de onde, da montanha, a mesma voz responder: - Quem está aí?

Zangado com a resposta, o menino gritou: - Estúpido!!

E ouviu a mesma voz responder-lhe, sempre vinda não sabia de onde, da montanha: - Estúpido!!

Confuso, o menino perguntou ao pai o que se passava, que voz era aquela. O pai, sorrindo, disse-lhe: - Filho, presta atenção!

E, virando-se para a montanha, gritou: - És admirável!

Logo se ouviu uma voz respondendo de volta: - És admirável!

O pai gritou de novo: - És um campeão!!!

E ouviu-se de volta: - És um campeão!!!

O menino, admirado, continuava a não entender. Então o pai explicou-lhe: - O que ouvimos chama-se eco. É o som da nossa própria voz que, reflectido, regressa até nós.

E prosseguiu: Também a vida é assim: devolve-te tudo o que dizes ou fazes. A nossa vida é o reflexo das nossas acções. Portanto, se desejas mais amor no Mundo, cria mais amor à tua volta; se desejas felicidade, faz felizes os que te rodeiam; se desejas um sorriso na alma, dá um sorriso à alma dos que conheces. Esta relação aplica-se a todos os aspectos da vida. A vida devolve-te exactamente o que tu lhe deres. A tua vida não é uma coincidência ou uma sucessão de acasos: é um reflexo de ti próprio. Portanto, se algum dia não gostares do que recebes de volta, revê muito bem o que estás a dar!

Sejam felizes!

Rui Bandeira

22 novembro 2007

Da Loja - prefácio

Doric Room - Templo da Grande Loja de Nova York -


Há já algum tempo que ando com vontade de iniciar uma serie de textos sobre Lojas. Falar sobre aspectos relativos à gestão das mesmas, sobre o nascimento, o apogeu, o declínio, o ressurgimento e mesmo a morte das Lojas.

Não sei ainda quantos textos serão nem qual a periodicidade, nem sequer a sequência que lhes vou dar. Considerem este texto como uma introdução ao tema.

Acredito, como sempre acreditei, em Lojas fortes unidas e com uma dimensão de várias dezenas de obreiros e ao longo do tempo tenho vindo a pensar que uma Loja precisa mais do que trabalhos rituais e pranchas simbólicas.

É para mim fundamental, não só perceber porque começam as Lojas, com que objectivos e finalidades, mas também porque razão acabam, ou passam por períodos de menor vitalidade.
Uma Maçonaria forte e interventiva só é possível com Lojas a trabalharem correctamente e com projectos de união interna.

Há para mim algumas noções que não estando em livros devem ser apreendidas pelas Lojas e pelos Maçons que as compõem, e creio que começar com essas noções será uma boa forma de iniciar esta sequência de textos.

Nem todos os Aprendizes chegam a Companheiro, destes nem todos chegarão a Mestre Maçon. Seguramente que apenas alguns dos Mestres chegarão a Venerável Mestre .

O Cargo de Venerável não é o fim último de uma “carreira” dentro da Loja. É um cargo ao qual se deve chegar porque se crê que naquele momento aquela pessoa pode acrescentar à Loja.

Acrescentar significa continuar um projecto existente e não fazer um projecto próprio. Apenas a Loja deverá ter um projecto para o qual contribuem todos incluindo o Venerável.

O sucesso do percurso está, de facto, ligado ao Homem em si, mas está muito mais ligado à capacidade da Loja de suprir quaisquer defeitos ou falhas e permitir o sucesso daqueles que por feitio ou personalidade são um pouco menos carismáticos, e também ter a capacidade de mitigar as acções daqueles que são muito carismáticos.

Deve ser feito o aproveitamento máximo do Capital de Experiência, mas não se deve exaurir a fonte.

Lançado que está o tema, resta começar a trabalhar nele. Todavia as perguntas e os comentários serão sempre bem vindos e ajudarão seguramente a melhorar esta sequência de textos.



José Ruah

EXPOSIÇÃO de PINTURA e DESENHO














Para quem andou por "Castelo Rodrigo" recorda-se com certeza da "Maria", para quem não andou ficará a recordar-se se fôr visitar a exposição !

Não deixem de ir até lá !

JPSetúbal

O reactor nuclear de Sacavém tem um novo coração








Dentro das pesquizas diárias sobre assuntos diversos surgiu-me esta notícia, publicada no "Público" e assinada por Teresa Firmino, que quis trazer para o blog por 2 razões:

- O nuclear foi questão já ventilada por cá;
- Tem relação directa com o tema "Meio ambiente", também muito tratado entre nós.

Então aqui Vos deixo este trabalho, que considero bem interessante.

Para José Marques, a luz mais bela do mundo vem do fundo de uma piscina. Não de uma piscina qualquer, mas daquela onde se encontra o núcleo do Reactor Português de Investigação, perto de Sacavém. Do núcleo – o coração do reactor – emana um azul luminoso, intenso, tranquilizador até.
Este Verão, o reactor recebeu um novo coração, com outro combustível, que entretanto voltou a brilhar.“Então José, o azul mudou?”, perguntava, a brincar, Parrish Staples, da agência nacional de segurança nuclear do Departamento de Energia dos EUA, depois de uma visita ao reactor há alguns dias. “Não, que eu tenha notado”, respondia-lhe, no mesmo tom, o director do Reactor de Investigação Português.
Mas o físico português não quis perder o momento, há cerca de duas semanas, em que o reactor com o novo combustível atingia a potência normal, que é de 1 megawatt, o equivalente a mil aquecedores a óleo domésticos de 1 quilowatt. Subiu para uma ponte móvel mesmo ao centro da piscina e pôs-se a fotografar o tal azul ou, como ele diz, “a luz mais bonita do mundo”.
Bem conhecida dos físicos nucleares, essa é a radiação de Cherenkov, um fenómeno descrito pelo físico russo Pavel Cherenkov, pelo qual ganhou o Nobel da Física de 1958. Durante a reacção em cadeia, os átomos de urânio são escaqueirados com neutrões: dessa cisão resultam outros elementos radioactivos, cuja posterior desintegração origina a emissão de electrões e positrões.
Ora, a luz azul é o efeito resultante do facto de essas partículas viajarem mais depressa do que a luz na água (a luz viaja a menos de 300 mil quilómetros por segundo na água, enquanto as partículas o fazem a essa velocidade).
Para chegar ao pé do reactor português e ver a inesquecível radiação de Cherenkov, é preciso ir ao Instituto Tecnológico e Nuclear. José Marques, de 42 anos, a trabalhar no reactor desde 1997, é o cicerone de uma pequena comitiva, para assinalar a conversão do reactor.
Entre os convidados, além de Parrish Staples, encontra-se James Matos, do Laboratório Nacional de Argonne, perto de Chicago; John Kelly, representante da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA); e Jean-Louis Falgoux, da Cerca, a empresa francesa que fabricou do combustível para o reactor português.José Marques encaminha-os até à porta metálica de um pavilhão, com um palmo de grossura, por cima da qual se lê, em letras cor-de-rosa, “reactor em operação”.
Transpõem essa porta, esperam numa salinha até outra porta igual se abrir e, depois de passarem por um corredor, surge-lhes a piscina do reactor. Ergue-se nove metros acima do solo, no centro, sem qualquer janela para o exterior.
No fundo da piscina, repousa o coração do reactor rodeado por 450 mil litros de água, que blindam a radiação.

