03 janeiro 2007

Tolerância - parte 3


Em 16 de Novembro último, assinalei o Dia Internacional da Tolerância com um texto dedicado a esse tema.

No dia imediato, o JoséSR publicou um breve texto, Tolerância - parte 2, em que, designadamente, escreveu:

Tolerância, pois eu sou da opinião contrária à do Rui Bandeira. Tolerância não é um valor Universal por muito que se lhe faça um dia ou uma declaração de Princípios.

Em comentário a este texto, instei o JoséSR, designadamente, a clarificar a sua posição.

O José SR veio a fazê-lo com a publicação de um texto que apresentou no 1.º Congresso Internacional da Maçonaria, que decorreu no CCB em 25 de Junho de 2006, que eu aliás já conhecia, por ter sido também publicado numa revista dedicada a temas maçónicos. Era por essa publicação que eu aguardava para prosseguir o debate, pois, embora eu conhecesse perfeitamente a posição que sobre o tema o JoséSR expressara no referido texto, só com a sua publicação no blogue seria compreensível para quem o visita o prosseguimento da troca de opiniões.

O trecho que clarificou o entendimento do JoséSR foi incluído no texto intitulado Conflito de religiões, publicado no blogue em 20 de Dezembro último. Ali, escreveu, designadamente, no que a este tema respeita:

A tolerância tão apregoada pela Maçonaria, é em minha opinião, um conceito perigoso.

Perigoso por duas razões essenciais:

Não é paritário ; Não é mensurável.

Tolerar alguém, ou algo é uma relação de superioridade para com esse alguém ou esse algo. Numa relação de Tolerância há o Tolerante e o Tolerado, é certo que cada qual pode ser as duas coisas simultaneamente, mas o mais normal é cada um de nós aplicar o conceito de tolerância quando a coisa não correu conforme o esperado.

Não é mensurável, pois não é possível definir até onde se deve ou se pode ser Tolerante. E como dizia Fernando Teixeira “ o limite da tolerância é a estupidez “.


Estando ainda então em curso de publicação dos comentários sobre os Landmarks, entendi por bem adiar o prosseguimento do debate até ter finalizado aquele assunto. É então agora o momento asado de comentar o entendimento do JoséSR.

O desacordo de opiniões é apenas aparente e decorre de cada um de nós estar a aplicar o conceito "Tolerância" em termos diferentes. Para o JoséSR, a tolerância implica uma relação de superioridade entre o tolerante e o tolerado, isto é, consiste em o "tolerante" suportar o "tolerado", admitir a sua existência ou a sua permanência junto dele. Nesse entendimento, é óbvio e evidente que as reticências postas pelo JoséSR têm todas as razões para serem colocadas.

Simplesmente, o conceito de "tolerância" que eu entendo dever ser aplicado, aquele que entendo ser imprescindível nos princípios e na conduta do maçon nada tem a ver com essa relação de superioridade. Essa Tolerância já a defini, de passagem, no meu texto intitulado Beleza, publicado em 26 de Outubro último, quando aí mencionei a tolerância para com os outros como contrapartida da necessidade de dos outros vermos toleradas nossas próprias imperfeições.

Ou seja, na minha opinião, o correcto entendimento do conceito implica, não uma relação de superioridade, mas uma relação de paridade
: eu devo tolerar as imperfeições dos outros, porque eu próprio também as tenho e espero que as minhas imperfeições, apesar de reconhecidas como tal, sejam toleradas pelos demais. A necessidade de tolerância radica assim no reconhecimento de que a perfeição humana não existe e, portanto, temos que admitir como um facto da vida que todos e cada um de nós temos os nossos defeitos,as nossas imperfeições e é, por conseguinte, até mais do que imperativo ético, um acto de inteligência tolerar o Outro com os seus defeitos, pois só assim posso esperar que os meus sejam, por sua vez, tolerados.

E, assim sendo, também não existe um problema de medida da tolerância: devo dedicar aos outros a tolerância na mesma e exacta medida que reivindico, que espero, para mim. Nem mais, nem menos!

Este o entendimento que julgo acertado do conceito. E, se o JoséSR se colocar nesta perspectiva, estou certo que não tem rebuço em concordar que a Tolerância é, deve ser, tem de ser, não pode deixar de ser, uma virtude cultivada pelos maçons.

A outra noção de "tolerância", a que implica uma relação de superioridade, a que o JoséSR foi levado a utilizar, não tem nada a ver com isto, não passa de uma máscara para esconder outros comportamentos: a "tolerância" do branco em relação ao negro (ou vice-versa) não é mais do que racismo comprometido; a do homem para com a mulher (ou vice-versa), não passa de machismo (ou feminismo) mentecapto; a do cristão para com o judeu ou o muçulmano, ou do judeu para com o muçulmano ou o cristão ou a do muçulmano para com o cristão ou o judeu, mais não significam do que a tentativa de ocultar sectarismo religioso; a do rico em relação ao pobre apenas disfarça o sentimento de culpa pela sorte do conforto material ou desejo de continuar a explorar o deserdado.

Porque o branco e o negro são ambos Humanos e ambos têm carne e ossos e sangue vermelho e coração e cérebro.

Porque homem e mulher se complementam e são mutuamente indispensáveis.

Porque cristão, judeus e muçulmanos crêem no mesmo Deus.

Porque o rico e o pobre só se enobrecem pelo trabalho.

Eis, no meu entendimento, a fundamental diferença entre a "tolerância" e a Tolerância.

Rui Bandeira

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