26 junho 2006

Da ética


Ao assistir ontem à transmissão do Portugal - Holanda em futebol, um pormenor me chamou a atenção: a imediata e ruidosa reacção do público a uma acção violadora da ética.

A selecção portuguesa vencia por 1 - 0, jogava com um jogador a menos e estava a ser literalmente "massacrada" pela Holanda. A barra já devolvera um remate, o guarda-redes português já efectuara duas difíceis defesas a perigosos remates. O público holandês era em muito maior número do que os portugueses que assistiam no local ao jogo - parece que numa relação de 4 para 1. Havia também muito público que não era holandês nem português. Mas, de forma geral, sentia-se no ar que a resistência da equipa portuguesa podia ser quebrada a qualquer momento. E o entusiasmo de quem era neutral, naturalmente manifestava-se a favor de quem atacava e contra quem defendia.

Resumindo: com excepção da minoria portuguesa, todo o estádio incitava a Holanda no seu assalto ao reduto português. A imensa maioria do público desejava, aguardava, o golo holandês e incitava a selecção holandesa; e parecia que era apenas uma questão de tempo até que toda aquela pressão vergasse o reduto luso!

Eis senão quando o jogp foi interrompido, quando a bola era controlada pela equipa portuguesa, para assistência a um jogador. Efectuada esta, o jogo recomeçou com bola ao solo e todos esperavam - jogadores portugueses incluídos - que a selecção holandesa, como é já consensual em situações destas, entregasse o controlo da bola ao adversário, que o detinha aquando da interrupção.

O jogador holandês que estava junto do lançamento de bola ao solo também pareceu assim entender e efectuou um displicente pontapé na bola, afastando-a, creio que com a intenção de a entregar à equipa portuguesa.

Só que, caprichosamente, a bola foi parar a um outro jogador holandês, o qual, após uma breve, mas nítida, hesitação, resolveu não seguir o comando ético já consensual nestas situações e tentou aproveitar-se da inacção do adversário para iniciar uma jogada de ataque.

Foi então que todo aquele estádio, que ainda momentos antes incentivava fogosamente a selecção holandesa irrompeu num ruidoso protesto contra o jogador holandês, que só acalmou quando o mesmo foi travado em falta por Deco (o que, aliás, lhe valeu a primeira das duas advertências que viriam a causar a sua expulsão...)! Até adeptos holandeses eu vi a protestarem contra o jogador da selecção que apoiavam!

Este momento, no meu entender, foi decisivo. Algo então se quebrou na empatia entre a maioria do público e a selecção holandesa e, até ao final, o entusiasmo e o apoio a esta selecção não foram já os mesmos, deixaram de ser tão fortes, entusiasmados e entusiasmantes.

Curiosamente, não mais a selecção holandesa voltou a dispor de oportunidades de golo tão flagrantes como as que teve até aí.

O sentido ético está enraizado nas sociedade humanas. Podem variar os valores éticos. Pode variar a força social que lhes é conferida. Mas uma quebra de ética, entendida como violação de uma obrigação comportamental consensualmente admitida e exigida, é, por regra, objecto de reacção dir-se-ia que instintiva.

Foi o caso: não só o público não mais pressionou como vinha pressionando, como os próprios jogadores holandeses aparentaram ter sentido essa perda de apoio e, de alguma forma, perderam algo do seu ânimo.

Pode ser exagero meu, mas fiquei com a sensação que foi este o momento da viragem do jogo, foi este o pormenor que se veio a, subtilmente, verificar decisivo, reforçando o querer e a união da equipa lusa e minando a vontade da selecção dos Países Baixos.

Foi uma violação da Ética que se voltou contra o seu autor.

Ou, pelo menos, agrada-me pensar que assim foi!

Rui Bandeira

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