O enriquecimento do urânio

Neste momento, o núcleo só tem urânio de baixo enriquecimento, tendo sido substituído o núcleo com urânio muito enriquecido. Na natureza, o urânio natural é quase só do isótopo (forma) 238, possuindo apenas 0,7 por cento de urânio-235, aquele que interessa para uma reacção em cadeia.
Por isso, tem de se enriquecer o urânio natural com o isótopo 235. Se for para um reactor de produção de electricidade, é enriquecido até cinco por cento. Se for para um reactor de investigação, como o português, o enriquecimento vai até quase 20 por cento. Quando se excede os 20 por cento, o urânio é considerado de alto enriquecimento.
Era o que sucedia com anterior núcleo do reactor português: comprado aos EUA em 1973, tinha urânio enriquecido a 93 por cento.“Pouco depois desse urânio ter sido comprado, na Administração Carter, os EUA decidiram limitar as vendas deste tipo de material, dado que poderia ser convertido para usos militares, para bombas”, explica José Marques. “A maior parte dos países têm vindo a converter os reactores para um enriquecimento inferior a 20 por cento, dado que esse tipo de material já não tem interesse para aplicações militares.”Agora chegou a vez do reactor português.
Começou a funcionar a 25 de Abril de 1961, quando se fez a primeira reacção nuclear controlada em Portugal.
Na altura, pensava-se que o país poderia vir a ter uma central nuclear de produção de energia eléctrica, uma ideia abandonada nos anos 70.
É a terceira vez que se compra combustível para o reactor, depois do que foi adquirido em 1961 (devolvido em 1999 aos EUA) e em 1973 (em uso até agora).O projecto para mudar o núcleo necessitou de três anos. “Tenho mais de 500 e-mails de José Marques”, lembra James Matos, para exemplificar o imenso trabalho.
O Departamento de Energia dos EUA deu o urânio já enriquecido e uma parte do dinheiro para pagar o fabrico do combustível à Cerca, a outra parte foi paga por Portugal (no total, custou 500 mil euros).
O laboratório de Argonne e a equipa do reactor nuclear português fizeram os estudos de segurança para a mudança do núcleo. E à AIEA coube a coordenação global do projecto, dando a ajuda que se necessitasse e avaliando os estudos de segurança feitos.
A 31 de Maio, o reactor era parado.
Em Junho, a AIEA enviava uma carta formal dizendo que apoiaria qualquer pedido de licenciamento que os responsáveis pelo reactor fizessem às entidades portuguesas competentes. Em Agosto, a Direcção Geral de Geologia e Energia concedia, assim, a licença de operação com o novo combustível. No início de Setembro, o novo núcleo começava a operar a baixa potência.“Herdei um sonho, que é manter o reactor a funcionar nas melhores condições e disponibilizá-lo à comunidade científica”, resume José Marques.
Para tal, terá urânio que chegue até 2016.

Como é o núcleo e o que vai fazer-se com ele

Se, pela luz azul, o coração do reactor nuclear português é fácil de localizar dentro da sua piscina, como é ele exactamente?
Do topo da piscina, um conjunto de tubos cilíndricos desce até ao reactor: são as barras de segurança, que, caso seja necessário parar a reacção em cadeia, entram pelo coração do reactor adentro e absorvem os neutrões que fazem falta para manter a reacção.
O sítio onde entram essas barras, visto de cima, parece uma grelha: na verdade, são 12 paralelepípedos na vertical, a que se chama os “elementos de combustível”.
Em cada um desses elementos, com 70 centímetros de altura, existem placas de alumínio e são elas que têm o urânio no miolo. Alguns desses elementos têm 18 placas de alumínio, enquanto outros, aqueles onde descem as barras de segurança, possuem uma dezena. O coração velho repousa num canto, no fundo da piscina, até os EUA o virem buscar. Se apagássemos todas as luzes, ainda veríamos uma luz azul ténue, durante anos.
Dentro da água, junto ao novo coração do reactor (o único na Península Ibérica dedicado à investigação científica), irão ser colocados os mais diversos objectos para serem irradiados. Já se irradiaram peças arqueológicas para ver a composição, rochas lunares, esterilizaram-se moscas dos citrinos ou testaram-se murganhos à procura de um tratamento selectivo do cancro.
O reactor serve também para investigação fundamental médica, por exemplo produzindo isótopos (formas de elementos) radioactivos. O estudo de materiais num ambiente de radiação é outra das suas utilizações, razão por que o reactor português faz parte de uma rede europeia de pequenos reactores: “Vão fazer-se estudos de materiais para a próxima geração de reactores de produção de electricidade”, explica José Marques, director do reactor português.
Outra das vertentes do reactor é a educação: “Tem sido uma ferramenta de ensino desde o início da sua operação em 1961. Todos os anos recebemos dezenas de alunos universitários, que aí realizam trabalhos experimentais que não poderiam fazer noutro sítio.
Recebemos também milhares de estudantes do ensino secundário, que têm assim o primeiro contacto com o ‘nuclear’”, acrescenta José Marques.

