03 outubro 2007

A integração do Aprendiz (I)

Terminada a Cerimónia de Iniciação, começa de imediato o importante capítulo da integração do novo Aprendiz. Em bom rigor, essa integração tem já início no decorrer da própria Cerimónia de Iniciação. Mas disso, quase de certeza, não tem o novo Aprendiz consciência. Porventura, de tal se aperceberá (muito) mais tarde, quando, já completamente integrado, rememorar sua vida maçónica.

A Maçonaria organiza-se essencialmente em Lojas, grupos de maçons com ampla autonomia - mas estrita convergência de princípios -, que cooperam no aperfeiçoamento individual de cada um. A integração de um nóvel Aprendiz na Maçonaria corresponde, assim, à integração na Loja que o acolhe, no grupo de que passa a ser mais um participante.

Essa integração ocorre mediante um processo com dois sentidos: depende do esforço e da actuação da Loja perante o novo Aprendiz, mas também só é bem sucedida através da conduta e do posicionamento deste em relação à Loja.

Ao integrar um novo elemento, desconhecedor de muitas das idiossincrasias da realidade a que se juntou, a Loja, enquanto grupo, e cada um dos seus obreiros, individualmente, devem ter presente que essa transição é um processo de delicado equilíbrio: o novo elemento tem a categoria de Aprendiz, em sinal de que muito tem de aprender, no confronto e com o apoio dos mais antigos, mas deve ser, só pode ser, é, tratado num plano de estrita Igualdade com os demais membros da Loja; o novo Irmão é recebido com toda a afabilidade e familiaridade, mas deve ser, só pode ser, é, tratado com pleno e integral respeito da sua personalidade, da sua privacidade; o novo Aprendiz passa a dispor de um método de formação, de uma panóplia de conhecimentos, de um conjunto de ensinamentos e valores que lhe são relembrados, mas deve ser, só pode ser, é, respeitado na sua individualidade, nas suas escolhas, no seu pensamento, tudo se lhe facultando, nada se lhe impondo.

A integração de um novo elemento numa Loja não ocorre através do ensino àquele do que esta é; processa-se através da aprendizagem por ele dessa realidade. A Maçonaria não se ensina - aprende-se! Em Maçonaria, nada se impõe, tudo, desde que conforme aos seus princípios essenciais, se aceita. Em Maçonaria, não há interpretações ou pensamentos certos ou errados, e muito menos únicos. Em Maçonaria o pensamento individual, a crença de cada um, são integralmente respeitados e a diversidade é encarada como uma riqueza para o conjunto. A integração de um novo maçon na Loja, consequentemente, é um processo que deve ser, só pode ser, é, efectuado no pleno respeito da individualidade, da personalidade, das características, do novo elemento. Individualidade, personalidade e características que, juntando-se às que já existem no grupo, o enriquecem, o fortalecem, o diversificam, enfim, o melhoram.

Os maçons gostam de dizer que a Maçonaria pega em homens bons e fá-los melhores. Mas a inversa também é verdadeira: a integração bem feita, no respeito da individualidade do novo elemento, no grupo, na Loja, faz com que esse homem bom torne a Maçonaria melhor! Qualquer dessas melhorias ocorre naturalmente: não é a Loja que melhora o novo maçon - é este que se aperfeiçoa, no confronto com seus pares, com os princípios morais com que mais assiduamente se depara; a Loja, por seu turno, enriquece-se, melhora, cresce, qualifica-se, em função das melhorias, dos aperfeiçoamentos, de todos os seus elementos, recentes e mais antigos, quaisquer que sejam os seus graus e qualidades. Gera-se assim um círculo virtuoso em que o indivíduo beneficia do grupo para se aperfeiçoar e aperfeiçoa o grupo em virtude da sua própria melhoria.

A integração de um novo Aprendiz não é, assim, um mero processo de enquadramento. É uma verdadeira essencialidade da Loja. A integração do novo Aprendiz é o fermento que faz crescer a valia do grupo, é o cimento que liga a Loja, é o mastique que confere flexibilidade ao conjunto.

Uma Loja demasiado tempo sem Aprendizes é uma Loja estéril, um grupo sem perspectivas de futuro risonho. Será porventura constituída por muito Sabedores Mestres, por Fortes temperamentos, mas faltar-lhe-á a Beleza do acompanhamento dos esforços de quem ainda só sabe soletrar a Maçonaria, o estímulo dos seus progressos, a lembrança de que o esforço de aprendizagem, de aperfeiçoamento, não acaba com a ascensão à Mestria, não cessa com a experiência, não acaba com a antiguidade.