A 51ª conversão de um núcleo americano

Com o caso português, os EUA já mudaram o combustível a 51 reactores nucleares de investigação, desde 1978. Nesse ano, lançaram um programa para converter o urânio altamente enriquecido de reactores de investigação em urânio de baixo enriquecimento.
O motivo? Se for roubado urânio de um reactor de investigação enriquecido acima de 90 por cento com o isótopo 235, esse material pode ser utilizado para fazer bombas. O melhor, considerou-se, seria deixar de usar urânio muito enriquecido para fins civis. “A única maneira de convencer países que podem ser problemáticos a não usar esse material é dar o exemplo. É não haver excepções para ninguém”, explica o físico José Marques.
Em 2004, o programa americano ganhou impulso, em particular por causa dos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001, chamando-se Global Threat Reduction Iniciative.
Depois disso, os presidentes George W. Bush (EUA) e Vladimir Putin (Rússia) acordaram um programa conjunto: “Tanto os americanos como os russos se comprometeram a fazer a limpeza do mundo. Foram eles que forneceram tecnologia nuclear, cada um na sua esfera de influência. Tomaram a responsabilidade de ir buscar o material que forneceram desde os anos 50, o que não é trivial”, diz José Marques.
Entre os 51 reactores de investigação de origem americana já convertidos, 14 estão nos EUA (aí, outros 28 aguardam conversão). “Ainda há cerca de outros 50 para ser convertidos que usam urânio de alto enriquecimento fornecido pelos EUA”, conta José Marques.
Quanto aos núcleos de origem russa, houve quatro conversões. Entre reactores americanos e russos, qual é a situação? “Há mais de 100 reactores a operar com urânio altamente enriquecido.
Há 20 toneladas de urânio altamente enriquecimento por aí, que dão para fazer centenas de armas nucleares”, refere John Kelly, representante da AIEA. “A conversão de núcleos é um programa de segurança.”


JPSetúbal

21 novembro 2007

Interlúdio

Contra o que é habitual, ontem não foi publicado qualquer texto no A Partir Pedra. Tal ocorreu por avaria nas comunicações na zona de onde me ligo à Rede, precisamente quando, com o texto já escrito, seleccionava uma imagem para o acompanhar. Aproximava-se a hora do jantar - que, em minha casa, é um momento sagrado de reunião e convívio familiar - e não me foi possível aguardar pelo retomar das comunicações. Portanto, ontem as circunstâncias impuseram que não pudesse ser cumprido o propósito de, fora dos períodos de férias, o blogue ter sempre publicado, pelo menos, um texto em cada dia útil.

Fiquei levemente aborrecido, mas sou um optimista. E um optimista consegue sempre descortinar algo de bom no que corre mal, consegue sempre antecipar algum sol no meio de uma tempestade.

A pausa forçada permite-me reequilibrar um pouco a minha produção de textos aqui no blogue. Como tive oportunidade de referir aqui, este ano maçónico esperava que a minha contribuição para o blogue se cifrasse em dois textos por semana. Isso não se tem revelado possível. O reforço que se anunciava não se concretizou. Até agora, pelo menos. Os afazeres e as falhas de inspiração dos outros autores habituais de textos no blogue também os têm impedido de publicar mais assiduamente. Como resultado, para garantir o cumprimento do desejado objectivo de pelo menos um texto em cada dia útil, tenho tido necessidade de publicar quatro e, por vezes, cinco textos por semana.

Não me queixo. A publicação de textos no blogue é um acto voluntário, quem corre por gosto não cansa e quem não pode, arreia. Mas esta necessidade de garantir um ritmo elevado de publicação não deixa de me preocupar, sobretudo pelos possíveis reflexos na qualidade dos textos. Não é possível haver ópera todos os dias... E quanto mais dias houver função, menor será a proporção da ópera no meio da música...

A qualidade dos textos aqui publicados é para mim importante. Para escrever qualquer coisa de qualquer maneira, mais vale estar quieto e tentar fazer algo de mais útil... Procuro, portanto, escrever de forma a expor ideias, pensamentos, conclusões, que sejam dotados de alguma Sabedoria, que tenham alguma Força para inspirar ou influenciar quem lê e que sejam textos com alguma Beleza de escrita.

Porém, para escrever algo com uma sofrível Sabedoria é preciso reflectir. E quanto mais frequentemente se tiver que publicar, menos tempo se tem para reflectir no que se escreve...

Para escrever algo com a Força suficiente para marcar quem lê o texto, tem de se escrever convictamente. E a necessidade de publicar todos os dias obriga, por vezes, a escrever sobre detalhes, ligeirezas ou curiosidades, sobre os quais dificilmente se consegue transmitir convicção... Não que não haja lugar a textos sobre detalhes, ligeirezas e curiosidades aqui no A Partir Pedra. Claro que há, até por uma questão de saudável variedade de temas e estilos. Mas gostaria de poder programar mais descansadamente a mescla do sério com o ligeiro, para poder tentar até o ligeiro dotar de alguma Força...

Para escrever textos com alguma Beleza, com alguma qualidade de escrita, necessito de muita transpiração... Não sou um artista das letras, não escrevo particularmente bem, tenho consciência que mais não sou do que um medíocre alinhavador de palavras, um sofrível escrevinhador, um razoável divulgador de pensamentos. Mas, embora com reduzido sucesso, procuro, tento, teimo, que o que escrevo tenha, aqui ou ali, algo que possa ser considerado como não feio de todo. Para tentar não me distanciar muito desse objectivo, mister é que releia, emende, corrija, melhore o que a minha pouco inspirada mente vai dolorosamente expelindo. Mas a necessidade de publicar a um ritmo diário permite-me menos tempo para que o faça... E, no entanto, para mim é importante ter possibilidade de reler e aprimorar os textos que vou escrevendo, antes de os publicar. Nunca cesso de me surpreender como a simples alteração de disposição, de humor, entre o momento em que escrevi um texto e aquele em que o revejo, me possibilita aprofundá-lo com novos detalhes, enriquecê-lo com novas cambiantes, adorná-lo com mais uma ou outra imagem.

Procuro, sempre que possível, escrever com alguma antecedência, ter de um a cinco textos aptos a serem publicados, de forma a poder revê-los, melhorá-los, afiná-los, antes da publicação de cada um e, até, poder jogar com a respectiva ordem de publicação. Mas ultimamente isso não tem sido possível: os meus próprios afazeres nem sempre me têm permitido escrever todos os dia úteis e a reserva de textos foi sendo utilizada.

Procuro, pelo menos, escrever de manhã e só publicar ao fim da tarde, para ainda ter um tempinho para o meu subconsciente me ajudar a providenciar por uma ou outra afinação. Mas dias há em que nem isso tem sido possível, em que tenho escrito e imediatamente publicado. Resultado: quando releio o que já está publicado, mais frequentemente do que eu gostaria deparo com detalhes que deviam ter sido melhorados. E isso aborrece-me. Porque quem me lê tem direito ao melhor do que sou capaz, não apenas ao que saiu...

Portanto, a avaria de ontem teve o resultado positivo de me permitir uma pequena folga, que, espero, me ajudará a poder melhorar um pouquinho a qualidade do que publico. Porque ontem não publiquei e o texto que estava prestes a ser publicado fica de reserva para um dia destes (após revisão e aperfeiçoamento...) e hoje pude, a propósito, exercitar a minha capacidade de escrever sobre nada, ganhei mais um dia para reflectir sobre algumas coisas que ainda não tinha decidido se iria escrever sobre elas aqui no blogue - e que entretanto já deu para me decidir pela afirmativa -, de forma a que valha a pena escrever sobre elas. Escrever sobre nada dá-me tempo para reflectir sobre a substância do que escreverei um dia destes. Hoje, escrevi sobre a espuma de algo sem importância, enquanto me preparo para escrever sobre o âmago de assuntos bem mais importantes.

O que uma avaria propicia e o que a capacidade optimista de retirar algo de positivo do que corre mal possibilita!

Rui Bandeira

19 novembro 2007

Balanço da memória

Desde que iniciei a série de textos que designei "Memória da Loja", já fiz referência aos mandatos de todos os 16 Veneráveis Mestres cujos mandatos se iniciaram antes da criação do A Partir Pedra. Reflecti sobre se deveria parar por aqui, dedicando este registo a esses mandatos iniciados antes de criado o blogue. Decidi, porém, prosseguir, enquanto o blogue também continuar a ser publicado. Por um lado, embora as principais iniciativas da Loja Mestre Affonso Domingues sejam aqui divulgadas, o que porventura justificaria a cessação de publicação de textos sobre os mandatos que decorrem já em curso de publicação do A Partir Pedra, o certo é que a dinâmica dos textos publicados em relação aos mandatos dos primeiros 16 Veneráveis Mestres da Loja Mestre Affonso Domingues acabou por redundar em análises, necessariamente subjectivas, dos respectivos méritos e deméritos, êxitos e fracassos, projectos e rotinas. E isso não é suprido apenas pelas referências casuísticas e factuais às iniciativas que vão ocorrendo. Embora com o selo da minha subjectividade, procurei dar uma visão de conjunto da acção de cada um dos 16 primeiros Veneráveis Mestres. Não seria justo que omitisse essa visão em relação aos subsequentes, a pretexto de o blogue já existir e fazer avulsas referências às iniciativas em cada momento tomadas. E, aliás, mesmo em relação a estas, apenas tenho por hábito publicar o que tem repercussão externa à Loja. A vida interna da Loja apenas a nós diz respeito. Publica-se as notícias da eleição e da tomada de posse do Venerável Mestre e do Tesoureiro e pouco mais. Tudo o resto que não tenha repercussão externa é matéria interna, que não se justifica seja divulgada na contemporaneidade da sua ocorrência. Justificar-se-á a sua referência integrada na "Memória da Loja", na medida em que cada ocorrência, cada decisão, cada evento, auspicioso ou infeliz, tenha relevância para a evolução da Loja e dos seus obreiros.

Dentro deste critério, tenciono prosseguir a publicação de textos integrados na "Memória da Loja". Mas, em relação à análise do mandato de cada Venerável Mestre, entendo que devo fazê-lo quando ele for já "memória", não passado próximo. Assim, não haverá balanço do mandato do Venerável Mestre em cada momento em funções (nem podia haver, por este estar ainda a decorrer), nem do que o imediatamente o antecedeu, este porque ainda de alguma forma influencia o que está a decorrer. Com efeito, cada Venerável Mestre prossegue o trabalho do anterior, desenvolvendo-o, corrigindo-o, alterando-o ou virando-o do avesso, se assim o entender. Comentar esse mandato anterior, particularmente se expressando concordância ou discordância, seria uma forma de subrepticiamente manifestar opinião sobre o que, em cada momento, é feito. Claro que não tenho qualquer problema em dar a minha opinião sobre as decisões, acções ou omissões do Venerável Mestre em exercício. Mas fá-lo-ei perante ele, ou em privado, ou em sessão de Loja. Nunca usando este meio de comunicação, público por definição. É uma simples e mera questão de lealdade, para não dizer cortesia...

Portanto, a minha opinião, a minha memória do mandato de cada Venerável Mestre será aqui dada, a partir de agora, apenas quando o sucessor do seu sucessor for instalado na Cadeira de Salomão. Memória, não actualidade... Daqui decorre que, daqui em diante, só escreverei textos de balanço de mandatos de Venerável Mestre com uma periodicidade anual.

A opção de consignar a Memória da Loja referenciando os factos a cada mandato de Venerável Mestre não tem, reconheço, qualquer validade científica - nem busca tê-la. Este espaço não se destina a fazer História. Apenas a registar a Memória, a minha memória e a daqueles que decidam também aqui a deles divulgar, como fez os José Ruah nos três pormenorizados textos que intitulou "Um dia fui Venerável Mestre da Mestre Affonso Domingues". Serão textos que porventura algum dia poderão auxiliar quem porventura se abalance a registar a História da Loja Mestre Affonso Domingues. Mas, se alguém um dia o fizer, fá-lo-á com a técnica, o saber e os critérios de um historiador, certamente peneirando as imprecisões, os subjectivismos, de quem apenas regista a memória do que viveu e assistiu e opina sobre isso.

A Loja Mestre Affonso Domingues não existe sozinha. Existe integrada numa Grande Loja, compartilhando o espaço e a prática da Maçonaria segundo os princípios da Maçonaria Regular internacional com outras Lojas integradas na mesma Obediência. Essa Grande Loja designou-se primeiro por Grande Loja Regular de Portugal e depois, na sequência de dolorosos eventos que aqui já foram mencionados, por Grande Loja Legal de Portugal/Grande Loja Regular de Portugal (GLLP/GLRP). Essa Grande Loja foi, até agora, dirigida por cinco Grão-Mestres, com mandatos mais alargados do que os de Venerável Mestre da Loja. A "Memória da Loja" é também a memória da sua participação, da sua relação, da sua integração, na Grande Loja. Portanto, vou também dedicar uns textos aos mandatos dos Grão-Mestres. Respeitarei, pelas mesmas razões, critério idêntico ao que enunciei relativamente aos mandatos de Venerável Mestre da Loja: não publicarei textos sobre os mandatos do Grão-Mestre em exercício, nem daquele que o antecedeu. O que faz com que, por agora, apenas venha a publicar textos sobre os mandatos dos três primeiros Grão-Mestres.