A integração bem feita de um novo Aprendiz não é, pois, apenas importante para este: é intrinsecamente uma necessidade vital da Loja. É por isso que nenhuma Loja maçónica se pode dar ao luxo de não providenciar pela correcta integração dos seus Aprendizes, não pode cometer o desperdício de os abandonar à sua sorte e aos acasos do seu desacompanhamento. E, se porventura, se der a esse luxo, se cometer esse desperdício, virá a pagar bem caro esse desmazelo!

Uma Loja maçónica não vive só para os seus Aprendizes, mas vive também, e muito, para eles. Porque o esforço de acompanhamento destes cimenta a unidade do grupo; porque a formação destes melhora a do grupo; no fundo, porque não são só os Aprendizes que aprendem com a sua Loja - esta também aprende, e muito, com aqueles.

Rui Bandeira

5 comentários:

Paulo M. disse...

"Uma Loja demasiado tempo sem Aprendizes é uma Loja estéril, um grupo sem perspectivas de futuro risonho."

Já foi cá dito que a Loja Mestre Affonso Domingues congregará cerca de 40 maçons; mas quantos aprendizes são, grosso modo, iniciados por ano?

O que acontece se houver muitas "entradas" e poucas "saídas", e em consequência a loja crescer muito? Suspende-se a admissão de aprendizes, correndo-se o referido risco de ancilosar?

Em suma: como se faz o "controlo de população"? Imagino que não se "parta a colmeia ao meio", como fazem as abelhas... ou será, de facto, assim que surgem as novas lojas?

Um abraço,

Simple Aureole

Rui Bandeira disse...

@ simple:

1. Varia, mas uma média de 2/3 por ano.

2. Nos Estados Unidos, muitas Lojas têm centenas de membros (ao ponto de ser comum usarem distintivos com os nomes...). Nós não temos ainda esse problema... Em Maçonaria não há "numerus clausus" e, por isso, a suspensão de Iniciações por razões "logísticas" é impensável (bom, a bem dizer, impensável não será, porque o simple pensou nessa possibilidade...; digamos que não é uma via de solução do "problema" que estivéssemos dispostos a encarar...).

3. O "controlo da população" faz-se naturalmente. Há entradas, há períodos de adormecimento, há saídas (por transferência para outras Lojas, por exclusão e por morte, que a Maçonaria é, esperamos, eterna, mas os maçons não!). Mas se o problema surgir, o "partir da colmeia ao meio" é efectivamente uma possibilidade - embora no passado da Loja, na única vez que o problema se pôs, essa possibilidade não se tivesse revelado "ter pernas para andar"... A este propósito, consulte o texto O fim da infância (http://a-partir-pedra.blogspot.com/2007/07/
o-fim-da-infncia.html), publicado em 24/7/2007.

Paulo M. disse...

Obrigado pela resposta! Esta faceta - a dinâmica de renovação do grupo - ainda não tinha sido tratada - ou, pelo menos, não a tinha eu visto ainda. Tinha alguma curiosidade quanto ao número de elementos de uma loja; com centenas de elementos (ou mesmo apenas umas dezenas) deve ser mais difícil congregar toda a gente num mesmo local...

Imagino que, mesmo nas lojas em que haja muitos elementos, os mais assíduos devam rondar a trintena. De facto, há quem indique esta "dimensao tribal" (uns apontam para trinta, outros para até cento e cinquenta elementos) como aquela a partir da qual o nosso cérebro começa a desumanizar as relações, e um grupo deixa de ser um grupo de indivíduos e "os outros" passam a ser uma mole de gente sem rosto... o que não me parece contribuir muito para o espírito da coisa!

Um abraço,

Simple Aureole

Jose Ruah disse...

carissimos,

Ando aqui a magicar ha uns tempos um texto sobre o tema

Loja - Da genese ao abatimento de colunas.

Uma das questoes a abordar é exactamente essa da dimensão.

Peço aos leitores um pouco de pciencia porque ando numa azafama monstruosa e logo otempo é escasso, mesmo se considerarmos que o dia tem 24 h e ainda ha mais 12h à noite.

Paulo M. disse...

Caro José Ruah:

Os melhores pratos cozinham-se em lume brando... Cá esperamos esse texto, mas só quando estiver "no ponto", bem apuradinho!

De facto, os últimos "cozinhados" aqui no blog têm-me enchido as medidas - têm tido tanta substância que tenho sido obrigado a "guardar os restos" e voltar à carga nos dias seguintes... Continuem assim!

Um abraço,

Simple Aureole