Mas a dinâmica da Loja não se esgotou, não se esgota, nem certamente se esgotará no trabalho, na direcção, dos seus Veneráveis Mestres. Outros oficiais, outros obreiros, influenciaram, por vezes notoriamente, a Loja. Acho que vale a pena, à medida que me for lembrando, referenciar as influências de quem não foi Venerável Mestre ou de quem teve influência fora do exercício desse ofício. A Loja Mestre Affonso Domingues tem um rigor e qualidade de execução rituais de que muito se orgulha. Deve-os a uma sucessão de Mestres de Cerimónias de qualidade. E houve um obreiro, que nunca foi Venerável Mestre da Loja, que nos ensinou a todos como deve ser exercido o ofício de Orador. E a Coluna da Harmonia foi decisivamente influenciada na Loja por um outro obreiro, que também nunca foi Venerável Mestre da Loja e, possivelmente, nunca o será. E as circunstâncias, as razões, a ideia, a iniciativa da criação do Grupo de Dadores de Sangue Mestre Affonso Domingues também merecem ser registadas e muito a sua criação se deve a um outro obreiro que nunca foi Venerável Mestre da Loja. Tudo isto merece ser registado e tudo isto tenciono, se o puder fazer, registar neste espaço.

"Memória da Loja" respeita, por definição, ao passado de que nos lembramos. Mas também foi, neste texto, possível perspectivar o futuro da "Memória da Loja"...

Rui Bandeira

16 novembro 2007

Dia Internacional da Tolerância

16 de Novembro foi proclamado pela UNESCO o Dia Internacional da Tolerância.

Já o ano passado aqui o assinalei, procedendo até à publicação da Declaração de Princípios sobre a Tolerância aprovada no âmbito daquele organismo da ONU.

Esta efeméride e a referência a que ela procedi foi, aliás, ponto de partida para um interessante debate entre mim e o José Ruah, que se prolongou até Janeiro deste ano. Não pretendo reiniciá-lo, nem acho que se justifique. O assunto foi por nós debatido ainda recentemente, de forma esclarecedora e que nos orgulha: pudemos mostrar, para todos verem, como os maçons podem debater opiniões diferentes de forma franca e leal, com o propósito de se esclarecerem mutuamente e de procurarem os pontos de convergência, admitindo como naturais e saudáveis as divergências que porventura existam.

Para quem não leu na altura, ou já não se recorda, aconselho que use um pouco do seu tempo do fim de semana e leia o debate (dá para perceber que a estrutura de apresentação dos textos vai do mais recente para o mais antigo, pelo que, quem quiser reconstituir o debate por ordem cronológica, deve ler os textos "de baixo para cima").

Por mim, acho que hoje assinalo o Dia Internacional da Tolerância com um brevíssimo resumo do que eu retirei desse debate.

A Tolerância pode ser por alguns entendida como a faculdade de aceitar as crenças dos outros, apesar de considerarmos ser a nossa a "certa", daí se seguindo, como bem fez notar o José Ruah que o "tolerante" se coloca numa posição de superioridade perante o "tolerado".

Isso não pode ser entendido como Tolerância. É mero complexo de superioridade, o que, na língua inglesa, se designa de "patronising".

Pelo contrário, a verdadeira Tolerância implica o reconhecimento de que o Outro está ao mesmo nível que Eu, só que é diferente. Será melhor, será pior, ou nem será melhor nem pior. Mas simplesmente diferente. E tem o direito de o ser. Como contrapartida do meu direito à minha diferença...

E, mesmo quando o que é diferente no Outro é para mim um defeito, ainda assim lho tolero, porque eu próprio não sou isento de defeitos. Na substancialidade, não existem diferenças entre nós. Porventura essa diferença existirá nos nossos erros, nos nossos defeitos. cabe-me a mim tolerar os do Outro, para que possa pretender que o Outro tolere os meus.

Esta é a Tolerância que se assinala hoje. Esta é a Tolerância que é intrínseca aos maçons.

Rui Bandeira

15 novembro 2007

Binyan Habayis

O formato blogue apareceu originariamente como um diário publicado no espaço virtual constituído por todos os computadores do Mundo que se ligam em Rede. Claro que não demorou muito para que esse conceito originário fosse desenvolvido, objecto de variações e utilizado para diferentes abordagens de diversificados assuntos.

Não demorou também muito para que surgissem os blogues de temática maçónica e para se verificar a existência de diferentes abordagens dentro dela.

Uma dessas abordagens, particularmente visível nos Estados Unidos da América, onde a Maçonaria está mais abertamente inserida na Sociedade como uma das instituições conformadoras da vida social da comunidade, é a do blogue acerca do percurso do seu autor na sua aproximação à Maçonaria, da sua entrada nela e das vicissitudes da sua vida maçónica. É, em suma, o "diário" na Rede do maçon seu autor, em curioso regresso à origem do formato, agora sectorialmente direccionado. Nos Estados Unidos existem vários blogues onde são relatados os pensamentos, sensações, sentimentos, análises, especulações e conclusões do seu autor, enquanto candidato a ser admitido na Maçonaria e, depois, sucessivamente, partilhando com os seus leitores a sua Iniciação, a sua ascensão até chegar a Mestre, a assunção de ofícios em Loja, a actividade da Loja e do autor do blogue e por aí fora. Muitas vezes vamos verificando sentimentos e percepções e dúvidas e certezas semelhantes tidas por diferentes autores, em diferentes lugares, a propósito das mesmas fases do percurso maçónico de cada um.

São blogues com algum interesse, quer por permitirem verificar a evolução do seu autor ao longo da sua vida, primeiro de candidato, depois, de maçon, quer porque nos sensibilizam para as dúvidas, buscas, perplexidades, de quem está na fase inicial do seu percurso maçónico, sendo particularmente grato verificar como os maçons mais antigos se disponibilizam para, através de intervenções nas caixas de comentários, ajudar a resolver essas dúvidas, buscas, perplexidades.

Dentro deste género de blogues, Binyan Habayis é particularmente interessante. É um blogue escrito por um judeu americano que, num dos textos, informa ser originário de uma família tradicional, mas não ortodoxa, em termos da sua religião. Um dos pontos de interesse deste blogue para nós, vivendo em cultura latina e em zona de implantação religiosa maioritariamente católica, é a forma como, natural mas profundamente, o seu autor reflecte sobre a compatibilidade e compatibilização dos princípios da sua religião e da Maçonaria, do cumprimento dos preceitos religiosos e maçónicos, das suas obrigações religiosas e dos labores de maçon. É, para mim, particularmente interessante, porque, na cultura em que nós, portugueses e brasileiros, estamos inseridos, é bem mais comum depararmos com dúvidas oriundas da hierarquia religiosa católica ou de crentes católicos sobre a compatibilidade da Maçonaria e da crença religiosa católica. É interessante porque nos permite apreender que a dialéctica entre Maçonaria e religião institucionalizada não ocorre apenas em relação à religião católica, mas também em relação a outras crenças - no caso, a religião judaica. É finalmente reconfortante confirmar que essa dialéctica existe, porque é sinal de que a Maçonaria cumpre bem a sua função de ser um espaço comum de crentes de todas as religiões, sem estar enfeudada a nenhuma.

O autor do blogue usa o pseudónimo de Isaac Davidson, mas já referiu, num dos textos, que esse pseudónimo de alguma forma espelha a sua identidade, já que o seu "nome hebreu" é Yitzchak (Isaac em hebreu) e que o nome de seu pai é David, daí que ele seja filho ("son" em inglês) de David, ou seja, Davidson. A propósito, informa também que o seu "nome em inglês" é Joshua. E porque informa Isaac Davidson / Yitzchak / Joshua tudo isto? Porque estava a considerar qual devia ser o seu "nome maçónico", isto é, qual o nome por que gostaria que os seus Irmãos o tratassem. Não é despicienda esta dúvida, já que é manifesto que, para ele, o nome enquanto elemento conformador da sua identidade é importante e, assim sendo, a escolha entre o seu nome "hebreu" ou "em inglês" é, para si, muito significativa, em termos de qual das suas facetas, de cidadão ou de homem religioso, deseja que seja dominante na sua relação com a Maçonaria e os seus Irmãos maçons. Acabou por decidir que, na Fraternidade, desejará ser conhecido por Yitzchak ou, para aqueles que tenham dificuldade em pronunciar correctamente o nome, pelo diminutivo de Yitz.

O blogue é relativamente recente ( o primeiro texto data de 6 de Junho deste ano de 2007) e é actualizado com frequência (39 textos em 5 meses, uma média próxima de oito textos por mês, ou dois por semana). Começou com o seu autor ainda apenas candidato a ser admitido maçon. presentemente, já foi iniciado. Certamente teremos oportunidade de acompanhar a sua subida a Companheiro, a sua elevação a Mestre e, enfim, o seu percurso maçónico, que se deseja longo e gratificante. É um blogue muito bem escrito (em inglês, obviamente) por alguém que manifestamente é uma pessoa escrupulosa e ponderada. Ler este blogue é uma boa maneira de, por alguma forma, entendermos o percurso de um maçon americano na Maçonaria.

Quem visitar este blogue não deixe de ler também os comentários que são deixados aos vários textos. Para além do mais, poderá, de vez em quando, ver comentários de um tal José Ruah, aliás num inglês que não envergonha ninguém...

Rui Bandeira

14 novembro 2007

As melhores sementes

Um agricultor, homem de poucos estudos, todos os anos participava na Feira de Agricultura da cidade mais próxima da sua exploração apresentando a concurso exemplares da sua colheita de milho e todos os anos ganhava o troféu do Milho do ano. O seu milho, ano após ano, era cada vez melhor.


Certa vez, após a cerimónia de recepção do prémio, foi entrevistado por um repórter do jornal local, que, tendo perguntado sobre a forma como ele costumava cultivar o seu valioso e qualificado milho, ficou muito intrigado com a revelação do agricultor de que ele partilhava boa parte das suas melhores sementes com os seus vizinhos.

- Porque é que senhor partilha com os seus vizinhos as suas melhores sementes, quando eles competem directamente consigo?

O agricultor, homem de poucos estudos, respondeu-lhe:

- Porquê? É simples: o vento apanha o pólen do milho maduro e leva-o de campo para campo. Se os meus vizinhos cultivarem milho de qualidade inferior à do meu, a polinização degradará gradualmente a qualidade do meu milho. Logo, para eu conseguir obter sempre milho da melhor qualidade, tenho que ajudar os meus vizinhos a cultivar também milho da melhor qualidade, cedendo-lhes parte das minhas melhores sementes.

O agricultor era homem de poucos estudos, mas de muita Sabedoria!

Quem quiser viver em Paz, deve procurar que seus vizinhos também vivam em Paz.

Quem quiser viver bem, deve ajudar os outros, para que também vivam bem.

Quem quiser ser feliz, deve ajudar os outros a encontrar também a felicidade, pois o bem-estar de cada um está ligado ao bem-estar de todos. Todos nós dependemos uns dos outros e, portanto, todos nós somos importantes uns para os outros, para que todos e cada um possamos viver bem.

Que cada um de nós ajude os seus próximos a cultivar cada vez mais as melhores sementes, os melhores milhos, as melhores amizades!

Que cada um, para lidar consigo mesmo, use a cabeça e, para lidar com os outros, use o coração!

(Adaptação minha de um texto de Karl Rahner)

Rui Bandeira

13 novembro 2007

O silêncio do Aprendiz

Em Loja, o Aprendiz Maçon não tem direito ao uso da palavra.

Esta frase, sendo substancialmente verdadeira, não espelha, porém, correctamente a realidade. A mesma ideia, correctamente formulada, expressa-se pela seguinte frase: em Loja, o Aprendiz Maçon beneficia do direito ao silêncio e cumpre o dever do silêncio.

O Aprendiz Maçon não usa da palavra em Loja, não porque se lhe não reconheça capacidade para tal (pelo contrário: o Aprendiz foi cooptado para integrar a Loja, pelo que se lhe reconhece valor), não porque se lhe atribua um estatuto inferior aos restantes (mais uma vez, pelo contrário: o Aprendiz tem um estatuto de plena igualdade com os restantes obreiros e é um importante pólo de atenção da Loja, que tem como uma das suas mais importantes tarefas a sua formação), mas porque o cumprimento de um período de silêncio é considerado imprescindível para o seu processo de aperfeiçoamento.

O silêncio do Aprendiz em Loja é importante por, pelo menos, três razões: a defesa do próprio Aprendiz, a focalização da sua atenção para a simbologia de que se vê rodeado e a demarcação de prioridades no seu processo de aperfeiçoamento.

Em primeiro lugar, estando o Aprendiz Maçon confinado ao silêncio, nada tem de dizer, sobre nada tem que opinar, nenhuma posição lhe é exigida. O silêncio a que é confinado funciona, desde logo, como um meio de defesa, de protecção, do mesmo.

O Aprendiz Maçon está a efectuar um processo de integração num grupo novo, com regras específicas, com uma ligação inter-pessoal forte. Desejaria, porventura, ter uma atitude proactiva de se dar a conhecer, de intervir, de mostrar o seu valor. Mas não precisa: que tem valor, já todo o grupo o sabe - por isso o aceitou no seu seio -, o conhecimento advirá, nos dois sentidos, com o tempo e a naturalidade dos contactos entre todos. O Aprendiz Maçon está num processo de mudança de paradigma quanto à forma de estar social. Os valores apreciados nos meios profanos não serão os mesmos que são preferidos entre os maçons. Na Maçonaria não se busca eficiência, produtividade, riqueza, estatuto, etc.. Na Maçonaria valoriza-se a força de carácter, o reconhecimento das próprias imperfeições, o desejo de melhorar, a ponderação, o respeito pelo outro, a tolerância, a paciência, etc.. Seria injusto para o Aprendiz maçon que, vindo das realidades do mundo profano, está ainda em processo de adaptação aos objectivos do método maçónico de aperfeiçoamento, deixá-lo expressar opiniões que, a breve trecho, mudará, exprimir conceitos que, desejavelmente, abandonará, em suma, actuar como está habituado a actuar no mundo profano, para logo verificar que errou e que o seu erro foi publicamente exposto.

Todo o processo de aprendizagem é um processo de tentativa-erro-correcção. O aperfeiçoamento pessoal é um processo também com estas características. Errar é normal. Será, porventura, até necessário. Os maçons experientes sabem-no. Mas quem está a soletrar as primeiras letras do novo alfabeto de valores só com o tempo o verificará. Não necessita de errar publicamente e, porventura, sentir-se diminuído com isso. Tempos virão em que será muito útil, para si e para os demais, que expresse a sua opinião, que colabore, que intervenha. Enquanto está na fase de aprendizagem, o que se espera dele é que aprenda, que se situe, que se concentre em si próprio, não na imagem que gostaria de transmitir para os demais.

Por outro lado, o facto de o Aprendiz maçon estar confinado ao silêncio, permite-lhe focalizar a sua atenção para tudo o que o rodeia, para tudo o que se passa, para tudo o que é dito - sem necessidade de responder! A experiência mostra-nos que, muitas vezes, não damos a atenção que deveríamos dar a situações, a acções, a declarações, porque estamos em simultâneo a pensar na resposta que vamos dar à situação, à acção, à declaração. O Aprendiz Maçon, com o seu direito ao silêncio, está eximido de responder, de opinar. Não tem assim de desviar a sua atenção para preparar a sua resposta. Pode e deve concentrar toda a sua atenção no que se passa, meditar sobre o seu significado, errar ou acertar, emendar o erro ou confirmar o acerto, em suma, ver (ver mesmo, não apenas olhar...) os símbolos, procurar compreendê-los e atribuir-lhes significados, utilizar esse conhecimento para sua própria melhoria.

O silêncio do Aprendiz permite-lhe, finalmente, pensar, depois reflectir e seguidamente meditar. E pensar, reflectir e meditar é o principal trabalho que tem a fazer. Porque só assim verá para além do óbvio, só assim despertará para o desconhecido, só assim se virará do exterior para o interior de si mesmo. E só assim poderá descobrir que tudo o que verdadeiramente importa já o tem, dentro de si. Basta que o encontre, que o utilize, que o aceite, que o desfrute!

A prioridade do maçon é ele próprio. O trabalho do maçon é melhorar, aperfeiçoar-se. Tudo o que de bom o maçon faça tem como objectivo esse aperfeiçoamento. A solidariedade é um meio de aperfeiçoamento. A fraternidade é um meio de aperfeiçoamento. O comportamento tolerante é um meio de aperfeiçoamento.

O importante está dentro de si. Tudo o que é exterior, incluindo a riqueza, posição social, reconhecimento dos demais, só tem valor na medida em que se repercuta positivamente no interior de cada um.

O Aprendiz Maçon vai, em silêncio, conhecer e aprender o significado de muitos símbolos. Vai, em silêncio, assistir a rituais e procedimentos. Vai, em silêncio, assistir a debates e verificar como se podem debater opiniões contrárias de modo civilizado, profícuo e satisfatório. Mas vai, sempre com o auxílio do silêncio, que há-de vir a compreender que não foi uma imposição, antes um benefício, sobretudo surpreender, apreender e compreender que o primeiro grande objectivo do maçon, o primeiro grande passo para se aperfeiçoar, a primeira ferramenta para descortinar o significado da Vida e da sua existência, é CONHECER-SE A SI MESMO.

E esse conhecimento de si mesmo não se obtém falando para os outros, conversando, discursando, palrando, opinando.

Esse conhecimento de si mesmo adquire-se lentamente, às vezes dolorosamente, sempre buscando persistentemente, apenas em diálogo consigo mesmo.

O silêncio do Aprendiz Maçon - quanto mais cedo este o perceba, melhor! - só existe perante os demais. Na realidade, o silêncio do Aprendiz mais não é do que um ensurdecedor diálogo consigo próprio, uma discussão que o que tem de bom trava com o que tem de mau, uma conversa com a criança que nos esquecemos de ser, com o adulto ponderado que, às vezes, deixamos para trás de nós próprios, com o experiente e sabedor ser que, de qualquer forma, o decurso do tempo mostrará que existe em nós, nós é que, muitas vezes, não damos por ele e não nos damos ao trabalho de inquirir se ele existe.

É no silêncio que o Aprendiz Maçon vai amaciando as asperezas da pedra bruta que é ele próprio. O silêncio do Aprendiz Maçon é o primeira prenda que a Loja lhe dá. Deve o Aprendiz Maçon utilizá-la como uma ferramenta. Se a utilizará bem ou mal, ele próprio - e só ele - o avaliará!

Rui Bandeira

12 novembro 2007

O décimo sexto Venerável Mestre

O décimo sexto Venerável Mestre foi Luís R. D.. Foi eleito em Julho de 2005. Como é normal na Loja Mestre Affonso Domingues, exercia o ofício de 1.º Vigilante quando foi eleito.

Luís R. D. era já, aquando da sua eleição, um Mestre Maçon com alguma antiguidade. Normalmente, teria sido chamado a dirigir a Loja mais cedo, mas as circunstâncias da vida impediram que assim tivesse ocorrido. Com efeito, na altura em que Luís R. D. normalmente iria começar a assegurar funções de Oficial do Quadro da Loja, não lhe foi possível assegurar quaisquer tarefas. Grave e prolongada doença de sua esposa obrigou-o a dar prioridade ao que era prioritário: assistir a sua companheira na vida, acompanhá-la na sua provação, proporcionar-lhe o conforto que lhe era possível proporcionar-lhe. Todo o maçon sabe, porque a todos é dito logo no dia da sua Iniciação, que os seus deveres perante a sua família preferem às suas tarefas maçónicas. Assim, durante algum tempo, prolongado, Luís R. D. mantinha com a Loja e os seus obreiros apenas contactos esporádicos. Manifestamente que não podia assumir quaisquer responsabilidades em Loja. Depois, Luís R. D. sofreu o golpe da perda de sua companheira. Apesar de saber que esse era o fim inevitável da doença que lha arrebatou, teve de suportar o desgosto dessa perda e superá-la com o luto que tão necessário é para que os vivos deixem seus entes queridos falecidos repousar em paz e possam seguir com suas vidas. Todo este processo a Loja foi acompanhando e ajudando no pouco em que podia ajudar. Até que, a pouco e pouco, as nuvens negras foram-se dissipando, o luto foi fazendo o seu papel e o Luís R. D. voltou a poder estar mais assiduamente junto de seus Irmãos. Aliás, gostamos de pensar que o convívio connosco ajudou o Luís R. D. na superação da perda sofrida.

Alguns anos se passaram, portanto, até que o Mestre Maçon Luís R. D. pudesse assumir ofícios no Quadro da Loja. Quando lhe foi possível dar o seu contributo assíduo, fez todo o percurso que, na Loja Mestre Affonso Domingues, um Mestre Maçon faz até que seus pares formalmente lhe depositam, por eleição, a sua confiança para que, da Cadeira de Salomão, dirija os destinos da Loja.

Tudo isto fez com que Luís R. D. tenha sido, já septuagenário, o elemento da Loja mais idoso a ser eleito Venerável Mestre, até hoje. Este era, aliás, o único motivo de preocupação que pairava nos espíritos dos obreiros da Loja quando, unanimemente, como sempre, elegeram Luís R. D. para exercer o ofício de Venerável Mestre. Embora fosse um "velho rijo" e - sempre! - (muito) bem disposto, todos reconheciam que a passagem do tempo começava a exigir o seu tributo, que a sua saúde e energia, embora ainda invejáveis, já não eram as mesmas de alguns anos atrás. Mas esse era um problema que, se surgisse, teria de ser resolvido pela Loja, como no passado esta tivera que resolver outros.

Surgiu!

A sessão normal de instalação do Venerável Mestre é a sessão que tem lugar no segundo sábado de Setembro. Alguns dias antes, soubemos que Luís R. D. estava doente, incapacitado de ser instalado. E, depois, que necessitaria de uma intervenção cirúrgica. E, seguidamente, que a recuperação, que se esperava breve, tinha tido uma pequena complicação. Com inquietação, fomos acompanhando este episódio de fragilidade do nosso Venerável Mestre eleito.

Entretanto, a ausência forçada do Luís R. D. foi superada com toda a naturalidade: Miguel R. continuou a exercer o ofício, assegurando a condução dos destinos da Loja até que pôde passar o seu encargo ao Venerável Mestre eleito. Sem dramas, sem problemas, com a calma que o caracteriza.

Só em Novembro de 2005 Luís R. D. pôde, finalmente, ser instalado. Embora ainda naturalmente um pouco debilitado, assumiu com determinação a sua função. Estava à porta a confraternização anual de Dezembro da Loja, momento sempre alto no ano, não só pela confraternização em si, mas porque é a altura em que a Loja agradece ao Venerável Mestre que cessou funções e organiza um leilão de objectos doados pelos obreiros para angariação de fundos destinados a serem entregues a uma associação de solidariedade social ou, de preferência, a financiarem a aquisição de algo que seja útil a uma associação de solidariedade social. Embora a Loja tivesse precavido a incapacidade de Luís R. D. e tivesse começado a preparar o evento, foi com alívio e agrado que pudemos deixar as decisões essenciais da organização do evento ao prudente arbítrio do nosso Venerável Mestre finalmente no pleno exercício de funções.

E, se Luís R. D. teve problemas de saúde para iniciar o seu mandato, logo que instalado tal não se notou. Trabalhou rijamente e assegurou modelarmente todas as organizações da Loja no decurso do seu mandato. Acabou, sem dúvida, por ser um dos mais profícuos anos de trabalho da Loja. A recolha de fundos para a associação de solidariedade social seleccionada para a receber (não interessa qual; mas é uma meritória obra de ajuda ao próximo, particularmente dos mais carentes de apoio) foi um êxito. A ajuda prestada à entidade seleccionada foi superior à que os fundos recolhidos normalmente poderiam proporcionar, graças à experiência, sageza e contactos do Luís R. D., que obteve, sobretudo, medicamentos e material de assistência na saúde em condições mais favoráveis. Fizeram-se duas acções de recolha de sangue, algumas acções culturais muito interessantes, um passeio memorável a Figueira de Castelo Rodrigo (conferir aqui e aqui), integrámos novos elementos, com êxito, completámos a formação de novos Mestres, hoje dando o seu contributo activo à Loja, enfim, o nosso mais idoso, até hoje, Venerável Mestre tudo dirigiu, tudo organizou, tudo proporcionou, com energia, com capacidade, com sabedoria.

E sempre com a sua boa disposição, com o seu sorriso alegre. Foi dos Veneráveis Mestres com mandato mais auspicioso. Foi sempre com muito gosto que todos trabalhámos sob a sua direcção.

Ah! É verdade! E foi também no decurso do seu mandato que se iniciou o A Partir Pedra! Este é um bom exemplo da forma de trabalhar do Luís R. D., que deu toda a liberdade aos obreiros para pensarem e lançarem iniciativas e as acarinhou. O A Partir Pedra foi iniciativa individual de alguns Mestres Maçons da Loja Mestre Affonso Domingues. Mas estes nunca refeririam o nome da Loja se não tivessem tido o aval desta, através do seu Venerável Mestre. Luís R. D., com a sua experiência e largura de vistas, logo percebeu que o que se projectava podia ser uma boa resposta, ao nível de uma Loja Maçónica, à necessidade de dissipação da fama de secretismo da Maçonaria, um instrumento de comunicação do nosso século, valioso e com potencialidades. Portanto, apoiou e deu força. Se o não tivesse feito, talvez o A Partir Pedra não tivesse aparecido, ou só tivesse aparecido mais tarde, ou, talvez ainda, fosse diferente. O que de bom o A Partir Pedra porventura tenha, também é obra do Luís R. D.; aquilo que tem de mau é só culpa nossa...

Rui Bandeira